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Elementos da Linguagem Musical PDF

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I ii Cole~ao Luis Cosme I bruno kiefer Volume I I, ELEMENTOS DA LINGUAGEM MUSICAL Do Autor MUsica alema-estudos (1957). introduc;60 de Erica Verissimo Hist6ria e significado das formas musicais (1968). Elementos da linguagem musical (i 969). Hist6ria da musica brasileira (1976) A modinha eo lundu (1978) Musica e dan~a popular - sua influoncia na musica erudita (1979). terceira edi~ao ~ EDITORA MOVIMENTO ~ T I revisio - Myrna B. Appel capa - Claudio Casaccia INDICE A musica e eu - por :!trico. Verissimo / 7 PreAmbulo / 18 o rltmo / 23 A dura~ao / 24 A intensidade I 25 Outros fatores I 25 Arsis e tesi.s I 26 Fontes de ritmo musical / 27 o ritmo musical no Mundo e na rust6ria / 31 o ritmo na musica oriental I 31 o ritmo na mUsica de Ja.zz / 32 o ritmo na musica europ~ia / 33 o ritmo no periodo g6tico / 34 KIEFER, Bruno, 1923 - . o ritmo na Renascenca / 35 o ritmo ns. ultima tase do Barroco / 85 o Elementos da linguagem musical. ritmo no per1odo Rococ6-ClAssico I 36 o ritmo no Romantismo / 36 Introd. de l!:rico Verissimo, 2. ed. o ritmo no s~culo XX / 37 Porto Alegre, MovimentojBrasUia/Instituto Muslea e Lingua / 39 Vari~Oes de andamento / 44 Nacional do Livro - MEC/1973 A melodla / 49 Elementos de constru~io- mel6d1ca / 51 96 p. 21 em. A monodia / 56 Melodia acompanhada / 56 1. Musica - Teoria. 2. Composicao Musical. E&quemas de estrutura mel6dica / 58 o conceito de tema I 61 1. Titulo. A pollfonla / 65' CDD: 781 Pollfonia imitaUva e do ImitaUva / 67 A harmonIa / 70 A Qrquestra / 75 '-.. A orquestra no Rocooo-Classicismo / 79 A orque.stra romAntica / 82 A orquestra no s~culo XX / 84 A reg~neia / 86 Ap~ndice: exemplos musicals comentadoB / 89.92 1979 a Direitos reservados Editora Mollimento Republica 130 - F.24.51.78 Porto Alegre - RS - Brasil \. A MOSICA E EU Erico Verissimo Este artigo sobre mlnhas venturas e aventuras no Mundo da musica me foi sugerido por meu amIgo Bru no Kiefer, excelente professor de musica e compositor, que acaba de eacrever urn livre intitulado Elemen_ tOIi da Llnguagem Musical, e que teve a ideia, que muito me lison jeia, de pUblicar no volume eata conversa de leiga como uma esp~cie de musiquinha di;l circe que 0 leitor ouvira antes de entrar na musica selia ... Segundo a cronica familiar, 0 meu convivio com a musica ou, melhor, a minha afei~ao por ela come Dedlcado a ~ou quando eu tinha apenas dois anos incompletos. Continuou depois atraves do tempo como tudo no Hedy Metzler Brasil, isto e, com altos e baixos, a trancos e barran cos, ao sabor de acaEOS e improvisa~i5es, de sorte que meus conhecimentos musicais sao hoje em dia e uma dourada cupula - Duro artificial, claro - sem nada por baixo a sustenta-la. Tendo ja dado dais passos relutantes na casa dos sessenta (ah! como tinha razao 0 poeta que in timou 0 tempo a parar!) prossigo nos meus amores com a arte de Orfeu, 0 heroi mitico que urn velho tio meu costumava cOnfundir com Morfeu, nome este que uma amiga solteirona temia como ao proprio demonio, pois associava-o a morf·eia Lembro-me vagamente do menino que - sete au oito anos? - sentia urn aperto no cora~ao toda vez em que ouvia a Serenata de Schubert tocada em flauta par Patapio, num remoto disco da Casa ltdi son, Rio de Janeiro. Vejo-me, pouco mais que ado lescente, a vaguear numa noite chuvosa de inverno pelas ruas da minha cidade natal, com uma lanterna de querosene na mao, pois como tivesse entrada em prolongada pane a usina eletrica local, as ruas