ebook img

Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem PDF

139 Pages·17.377 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem

Coleção Lingua [gem] 1 Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. Marcos Bagno . 2 Linguagem & comunicação social-linguistica para comunicadores, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa . 3 Por uma linguística crítica, Kanavillil Rajagopalan . 4 Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, Stella Maris Bortoni-Ricardo . 5 Sistema, mudança e linguagem - um percurso pela história da linguística moderna, Dante Lucchesi . 6 "O português são dois" - novas fronteiras, velhos problemas. Rosa Virgínia Mattos e Silva DO SIGNO . 7 Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. Rosa Virgínia Mattos e Silva . 8 A linguística que nos faz falhar-Investigação crítica, Kanavillil Rajagopalan, Fábio Lopes da Silva [orgs.] . 9 Do signo ao discurso - Introdução d filosofia da linguagem, Inês Lacerda Araújo . 10. Ensaios de filosofia da linguística, José Borges Neto AO DISCURSO 11. Nós cheguemu ria escola, e agora? - sociolinguística e educação, Stella Maris Bortoni-Ricardo 12. Doa-se lindos filhotes de poodle-Variação linguística, mídia e preconceito, Maria Marta Pereira Scherre 13. A geopolítica do inglês, Yves Lacoste [org.], Kanavillil Rajagopalan 14. Géneros - teorias, métodos, debates,J. L. Meurer, Adair Bonini, Désirée Motta-Roth [orgs.] 15.0 tempo nos verbos do português - uma introdução a sua interpretação semântica, M" Luiza M. S. Coroa Introdução à filosofia da lin 16. Considerações sobre a fala e a escrita - fonologia em nova chave, Darcilia Simões guagem 17. Princípios de linguística descritiva, M. A. Perini 18. Por uma linguística aplicada INdisciplinar, Luiz Paulo da Moita Lopes 19. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística, U. Weinreich, W. Labov, M. I. Herzog 20. Origens do português brasileiro, Anthony Julius Naro, Maria Marta Pereira Scherre 21. Introdução à gramaticalizaçao - Princípios teóricos & aplicação, Sebastião Carlos Leite Gonçalves, Ma Célia Lima-Hernandes, Vânia Cristina Casseb-Galvão [orgs.] 22. O acento em português - Abordagens fonológicas, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 23. Sociolinguística quantitativa-Instrumental de análise, Gregory R. Guy, Ana Maria Stahl Zilles 24. Metáfora, Tony Berber Sardinha 2 5. Norma culta brasileira - desatando alguns nós, Carlos Alberto Faraco 26. Padrões sociolinguísticos, William Labov 2 7. Génese dos discursos, Dominique Maingueneau 28. Cenas da enunciação, Dominique Maingueneau 29. Estudos de gramática descritiva-as valências verbais Mário A. Perini , 30. Caminhos da linguística histórica - "Ouvir o inaudível". Rosa Virgínia Mattos e Silva 31. Limites do discurso - ensaios sobre discurso e sujeito. Sírio Possenti 32. Questões para analistas do discurso. Sírio Possenti 3 3. Linguagem & diálogo-as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin, Carlos Alberto Faraco 34. Nomenclatura Gramatical Brasileira - cinquenta anos depois, Cláudio Cezar Henriques 35. Língua na mídia. Sírio Possenti JT, 36. Malcomportadas línguas, Sírio Possenti 37. Linguagem. Género. Sexualidade: clássicos traduzidos Ana Cristina Ostermann e Beatriz Fontana [orgs.] , 38. Em busca de FerdinandSaussure, Michel Arrivé 39. A noção de"fórmula" em análise do discurso- quadro teórico e metodológico, Alice Krieg-Planque 40. Geolinguística - tradição e modernidade, Suzana Alice Marcelino Cardoso 41. Doze conceitos em análise do discurso, Dominique Maingueneau 42.0 discurso pornográfico, Dominique Maingueneau 43. Falando ao pé da letra - a constituição da narrativa e do letramento Roxane Rojo INÊS LACERDA ARAÚJO , 44. Nova pragmática - fases e feições de um fazer Kanavillil Rajagopalan , SUMÁRIO Capa e Projeto gràfko; Andréia Custódio Editor: Marcos Marcionilo Conselho Eoitoriau Ana Stahl Zilles [Unisinos] Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] Gilvan Muller de Oliveira (UFSC, [poli Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela] Kanavillíl Rajagopalan [Unicampl Marcos 6agno ÍUnBI Maria Marta Pereira Scherre [UFES] Rachel Gazolia de Andrade [PUC-SP] Roxane Helena Rodrigues Rojo [Unicamp] Salma Tannus Muchail [PUC-SP] Stefla Maris Bortoni-Ricardo fUnSJ INTRODUÇÃO .. 9 I SIGNO E REALIDADE. 19 . I A PROBLEMÁTICA DA LINGUAGEM . 