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El Rey aonde póde & não aonde quer: razões da política no Portugal seiscentista PDF

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Edições Colibri * F culd d Ci ncias Sociais e Humanas Unlv r id Nov d li bo HEI Rei aonde póde, & não aonde quer" Razões da política no Portugal seiscentista Colecçlo ESTUDOS An,ela Baneto Xavier Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Livros publicados: 1<lEIRei aonde póde, &não aonde quer". Razões dapolítica noPortugal seiscentista Ângela Barreto Xavier 2 P"dicação deexistência eoperaçõesenunaatiuas Helena Topa Valentim 3 Organização doespaçoesistema socialnoAlentqo medievo. O casodeBeja Herrnenegildo Fernandes 4 Famílias eescolaridade. Representaçõesparentais da escolarização,classesociale dinâmica familiar Ana Matias Diogo "EJ Rei aonde pôde, & não aonde quer" Razões da política no Portugal seiscentista Edições Colibri Faculdade de Letras de Lisboa Alameda da Universidade Edições Cdilxi 1699LISBOA CODEX L1sIIOi\ 1998 . Catalogação na Publicação - Biblioteca Nacional Xavier, Ângela Barreto, 1968- EI Rei aonde póde, &não aonde quer: razões da política no Portugal seiscentista. - (Estudos) ISBN 972-8288-93-X Índice CDU 32 (469) "16" Duas palavras a abrir 7 Prefácio 9 Introdução 19 LPronunciação 29 1.A abertura das Cortes 29 2.A versão oficial dos acontecimentos 31 3.As questões em debate 34 3.1. O debate desenvolvido em torno da jurisdição das Cortes 40 a) Os defensores da jurisdição das Cortes 43 a.1) Os partidários da jurisdição das Cortes num sentido lato 45 Título* "EI Rei aondepóde, & não aonde quer" a.2) Os partidários da jurisdição das Cortes como Razões da política no Portugal seiscentista expediente último 47 Autor Ângela Barreto Xavier b) Os partidários da não-jurisdição das Cortes 49 Colecção Estudos 3.2. A questão do título 51 © Ângela Barreto Xavier e Edições Colibri a)A incapacidade do rei para o governo 52 Editor Fernando Mão de Ferro b) O mau-governo do reino 54 Paginação Albertino Calamo te b.1) A tirania (crueldade e exorbitação de poderes) 55 Execução gráfica Colibri - Artes Gráficas b.2) A dissipação da fazenda 56 Depósito Legal 120012/98 c) O argumento do juramento feito aAfonso VI......................... 58 ISBN 972-8288-93-X c.1) A não-validade do juramento 58 Tiragem 1000 exemplares c.2) A relaxação do juramento 60 Lisboa Março de 1998 d) O argumento da renúncia feita pelo rei 61 el.l) O direito (ou não-direito) à renúncia por parte do rei 62 d.2) A invalidade do direito à renúncia por parte de um incapaz 64 * "EI Rei aondepóde, & não aonde quer" éum adágio do século XVII, d.3) A validade da renúncia feita sob prisão 65 presente, por exemplo, em R.BWTEAU, Vocabu/ario PortugucZ&Latino, Tomo Vil, p. 211. c) O argumento da 'conveniência política' 67 3 ANmel.A HARRI'.'I'O XAVIER 4.Forma dos enunciados einstâncias delegitimação 'convocadas' 69 4.1.O caso do Dr. Pedro Fernandes Monteiro 70 4.2. As sedes de legitimação.................................................................... 75 11.Organização . 81 1.O método tópico . 82 1.1.As etapas tópicas . 87 ,. 1.2.Os tópicos . 89 ~l, Agradecimento 1.3.O parecer de Fr. Cristóvão daSilveira........................................... 91 I 2.Tópica, tópicos, jesuítas epedagogia escolar . 101 Antes de iniciar aexposição deste estudo, quero deixar expresso o quan- 2.1. O 'santo' Index . 107 2.2. Estudos Menores eEstudos Maiores ............................................ 109 to devo a todos os amigos que científica ou afectivamente apoiaram a sua elaboração. À Prof" Doutora Zilia Osório de Castro, minha orientadora lI!. Pensamento(s) . 117 científica, tanto pelas sugestões, apreciações e críticas a que sujeitou o trabalho quanto pela alegria eincentivo com que me acompanhou. Ao Prof. 1.Imagens deDeus, da sociedade edo homem ....................................... 120 Doutor António Manuel Hespanha, coordenador de todos os projectos de 2.Tópicos eimaginário damonarquia . 