esta as yam completamente as escuras. Voltava eu duas 7 t\. r,. da madrugada da casa de meu ti~, 0 Dr. Catarino, cimento com Beethoven, mas devagarinho: apenas o velho sobrado dos Verissimos, onde estivera a ou as trechos de Fidelio e Egmont. Andava voltas com vir pelo radio, a que um gerador elt\trico domestico Machado de Assis e Euclides da Cunha quando ouvi dava vida, a irradiagao de La Boheme, feita direta Wagner pela primeira vez, creio que em excertos mente do Teatro Col6n de Buenos Aires pela estagao de seu Crespusculo dos Deuses. Achei, entretanto, da municipalidade. Quem tinha feito 0 Rodolfo? Ora que era cedo demais para me meter com 0 alemao. quem! Beniamino Gigli, 0 tenor com um singhiozzo Brahms as vezes passava por mim, de longe, na voz. E no dia seguinte, it hora ritual do banho', barbudo e distraido, as maos trangadas as costas, rompi a cantar arias da 6pera de Puccini e fiquei como na gravura classica. (Berceuse, D'l-nf,las Hun tomado dum certo orgulho quando 0 ralo do chu garas.) veiro vibrou ao impacto· de minha voz. (Como diria Deixei de ser empregado de banco para comprar Ega de Queiroz, eramos assim em 1926). sociedade numa farmacia, como repetidamente te Durante as horas de expediente na casa banca nho contado. Duma feita, para susto de meu soclo ria onde trabalhava, chefe que era - oh honra! - da no «estabelecimento», e esc;mdalo do publico em ge Carteira de Descontos, eu dedilhava a maquina de ral, levei minha Victor portatil para cima do balcao escrever, compondo memorandos em que pedia aos da botica e pus a engenhoca a funcionar com todo nossos distintos clientes que viessem resgatar Bem o volume - que era debilissimo, pois nao nos haviam mais demora as suas duplicatas vencidas. De subito a chegado ainda as eletrolas - e sob 0 olhar perplexo Underwood transformava-se num piano e eu era dos vidros de remedio e dos fregueses ou meros Paderewski a to car uma Rapsodia Hungara. Empas passantes, eu dava manivela a vitrolinha e a fazia telavam-se os tipos, eu arrancava a papel do rolo, berrar a Cavalgata das Valquirias, Num Mercado amassava-o e chutava-o para dentro da cesta de Persa, a suite da Scheherazade ... "Um vidro de vime, a meus pes. Salsaparrilha» - pedia um cliente ao baldio. E Mi Naquele tempo eu andava deslumbrado pela suite guel Pleta respondia cantando: «Asomate a Ia ven do Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov, que costu tana, ay! ay! ay!, palom,a del alma mia ... » «Um mava ouvir gragas a uma vitrola portatil. Havia sinapismo de linhaga» - gemia a velha senhora de tambem descoberto um disco de dez polegadas e olhos liquidos. E Galli-Curci respondia: «Una voce r6tulo azul que me trouxe a Can..,iio da lndia, na poco fa ... » interpretagao da Orquestra Sinf6nica de Saint Louis. Quando penso nos meus tempos de bel canto, Num vago narcisismo de bugre, achava a melodia nomes e imagens ·me passam pela mente: Schipa, parecida comigo. Lucrezia Bori, Chaliapin, Tetrazzini, Tita Ruffo e Tchaikovsky entrou na minha vida montado num naturalmente Caruso, 0 monstro sagrado. Levei aI cisne branco. gum tempo para descobrir que nao gosto de canto, Mas nao so de musica se alimentava espiritual e que a voz humana so me delicia au comove quando mente a bancario. Muita operagao de desconto errei us ada como urn instrumento musical, istoe, sem por se mis.turarem em minha cabega algarismos com pronunciar palavras. trechos de livros lidos na noite anterior. Por essa Gragas a pacientes economias, comprei albuns epoca eu comegava a ensaiar clandestinamente a mi de discos contendo operas