19 . CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE 1 1 Breve escorço histórico. 19 . . SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Ri 2 Signo e referência. 28 . 2 1 0 signo linguístico. 28 A689d . . Araújo, Inês Lacerda, 1950 22 0 problema da referência para Saussure. 32 Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem | Inês . . Lacerda Araújo - São Paulo : Parábola Editorial, 2004 3 Conceito e objeto. 37 . (Linguaígem); v. 9) 4 Os limites da semântica. 41 . Inclui bibliografia 5 A contribuição de Peirce. 46 . ISBN 978-85-88456-28-0 S 1. O esquema triangular de Peirce. 46 . 1 Linguagem - Filosofia 2. Linguística. L Título. III. Série. 52 A três categorias do signo. 49 . . . 53 .A semiótica como lógica dos signos. 53 04-2704 CD°; 4°, . CDU : 81*1 II. AS SENTENÇAS: SIGNIFICAÇÃO, VERDADE E REFERÊNCIA. 57 1 Significar e nomear. 57 . 2 Referir difere de significar: Frege. 63 . Direitos reservados à 3 A solução de Russell para o problema da denotação. 7 0 . Parábola Editorial 4 O paralelismo entre linguagem e realidade para Wittgenstein no Tractatus Rua Sussuarana, 216 - Alto do Ipiranga . 04281-070 São Paulo, SP locico-philosophicus. 74 pabx: [11] 5061-926215061-8075 | fax: Cl 1J 2589-9263 5 Kripke e a rigidez referencial. 82 home page: www.parabolaeditorial.com.br . e-mail: parabola@parabo(aeditoríal.com.br 6. Consequências do semantismo. 91 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode III. A REVOLUÇÃO WITTGENSTEINIANA: OS JOGOS DE LINGUAGEM. 99 ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou 1 O Wittgenstein das Investigações fiiosóficas. 99 arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão . 1 1 0 paradigma pós-metafísico. 100 por escrito da Parábola Editorial Ltda. . . 12 Fim do primado da lógica e da metafísica . 102 . . ISBN: 978-85-8845&-28-0 13 Os jogos de linguagem. 106 . . 1" edição | 2" reimpressão, fevereiro de 2011, conforme o novo acordo ortográfico da língua portuguesa. 1.4. O problema da referência. 114 15 Crítica à linguagem privada. 120 © do texto: Inês Lacerda Araújo, novembro de 2004 . . DO SIGNO AO DISCURSO 2 A CRÍTICA DE STRAWSON À TEORIA DAS DESCRIÇÕES DE RUSSELL. 1 23 . 3 Austin e a noção de ato ilocucionário. 128 . 3 1 Constativos e performativos. 129 . . 32 Os atos de discurso. 13 1 . . 33 As afirmações. 133 . . 4 A referência como ato de fala para Searle. 139 . IV A CONTROVÉRSIA EXTERNALISMO X INTERNALISMO. 143 1 Dewey: o significado como função do comportamento cooperativo. 144 . 2 A inescrutabilidade da referência para Quine. 150 . "O mundo não fala apenas nós falamos. Desde que 2 1 0 problema ontológico. 151 , . . 22 A relatividade ontológica. 155 fomos programados com uma linguagem o mundo pode . . , 3 Davidson e a interpretação radical. 164 . levar-nos a aderir a crenças Mas não poderia fornecer 4 Putnam e a fixação da referência. 17 5 . . 5 Internalismo e referência para Chomsky. 184 uma linguagem para que nós falássemos Apenas outros . . 6 Por que uma teoria da referência é dispensável, segundo o pragmatismo. 195 . seres humanos podem fazê-lo" . V REFERÊNCIA E DISCURSO: O PAPEL DA PRAGMÁTICA. 201 Richard Rorty: Contingência ironia e solidariedade, 1989. 1 Um mudança de enfoque. 201 , . 2 Da referência ao processo de referenciação. 205 . 3 A noção de discurso em Foucault. 215 . 3 1 Por que análise do discurso?. 215 . . 32 Enunciado e discurso. 218 . . 33 Formação discursiva. 219 . . 34 A função sujeito. 223 . . 35 O referencial e o domínio associado. 224 . . 36 A materialidade discursiva. 229 . . 37 0 conceito de discurso. 231 . . 38 O poder do discurso. 233 . . 39 Avaliando as consequências da análise foucaultiana do discurso. 238 . . 4 A teoria da ação comunicativa de Habermas: a virada linguística e a virada . pragmática. 244 4 1 Da semântica à pragmática. 246 . . 42 Ação comunicativa e ação estratégica. 249 . . 43 Verdade, referência,correção. 256 . . 44 A teoria da ação comunicativa como implicando uma teoria sociológica. 258 . . CONCLUSÕES. 263 BIBLIOGRAFIA. 277 ÍNDICE DE NOMES. 