125 investigação nos quais tenho estado envolvida desde que terminei a licen- 2.1. Instituição efinsdo poder monárquico . 126 ciatura (devo-lhe por isso a maior parte da minha formação científica) por .2.2.A dignidade real . 134 ter motivado e incentivado, desde o início, arealização deste projecto; mas, 2.3.O monarca perfeito: justiça,piedade, prudência . 138 também, por partilhar comigo o entusiasmo que imprime no trabalho. 2.3.1.As consequências daprudência . 143 Ao Departamento de História eTeoria das Ideias, eprincipalmente ao Prof 2.3.2.As restantes virtudes régias . 150 Doutor José Esteves Pereira, pelas condições que foram criadas de modo a 2.4. Poderes do rei ................................................................................... 151 que o estudo prosseguisse na sua melhor forma. Aos Profs. Doutores 2.4.1Os rega/ia eoseucampo deactuação . 152 Wolfgang Reinhard (Historisches Seminar, Universidade de Freiburg) eEnzo 2.5.Limites do poder real ; . 155 A. Baldini (Fondazione Luigi Firpo eDipartimento di Studi Politici da Uni- .{ versidade de Torino), por terem orientado a minha pesquisa bibliográfica 2.5.1. Moral ereligião . 157 2.5.2. Os 'direitos' ............................................................................ 159 . durante as estadas nas respectivas universidades. À Fondazione Luigi Firpo, 2.5.2.1.Direito da coroa ............................................................. ;;. pela especial atenção com que me recebeu. A António Camôes Gouveia, 160 Femando J.Bouza Álvarez, Pilar Aguilar Aguete,Jean-Frédéric Schaub pelo 2.5.2.2.Oficio eofícios . 162 2.5.2.3.Lei fundamental eleisfundamentais estímulo com que me acompanharam e me ouviram. Ao Instituto de Ciên- 163 2.5.2.4. Pacto ' :::::::::::::::::::::::::: cias Sociais, onde desenvolvi, integrada em projectos que aí se desenrolam, 166 2.5.2.5.Juramento . grande parte dos trabalhos. Especialmente, aos funcionários da salade Infor- 166 2.5.3.Política mática, Biblioteca eReprografia. Evidentemente, aos colegas eamigos que aí ..................................................................................... 168 2.5.3.1.As Cortes ........................................................................ 168 me têm acompanhado. Ao Pedra Cardim, com quem tenho desenvolvido inúmeros projectos e discutido muitas das ideias que agora apresento, e de Comentário ...................................................................................................... 171 quem recebi sugestões muito valiosas. Ao Paulo Antunes Ferreira, que me 'iniciou' nos caminhos da Sociologia. À Catarina Madeira Santos, Ana Bibliografia . 177 Cristina Nogueira da Silva,Luís Nuno Rodrigues, André Belo, Rui Tavares, Sandra Monteiro, Susana Silva, Inês Versos e Nuno Camarinhas, que de variadas formas me motivaram eajudaram. E tudo mais "aos de casa", pais, 5 ÂN(;EI.A HARlmro XAVIl-:H p~~s tios, ir~ãos e eamigos (que me escuso de enumerar na totalidade por serem mterrnináveis] dos quais me permito destacar o Jorge, o Luís Paulo, a Ti~a.e o Vitor, as 'três' Anas (Ana Sofia, Ana Verdelho, Ana Vilas Boas), a Monica, a Isabel e o Carlos, a Margarida e a Beatriz (sem o saberem). Também, não o sabendo, ao Christian. Lembro, por fim, a simpatia quer do Dr. Fernando Mão de Ferro da Colibri, quer o Dr. Albertino Calamo te, responsável pelo arranjo gráfico e pagmação electrónica do texto inicial; ambos tornaram esta edição uma aven- Duas palavras a abrir tura muito agradável. Se a política é poder e se este poder tem de ser exercido, a História das ideias políticas, área epistemológica em que este trabalho foi elaborado, reflecte de forma mais ou menos tendencial, mas sempre necessariamente, um e outro aspecto. As ideias tendem para a sua concretização, tal como a potência tende para o acto. Este último éintrínseco à própria ideia. Sendo a actualização parte integrante das ideias, e realizando-se no tempo e no lugar, em referência a uma permanência identificadora, corresponde a um acto único do sujeito. Nunca uma ideia é igual a