completas. A adolescencia nha pr6pria literatura. Par onde andara a meu velho ficara para tras, eu era ja um homem feito e con amigo Rabindranath Tagore? E Omar Kha;yyaID? tinuava a viver sempre envolviao com livros e discos. Lidava eu ainda c"m duplicatas e promissorias Os primeiros romances e ensaios em lingua inglesa junto de um guiche de banco quando travei conhe- me ciregaram em brochuras da colegao Tauchnitz, 8 9 .... ~ ~,~ duma editora de Leipzig, creio. Come~aram as mi Beethoven, que Deus me perdoe! Nas aguas de De nhas rela~6es com Ibsen e Shaw, que se juntavam a bussy chegou-me Ravel e Faure e mais tarde varios velhos amigos como Anatole France, Guy de Mau componentes desse meio esquecido e injusti~ado gru passant, Oscar Wilde, ThackerScY, Taine, Renan e po de compositores franceses, de Rameau e Coupe Norman Douglas. Como se pode ver, a salada nao rin a Poulenc e Satie. podia ser mais sortida. Descobri um dia num porao qualquer um peda~o de disco sem rotulo. Coloquei na vitrola a parte que Minha visita it California entre 1943 e 1945 teve restava e fui surpreendido pOl' uma melodia que logo uma importfmcia capital na minha biografia musical. me capturou a fantasia: uma frase dum conjunto de Passei dois veroes no campus do Mills College, le cordas - languida, longa e levemente triste. Quem cionando literatura brasileira it sombra de eucalip seria 0 autor do quarteto? Estava claro que se tra ~ tos e ao som de canto de fontes e passaros. Por sor tava dum moderno, desses que comp6e musicas difi te minha 0 quarteto de cordas de Budapeste costu eeis de assobiar ou acompanhar com movimentos de mava «veranear» naquele famoso colegio para mo cabe~a. Passei os proximos cinco anos it la recherche ~as, onde dava concertos semanais. Pela primeira du quatuor perdu e so quando me mudei definitiva vez ouvi ao vivo se assim se pode dizer - urn qua e mente para Porto Alegre que descobri que se tra tuor. Foi amor it primeira vista ... ou quase. Darius tava durn trecho do movimento lento do quarteto Milhaud, 0 musicista frances vivia no campus do de Debussy. De certo modo essa pe~a do Claude Mills College, onde lecionava compoBi~ao e tinha uma (chamo-lhe assim porque hoje somos intimos) foi casa particular. 0 quarteto de Budapeste tocou uma uma especie de delicada ponte que me levou do me pe~ inMita (ou «inaudita»?) de Milhaud com a loso territorio operatico em que eu vivia, fazendo-me presen~a do autor - um homem corpulento, de pele entrar num mundo mais rico, misterioso e imprevi cor de marfim, cabelos escuros, doce de fala, manso sivel. Livrei-me definitivamente da opera e encerrei de olhar, e que me confessou sentir saudade do Bra para sempre a minha carreira de cantor de banheiro. sil, onde servira quando mo~o como secretario da Entrei entao no cicIo beethoveniano, come~ando embaixada de seu pais. Foi uma noitada inesquecivel, pelas sinfonias. Uma noite ouvi pela primeira vez 0 aquela! E em outras noites daquele verao califor Quarteto para cordas em re maior de Borodin, e niano ouvi todo urn ciclo de Beethoven e me convenci achei que seu adagio correspondia tao bem a meu de que nada podia haver de mais belo e perfeito em estado de espirito na epoca, que por assim dizer eu musica do que os seus ultimos quartetos. (Aldous o adotei como urna especie de hino nacional par Huxley, no seu Oontraponto apresenta uma persona ticular. E ate hoje, passados mais de trinta anos, gem, Spandrell, que dizia encontrar no terceiro mo- . sempre que torno a ouvir essa melodia de serena e vimento do quarteto para cordas em la menor, ada pregui~sa