279 G INTRODUÇÃO A JL JL linguagem é provavelmente a marca mais notória da cultura As . trocas simbólicas permitem a comunicação geram relações sociais, mantêm , ou interrompem essas relações possibilitam o pensamento abstrato e os , conceitos. Quando, em uma entrevista perguntou-se a Umberto Eco as , razões para o título de sua obra O nome da rosa, ele respondeu que certo , monge medieval dissera que mesmo não havendo mais uma rosa ou , certa rosa, ou rosa alguma pela linguagem é que podemos dizer: "Não , há mais a rosa" (nulla rosa est). Sem linguagem não há acesso à realidade. , Sem linguagem, não há pensamento. Poder referir-se a algo que não se encontra mais aí nomear, designar , é parte essencial do comportamento humano A simples manipulação de . um instrumento vem acompanhada de certa intenção expressa pelo uso , de signos linguísticos e não linguísticos. Pensamento é sempre pensamento acerca de alguma coisa e por isso mesmo, consiste em linguagem, que , não é um mero subproduto do pensamento É na e pela linguagem que . se pode não somente expressar ideias e conceitos mas significar como , um comportamento a ser compreendido isto é, como comportamento , que provoca relações e reações. O processo de semiose ou de significação requer basicamente, sistemas de símbolos e de signos linguísticos codifica- , dos por meio de regras de emprego Porém, sem os fatores da situação de . fala, contexto intenção, comportamento verbal, circuito da comunicação, , efetividade do dito e do dizer simplesmente não há linguagem. O pro- , cesso de semiose não se restringe a que algo (como um signo ou sistema 9 DO SIGNO AO DISCURSO INTRODUÇÃO de signos) substitua algo para alguém. A linguagem não é uma tradução entendimento mútuo) Reservamos um capítulo para discutir cada um desses . automática das coisas, o significado não é um substituto do objeto. patamares da linguagem. Em cada um deles, o problema da referência e do significado recebe tratamento peculiar O século XX foi o século da lógica e da linguagem. A linguagem , ao mesmo tempo em que vai sofrendo importantes transformações conforme se trate do enfo torna-se o pano de fundo obrigatório para o pensamento filosófico con- que linguís- temporâneo. Trata-se da chamada virada linguística. Este trabalho aborda as tico, lógicó-proposicional, ilocucionário (ato de fala) e discursivo. O que leva a um percurso que começa no signo com sua estrutur* linguístico- questões e os autores essenciais para compreender o tema da referência, a gramatical, passa pela proposição com sua estrutura lógico-semântica e ou seja, da relação entre linguagem e realidade, palavras e coisas; o pro- - culmina nos atos de fala com sua estrutura pragmático-discursiva. blema do significado, de como com as palavras dizemos algo a alguém e somos compreendidos; o papel dos jogos de linguagem e dos atos de fala Como as palavras se relacionam com o mundo?" Com esta questão nos processos comunicativos; a questão pragmática do discurso, isto é, da Searle inicia sua obra Spcech Acts Trata-se do velho problema da referência . fala como prática humana entre outras práticas. Esses temas são analisados que, desde Platão até Davidson, tem perturbado filósofos linguistas, teóricos , em diferentes perspectivas, autores e escolas de pensamento, num arco da comunicação Há uma relação entre palavras e coisas significadas . , no- histórico que se inicia com a virada linguística em fins do século XIX e meadas, designadas - isto é certo. Porém, surgem os seguintes problemas; vem até nossos dias, com as teorias do discurso. Nessa trajetória, houve a) qual é a natureza do "laço" que une linguagem e realidade como uma mudança radical de perspectiva. Para lógicos, linguistas e filósofos elas se relacionam? , da linguagem que se detêm no nível semântico, a referência é nuclear. Já b) quais são os recursos que a linguagem oferece para realizar tal com a virada pragmática, no paradigma da intersubjetividade linguística, operação: os signos as frases gramaticais, os enunciados lógicos , , a questão da relação entre significar e referir, ou seja, a proposição com os atos de fala ou os discursos? , função denotativa e veritativa, passa a ser considerada um ato de fala entre c) qual é a categoria ou natureza da "realidade" referida ou repre- outros. O ato de referir à realidade depende de um contexto, seus efeitos sentada: será algo puramente externo e objetivo ou construída de , são práticos, pois são os efeitos discursivos que os produzem. Essa relação alguma forma pela linguagem? recebe enfoques distintos conforme o nível ou patamar da linguagem em Com a virada linguística (linguistic turn) o pensamento ocidental volta-se