outra ideia, nem existe capacidade compreensiva para a entender na pureza da sua formulação pessoalista e circunstancial. Ou seja, das ideias pensadas por qualquer sujeito só é possível conhecer a sua representação, a qual permanece no tempo, como expressão do não-tempo. Distingue-se, deste modo, aHistória das ideias de fazer história das ideias. As ideias, como expressão da actividade cognoscente do homem, existem independentemente do historiador. Este apenas conhece a expressão intelec- tual ou material das mesmas, ou seja,as suas representações. Estas tornam-se, assim, faces visíveis de uma realidade oculta e, como tal, resultam da conju- gação do acto único de quem define com o acto único de quem interpreta. Consequentemente, a História das ideias é sempre uma história de represen- tações, unindo quem pensa e aje, a quem pensa, compreende e interpreta. Os actos únicos, enquanto únicos, ficam fora da possibilidade cognosciva do historiador. E este, por suavez, realiza actos únicos ao fazer história das ideias. O aparente relativismo a que esta parece votada é ultrapassado quando o historiador assume a transfinitude das ideias. E, por ela, a consciência de que fazer história não é reconstituir, mas reconstruir. O que foi uma vez constituído não pode tornar a sê-lo, pois as partes essenciais do todo, não se coadunam com a alteridade do sujeito cognoscente. No âmbito da História das idcias, a reconstrução apresenta, todavia, um aspecto singular. A impos- sibilidade de reconstruir acções estabelece um fosso entre o passado e o presente. entre ()historiador co historiado, preenchido apenas pela memória. () 7 É csta taculdade intelectual que permite fazer a história dos factos ou dos acontecimentos, como expressão da actividade humana, sem que o historia- dor dela participe de forma efectiva. O historiador, enquanto tal, não vive os factos, mesmo que, como pessoa, os tenha eventuamente vivido. Situação um tanto ou quanto diferente sepassa com aHistória das ideias, Sem prescindir da memória, coloca a tónica na capacidade de pensar, diluin- do a distância entre o eu e o outro. Ambos participam da mesma referência conceptual, embora com as particularidades decorrentes das circunstâncias Prefácio pessoais, culturais, cronológicas e topológicas que, em última análise, dis- tinguem a história do fazer história. Daqui que a História das ideias seja essencialmente a história das diferenças, porque diferente é a temporalidade Três anos se passaram sobre o momento da escrita do estud? agora do pensamento. Mas, daqui, também, uma certa identificação entre o passa- publicado. Ao texto nào foram introduzidas alte~ações - trata-se ainda do do e o presente, sem que isso signifique admitir, sequer, a possibilidade de mesmo conjunto apresentado à Faculdade de Ciências SOCiaise Humanas reconstituição. Daqui, ainda, que a reconstrução seja a participação numa como dissertação de mestrado. Apenas o índice foi acrescentado de modo a permanência comum aquem pensou e a quem pensa. integrar todas as partes em que se encontra dividida a tese. Embora se entenda que fazer história ésempre reconstruir, ohistoriador Se já em 1994 me apercebera de que muitas insuficiências atravessavam pretende, como objectivo que lhe épróprio, aproximar-se tanto quanto pos- o trabalho esta consciência tornou-se iniludível aquando um olhar distan- sível do passado, pelo conhecimento objectivo da realidade vivida. É este ciado de novecentos e tal dias. Tais insuficiências - que adiante discutirei - o desafio que se lhe põe. É este o fim que procura atingir. É esta a com- presidiram à recusa em modificar o texto. Intervenções apostenori significa- plexidade da sua vocação. A Ângela Barreto Xavier assumiu, neste estudo, riam, neste caso, uma reescrita quase global, um grande mvestímento em esta tríplice dimensão. E assumiu-a consciente das dificuldades da temática. termos estruturais que acabaria por transformar o texto final numa COisa O poder exercido implica sempre uma estratégia. Estratégia na