melancolia, consigo recapturar, reviver gio, andante, molto adagio, op. 132, urna prova da exlstencia de Deus). mesmo aquele estado de espirito com apenas uma diferen~a: agora nao me considero mais dotado de Mozart, que ate entao eu vagamente conside alma eslava. rava um autor de melodias para caixinhas de musi Aos poucos outros compositores se foram insi ca, me foi tambem apresentado pelos quatro do nuando em meu mundo interior. Wagner entrou em Budapeste atraves de tres de seus incomparaveis cena derrubando muros e paredes, seguido de perto quartetos dedicados a Haydn. por Gustav Mahler, cuja sinfonia coral num momento Dai por diante fiquei amigo de Amadeus Wolf de dcsvario cbeguei a achar comparavel it Nona de gang, que me apresentou a Handel num jardim in- JO 11 M rrrr gIes e a Haydn num certo dia em qne, em Viena, ele Iher discos com mUSlcas de um unico compositor saia da casa do principe Esterhazy, seu mecenas. para me acompanhar no exilio, eu responderia sem Dai para Telemann, Quantz e os filhos do velho Joao hesitar que levaria comigo as de Bach, pais acho Sebastiiio foi um curto passo. Devo, entretanto, can. que as obras do Mestre contem todas as vitaminas fessar que foi com as compositores italian os do sei. necessarias a uma equilibrada dieta musical. cento e do settecento que me sentia mais em familia. Abomino a musica descritiva. Nos rpeus tempos Seus nomes em si mesmos ja sao musica: Pergolese, de Cruz Alta prometi um dia a uma jovem foras Cimarosa, Albinoni, Carelli, Scarlatti, Torelli, Vival. teira um disco com a Dano;a Macabra e expliquei.lhe di, Geminiani, Tartini ... a meu modo 0 que a musica pretendia representar: um baile de esqueletos sobre sepulturas, a chocalhar dos ossas, a Morte a tocar 0 seu violino e, no fim Meu encontro com Villa·Lobos em 1944, ainda do poema, 0 canto do gala anunciando a aurora. Ocorreu, porem, que nao consegui a disco prometido na California, me aproximou mais de sua pessoa e e, em troca, mandei it mo~a a Can~30 da india, sem de sua musica. Eu ja havia iniciado um convivio um entretanto avisa·la da substitui~ao. A senhorita, tanto cerimonioso com compositores modernos como sugestionada pela minha descri~ao, me assegurou no Strawinsky, Prokofief, Bartok, Schostakovich e Hin. dia seguinte que tinha ouvido a musica e visto os demith. Admirava·os., sim, mas dum modo cerebral esqueletos, a Moura Torta, 0 matracar dos ossas, 0 e frio - exce~ao feita a Villa·Lobos, que mesmo nos clarinar do galo e 0 clarear do horizonte ... seus mais delirantes arraubos modernisticos jamais Descobri um dia que e muito bom escutar mu. esqueceu sua condi~;;o de seresteiro _ de maneira que sica deitado no soalho. Tem·se assim a impressao depois duma dose 3ubstancial de musica moderna de que se ouve a melodia com 0 corpo inteiro, desde eu senti a necessidade de remergulhar nos CIaSSiC08. a sola dos pes ate ao couro cabeludo. Esta claro que, em materia de gosto musical, ca Mozart me parece «sentar. muito bem numa como no resto, tenho as minhas manias que nem noite de inverno - se possivel oom a neve a cair Ia sequer tentarei jU8tificar. Se deixarmos de lado a fora - ou enta;o numa maIlha de sol, 0 ceu e 0 ar musica de camara de Beethoven e de Brahms., pra. lavados e polidos pelo vento e a chuva da noite an. ticamente salta do seculo dezoito para 0 vinte, sem terior. E para certos seraes quando pende do fir. tamar muito conhecimento de Chopin, Schubert e Schuman. Heresia? Ja me disseram isso. Nao sabe. mamento uma Iua cheia amarelada, 0 ar esta morno e rescendente a jasmim ou junquilho (bom, escolha