Educação e Construção do Conhecimento DEDALUS - Acervo - FE \11""""'" 20500070559 DOAÇÃO ~L~:~~>"'~>'-~;':"::;:É.: 'F:--l Origem: Parceria-eventos ' , Data: 10/3/2006 I 53851 X i ~---"----'~~ Sobre oAutor FernandoBecker. DoutoremPsicologiaEscolar. MestreemEducação. Professor titular de Psicologia daEducação na Faculdade de Educação daUniversidadeFederaldoRio Grande doSul. DesenvolveSeminários Avançados sobre Epistemologia Genética, no Curso de Pós-Graduação em Educação - mestrado e doutorado - da UFRGS. Contate o autor no endereço [email protected] Prefácio ~=t. ~lo -n Lino deMacedo 095e. ~.~ O livro Educação e construção do conhecimento, de Fer nando Becker, uma feliz iniciativa da Artmed Edito ra, reúne seis textos, alguns já publicados (total ou parcial mente), que refletem suas pesquisas e estudos nos últimos anos em favor da melhoria da escola pública, em umavisão apoiada em Paulo Freire e, sobretudo, Jean Piaget. Gosto dainiciativadeseeditarumacoletânea, principalmentequan do a seleção é realizada pelo próprio autor. Isso significa, creio, umreconhecimentodaatualidadedostextos, umaper feiçoamento ou acréscimo de novas idéias euma renovação do pensamento do autor expresso em palestras ou artigos produzidos em outras épocas e em diferentes contextos. B395e Becker, Fernando . Educação e construção do conhecimento / Fernando A coletânea possibilita, também, reunir textos dispersos Becker.- PortoAlegre:Artrned Editora, 2001. em várias publicações, facilitando o estudo do leitor e en 1.Educação- Conhecimento- Observaçõespedagógi globando, do ponto de vista temático, as diferentes con cas.I.Título tribuições do autor. O presente livro é bom, bem escrito CDU 37.012 e, por isso, vale a pena ser lido, discutido e considerado, pelas razões (vou mencionar apenas as principais) que Catalogação na publicação: MônicaBallejoCanto - CRB 10/1023 apresento a seguir. ISBN 85-7307-834-0 Lino deMacedo éprofessortitulardoInstitutodePsicologiadaUSP. VI FERNANDOBECKER EDUCAÇÃOECONSTRUÇÃODO CONHECIMENTO vii Sobre construção do conhecimento, segunda parte do I Autorizam, mesmo que não tenhamos toda a consciência tlt~l.o do livro, Fernando Becker demonstra excelente do disso, o uso de modelos talvezinsuficientesparadaremcon minto em textos fundamentais da obra de Piaget. Quero ta das questões atuais da escola? destacar os momentos em que explica os termos escolhidos Quero insistir na relevância do presente trabalho em eem que os aplica nas análises em favor de uma escolacom prometida c?~uma "pedagogia relacional", isto é,apoiada . contextos de formação, seja de alunos de faculdades de Edu cação, seja de professores atuando emsala de aula. Ostextos n~ c~nstrutivIsmo. Os termos destacados correspondem pnnc~palmenteaos aspectos funcionais da obra de Piaget, podemapoiarseminários, discussõesereflexões sobreaprá tica pedagógica. Podem ajudar o professor a comprometer "" seja, a?s aspe~tos que estão presentes e que dão suporte sua prática com uma fundamentação apoiada, como jádis as.nos:as mteraçoes em todas asfasesda vida. Esquema, assi rnilaçâo, acom~~ação, tomada de consciência, abstração, se, emPaulo Freire eprincipalmenteemJeanPiaget. O tex N constru~ao,equilibraçâo são os principais termos que, com to pode nos ajudar, também, a planejar situações de apren dizagem mais comprometidas com uma pedagogia dife sabedoria, o autorutilizaparacomporsuas análises. Consi renciada e, por isso, relacional. É possível, ou desejável, dero igualmente relevante o debate que o autor estabele hoje, dar a mesma aula, usando os mesmos exercícios, os ce entre os modelos empirista, apriorista e construtivista mesmos recursos didáticos, os mesmos livros, as mesmas do conhecimento e a análise de seus reflexos na sala de formas de avaliação, os mesmos conteúdos, a mesma for aula. Nesse debate, obviamente, formulam-se críticas aos ma de exposição para crianças tão diferenciadas em suas a~pectos.negativos e insuficientes de uma prática pedagó necessidades