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Educação e trabalho em ciência e tecnologia no Brasil PDF

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educação educação e trabalho em ciência e tecnologia no Brasil educação uma das funções importantes dos sistemas educativos é formar, desde o en- sino básico, pessoas capacitadas nas áreas técnicas, que combinam conheci- mentos e competências em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e trabalho conhecidas em seu conjunto como stem, na sigla em inglês, ou ctem no bra- sil, que são fundamentais para as economias modernas. a análise dos princi- pais dados sobre o mercado de trabalho e o sistema de ensino brasileiros mos- tra apenas uma pequena parcela de nosso pessoal qualifi cado nessas áreas, e poucos dos formados se dedicam a esse setor – a maior parte acaba traba- em ciência e lhando em outros tipos de atividades. Simon Schwartzman Instituto Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) A capacitação em CTEM deve se dar em todos os níveis, desde os seg- tecnologia mentos mais altos, dos cursos de pós-graduação, até os cursos mais simples de curta duração, proporcionados pelo Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial. nível superior Segundo a Pesquisa Na cional Contínua por Amostra de Do- micílios (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), o Brasil tinha, no início de 2016, cerca de 162 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, das quais 101 milhões eram economicamente ativas, somando trabalha do- no Brasil res e desempregados. Destes, 21 milhões tinham educação superior comple ta, mas 3,7 milhões já não trabalhavam, e, entre os ativos, 1 milhão estavam desem- pregados no momento da pesquisa. >>> ciÊnciahoje | 337 | junho 2016 | 31 educação A maioria dos formados que trabalhavam Esse número relativamente pequeno de (55%) eram mulheres. A maior parte (55%) pessoas nas áreas de CTEM não é uma ano- ocupava posições de direção ou gerência, ou malia, já que no mercado de trabalho brasilei- trabalhava como profi ssionais das ciências e ro pre dominam as atividades de serviços. O intelectuais, mas havia muitos também que que é anômalo é a inexistência de uma dife- trabalhavam como técnicos de nível médio e renciação maior das carreiras de nível supe- em outras atividades que não necessariamente rior, co mo ocorre nos Estados Unidos – onde a requeriam formação universitária (figura 1). grande maioria dos estudantes ingressa inicial- Entre os homens, 26% trabalhavam no setor mente nos colleges de dois ou quatro anos e só público; entre as mulheres, 39% (fi gura 2). As então se dirige, ou não, para cursos mais atividades principais das mulheres eram de avançados – ou no modelo adotado pela União educação e serviços sociais; já as dos homens, Europeia e outros países, em que há um nível serviços a empresas. Menos de 10% dos for- inicial de três anos, de amplo acesso, seguido mados trabalhavam em atividades industriais de uma especialização profissional de dois (fi gura 3). anos (como um mestrado) e de cursos mais O mercado de trabalho para pessoas de ní- avançados de doutorado, ou especiali zações vel superior se dá, assim, sobretudo na área de mais aprofundadas. serviços, e o principal empregador é o setor Embora a legislação brasileira preveja a público. O sistema escolar está ajustado, em existência de cursos superiores de duração grande parte, a essa situação. Do total de alu- mais reduzida e orientados mais diretamente nos matricu lados, 15% estão em cursos de en- para o mer cado de trabalho (que recebem a genharia e produção, e 6%, na área de ciências deno mi nação de ‘tecnológicos’), o número de matemáticas e computação. As diferenças de estudan tes nessa categoria é diminuto, mesmo gênero são importantes: entre as mulheres, só que venha aumentando ultimamente, tendo 11% estão nessas áreas (fi gura 4). pas sado de 162 mil em 2010 para 206 mil em 2014, sobretudo no setor privado. Ainda que Figura 1. educação superior: posição na ocupação não seja no papel, o ensino superior no Brasil é, na prática, fortemente diferenciado e es - 6.000.000 tra tifi ca do, com carreiras altamente disputadas ¢ homens e de alto rendimento, e outras com remune- 5.000.000 ¢mulheres ração muito baixa. 