que os filósofos da linguagem se atenham: ao signo, à frase, à proposição , para o problema da linguagem, o que provocou transformações rápidas e ou ao discurso. importantes na linguística e na filosofia da linguagem. Em fins do século A linguagem pode ser caracterizada em suas dimensões de signo (sig- XVIII dá-se um corte epistemológico, uma mudança no campo conceptual: , nificação, simbolização e semiotização), de proposição enquanto forma de no lugar do puro pensamento e das ideias do racionalismo e do em piris- descrever e/ou representar estado de coisa (relação entre significado, mo do século XVII e no lugar da razão kantiana com suas formas puras a referência e valor de verdade), de ato de fala que demanda um certo tipo priori, surge a linguagem como um dos problemas centrais do pensamento de comportamento e um uso em situação (linguagem como forma de ocidental. A linguagem não é mais considerada como simples instrumen- comportamento e valor ilocucionário dos atos de fala), de discurso, enten- to para o pensamento representar as coisas e sim estrutura articulada, , dido como efetivação do dizer e do dito (lugar de constituição do sujeito independente de um sujeito ou de uma vontade individual e subj etiva , e das formas linguísticas com valor e força social, política, bem como do não mais submetida à função exclusiva da nomeação ou designação, quer 10 11 DO SIGNO AO DISCURSO INTRODUÇÃO dizer o signo não se limita a estabelecer uma relação direta com a coisa (1859-1952), o behaviorismo epistemológico de Quine (1908-2000) o , nomeada. Temos assim, no lugar de uma análise das representações, a neopragmatismo de Rorty (193 1-2007) enriquecido com as contraposições , análise da linguagem, cujas expressões gramaticais são públicas. de Davidson (1917- 2003) referência e significação são consideradas como , parte da ação no mundo. Enriquece essa discussão a disputa externalismo A virada linguística, pressentida por Hegel, configura vim novo pa- norama para a filosofia da linguagem e para a linguística. Nascem, nesse x ínternalismo de Chomsky (1928- ) e Putnam (1926- ). Finalmente, no âmbito do discurso temos a teoria do agir comunicativo 'de Habermas ambiente renovado, a crítica literária, a filologia, as análises do discurso, , (1929- ) e a análise do discurso de Foucault (1929-1984). a linguística do signo de Saussure, o estruturalismo (cujo precursor foi o próprio Saussure), a semiótica de Peirce. Essas contribuições são valiosas para todo iniciante ou estudioso da lin- guagem, seja sob a perspectiva da linguística, seja da filosofia. O percurso do Nessa mesma época, surge a lógica matemática com Frege, Russell e o signo ao discurso passando pela proposição e pelo ato de fala, não é apenas Wittgenstein do Tractfltus logico-philosophicus, que contribui primeiramente com , a teoria da figuração, dando todo "poder" à proposição, e depois de uma sequencial, mas obedece a uma lógica interna, com enfoques cada vez maic impressionante revisão teórica, passa à análise da linguagem ordinária. Nesse elucidativos e complexos. Interessa-nos essa lógica, que se distende a partir da relação entre signo e referência passando pela relação entre proposição panorama, ocorrem algumas das mais importantes mudanças de concepção , da linguagem e seu papel: o estruturalismo mostra que sem linguagem e referência, ato de fala e referência, e, finalmente, discurso e referência. não há cultura, nem pensamento, nem personalidade; a semântica expande Como já dissemos o foco alterou-se após a virada pragmática indo , , seus domínios dos campos semânticos às situações de fala que requerem da proposição para o ato de fala; assim a referência de obstáculo episte- , contexto e intenção; a análise do discurso distende a linguagem para o mológico a ser evitado pelos diversos estruturalismos linguísticos (e por domínio social e institucional, todo discurso remete a outro discurso (rede isso mesmo considerada como algo problemático) passa a questão que , discursiva) e cria relações de saber e poder (Foucault). A lista não acaba precisa ser dissolvida ou absorvida nas concepções pós-Wittgenstein II , aqui, mas ela é suficientemente significativa para mostrar que, pela virada Quine e Dewey. pragmática, a linguagem não é mais vista como tendo função exclusiva- Pressupomos ser necessário se quisermos fazer avançar o estado