e possibilidades de aprendizagem? É possí gica apoiada no associacionismo diretivista ou na não-di r~tividade(correspondentes aos modelos ernpiristaeaprio vel, hoje, conservar na escola apenas crianças bem-dota das, bem-nascidas, adequadas e dispostas ao jogo pedagó rista), apresentando-se argumentos favoráveis ao constru tivis~o.A críti~a e a.defesa estão bem-feitas e expressam gico? Sabemos que não. As crianças; todas as crianças, conquistaram - ao menos no espírito das leis - o direito à o estilo combativo, direto e comprometido de seu autor. a educação básica, ocorrendo sua realização, pública e gra segundo ponto que quero comentar refere-se àscon tribuições do presente trabalho àeducação, em uma pers tuita, na escola. Crianças que têm o mesmo direito à edu p.ectlvaconst~utivista. Comodecorrênciado aspectojámen cação, porém, só podem realizá-lo na prática se suas dife c~oNnado(aná~l~eepistemológicado construtivismo emopo renças, suas histórias de vida, suas formas de interação siçao ao empl:ls.n:O eao/apriorismo), o livroémuitoimpor com o mundo, seus mecanismos de construção de conhe cimento, seus processos de desenvolvimento, suas rela tante, ao possibilitaranalises ediscussões de formas de atua ções e expectativas sociais forem considerados. Penso, ção pedagógica do professor. Sabemos o quanto hoje se va lori~aaformação contínuadoprofessor. Que bases teóricas como o Becker, que o construtivismo de Piaget e a sabe doria de Paulo Freire possibilitam-nos pensar uma escola explicam o trabalho docente? Elas autorizam as decisões paraessas crianças erealizarpráticaspedagógicas mais con pedagógicas do professor?Determinamsuaprática? Abrem sistentes com acomplexidade implicada no compromisso ou fecham suas possibilidades de trabalho em sala de aula? de uma educação básica para todos. Limitam ou enriquecem suas ações? Favorecem a reflexão? viii FERNANDOBECKER Um último ponto que quero comentar refere-se à posi ção do aluno, valorizada no presente trabalho. Que tipo de aluno queremos? Alunos passivos, obedientes, resignados e que fazem da repetição de algo externo e com pouco senti do uma referência para sua forma de ser? Apenas alunos talentosos, bem-nascidos, previamente selecionados por suas capacidades ou facilidades? Alunos ativos, responsáveis, au tônomos, que podem fazer perguntas, construir conheci mentos, testar hipóteses, argumentar, enfrentar situações problema, com direitos e deveres na escola e na sociedade? Apresentação Não preciso antecipar-lhes que é pensando nos alunos refe ridos por último que Fernando Becker dedica, mais uma Tania Beatriz Iwaszko Marques vez, o melhor de seus esforços. Vale a pena conferir. Este livro reúne uma série de artigos do professor Fer nandoBecker,jápublicadosem diversas revistas de edu cação do País. Educação e construção do conhecimento já vinha sendo aguardado ansiosamente pelos leitores, que só encontravam estes textos em diferentes publicações, algumas das quais de difícil acesso para o grande público acadêmico. O autor participa de diversos eventos, em âmbito re gional e nacional, tratando da questão da construção do co nhecimento. Realizapesquisas, coordenaseminárioseorien ta teses edissertações sobre o tema. Seuslivros e artigos são referência obrigatória na área da educação. Os capítulos aqui apresentados não obedecem a uma ordemtemporal. Relacionam-seentresipelo critério do tra tamento de uma mesma temática sob o ponto de vista da epistemologia genética, abordando questões epistemológi cas, envolvidas na obra dePiaget, esuas relações com aedu- ,.., caça0. TaniaBeatrizIwaszkoMarquesépsicóloga, mestreemPsicologiadaEducação,douto randa em Educação, professoraassistente na FaculdadedeEducação daUFRGSepro fessora adjuntana faculdade deEducaçãodaULBRA. X FERNANDOBECKER EDUCAÇÃO ECONSTRUÇÃODO CONHECIMENTO Xl Abre-se o livro com o texto "Modelos pedagógicos e balho coerente com avisão construtivista, já que o constru modelos epistemológicos", que se tornou leitura constante tivismo não é um método. nos cursos de pedagogia e cursos de pós-graduação na área A questão não respondidano texto anterioréretomada da educação, em disciplinas como: psicologia da educação, no quinto capítulo, "Construt~vismoe pedag?