acção, estra- demasiado distinta daquela que havia sido originalmente. Creio, aliás,que não tégia no discurso, estratégia no silêncio, estratégia que, não raras vezes, éum propósito da Faculdade de Ciências Sociais eHumanas publicar t:xtos envolve uma teoria política precisa. E, se bem que, em épocas de crise, o muito diferentes das dissertações aqui apresentadas, defendidas e avaliadas. pragmatismo do poder exercido supere acoerência do poder definido, não a O contrário desvirtuaria o princípio - que subjaz aesta colecção - de oferecer anula necessariamente. Neste caso, a coerência das ideias esconde-se sob a àleitura de um público mais vasto, trabalhos que foram produzidos durante, incoerência dos discursos formando barreiras mais ou menos intransponí- epara, a obtenção de graus acadêmicos conferidos por esta instituição. veis, tanto para o entendimento do pensamento dos 'actores', como para o Este prefácio pretende enunciar, contudo, e com algum detalhe, alguns significado e sentido da sua intervenção na 'cena' política do tempo. dos temas que não estão e poderiam estar (e deveriam estar?) neste,livro. Ao longo das três partes do texto - Pronunaação, OrganizaFão, Pensamen- Segundo aminha opinião. Ao leitor caberá identific~r outras tantas ausenCl~s /0(J) - Ângela Barreto Xavier superou com êxito as dificuldades que se lhe às quais eu não fui sensível. Passo, então, a enunciar algumas das perplexi- puseram num e noutro campo. Apresenta, assim, uma leitura original e dades que se me colocaram nas mais recentes leituras que dele fiz; agrade- pertinente das tensões políticas da sociedade portuguesa com expressão cendo à Ana Cristina Nogueira da Silva por me ter ajudado a aumentar esta paradigmática nas Cortes de 1668. Ao mesmo tempo, contribui de forma lista. digna de nota para o entendimento do pensamento político português dos 1. Afirma-se no início da introdução que um dos objectivos que presi- finais de seiscentos, nomeadamente do poder régio. EI Rei aondepóde, &não diram a este projecto foi aidentificação de algumas das condiçõ~s de exercí- aonde quér - esta pequena frase eleita pela autora como expoente de uma cio de discursos políticos em Portugal, na segunda metade do seculo XVII. época, exprime toda uma teoria de poder e, ao mesmo tempo, sugere um Para adiante, na mesma introdução, se definirem estas como um "sistema de sem número de confrontos entre a actividade real ea resistência dos povos. condições positivas pelas quais determinados agente~ formavam u~. certo ZíliaOsório de Castro número de conceitos, teorias, de objectos que surgiam na superfície dos 8 9 "lil. '{/,I /lONl>li 11()/JIi, &NAo /lONIJli .QIII:I\" concretas na cena política de tópicos sistematizados por essa 'grande litera- discursos". Sem discorrer agora sobre adificuldade de identificação das mes- tura' e pelas tradições mais clássicas. mas e sobre a necessidade de delimitar um segmento reduzido de situações para as tornar analiticamente válidas (que me levaram a discutir, somente, 2. A preferência por discursos produzidos num evento politicamente certas situações institucionais que enquadravam a articulação dos discursos, muito significativo para o futuro constitucional da coroa portuguesa - as o estado intelectual que tornava possível a sua identidade e alguns eventos Cortes de 1668 - no qual se confrontaram uma série de argumentos e de que lhes estavam associados) recordo, porém, que este conjunto de referên- posições (nos quais eu procuro surpreender - talvez abusivarnente - apolíti- cias inspira-se, antes de mais, em Michel Foucault, enquanto autor de L'ordre ca-em-acção) é uma consequência deste momento negativo e desconstruti- du discours, de L'archéologie du sauoir; e de pequenos textos entretanto compila- vo. Esses textos constituem o corpas documental que sustenta a primeira dos no livro O que éum autor?, recentemente publicado em Portugal. Apesar parte deste trabalho, sendo tematizações concretas ecircunstanciais das repre- disso, o método desenvolvido nestes livros não