atual mente referencial, a referência acaba por se dissolver como problema para a , das discussões sobre significação e sobre a capacidade de referir prosseguir filosofia da linguagem, ao tornar-se uma questão de simples uso linguístico. , galgando os patamares do signo ao discurso. Só assim daremos conta da A fim de proporcionar uma visão a mais completa possível desse possibilidade de comunicar com sentido e eficácia algo acerca do mundo panorama, percorremos os seguintes enfoques: o linguístico-estrutural e da capacidade de com palavras, fazer-nos entender acerca de algo no , de Saussure (1857-1913); o semiótico de Peirce (1839-1914); o lógico- mundo. Consideramos cada um destes patamares o do signo/frase gra- , representacionista de Frege (1848-1925); a proposta empírico-logicista matical, o da proposição/sentença lógico-semântica o do ato de fala e, - , de Russell (1872-1970) e do primeiro Wittgenstein (1889-1951). Neste finalmente o patamar do discurso como necessários em termos de níveis de , mesmo modelo, temos ainda Kripke (1940- ), com um controvertido re- organização. Tomados isoladamente não permitem caracterizar o fenómeno , torno a um tipo de essencialismo. No marco da virada linguística, temos completo da linguagem. Quer dizer deter-se no signo, primeiro patamar , , o segundo Wittgenstein, as contribuições de Austin (1911-1960), Searle e considerar que esse nível basta não elucida os problemas da significação , (1932- ) e Strawson (1919-2006). Pelo enfoque pragmatista de Dewey e da referência como veremos no capítulo I. O mesmo pode-se afirmar , 12 13 DO SIGNO AO DISCURSO INTRODUÇÃO de uma análise sintático-gramatical de uma frase: ela é insuficiente para por exemplo, pode ter sua fonte em qualquer uma dessas dimensões e dar conta do fenómeno da referência, pois requer o recurso ao contexto ser sanado, conforme o caso pelo fornecimento de um sinónimo (expli- , informativo. Um exemplo: no seguinte trecho de notícia, é preciso infor- cação do significado do signo empregado), pela explicação de qual é o mações atuais sobre a família real inglesa para saber que a namorada de caso ou situação que está sendo descrito narrado, nomeado (apontando , Charles é Camilla e não Laura, que vem a ser filha de Camilla: o referente ou voltando ao foco da narração), pela dissolução de uma ambiguidade sintática pela justificativa ou pelo pedido de escusas por um "Laura Parker-Bowles, filha de Camila, namorada do príncipe Charles, , ato de fala ter sido compreendido como insin passeou um ano com uma mochila nas costas pela América do Sul". uação quando a intenção era perguntar pelo apelo a implicações ou interpretações decorrentes do , O mesmo podendo-se afirmar acerca de uma análise exclusivamente lógico-gramatical. Assim, faz sentido, apesar de não ter referente no mundo uso em situação. O que mostra justamente que, apesar de serem fatores analisáveis separadamente, tendo em vista suas peculiaridades, isso se deve empírico afirmar: ao próprio modo de funcionamento da lin guagem. Em outras palavras, "A montanha de ouro está na Califórnia" sem precisar de uma ligação pode-se voltar a cada um daqueles aspectos, conforme houver necessidade , com o estado de coisa, o que é uma exigência do patamar lógico-pro- de, por exemplo, sanar uma polissemia, esclarecer de qual ato de fala se posicional. E preciso, para efeitos de significação ou compreensão, o uso trata, determinar um referente contestar o direito de dar uma ordem em , situado. Afirmar que os níveis inferiores ao discurso são irrelevantes, que determinada situação, para aquele público naquela circunstância, usar uma tudo na linguagem é uma questão de falante e contexto, dilui a dimensão expressão para querer dizer isto ou aquilo Entretanto em qualquer desses . , discursivo-pragmática no terreno lodoso do subjetivismo e do solipsismo. casos, há uma situação criada pela ação linguística, isto é uma situação de Ora, o discurso é público, e, além disso, demanda frases gramaticalmente discurso. Por isso não faz sentido pensar a sintaxe a lógica, a semântica , , estruturadas, uma vez que, obviamente, sem as regras de uma língua não ou a análise do discurso, como disciplinas autossuficientes, não faz sen- tido defender cada qual seu próprio terreno com há produção discursiva, O que não leva a supor que os fatores estruturais a exclusão dos demais . e estruturantes da frase gramatical constituiriam uma espécie de núcleo Consequentemente há que sair dos limites do signo da proposição, , , rígido com um nexo interno formado pelos componentes fonológicos, até mesmo dos atos de fala e ir até a análise discursiva para dar conta , , sintáticos e semânticos, sendo os demais componentes apenas agregados, da real dimensão da linguagem especialmente do problema da referência , , superponíveis, visto serem constituídos por fatores "frouxos" tais como na acepção ampla que estamos propondo como um "querer dizer algo a , falantes, contextos, situação dialógica, poder do discurso, efeitos ilocucio- alguém em dada situação" . nários, retóricos etc. Nesse sentido, a teoria de Chomsky comporta sérias Ao longo deste trabalho mostraremos que esse problema toma uma , limitações, como veremos no capítulo IV. dimensão e um sentido inteiramente diferentes em cada uma das áreas da Em lugar da hipótese núcleo-periferia, ou do modelo que pressupõe linguagem enfocadas: a da linguistica ocupada com as relações intrassígnícas, complexidade crescente (ou camadas concêntricas), consideramos que a da filosofia da linguagem centrada na análise da proposição a da filosofia , todos os fatores e dimensões têm seu lugar e sua função precípuos: do da linguagem calcada nos atos de fala e nas propostas que concernem à signo ao discurso e deste àquele, assim se articulam e se compõem as pragmática, bem como a certas tendências da análise do discurso E isso . perspectivas sob as quais se pode analisar a linguagem. Um mal-entendido, de tal forma que necessariamente, a questão da referência se distende , , 14 IS DO SIGNO AO DISCURSO INTRODUÇÃO passa de questão exclusivamente lógica para questão pragmática e, nessa dem ser o interior/sujeito/cogito fornecedor de representações do exterior/ perspectiva, a relação linguagem/realidade, linguagem/pensamento irá objeto/coisa. Com isso ignoram a linguagem A própria controvérsia atual . passar pelo filtro da ação linguistica. entre externalismo e internalismo dá a medida da dificuldade em sair dos esquemas tradicionais em que se embaralham o problema do conhe A linguística estrutural, primeiro patamar de análise, recusa tratar do cimento e seu correlato o problema do sujeito. problema, justamente por reconhecer que há o problema. O que cria não , poucos embaraços, pois, ao mesmo tempo em que a relação da linguagem Percorreremos esse itinerário contemporâneo que vai do "estrutura- com o extralinguístico é descartada como não pertinente para explicar lismo" de Saussure e da semiótica de Peirce no capítulo I, ao problema , como se produzem as frases de uma língua, essa meta de "pureza" teórico- da denotação e da referência em que se destacam Erege, Russell Witt- , , epistemológica não é produtiva, não justifica isolar a língua dos demais genstein I e Kripke, no capítulo II. A partir de Wittgenstein II (capítulo - fatores, situação, contexto dialógico, intenção. Daí ser preciso ir além de III), nova virada ocorre com enfoque eminentemente pragmático cuja , , Saussure, até Peirce, que nos coloca na rota da pragmática. vertente tem sido explorada até hoje A relação da linguística com a filosofia da . No segundo patamar, temos a abordagem lógico-semântica que analisa linguagem estreita-se em proveito de ambas. Esse ambiente é propício ao desen- a relação linguagem/realidade através da proposição com sentido/signifi- volvimento das análises da linguagem ordinária que orientam a reflexão sobre os problemas da referência e da significação sob a cação e referência, de modo que esta vem como que colada na asserção perspectiva do e pressuposta por toda asserção de um estado de coisa. Além do mais, a uso linguístico e do usuário da língua. Como temos insistido, até o mo- mento anterior à virada pragmática a referência é o problema central da asserção demanda uma comparação com o estado de coisa, portanto, um , filosofia da linguagem Intriga aos filósofos a capacidade de a linguagem preenchimento empírico para que a asserção se complete com um valor . , pela organização significativa das palavras, poder dizer algo a respeito da de verdade. Ora, a forma lógica da proposição não dá conta da capacidade que as pessoas têm de referir, apontar algo para alguém, nomear, saber realidade e os outros compreenderem, podendo agir de acordo com essa de que