~ia", en;;que didática, filosofiada educação, históriada educação, etc. Este são apresentados 10passosconsideradosessenciaispara uma texto reflete achados da pesquisaA epistemologia subjacente proposta pedagógica que pretenda levar em c?nta os avan aotrabalho docente, publicada sob o tÍtulo de A epistemolo ços da epistemologia genética". Dar ~m~receita do.q~e fa giadoprofessor: ocotidianodaescola. Esta pesquisa, realiza zer em sala de aula seriaircontrao propr10 construtivismo, da com professores de todos-os graus de ensino e das mais seria transformá-lo em método, o que ele não é, embora diferentes disciplinas, tratadas diferentes concepções de co muitos teimem em assim identificá-lo, o que denota uma nhecimento e suas conseqüências nas práticas pedagógicas. compreensão errônea desta abordagem. A leitura deste tex O texto seguinte "O ato pedagógico de ensinar e apro to dá pistas muito importantes, sem dar receitas, do .que dução do conhecimento" versa sobre o mesmo tema, po significaum trabalho pedagógico orientado porumaepiste rém, explorando ângulosdiferentes dos apontados anterior mologia construtivista. mente, conservando a mesma clareza e profundidade que O sexto capítulo "No princípio eraa ação!", int.egrou o são característicasdo estilodo autor. Noterceirotexto, "En primeiro número da revista Pátio. Nele, o autor dl;cute ? sino e construção do conhecimento: o processo de abstra que é a criança ao nascer: umproduto acabado que so preC1 ção reflexionante", o autoravançana explicação da propos sa amadurecer ou, ao contrário, uma tábula rasa, a ser mol ta de Piaget a respeito do processo de abstração reflexionan dada pelo meio? Considera que ambas as alternativas não te como base para a construção do conhecimento, tema já dão conta da questão, salientando o papel da ação na cons mencionado nos textos anteriores. trução do sujeito. Sem dúvida um texto que complementa Em "O que éconstrutivismo?", o autorexpõesuavisão os demais. críticada questão, tão debatida nos meios educacionais, po O livro anteriorde Becker,A epistemologiadoprofessor: rém muitas vezes mal-interpretada. Construtivismo é uma o cotidiano da escola, lançado em 1993, já se encontra na prática? Construtivismo é um método? Construtivismo é oitava edição (2000) e, acredito, este repeti~á?sucess,o? pois um projeto escolar? O autor responde aessas questões com os textos refletem, comumestilo claro, objetivo e crrnco, o um "não" eesclarece: construtivismo é "a idéiade que nada, domínio dotematrabalhado. Emboraostextostenhamsido a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o . escritos em épocas diferentes, complementam-se perfeita conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como mente, dando ao leitor a sensação de totalidade, de tal for algo terminado. Ele seconstituipelainteração do indivíduo ma que a leitura torna-se um saboroso exercício intelectual com o meio físico e social...". E um texto esclarecedor, lei que resultará em grande enriquecimento teórico e, sem dú tura indispensávelparao educadorinteressado ementender vida, pessoal. o que aconteceem sala de aula eo que ocorre comseu aluno emtermos de construção deconhecimento. Porém, o leitor perguntará como agir, em sala de aula, para realizar um tra- Sumário Prefácio v' Apresentação ix CAPÍTULO 1 Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos 15 CAPÍTULO 2 o ato pedagógico de ensinar e a produção do conhecimento , 33 CAPÍTULO3 Ensino e construção do conhecimento: o processo de abstração reflexionante 45 CAPÍTULO 4 o que é construtivismo? 69 CAPÍTULO5 Construtivismoepedagogia "..... .... 