ria explicar a que se passa comigo com rela~ao a cada um a sua flor!) creio que a instrumento mals esses tres, compositores. Nao me retiro da sala indicado para se ouvir e a oboe ou a como ingles. quando se toea algo de sua autoria. Posso ate es. e Para noite de lua cheia, em verao au inverno? Cla. cutar a pe~a com relativo prazer, mas verdade que permane~o desligado da musica, nao «recebo a men. rineta. E 0 piano? Para qualquer tempo. e sagem» e - palavra I na~ me passa pela cabe~a Os sons tem cores.? Para mim a voz da flauta comprar 0 disco em que ela foi gravada. Com Liszt cor de vidro. A da clarineta nos graves e dum azul e Paganini nem quero con versa. Nao sao nada boas carregado que vai passando par outros matize~ dessa minhas rela~5es com Saint·Saens, Mendelssohn au cor ate transformar·se nos agudos numa espeCle de Berlioz, embora reconhe~a 0 «genio» deste ultimo. I noturna prata. 0 80m do oboe me parece verde. 0 Por que? Pura idiossincrasia. dos violinos, dourado. 0 do violoncelo? Duro fosco, Se hoje me fizessem a famosa pergunta sobre a folha seca, mel queimado. 0 pistao passa por todos ilha deserta, eu responderia que se tivesse de esco. tons de vermelho, desde 0 de sangue coalhado (eran 12 13 ... ~ t' 'r las cinco de la t.ude, las cinco en punto de Ia tarde) vindo 0 seu orgao tocar com fanfarras um preludio subindo ate ao encarnado vibrante de sangue vivo de Bach, mE senti erguido pela melodia ate ao teto I ou ao laranja metalico. A voz do fagote e escura, e depois andei voando como um anjo leigo por cima quase negra, e parece sublinhar 0 que diz 0 resto da da cabe~ dos fieis e me atomizei numa explosao de orquestra. Urn solo de fagote me da a impressao cores nas grandee rosaceas do templo. dum homem gordo resmungando, conspicuo consigo Outra emogao inesquecivel foi a que senti uma mesmo. E os trombones? Talvez falem pardo-ama noite chuvosa de primavera na catedral de Char relado, com ocasionais pinceladas de ocre ou carmim. tres, quando no seu recinto a Orquestra Filarmonica E as trompas? Confesso que hesito entre a roxo, 0 de Berlim, regida por H. von Karajan, tocou a Sin azul e a purpura. Mas esta claro que tudo isto e fonia n.. 8, de Bruckner. Vi uma catedral de sons pura Iiteratice, e a musica nao deve ser nem boa construir-se aos poucos dentro do ventre da de literatura. pedra. o solo de oboe da Tocata da P:iscoa, de Bach, Os semanticistas aconselham-nos a escutar mu me lembra um pastor sentado no alto dum outeiro, sica sem verba1iza-Ia. Tenho tentado isso, mas rara a tra~ar contra urn eeu azul no ar arabescos sonoros, mente com resultados. positivos. Porque a coisa nao e dum bucolismo urn tanto triste mas docemente re nada facil. Somas vitimas de habitos associativos signado. inevitaveis. Uma melodia quase sempre nos evoca Nao conhe~o melodia mais outonal que a do urn momento de nossa vida passada, uma situagao Quinteto para clarinete e cordas de Brahms. . psicologica qualquer, uma ou muitas faces humanas, Andei l<angel tempo de relag6es cortadas com lembrangas de vozes, espectros de vividas sensag6es Beethoven'. Urn dia, sincero comigo mesmo, conclui e reprimidos desejos - e la esta a nossa memoria a que esse absurdo boicote de minha parte tinha sua borbcletear (come perdao da metafora) teleguiada origem no fato de que a musica do Velho bole demais pela fantasia. I com minhas aguas interiores. Os verdadeiros «entendidos. da mUsic a sao os Se e dia de chuva, ponho no aifai um disco de seus maridos legitimos. Os que pouco ou nada sa Debussy e de subito ambiente fisico fica todo iri bem como eu podem