foi por mim adoptado com sentações que partilhavam uma vasta e estruturante enciclopédia de definições grande fidelidade, como rapidamente se poderá verificar numa breve análise e descrições do regime, do rei, do governo e do que lhe estava associado, do próprio índice. na qual se combinavam tradições 'políticas' de origem e tempos diversos. Com e para além de Foucault, este projecto resultou de uma recusa: a de Por vezes, contraditórias. estudar asideias produzidas no século XVII sem problematizar uma série de Discutiram-se nestas Cortes de 1668 dois dos problemas mais relevantes condições prévias à sua materialização - oral, gestual, iconográfica ou escrita. para definir a natureza constitucional do regime monárquico português: a Esta recusa comportou uma sequência de outras recusas: questão sucessória e o âmbito jurisdicional da assembleia dos Três Estados. Problemas de acrescida importância se se pensar que estas Cortes se reuni- - Do corpusdocumental tradicionalmente utilizado pela historiografia das ram num período em que a guerra com Castela jáperfizera 28 anos e ambos ideias políticas, o qual parece ter sido estabelecido uma vez, e para sempre, os reinos se encontravam numa situação de grande desgaste político e finan- pela literatura; e desde então não mais questionado. Ao que se sugere, como ceiro; mantendo Castela, contudo, o seu interesse em recuperar a coroa de alternativa, a amplificação deste torpes, de forma aincorporar outros textos, Portugal. inventados em lugares distantes, inesperados. A centralidade destes problemas - eas diversas soluções propostas pelos - De que os actuais sistemas de classificação - quando aplicados aos tex- deputados às Cortes - explica a sua presença estruturante nos três primeiros tos produzidos no século XVII - sejam eficazes ou descritivos. A diferente pontos desta primeira parte. O debate ter-se-á desenvolvido em torno de Àrvu organização dos saberes no Portugal do século implica, hoje, uma i) a formulação jurídica do 'afastamento' de Afonso VI, rei de Portugal; ii) a reavaliação das relações estruturais existente, na época, entre disciplinas legitimidade da ocupação do seu lugar pelo infante D. Pedro (na dignidade como a Política e a Moral e a sua dependência em relação à Teologia;o que real ou apenas no governo); iii) o título que este poderia assumir (de rei ou permite identificar, entre outras coisas, tratados teológicos que eram, ao de regente e administrador do reino); iv) os argumentos de direito mais efi- mesmo tempo, tratados sobre o governo do reino! A mesma reavaliação per- cazes e oportunos para justificar cada uma das alternativas, suas vantagens e mite compreender, ainda, o facto de a Polítú'(l ser também dependente do desvantagens. Como referi, estas questões eram, em última instância, essen- Direito, tanto nos seus temas como na identidade daqueles que desenvolviam ciais para a definição da natureza da monarquia portuguesa - questionando- ambos os discursos. Resulta daqui a ideia de fundo de que todas estas disci- -se, nomeadamente, se esta era de fundamentação jusdivinista ou pactícia plinas - Teologia, Mora/, Direito, Polítim - se pronunciavam sobre matérias (ese era mista ou pura). Assim secompreende, por exemplo, que a discussão políticas no período em questão. Associada à verificação de que, na maioria em torno da jurisdição das Cortes em matéria constitucional tenha sido tão dos casos, eram as mesmas pessoas que escreviam sobre estas matérias. vasta: o reconhecimento ou não-reconhecimento desta jurisdição resultava, - De que a 'grande literatura' constitua o lugar privilegiado para aceder por um lado, de concepções muito distintas sobre o poder do monarca e os à mentalidade das elites, às suas convicções políticas sobre uma série de seus limites e o lugar ocupado pelo reino nesta ordem de relações; e podia I temas relacionados com o governo da monarquia. Propõe-se, alternativa- J resultar, por outro, numa renegociaçâo desse status qllO,proporcionando e i. mente, um diálogo entre 