81 "No princípioeraaação!"Ação,funçãosimbólicae inteligênciaemocional 113 Referências bibliográficas 123 1 Modelos Pedagógicos e Modelos Epistemolôgícos! P odemos afirmar que existem três diferentes formas de representar a relação ensino/aprendizagem escolar ou, mais especificamente, asalade aula. Falaremos, inicialmen te, de modelos pedagógicos e,na falta de terminologia mais atualizada, ou adequada, falaremos em pedagogia diretiva, pedagogianão-diretivae,talvezcriandoumnovotermo, pe dagogiarelacional. Mostraremoscomotaismodelos sãosus tentados, um aum, por determinada epistemologia. Episte mologia que semostrou refratária atoda aexuberante críti ca da sociologia da educação que se desenvolveu no País, desde o final da década de 70. Pedagogia diretiva e seu pressuposto epistemológico Pensemos no primeiro modelo. Para configurá-lo, basta entrarmos em umasalade aula (épouco provável que nos enganemos). O que encontramos aí? Um professor que observaseus alunos entraremna sala, aguardando que sen tem e que fiquem quietos esilenciosos. As carteiras estão devidamente enfileiradasesuficientemente afastadasumas das outras para evitar que os alunos conversem. Se o si lêncio e aquietude não sefizerem logo, o professor grita rá para um aluno, xingará outra aluna até que a palavra ., 16 FERNANDOBECKER EDUCAÇÃO ECONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 17 sejamonopólio seu. Quando isso acontecer, ele começará tem em termos de conh~cimento: éuma folha de papel em a daraaula. branco; étábula rasa. É assimo sujeito na visão epistemoló Como éessaaula?O professorfala, eo aluno escuta. O gicadesseprofessor: uma folha de papel em branco. Então, professor dita, e o aluno copia. O professor decide o que de onde vem o seu conhecimento (conteúdo) easua capaci fazer, eoalunoexecuta. Oprofessorensina, eo alunoapren dade de conhecer (estrutura)? Vem do meio físico ousocial. de. Se alguém observasse uma sala de aula na década de 60 Empirismo é o nome dessa explicação da gênese edo desen ou de 50, ou, quem sabe,dedois séculos atrás, diria, prova volvimento do conhecimento. Sobre atábula rasa, segundo velmente, amesma coisa:falaria como Paulo Freire, em Pe aqual "não há nada no nosso intelecto que não tenha entra dagogia dooprimido. Porque o professor ageassim?Muitos do lá através dos nossos sentidos", diz Popper (1991): "Essa dirão: porqueaprendeuqueéassimque seensina. Paramim, idéia não é simplesmente errada, mas grosseiramente erra esta resposta é correta, mas não suficiente. Então, por que da..." (p. 160). Voltemos ao professor na sala de aula. mais? O professor considera que seu aluno étábula rasa não Penso que,o professor ageassim porque acredita que o . somente quando ele nasceu como ser humano, mas frente a conhecimento pode ser transmitido para o aluno. Ele acre cada novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou dita no mitodatransmissãodo conhecimento - do conheci nas gavetas de sua disciplina. A atitude, nós a conhecemos. mento comoforma ouestrutura; não só como conteúdo. O . O alfabetizador considera que seu aluno nada sabe em ter professor acredita, portanto, numa determinada epistemo mos de leitura e escrita e que eletem de ensinar tudo. Mais logia, isto é, numa "explicação" - ou, melhor, crença - da adiante, frente àaritmética, o professor, novamente, vê seu gênese e do desenvolvimento do conhecimento, "explica aluno como alguém que nada sabe sobre somas e subtra ção" da qual elenão ~olnouconsciênciaeque, nemporisso, ções. No ensino médio, em uma aula de física, o professor émenos eficaz. Diz um professor (Becker, 2000):O conhe vai tratar seu aluno como alguém sem nenhum saber sobre cimento "sedá àmedidaque ascoisasvão aparecendo esen espaço, tempo, relação causal.Já, na universidade, o profes do introduzidas por 11ÓSnas crianças...". Outro professor sorde matemáticaolhaparaseusalunos, no primeiro dia de diz: o conhecimento "é transmitido, sim; através do meio aula e "pensa": "60% já está reprovado!" Isso porque ele os ambiente, família, percepções, tudo)'. Outro, ainda: o co concebe, não apenas comofolha