COMO TER SE TORNAR UM FANÁTICO Wo waere dann frohe Gewissheit? Se não tivéssemos as dúvidas, Onde, então, haveria uma certeza jubilante? Goethe ideia deste livro teve origem em um projeto do Institute of Culture, Religion, and World Affairs da Boston University, na ocasião dirigido por Peter Berger, hoje pesquisador sênior. Intitulamos o projeto "Entre o relativismo e o fundamentalismo". Um grupo internacional de trabalho, constituído de estudiosos americanos e europeus da religião, buscou delinear esse "posicionamento moderado" dos pontos de vista de diferentes tradições cristãs e judaicas. Os artigos resultantes desse projeto serão publicados separadamente. Apesar de o projeto limitar-se aos aspectos religiosos da dicotomia relativismo/fundamentalismo, os participantes logo perceberam a existência de importantes implicações morais e políticas. Mais especificamente, apesar de os participantes do projeto em geral concordarem que a fé religiosa é capaz de conciliar a dúvida - em outras palavras, que é possível ter fé na ausência de certeza -, eles reconheceram que as pessoas podem e de fato fazem julgamentos morais com alto grau de certeza, julgamentos que, com frequência, levam a consequências políticas. Mas como a incerteza religiosa coexiste com a certeza moral? Essa questão se estende além do escopo do projeto inicial, de forma que Berger decidiu escrever um livro para explorar tanto os aspectos religiosos quanto os morais/políticos de um "posicionamento moderado". Ele convidou Anton Zijderveld, que não participou do grupo de trabalho, para escrever o livro em coautoria, por desejar desenvolver o tema com uma pessoa que tivesse maior expertise filosófica. (Zijderveld é doutor tanto em Sociologia quanto em Filosofia.) A colaboração, que envolveu a elaboração em conjunto de cada capítulo, foi ao mesmo tempo produtiva e prazerosa. Os autores gostariam de expressar sua profunda gratidão a David Kiersznowski, que, generosamente, financiou o projeto original, além de possibilitar que os dois autores se reunissem e trabalhassem juntos no livro, uma vez em Amsterdã e uma vez em Boston. Agradecimentos vii 1.Os muitos deuses da modernidade 1 2.A dinâmica da relativização 23 3.Relativismo 45 4.Fundamentalismo 63 5.Certeza e dúvida 81 6.Os limites da dúvida 109 7.A política da moderação 131 Guia de estudo 149 Índice 159 ouco antes do despontar do século XX, em tom de apaixonada convicção, Nietzsche proclamou a morte de Deus. Hoje em dia, pouco mais de 100 anos depois, essa profecia nos parece pouco plausível. Se Deus existe ou não na realidade cósmica é uma questão completamente diferente. E essa questão não pode ser respondida pelas ciências empíricas: Deus não pode ser o objeto de um experimento. Mas, na realidade empiricamente acessível da vida humana hoje, temos uma verdadeira abundância de deuses competindo pela atenção e a lealdade das pessoas. Nietzsche acreditava estar testemunhando o início da era do ateísmo. Entretanto, mais parece que o século XXI é marcado pelo politeísmo. É como se os muitos deuses da Antiguidade tivessem voltado para se vingar. Os pensadores mais radicais do Iluminismo, particularmente na França, previram a morte da religião em um espírito de jubilosa expectativa. A religião era percebida como uma grande ilusão, que deu origem não apenas a uma profusão de superstições, como também às mais monstruosas atrocidades. As guerras religiosas que se seguiram à dissidência protestante na Europa confirmam claramente essa visão. Dessa forma, o clamor de Voltaire, "Destruam a infâmia!", se aplicava não apenas à igreja católica - pela experiência do próprio Voltaire, a mãe de todas as atrocidades -, mas também à religião em geral. Os protestantes continuaram a executar hereges e queimar bruxas em fogueiras com o mesmo entusiasmo que seus adversários católicos. E também não era possível encontrar tradições religiosas mais "agradáveis" fora do mundo cristão dividido. O instrumento que deveria destruir a religião era, naturalmente, a razão. À luz fria da razão, as ilusões da religião se dissipariam. Essa expectativa foi simbolizada de modo dramático quando os revolucionários franceses consagraram a deusa da razão na Igreja de la Madeleine em Paris. Essa fé do Iluminismo não se dissipou com a Revolução Francesa. Com efeito, em versões diferentes, ela se mantém até os dias de hoje. No século XIX, essa crença se fundamentou particularmente na ciência. Acreditavase que a razão encontraria uma metodologia infalível para compreender o mundo e, em última instância, criar uma ordem social moralmente superior. Em outras palavras, a filosofia do Iluminismo se transformou em ciência empirista. O profeta dessa transformação foi Auguste Cocote, cuja ideologia do positivismo teve enorme influência sobre a intelectualidade progressista não só na Europa, como também em outras partes do mundo (com destaque para a América Latina, onde a bandeira brasileira ainda é adornada com o slogan comtesco "ordem e progresso"). Não por acaso a nova ciência da sociologia foi inventada por Cocote. À medida que essa ciência se desenvolvia, ela se desviava cada vez mais do que Cocote tinha em mente. Ela passou a se ver cada vez mais não como um sistema filosófico, mas como uma ciência baseada em evidências empíricas e sujeita à refutação empírica. Três pensadores são mais comumente vistos como os fundadores da sociologia moderna: Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. As diferenças entre os três são enormes. Mas, no que se refere à religião, cada um deles, embora motivados por diferentes razões, acreditava que a modernidade levava a constante declínio. Marx e Durkheim, ambos filhos do Iluminismo, receberam de braços abertos o suposto avanço da modernidade. Weber, por outro lado, o contemplava com melancólica resignação. Na sociologia da religião, à medida que se desenvolvia no século XX, essa associação da modernidade com o declínio da religião passou a ser conhecida como "teoria da secularização". Essa teoria propunha que a modernidade, tanto devido à disseminação do conhecimento científico quanto devido ao desgaste das bases sociais da fé religiosa provocado pelas instituições modernas, levaria necessariamente à secularização (vista como o declínio progressivo da religião na sociedade e na mente das pessoas). Essa visão não se fundamentava em alguma rejeição filosófica da religião, mas sim em vários dados empíricos que pareciam sustentá-la. (É importante notar que muitos desses dados vieram da Europa.) É necessário salientar que essa teoria era "livre de valor" (para utilizar um termo weberiano). Em outras palavras, poderia ser mantida tanto por aqueles que a aceitavam quanto pelos que a criticavam. Assim, inúmeros teólogos cristãos do século XX se mostravam insatisfeitos com esse suposto processo de secularização, mas o viam como um fato cientificamente fundamentado ao qual tanto as igrejas quanto os fiéis deveriam conformar-se. Alguns teólogos chegaram a encontrar maneiras de aceitar esse processo (como os defensores da "teologia da morte de Deus", que esteve em voga durante um breve período nos anos 1960 - um maravilhoso caso de "homem mordendo o cachorro"). ►UAL É A SITUAÇÃO ATUAL DA SECULARIZAÇÃO NO MUNDO? É justo dizer que a teoria da secularização foi enormemente refutada pelos eventos das décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (o que, é claro, explica por que a maioria dos sociólogos da religião, com muitos poucos baluartes restantes, mudou de ideia em relação à teoria). Ao analisar o mundo contemporâneo, não é a secularização que se vê, mas sim uma enorme explosão de exaltados movimentos religiosos. Por motivos óbvios, o que mais tem
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