'grande literatura' e outros escritos de intervenção retirando privilégios aos grupos que ocupavam posições distintas. Tal dis- política produzidos na mesma época, de forma a aceder às actualizações cussão reacendia, aliás, () velho debate de raizes medievais que opunha os 1/ 10 1. '\N(ôEI.A BARIWn> XAVlEll interesses do Regnum aos interesses do Rex; mas desta vez, a figura do R~num Creio que surgem já nesta primeira parte alguma~ das insufiAciê~cias incluía apenas parte dos seus membros tradicionais. Compreende-se ainda anunciadas. Desde logo na justificação pouco desenvolvida da relevância da que adiscussão sobre a'substituição' ou a 'deposição' do monarca tenha sus- circunstância política aqui privilegiada. Ao reduzir-se o contexto, no texto, a citado tanta polémica: na verdade, nada era mais distinto - para definir a dig- apenas dois parágrafos da introdução e à informação dispersa surgida nas nidade real- do que asubstituição do monarca na administração do reino ou notas de rodapé do primeiro capítulo, supõe-se no leitor um conhecimento a sua deposição enquanto rei. Um mar de condições e convicções políticas aprofundado das complexidades dessa época. O que, ~atur:lm,ente, nem se interpunha-se entre ambas as soluções: enquanto que no primeiro caso, se verifica nem é suposto verificar-se. Infelizmente, tambem nao e este o lu~ar mantinha ilesa a dignidade real, delegando apenas a administração do reino; para descrever este período seiscentista,sobre o,qual, aliás, continuam ~exis- no segundo, assumia-se que a realeza dependia, afinal, de algo que lhe era tirmuito poucos estudos recentes. Sugiro, porem, a leitura de um texto de exterior: ou do aval dos povos ou de regras jurídicas que lhe estabeleciam Gastão Melo de Matos que foi esquecido na bibliografia - apesar de ter cons- limites por vezes insuportáveis. Situações que podiam nada ter a ver com a tituído um dos suportes mais importantes para o meu conhecimento do pe- vontade de Deus, que era, para alguns deputados e autores, a única autori- ríodo em causa - o qual se encontra nos voL VIII dos .Anais daAcademia de dade superior ao monarca, e único juiz das suas acçôes, A opção por uma História, Cido dei ReJtauraFão, sob o título "O sentido da crise política de fórmula de substituição do rei no governo sem intervenção das Cortes - 1667". Este, como outros estudos do mesmo autor sobre o mesmo período, com o objectivo de não reconhecer nos povos muito poder, de os não cons- constitui uma das abordagens mais importantes sobre o tema. tituir como 'tribunal de reis', como recordaria um jurista - reflecte, do lado Recordo, contudo, que foi minha intenção nào estabelecer relações de das elites intelectuais e políticas (apesar de não se tornar possível desenhar causalidade entre o contexto político e os textos produzidos nas Cortes de identidades sociológicas a partir das posições assumidas pelos deputados às 1668- ou essa causalidade reduz-se, neste estudo, à função mecânica do des- Cortes), uma adesão mais rápida a comportamentos políticos que, segundo pertar de um evento no qual se discu,tiram matéria: políticas importantes~ e esses mesmos povos, eram contrários à natureza política do reino de casa discussão juntamente com uma serre de condiçoes que aarquitectarn sao Portugal. Nessa nova ordem política, os monarcas passavam a poder tomar O objecto deste livro. .' A' decisões injustas e arbitrárias sem para isso necessitarem de reunir o reino, Deveria, acima de tudo, ter insistido sistematicamente na importancía para quem as garantias políticas da protecçâo dos seus direitos tendiam a constitucional do debate desenvolvido na primeira parte. A falta de um en- esvaziar-se de sentido. Aliás, a recorrência de argumentação baseada em quadramento eficaz a este nível torna todo o primeiro capítulo demasiado critérios de 'oportunidade' refere, precisamente, que outras razõeJ - por vezes descritivo sem se tornar evidente a sua razão-de-ser. Sugiro, por iSSO,que o bem diversas da adesão de certos grupos a modelos