dar-se ao luxe de ser apenas 0 sado. Jamais esquecerei uma noite de luar, em pleno amantes da bela senhora, dados a freqUentes infi I- inverno gaucho, em que fiquei a escutar 0 quinteto delidades e ineompreens6ee. - 0 que, no entanto, nao para c1arineta e cordas de Mozart, com 0 nariz en os torna menes sinceramente apalxonades. costado na fria vidraga duma janela, atraves da Descobri um dia um condutor de orquestra sin qual eu via no centro de meu patio, uma alta pereira, fonica que adeia a musiea. Para esse homem e uma a imovel e nitida luz do luar. tarefa tecnica, come se ele fosse 0 sargento instru Uma noite, em 1960, no Constitution Hall, em tor de sua companhia. Nas noites de concerto so Washington, poucos meses depois da morte de Vil uma coisa ele muda: 0 uniforme. la-Lobos, a Orquestra Nacional interpretou 0 seu Chores n. 10, e quando 0 ooral de negros da Ho ward University rompeu a cantar 0 Rasga 0 Cora Nunea como em nossos dias se estudou tanto ~iio, meu coragiio se rasgou de alto a baixo, e, pen e com tamanha penetra~iio 0 problema da eomuni sando no amigo morto, nao pude conter 0 pranto. ca~iio entre os ""res humanos. Ha muito se vern Certo domingo, durante uma das missas na proclamando que 0 romance esta em artigo de mor igreja de Notre-Dame, em Paris (urn homem que teo Outros vao mais longe: afirmam que a Iiteratura ama a musica nao pode ser totalmente herege) ou- mesma agoniza por deficiencia instrumental, pois a I 14 , 15 ~ II 'I " plirnigmuaargiae.m que temos usado ate agora e superficial, it destrui~ao total e a greve geral contra todos os conflitos armados. Nesse dia, talvez remota mas Escreve 0 critico George Steiner que a lingua nao impossivel, a guerra se tornara obsoleta defi gem tem fronteiras com tres outros «modos de ex nitivamente, uma feia, tragica e absurda pe~a de pres sao» : a luz, a musica e 0 silencio. Sin to-me in museu. capaz de produzir luz, nao tenho conhecimentos tecnicos de mus.ica, de sorte que, se quiser cruzar alguma fronteira, a do ailencio. Seria uma tolice poetica imaginar que as pessoas se possam comunicar cotidianamente por meio da musica, mas creio, isso sim, que quando a palavra e as frases par passadas, ocas OU inexpressivas, naG conseguem descrever estados de alma demasiada mente sutis - essa e a hora de recorrer it musica. Certas composi~6es de Bela Bartok retratam it ma ravilha eaos espiritual do mundo moderno. Ne 0 nhum eonvalescente eonseguiu exprimir com pala vras a que Beethoven diz com musica no· quarteto. famoso em que um convalescente da gra~as a Deus par estar vivo. A mUsica, como uma especie de esperanto melD dieo, poderia ajudar os homens e as na~6es a se compreenderem melhor e viverem em paz. As pla teias dos Estados Unidqs aplaudem com deliria as ~ orquestras sintonicas russas que tocam em seus teatros. 0 povo sovietico sente cada vez mais forte a fascinio da music a americana, prineipalmente a do jazz. It nessas horas de confraterniza~ao atraves das ~ artes pliisticas em geral e da musica em particular que vem it ton a de eada homem, seja qual for a sua nacionalidade, que ele tem de melbor dentro de 0 si, distinguindo_o dos animais irracionais. E por isso que eu nao desespero da possibili dade duma paz definitiva sobre a Terra. No dia em que os homens despertarem para a realid"de de que podem can tar em coro, sem a necessidade de pro nunciar sequer uma palavra, seja em que lingua for - eles compreenderao que pertencem it mesma es pecie, sao irmaos em Deus, na Arte, no Amor, seja no que for! - e concluirao que a unica resposta 16 17 1.1 PREAMBULQ faixa da