depapelem branco na ma nhecimento sedá "... àmedida em que apessoa éestimula temática que ele vai ensinar, mas considera-os, devido àsua da, ela éperguntada, elaéincitada, ela é questionada, ela é, concepção epistemológica, estruturalmente incapazes de as até, obrigada adar uma resposta...". Como se configura tal similar tal saber. epistemologia? Como sevê, aação desseprofessornão égratuita. Ela é Falemos, como na linguagem epistemológica, em sujei legitimada, ou fundada teoricamente, por uma epistemolo toe objeto. O sujeito é oelemento conhecedor, o centro do gia,segundo aqual o sujeito étotalmente determinado pelo conhecimento. O objeto étudo o que o sujeito não é. - O mundo do objeto ou pelos meios físico e social. Quem re que é o não-sujeito? - O mundo no qual está mergulhado: presenta este mundo, na sala de aula, é, por excelência, o isto é, o meio físicoousocial.Segundo aepistemologia que professor. No seu imaginário, ele, e somente ele, pode pro subjazàpráticadesseprofessor,oindivíduo, aonascer, nada duzir algum novo conhecimento no aluno. O aluno apren- 18 FERNANDOBECKER EDUCAÇÃOECONSTRUÇÃODO CONHECIMENTO 19 dese,esomentese,oprofessorensina. O professoracredita ação sejacapaz de qualquer mudança. O cinismo é seu jar no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, gão. Traduzindo o modelo epistemológico em modelo pe não importa o nível de abstração ou de formalização, pode dagógico, temos aseguinte relação: ser transferido ou transmitido para o aluno. Tudo o que o aluno tem afazerésubmeter-se àfalado professor: ficar em IAE-pl silêncio, prestar atenção, ficar quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias,escrevendo, lendo, etc., até ade rir em sua mente, o que o professor deu. Epistemologica mente, essarelação pode ser assim representada: O professor (P), representante do meio social, determi na o aluno (A) que étábula rasafrente acadanovo conteúdo. E- Nessa relação, o ensino e a aprendizagem são pólos di S O I I cotômicos: o professor jamais aprenderá e o aluno jamais ensinará. Como diz um professor ao responder àpergunta "qual o papel do professor e qual o do aluno?": "O profes Como sevê, essapedagogia, legitimada pela epistemo sor ensina e o aluno aprende; qual é atua dúvida?". Ensino logia empirista, configura o próprio quadro da reprodução e aprendizagem não são pólos complementares. A própria da ideologia; reprodução do autoritarismo, da coação, da relação é impossível. É o modelo, por excelência, do fixis heteronornia, dasubserviência, do silêncio, damorte da crí mo, da reprodução, da repetição. Nada de novo pode - ou tica, dacriatividade, dacuriosidade. Nessasaladeaula, nada deve - acontecer aqui. de novo acontece: velhas perguntas são respondidas com velhas respostas. A certeza do futuro está na reprodução pura esimples do passado. A disciplina escolar - que tantas Pedagogia não-diretiva e seu pressuposto epistemológico vítimas já produziu - éexercida com todo rigor, sem ne nhumsentimentodeculpa,pois háumaepistemologia,uma Pensemos no segundo modelo. Não éfácildetectarsua pre psicologia (daqualnão falamos aqui) eumapedagogia que a sença. Ele está mais nas concepçõespedagógicas eepistemo legitimam. O aluno, egressodessaescola,será bem-recebido lógicas do que na práticadesalade aula porque esta édifícil no mercado de trabalho, pois aprendeu a silenciar, mesmo. de viabilizar. Pensemos, então, como seria asalade aula de discordando, perante a autoridade do professor, a não rei acordo com essemodelo. O professor éum auxiliar do alu vindicarcoisaalguma, asubmeter-seeafazer um mundo de no, um facilitador (Carl Rogers). O aluno játraz um saber coisas sem sentido, sem reclamar. O produto pedagógico que ele precisa, apenas, trazer àconsciência, organizar, ou, acabado dessa escola é alguém que renunciou ao direito de ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o pensar e que, portanto, desistiu de sua cidadania e do seu mínimo possível. Qualqueraçãoque o aluno decida fazer é, direito ao exercício da política no seu mais pleno significa apriori, boa, instrutiva. E o regime do laisser-faire: deixa do: qualquerprojetoqueviseaalguma transformaçãosocial fazer, que ele encontrará o seu caminho. O professor deve escapa aseu horizonte, pois eledeixou de acreditar que sua "policiar-se" para interferir o mínimo possível. Qualquer .. 