ente se trata, especificar um referente mostrando que tal ou qual compreensão. Essa capacidade decorre de signos que designam, ou de proposições com valor de verdade que se referem a fatos do mundo ou designação são as apropriadas para tal ente e não para tal outro. A realidade , ainda de atos de fala realizados em situação de discurso? Ou essa ca não tem um modo preferencial (no caso, a proposição) para ser designada ou referida. pa- A própria "realidade" é uma categoria entre outras que facilita nossa lida cidade decorre da ação comunicativa (Habermas)? Ou trata-se, ainda, de uma prática discursiva (Foucault)? com as coisas. Assim, é preciso ir para a contribuição de Wittgenstein II, Dewey, Quine, Davidson, os teóricos de Oxford, os analistas do discurso Esse recorte nos levará à hipótese de que não cabe pensar a lin guagem (Foucault e Habermas). Enfim, o modelo da linguagem ordinária rompe como reduzida à função referencial isto é, como retrato ou re-presentação , com o modelo lógico-linguístico, com efeitos salutares para a linguística, da realidade e que a realidade vai sendo "construída" pela linguagem , . a filosofia da linguagem, a epistemologia e a filosofia da mente. Pelo menos é preciso levar em conta que ontos e logos são inseparáveis , . Ao longo deste trabalho, argumentaremos favoravelmente às hipóteses Os autores e as áreas utilizados são: da linguística as contribuições de , levantadas pelas abordagens pragmático-discursivas, entre elas a principal, Saussure Benveniste, Chomsky; da semiótica Umberto Eco e Peirce, que , , a de que as teorias que focalizam a referência como problema central são com sua noção de interpretante permite enxergar mais longe do que a caudatárias da velha epistemologia e da metafísica cartesiana, que enten- dicotomia saussuriana langue/parole; da filosofia da linguagem e da lógica, 1G 17 DO SIGNO AO DISCURSO Frege e Russell, desembocando em Quine e abordando o problema da I SIGNO E REALIDADE relação linguagem/mundo; ainda nessa área, temos o ponto de virada entre a vertente puramente lógico-formal e a vertente de cunho pragmá- tico, representado por Wittgenstein II, cujas análises da linguagem como uso revolucionam a questão da referência. Austin e Searle saberão como aproveitar as consequências da "virada pragmática" às quais Habermas , dará sequência; finalmente, mostraremos que referir faz sentido e funciona como um entre outros fatores discursivos, com Foucault. 1 A PROBLEMÁTICA DA LINGUAGEM . 1 1 Breve escorço histórico . . A linguagem tem sido o tema por excelência da filosofia contemporânea . As escolas e sistemas mais importantes e os filósofos mais influentes seja , em lógica, teoria do conhecimento ontologia, ética, de uma forma ou de , outra, acabam abordando a linguagem Nossa episteme nossa configuração . , de saber, é linguística. Vivemos uma época de pensamento pós-metafisico , resultante da virada linguística No lugar de um sujeito que conhece e . pensa pelas representações do mundo que constituirão suas ideias - con- cepção metafísica típica das filosofias da consciência - tem-se o sujeito , que fala, constituído nas e pelas trocas linguísticas às quais tem acesso, não pela introspecção mas publicamente. Foi um longo caminho desde , o signo, passando pela análise da proposição (semântica formal) e desta para os fenómenos de alcance ainda maior ao uso ia fala em situação, ou seja, , aos fenómenos pragmáticos . Até o século XIX a linguagem foi praticamente ignorada, uma vez , que seu papel era confundido com o papel de logos, de ideias na mente, de cogito. Este breve escorço histórico mostra que foram raros os momen - tos em que a própria linguagem foi alvo de preocupação filosófica e/ou linguística Destacamos os estoicos Agostinho, a Gramática de Port-Royal, . , Locke e Hobbes . Os estoicos (século I aC.) elaboraram uma teoria acerca da linguagem . relativamente bem acabada A razão recebe as ideias mediante as sensações . , IR m DO SIGNO AO DISCURSO SIGNO E REALIDADE a memória e a experiência. Daí nascem os conceitos. A representação, sendo Após um longo hiato há que se ressaltar a contribuição de Agosti- , intelecção pela qual se reconhece a verdade das coisas, permite que haja nho (354-430) para uma teoria do signo e sua rela ção com a realidade. assentimento, compreensão e pensamento. O pensamento é enunciativo, Na obra De