mUSlca popular que merece realmente a titulo de arte popular. A musica-arte e, entre outras coisas, uma lin o guagem. Para entende-Ia precisamos, antes de mais presente trabalho niU, pretende ser um com pendio de TeOria Musical, tampouco uma introdu~ao nada, ouvir ativamente. Mas s6 isto nao basta. Pre a cisamos ter urn minima de conhecimentos para en arte de compor. Ao elabora-Io tivemos em mira os tende-Ia. Afinal de contas, estudamos Portugues du leigos que desejam ter uma visao mais profunda da rnusica como arte. rante anos, lemos criticas e comentarios sobre ci nema com intuito de aprofundar a nossa compreen Faz-se muita musica nos dias atuais. Ouvimos 0 saO. Por que a musica haveria de fazer excegao? Se mus.ica, querendo ou nao, quase 0 dia inteiro e em uma analise da Nona de Beethoven poderia nos re toda parte. Na verdade, porem, nao ouvimos. ,Esse velar, muito alem da personalidade de seu autor, tipo de musica s6 tem uma finalidade: encher 0 nos aspectos essenciais da cultura de seu tempo, com so espa~ auditivo com sons calmantes ou ruidosos, tOdD 0 condicionamento hist6rico que remonta it Ida ajudando-nos a abafar a ansiedade, a afugentar 0 de Media, por que entao pretender que uma audigao tedio ou a provocar excitagao. Existe uma verda ingenua, destituida de qualquer conhecimento da deira indUstria de produ~ao musical neste sentido; musica como arte, permita apreender 0 que essa existe urna moda, orientada em grande parte pelos obra tern de profundo, original? centros mais avangados; existem trustes empenha Fai com 0 intuito de dar urna ajuda aos que dOB em langar, num dado mom en to, este ou aquele pretendem se aproximar da musica-arte que escre autor. Sao musicas que nascem e morrem como as vemos 0 presente trabalho. Evitamos, de prop6sito, mariposas em noites de verao. Esse fenomeno sempre aspectos tecnicos que, de resto, poderao ser encon existiu, embora a sua industrializa~ao surgisse ape trados em compendios de Teoria Musical, de Mor nas no seculo XX, com os modernos meios de fixa fologia ou em tratados de Composigao. ~ao e difusao. Queremos deixar consignados aqui os nossos Essa musica nada tern a ver com arte. Se exa agradecimentos a Carlos Jorge Appel pela revisao minassemos bem as coisas veriamos, com facilidade, critica do texto e pelas valiosas sugestoes; ao Prof. que a novidade dessa musica comercial tern as suas Celso Pedro Luft, pela revisao do capitulo «MUsica raizes em poucas personalidades criadoras de musi e Lingua.; finalmente, ao amigo ~rico Verlssimo ca impropriamente chamada erudita. Ha tamMm, que nos deu a honra de escrever as linhas antepos latentes, manifesta~oes coletivas originais, como e tas a este preambulo. o caso do jazz ou de certo tipo de musica brasileira. Porto Alegre, julho de 1969 As vezes aparecem quase s6 como sombra do que esteve na origem, pois os compositores de musica BRUNO KIEFER comercial nao criam: misturam, deformam, variam. Com isto vem novamente it tona a imagem das ma riposas, demasiado parecldas umas as outras. Nao queremos, absolutamente, condenar tal tipo de musica. Ela preenche as suas finalidades em de termlnadas horas e circunstancias. Desejamos ape nas acentuar a diferen~a entre a musica comercial e a mu.aica.-arte, e ainda, no caso brasileiro, de certa 18 19 m r m ;;: m Z -i 0 (I) C :. C z CO) c: :. CO) m ;;: ;;: c: (I) ~ r 0 3: :I 0 0 -::! • :I 0 :I c !!. n !!!. ::J 0 :I c ::J a.. 0 CO ::J AI :::r ~e' .- 3: c. .. • n CO ... lS' .. c :.:I 8. .- :. :... :::r "8 a'~ .-.-::J ::J :.e .... .. c .. co q-

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