ideológicos e muito leitor tenha presente o quadro constitucional como questão de fundo que menos da adesão a modelos de justiça - organizavam a vida política neste confere unidade aos discursos pronunciados ao longo das Cortes. período. j\ oportunidade política - argumento que introduzia areflexão polí- Por fim, questiono-me se hoje desenvolveria, da mesma forma, o ponto tica portuguesa num universo imperializado pela razlio de estado (a qual se quatro do mesmo capítulo. identificava, cada vez mais, com arazão do monarca, ou pelo menos, com a 3. Acresce à atitude de negação uma atitude céptica. Esta atitude deriva razão de quem detinha mais poder) - era um desses argumentos que tinha como fundamento, muitas vezes, interesses subjeaiuos. dl\ perplexidade suscitada pela identificação de incoer,ê~cias n~s conteúdos desses variados textos que versavam sobre temas políticos (seja nos textos O quarto ponto deste capítulo articula-se com as duas partes seguintes circunstanciais, seja na 'grande literatura'): do estudo: quer na defesa do protagonismo dos juristas e dos teólogos du- rante a reunião (valorizando as rotinas das suas competências profissionais) _O que éque explica que se torne ~ossível i~e~tificar n~m.mesm.o texto quer por apresentar, ainda que de forma tímida, um conjunto de referências teses contraditórias, posições que referiam, em última mstancia, SOCiedades políticas clássicas e medievais, que foram convocadas como instâncias de organizadas sobre princípios políticos distintos? .. . ._ legitimação de determinadas posições. O vocábulo 'convocação' foi escolhi- _ F':por que razão estas ocorrências não têm Sido objecto de invesugaçao do, aliás, com o intuito de sublinhar o tipo de transacções intertextuais pre- por parte dos estudiosos das 'ideias políticas'? sentes neste evento discursivo, as quais reflectiam, em todo o caso, o modo- Esta perplexidade levou-me a colocar a hipótese ~e que as pré-corn- -de-ser textual da época. prccnsócs activadas quando da leitura de textos scisccnustas teriam suscita- 12 13 "IiI. RIII ,lflNPII /")/1110Ô'NAu Af)NI)I/ (JIIWt" sua conformação por um determinndo .i.tema educativo (o qual, como se do aidentificação - nesses mesmos textos - de sistemas coerentes de pensa- sabe, constitui um garante dOIlproccllllolI de transmissão cultural e de repr~- mento à maniera da actualidade. Épossível encontrar, contemporaneamente dução de mecanismos sociais), cuja unidade radicava, po.r fim, na hegemonia e desde o século À"VIII, em Portugal, reflexões políticas sistematizadas, as do modelo educativo [esuitico, de raiz aristotélico-tOrnlsta. Sob o pn~eIro quais obedecem a uma unidade estrutural que lhes é conferida pelos princí- ponto, esconde-se, também, a convicção de que ~:tstia u,ma certa Unidade pios lógico-dedutivos que as sustentam. Características ainda difíceis de intelectual ao nível das elites com poder de decisão politica ou poder de encontrar na maioria dos textos seiscentistas, dado que estes se estruturavam justificação teórica da mesma. Esta unidade ~assava pela identidade da ~or- sobre princípios lógicos distintos. A omissão e a inconsciência deste des- mação intelectual em alguns aspectos deterrninantes: ~s modos de ra~ocmar fasamento justificaram, porém, aidentificação das teses e dos tópicos que se e estabelecer cadeias de derivações, a ordem a seguir na construçao e na buscavam nesses textos produzidos numa época - ede forma - radicalmente escrita de textos. A breve referência ao Index, ainda nesta parte, deve.