Magistro ele considera que falar é exteriorizar "o sinal de sua , exprime com palavras o material recebido da representação, que são as vontade por meio da articulação do som" A linguagem serve para ensinar . proposições completas em si, podendo ser verdadeiras ou falsas porque ou recordar, serve também para a fala interior que é o pensamento de , dizem algo sobre o que foi expresso. No processo de significação, há três palavras aderidas à memória. Este processo traz à mente as pfóprias coisas . elementos: o significado, o signo e a coisa, que pode ser uma entidade As palavras são sinais dessas coisas Contudo há palavras que são sinais . , física, uma ação, um acontecimento. O signo é, por exemplo, a palavra e que nada significam por não remeterem a coisa algyyna, caso das con- "Dion" (nome de uma pessoa); o significado é o que vem expresso por junções e das proposições, por exemplo, que podem ser explicitados por aquela palavra e que nós compreendemos quando é dado ao pensamento; outras palavras. Quando não for possível indicar o significado das palavras a coisa é o que subsiste exteriormente, neste caso, o próprio Dion. Por- abstratas apontando para algo, o sinal deve ser interpretado por meio de tanto, os estoicos já distinguiam entre expressão, conteúdo e referente. A outro sinal, por exemplo, um gesto. Se alguém não conhece o sinal ele , pode ser explicado pela ação correspondente. Para ensinar o significado análise dos estoicos chega, inclusive, à sofisticação da distinção entre sons de "andar" anda-se. Como pode ocorrer que a pessoa ainda assim não produzidos fisiologicamente e sons articulados, quer dizer, a palavra que , compreenda acrescentam-se mais sinais. Sinais podem ser palavras precisa de um correlato para subsistir. Eco observa que a distinção entre , gestos, , letras. O significado de "pedra" é um sinal expressão, conteúdo e coisa já tinha sido aventada por Platão e Aristóte- , mas o que o sinal indica, a pedra como um objeto, não é sinal. Agostinho distingue les, mas os estoicos elaboraram de modo mais sistemático o problema , portanto, entre a coisa e seu sinal As palavras são sinais verbais que remetem a outros da linguagem. É possível ouvir um som produzido pela voz de alguém . sinais. As orações se compõem de nomes e a presença do verbo assegura e não reconhecê-lo como querendo dizer algo. Só se diz algo, só se tem , que se trata de uma proposição. Enquanto a palavra resulta da verbalização palavra, se houver um conteúdo de caráter não sensível, incorpóreo, ente , isto é o que se entende quando alguém fala ou escreve algo da razão. O dizível pertence a essa categoria. Pode ser aproximado à noção , , o nome relaciona-se ao que o espírito compreende ou conhece Assim é que de proposição. As palavras que a compõem são os significados. As partes . , para memorizar, pergunta-se o nome de algo e não a palavra que serve da proposição são o sujeito e o predicado, entendidos como conteúdos, para nomear. Um homem não é a união de duas sílabas "ho" + "mem". unidades culturais, o que retira o caráter psicológico da semântica, como , Note-se que Agostinho não confunde o som com o significado de uma observa Eco (1991: 39). O valor do signo depende de ele relacionar- palavra, e que ele já esboça o problema da nomeação. Mas sempre que se com um fato anterior. Por exemplo, "fumaça" precisa relacíonar-se a - alguém compreende uma palavra é porque estabeleceu uma conexão com fogo. A cada ocorrência de fogo, infere-se a ocorrência de fumaça, o que aquilo de que a palavra é sinal A mente examina o que o sinal significa mostra que os signos são formulados em proposições, isto é, expressões "'Homem' é nome e animal: o. primeiro (ser nome) se di . z enquanto é da linguagem que se articula pelo fato de expressar fatos significativos. sinal; o segundo (ser animal) enquanto indica a coisa significada" afirma , Os estoicos não confundem o signo com a ocorrência real e particular Agostinho (1979: 311) O significado se esvazia se não houver referente conteúdo, . , de uma fumaça. Eles entendem que o dado sensível se torna significante coisa significada tanto que conhecer as coisas é preferível a conhecer os , pela proposição que verifica haver fumaça onde há fogo. sinais correspondentes; falar é valioso porque possibilita ensinar, usar o 20 21

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.