4.000.000 Segundo outra fonte, a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do 3.000.000 Trabalho e Previdência Social, em 2014, pou- co menos da me tade das pessoas com gra- 2.000.000 duação trabalhavam como profissionais das 1.000.000 ciências e das artes. As principais atividades são as das áreas de administração pública e 0 educação. As ocupações mais rentáveis estão diriGentes e ProFissionais de tÉcnico de outras nos altos escalões do serviço público e na pro- Gerentes nÍvel mÉdio nÍvel mÉdio atividades dução de bens e serviços, que emprega, no entanto, um número relativamente pequeno Figura 2. educação superior: setor público ou privado de pes soas. As atividades de educação estão entre as de renda mais baixa. 6.000.000 ¢ setor Público Pós-graduação 5.000.000 ¢setor Privado Com relação à pós-gra- duação, há uma anomalia no Brasil que é a 4.000.000 existência de um grande número de ‘mestra - dos acadêmicos’, que concentram a maior par- 3.000.000 te de matrículas e graduados. Em todo o mun- 2.000.000 do, os mestrados são cursos de aperfeiçoa men- to profi ssional para o mercado de trabalho, e 1.000.000 não de pós-graduação acadêmica, que se dá normalmente em cursos de doutorado. Os es- 0 tudantes que se destinam aos doutorados vêm homens mulheres diretamente dos cursos de graduação, sem pre- 32 | ciÊnciahoje | 337 | vol. 57 cisar passar por uma etapa intermediária de Figura 3. educação superior: atividade profissional mestrado. Os mestrados acadêmicos no Brasil foram ¢ homens 4.500.000 ¢mulheres criados para dar uma titulação intermediária a professores universitários quando não havia 4.000.000 no país número suficiente de cursos de douto- 3.500.000 rado. Mas a prática não foi interrompida, e as 3.000.000 tentativas de criar mestrados profissionais não 2.500.000 foram muito longe, como se vê pelo número pequeno de inscritos e formados nessa moda- 2.000.000 lidade. 1.500.000 Essa anomalia está sendo suprida, em par- 1.000.000 te, pelo surgimento de mestrados profissionais 500.000 e, sobretudo, por cursos de especialização lato senso, como os MBAs em administração, que 0 não são regulados, nem entram nas estatísticas educação, serviços a administração indústria outros dos ministérios da Educação (MEC) ou da Ci- saúde e emPresas Pública serviços sociais ência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A PNAD contínua 2/2016 identificou 820 mil estudantes de pós-graduação no Brasil, dos quais 515 mil em cursos de especialização, 200 Figura 4. matrículas na educação superior, por áreas do conhecimento mil em cursos de mestrado e 105 mil em cursos ¢ homens de doutorado. A pesquisa também mostra que 3.500.000 ¢mulheres a idade média dos alunos de pós-graduação é de 34 anos, o que indica que esses cursos são, 3.000.000 sobretudo, de titulação e educação continuada 2.500.000 para profissionais já estabelecidos, e não para jovens em processo de formação. 2.000.000 O Censo da Educação Superior do MEC não inclui dados dos cursos de pós-graduação, 1.500.000 o que dificulta um entendimento mais pre- 1.000.000 ciso do que está ocorrendo. Na população total, havia 2,3 milhões de pessoas com títulos su- 500.000 periores de especialização, 575 mil com mes- trado e 243 mil com doutorado. Entre os dou- 0 tores, 54% trabalhavam como professores ctem saúde outros universitários. Outra fonte, a Relação Anual de Informa- ções Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, identificou 363 mil pessoas no Brasil com títu- ensino médio los de mestrado e doutorado em dezembro de O acesso ao ensino médio no 2014, das quais cerca de metade trabalhava Brasil cresceu rapidamente até 2004, quando em educação, e cerca de um terço na adminis- então quase estacionou. Em 1992, somente tração pública. A distribuição das atividades 18,3% dos jovens de 15 a 17 anos estavam no de mestres e doutores é similar, e aponta na ensino médio; em 12 anos, esse percentual pas- mesma dire ção: eles se dedicam, predomi- sou para 45,7%, e chegou a 56,5% em 2014. nantemente, a atividades edu cativas e de ad- Naquele ano, 65% dos jovens com 25 anos ha- ministração pública nos di versos setores. viam concluído o ensino médio em algum mo- O número de pós-graduados que se dedi- mento. cam à pesquisa nesse contexto é muito pe- O ensino médio brasileiro foi organizado na queno, embora muitos dos que aparecem nos década de 1940 como um curso preparatório setores de ensino e administração podem ser para uma pequena elite que se dirigia aos es- também pesquisadores. O setor produtivo tudos universitários, dado em um pequeno nú- privado ocupa um número muito pequeno de mero de escolas públicas altamente seletivas e pessoas altamente qualificadas, com predo- em escolas particulares, sobretudo religiosas. mínio da área de saúde. Para as moças, havia a alternativa dos cursos >>> ciÊnciahoje | 337 | junho 2016 | 33 educação normais de formação de professoras; para