-se ao diversa da nossa. Levando, inclusive, à fácil classificação de alguns dos seus facto de se considerar que a efectividade de certos modelos de s~cIedade autores como modernos e de outros como tradicionais; quando, na verdade, depende, em grande parte, da colaboração entre mo~elos de educaçao e ~~r- na economia dos seus escritos, uns e outros enunciados ocupavam, a maior mação e mecanismos disciplinares e de conformaçao (e do ponto de_VIsta parte das vezes, lugares marginais, pois cumpriam funções meramente argu- intelectual, o Index era um deles). Através da qual se potencla a obtençao de mentativas. um estado de 'uniformidade cultural. Outras questões resultaram do meu encontro ingênuo com textos seis- Para além da mera descrição destes mecanismos, a virtualidade deste centistas: apesar de não negar apossibilidade de alguns 'autores' poderem ser capítulo reside na ideia de que a ordem lógica domina~te na época e,os classificados como 'mais modernos' ou 'mais tradicionais', por, ao longo de mecanismos rétóricos que lhe estavam associados possibilitavam a emergen- todos os seus textos, se poder identificar apresença hegemónica e sistemáti- cia, num mesmo texto ou no percurso de um mesmo autor, de conteúdos ca de representações modernas ou tradicionais da política (categorias que já com referentes contraditórios, os quais passavam a fazer parte - desde o obedecem a classificações que têm no seu vértice a bondade da monarquia momento em que eram formulados - dessa enciclopédia de r~pres~ntações constitucional e da reflexão política que a sustentou); recuso a aplicabilidade que sustentava a reflexão política. 0. enriquecimento, desta enciclopédia com de tal classificação à grande maioria dos 'autores' seiscentistas. Creio, ao tópicos provenientes de universos distintos contribuiu, alongo prazo, ~ara a invés, que estes últimos combinavam - muitas vezes acriticamente - repre- transformação da mentalidade e acção políticas; resultando na mutaça~, do sentações importadas de universos teoricamente contraditórios, as quais sistema corporativo numa outra coisa e na elaboração de reflexões políticas eram desenvolvidas em função dos objectivos para os quais cada texto, cada que minavam - desde os seus fundamen~os - esse velho sistema. Subs~tulO- livro, cada capítulo, ou mesmo cada parágrafo, era escrito. do-se, por fim, o próprio modelo educativo que sustentava a:eproduçao do Assumindo, entretanto, que esta estratégia era desenvolvida com toda a modelo social, estimulando a 'invenção' de um outro; como viria a acontecer seriedade pelos autores seiscentistas - seguindo as sugestões de A.M. Hespa- durante a reforma pombalina. nha a este propósito -, coloquei a hipótese de que a natureza argumentativa e Também esta segunda parte ficou aquém das razões que a sustentaram. retôrica das rotinas textuais dessa época pudesse constituir uma chave inter- Talvez por constituir um projecto demasiado ambicioso, não foi possível pretativa, possibilitando uma melhor compreensão das especificidades apre- dedicar o tempo necessário para que ela deixasse o carácter d.eesboç~ que sentadas pelos seus conteúdos. Esta convicção obrigou-me a identificar a ainda hoje possui, e se transformasse numa reflexão mais informativa e mecânica de construção textual dominante na época eaordem lógica que lhe categórica da tese que a sustenta. Apesar do trab~lho que urge realizar, para subjazia e estabelecer as articulações existentes entre estas e os textos. Quer discutir esta matéria com maior propriedade, continuo a acreditar na validade isto dizer que o processo de construção textual é então considerado como dos seus princípios teóricos e metodológicos, e creio que este é um tema que uma parte central dessas condições positivas de exercício de discursos políti- merece uma investigação aprofundada. A partir dela sepoderá aceder, por fim, cos no Portugal moderno. , aoutras razões, menos visíveis mas igualmente organizadoras, do modo-de-ser Da discussão destas hipóteses derivou a segunda parte do trabalho, na político da sociedade portuguesa da época n:oderna~ e permitirá te: u~ outro qual se seleccionaram duas questões consideradas relevantes para compre- olhar sobre amecânica das suas transformaçoes (aquilo que denomino lugares ender a lógica de construção textual dominante - a hegemonia de uma de abertura' do sistema corporativo, algures na introdução). ordem tópica e retórica no mundo intelectual seiscentista, por um lado; e a 15 14

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