20 FERNANDOBECKER EDUCAÇÃO ECONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 21 semelhança com a "liberdade de mercado" do neoliberalis As ações espontâneas farão a criança transitar por fases de mo é mais do que coincidência. desenvolvimento, cronologicamente fixas, que são chama O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende das de "estágios" e que são, freqüentemente, confundidos por si mesmo. Ele pode, no máximo, auxiliar a aprendiza com os estágios da epistemologia genética piagetiana; nesta, gem do aluno, despertando o conhecimento que já existe os estágios são, ao contrário, cronologicamente variáveis. nele. - Ensinar? - Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. Voltemos ao papel do professor. Como diz ~m professor (Becker, 1994): "Ninguém pode a professor, imbuído de uma epistemologia apriorista transmitir. E o aluno que aprende". Outro professor afir - inconsciente, na maioria das vezes - renuncia àquilo que ma: "você não transmite o conhecimento. Você oportuni seria a característica fundamental da ação docente: a inter za, propicia, leva a pessoa a conhecer". Outro, ainda: "... venção no processo de aprendizagem do aluno. Ora, o po acho que ninguémpodeensinarninguém; podetentartrans der que éexercido sem reservas, com legitimidade episte rnitir, podetentarmostrar... acho que apessoa aprende pra mológica, no modelo anterior, éaqui escamoteado. Ora, a ticamenteporsi...". Queepistemologiasustentaessemode trama de poder, em qualquer ambiente humano, pode ser lo pedagógico? disfarçada, mas não eliminada. Acontece que, na escola, há A epistemologia que fundamenta essa postura pedagó limites disciplinares intransponíveis. O que acontece, en gicaéaaprioristaepodeser representada, como modelo, da tão, com o pedagogo não-diretivo? Ou ele arranja uma for seguinte forma: ma mais "subliminar" de exercer o poder ou ele sucumbe. Freqüentemente, opoder,exercidodessemodo, assumefor mas mais perversas que na forma explícita do modelo ante s-+ O rior. Assim como no regime da "livre iniciativa" ou de "li berdade de mercado" o Estado aumenta.seu poder para ga rantir a continuidade e, até, o aumento dos privilégios da "Apriorismo"vemdeapriori, isto é,aquilo que éposto minoria rica, utilizando não a perseguição política, mas a antes como condição do que vem depois. - O que éposto expropriação dos salários e a desmoralização das institui antes? - A bagagem hereditária. Estaepistemologiaacredita ções representativas dos trabalhadores, assim também, por que o ser humano nasce com o conhecimento jáprograma mecanismos indiretos exerce-se, por vezes, em uma sala de do na sua herança genética. Basta um mínimo de exercício. aula não-diretiva, um poder tão predatório como o da sala paraque sedesenvolvam ossos, músculos e nervos eassim a de auladiretiva. Porisso, Celma (1979) afirma, no Diáriode criança passe a postar-se ereta, engatinhar, caminhar, cor um (edu)castrador, que os alunos tinham pavor de sua pro rer, andardebicicleta,subir em árvore...assimtambémocor fessora não-diretiva. re com o conhecimento. Tudo está previsto. É suficiente Como vimos, uma pedagogia desse tipo não é gratuita. proceder a ações quaisquer para que tudo aconteça em ter Ela tem legitimidade teórica: extrai sua fundamentação da mos de conhecimento. A interferência do meio - físico ou epistemologia apriorista. O professor parece, no entanto, social-deve ser reduzidaao mínimo. Ésó pensarnoEmílio nãotomarconsciênciadisso. Essamesmaepistemologia, que deRousseauou nascrianças deSummerhill (Snyders, 1974). concebe o ser humano como dotado de um saber "de nas-