os vens, e a principal motivação é se preparar mais pobres, havia um número limitado de es- para os exames de ingresso para as universida- colas agrícolas, industriais e comerciais. Ape- des públicas. sar da massifi cação e de muitas modifi cações A maioria dos alunos desses cursos são mu- da legislação nos anos posteriores, a concepção lheres, e elas se concentram sobretudo nas tradicional do ensino médio quase não se áreas de ambiente e saúde e gestão e negó - alterou desde então e, a partir da Lei de Dire- cios; já os homens se dirigem principalmente trizes e Bases, de 1996, fi cou estabeleci do que para as áreas de controles e processos indus- o ensino técnico de nível médio só poderia ser triais, informação e comunicação (fi gura 5). A feito de forma complementar ao currículo tra- maior parte das matrículas estão no setor pri- dicional, e não como uma alternativa, como vado, com 34,5%, seguida das redes estaduais, ocorre na grande maioria dos países. com 31,1% (com destaque para a rede Paula Hoje, embora algumas instituições públicas Sou za do estado de São Paulo). Os Institutos ofereçam ensino técnico integrado ao regular, fe derais só contribuem com 18,8% da matrí- em cursos de tempo integral, a maior parte dos cu la, e o Sistema S, incluindo o Sesi/Senai e que buscam essa formação dirige-se a estabe- Sesc, outros 12,7%. A razão pela qual o Sis- lecimentos privados depois de terminar o en- tema S aparece tão pouco é que ele se con- sino médio regular, de proveito duvidoso. O centra, sobretudo, nos cursos curtos de for- censo escolar de 2015 identifi cou 10,6 milhões mação inicial e continuada, que não fazem de matrículas no ensino médio, das quais 7,6 parte do ensino médio. milhões em cursos regulares (propedêuticos), expansão perversa 1,3 milhão em cursos de educação de jovens e Esses dados con- adultos (EJA) e 1,7 milhão em cursos técnicos, fi rmam que a educação brasileira vem se ex- que, na verdade, são cursos profi ssionais nas pandindo ao longo dos anos, tanto no nível su- diversas áreas. A legislação brasileira exige o perior quanto no médio, de forma perversa, curso médio completo para que o curso técnico sem criar alternativas claras de formação para de nível médio tenha validade, e 790 mil dos um público cada vez mais diversifi cado, que que faziam esses cursos já haviam completado busca aumentar seus conhecimentos e suas o ensino médio regular, e outros 511 mil faziam qualifi cações formais. os dois cursos simultaneamente. No nível médio, ao contrário do resto do Os Institutos Federais de Ciência e Tecno- mundo, todos devem seguir os mesmos cursos logia e o Centro Paula Souza do Estado de São tradicionais, e a qualificação profissional só Paulo também oferecem cursos de tempo in- pode ser feita como formação adicional, em- tegral combinando o ensino propedêutico e bora a grande maioria nunca chegue ao ensino profi ssional: 319 mil estudavam dessa forma. superior. No nível superior, também na con- A admissão para esses cursos é feita em geral tramão da maioria dos países, os cursos de cur- por concurso, os estudantes tendem a ser jo- ta duração, denominados ‘tecnológicos’ (embo- ra concentrados nas áreas de serviços), só ti- nham 13,2% das matrículas; todos os de mais cursos são considerados igualmente ‘univer- Figura 5. matrículas em cursos técnicos de nível médio sitários’: submetem-se a exigências de pós- -graduação e pesquisa semelhantes e pro- porcionam diplomas de mesma validade em 600.000 todo o país, embora grande parte deles seja, na ¢ homens 500.000 ¢mulheres prática, dedicada exclusivamente à formação profi ssional. 400.000 A justificativa muitas vezes apresentada para essa situação é que a criação de alterna- 300.000 tivas de formação de nível médio e superior 200.000 poderia levar a cursos e instituições de segun- da classe, que diplomariam estudantes e pro- 100.000 fissionais sem formação crítica e científica, 0 necessária a todos. O resultado, na prática, é o oposto: a falta de alternativas torna a educa - ambiente, saúde, Processos industriais, outros ção altamente discriminatória, excluindo ou Gestão inFormação prejudicando os que não têm condições ou 34 | ciÊnciahoje | 337 | vol. 57 não têm acesso às instituições e carreiras mais No ensino médio, é preciso criar opções de privilegiadas, como se vê pelo grande número especialização e aprofundamento, tanto para dos que não completam a educação média ou as diferentes áreas de formação superior – ci- não atingem as notas mínimas de desempenho ências, matemática, engenharias, saúde, ciên- no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) cias sociais etc. – quanto para as várias moda- para ingresso na educação superior e termi- lidades de ensino técnico e profissional, redu- nam, se tanto, com títulos vazios de conteúdo zindo, assim, o número de matérias obriga- e de pouco valor no mercado de trabalho. tórias. Como consequência, o Enem deve ser Para compensar a rigidez e as limitações do alterado para permitir avaliações das diferen- sistema educacional, a sociedade brasileira tes trajetórias. vem desenvolvendo, desde os anos 1940, uma No ensino superior, devem-se fortalecer e série de alternativas de formação fora do sis- expandir as oportunidades de formação tec- tema educacional regular, sobre as quais ine- nológica e profissional de curta duração; e, na xistem informações sistemáticas. Entre elas, pós-graduação, os mestrados acadêmicos pre- estão os cursos de formação profissional de cisam evoluir para doutorados plenos ou se curta duração oferecidos pelo Sistema S e por transformar em mestrados profissionais. Os escolas profissionais livres, bem como cursos e doutorados e o sistema de avaliação dos cur - treinamentos dados por empresas e organiza- sos de pós-graduação mantido pela Coordena- ções governamentais e não governamentais, ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível sindicatos e associações, que atingem uma es- Superior (Capes) também precisam ser revis- timativa de 27 milhões de pessoas em um ano. tos, para que abandonem padrões exclusiva- A existência desse setor invisível é salutar, mente acadêmicos e incorporem critérios de e sua informalidade pode ser uma vantagem, relevância social e econômica. já que abre espaço para flexibilidade e experi- Além disso, deve ser possível, a partir de mentação. Mas isso não é razão para que o se- cada nível e opção, buscar novas trajetórias e tor formal da educação, responsável pelos cer- alcançar níveis mais altos de formação, sem tificados legalmente reconhecidos e usados por obstáculos formais dissociados das motivações todos, continue com as atuais distorções. e da capacidade de estudo e trabalho de cada um. Não sabemos bem como fazer isso, será novos caminhos No conjunto da educa- um longo aprendizado. Mas é assim que ocorre ção brasileira, o setor de ciência, tecnologia, no resto do mundo, e não podemos continuar engenharia e matemática é relativamente sempre para trás. pequeno – e não poderia ser muito diferente, dadas as características do mercado de traba- lho e da inserção do país na economia inter- nacional, que levam ao predomínio do setor de serviços. Mas, se o país conseguir formar Sugestões para leitura um número mais significativo de pessoas com academia brasileira de ciÊncias. O ensino das ciências e a educação básica boa capacitação nessas áreas, serão criadas – Propostas para superar a crise. rio de janeiro: academia brasileira de opor tunidades para o desenvolvimento de uma ciências, 2007. economia mais sofisticada em todos os seto- cGee. Mapa da educação profissional e tecnológica: experiências internacionais e res. Atualmente, as atividades de rotina estão dinâmicas regionais brasileiras. brasília, dF: centro de Gestão e estudos sendo ocupadas por máquinas e computado - estratégicos, 2015. res, e há uma demanda crescente por pes - oliveira, m. P. P. de, nascimento, P. a. m., maciente, a. n., caruso, l. a., e soas com ampla capacidade de entendimento schneider, e. m. ‘Formação de profissionais das áreas de ciência, tecnologia, e ra cio cínio, o que inclui necessariamente as engenharia e matemática (ctem)’ (v. 4). in Rede de pesquisa formação e com petências matemáticas e a familiarização mercado de trabalho – Coletânea de artigos. brasília: iPea/ abdi, 2014. com as novas tecnologias de informação e schWartZman, s. e moura castro, c. de. 2013. ‘ensino, formação profissional comu nicação. e a questão da mão de obra’. Ensaio: Avaliação e políticas públicas em Para preencher essa lacuna, é indispens ável educação 21. rio de janeiro: v.21, n. 80, pp. 563-624, 2013. que os estudantes tenham acesso a oportunida- des educacionais compatíveis com seus interes- Na iNterNet ses e suas competências e que não sejam força- dos a estudar coisas que não lhes digam respei- censo da educação superior - Principais resultados: http://portal.inep.gov.br/ visualizar/-/asset_publisher/6ahj/content/dados-apontam-aumento-do- to. Para isso, várias alterações devem ser feitas numero-de-matriculas?redirect=http%3a%2f%2fportal.inep.gov.br%2f no sistema educacional brasi leiro. ciÊnciahoje | 337 | junho 2016 | 35

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