DO SEGREDO À TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: OS ARCANA IMPERII E O DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO Universidade La Salle Reitor: Paulo Fossatti Vice-Reitor: Cledes Antonio Casagrande Pró-Reitor de Graduação: Miguel do Nascimento Costa Pró-Reitor de Administração: Renaldo Vieira de Souza Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão: Cledes Antonio Casagrande Conselho da Editora Unilasalle Andressa de Souza, Cledes Antonio Cas agrande, Lúcia Regina Lucas da Rosa, Miguel do Nascimento Costa, R ute Henrique da Silva Ferreira, Tamára Cecília Karawe jczyk Telles, Zilá Bernd. Projeto gráfico e diagramação: E ditora La Salle - Ricardo Neujahr Capa: Editora La Salle Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) O37d Ohlweiler, Leonel Pires. Do segredo à transparência na administração pública [recurso eletrônico] : os arcana imperii e o direito de acesso à informação / Leonel Pires Ohlweiler, Sérgio Urquart de Cademartori. – Dados eletrônicos. – Canoas, RS : Ed. Unilasalle, 2018. ISBN 978-85-89177-98-6 Livro eletrônico. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <https://goo.gl/P2SKdy>. 1. Direito. 2. Direito administrativo. 3. Administração pública. 4. Transparência. 5. Direito à informação. 6. Segredos de Estado. I. Cademartori, Sérgio Urquart de. II. Título. CDU: 342.9 Bibliotecário responsável: Samarone Guedes Silveira - CRB 10/1418 Editora Unilasalle Av. 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.. 53 3.3 O Direito de Acesso a Informação como integridade: um debate sobre a construção legislativa da Lei 12.527/11 (ou de como construir um diálogo com a história legislativa sem cair na metafísica da voluntas legis) ................................................. 57 3.4 O Âmbito Pessoal da Lei 12.527/11 no Horizonte de Sentido (Constitucional) do Direito de Acesso à Informação Pública como Garantia ................................... 63 3.5 Algumas Indicações Hermenêuticas para a Applicatio da Lei 12.527/2011: a necessária atitude interpretativa ......................................................................................................... 69 3.5.1 A Publicidade como Preceito Geral e o Sigilo como Exceção ..................................................... 73 3.5.2 Informações de Interesse Público Divulgadas de Ofício ............................................................. 81 3.5.3 Transparência e Tecnologias de Informação: onde mora o perigo também está a salvação? ... 85 3.5.4 A Cultura da Transparência na Administração Pública: a relevância das ações públicas democráticas ....................................................................................... 88 CAPÍTULO IV – O DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO ......................................................... 93 4.1 A Consciência Histórica do Direito de Acesso à Informação ........................................................ 93 Algumas Pré-Compreensões do Acesso à Informação no Estado Liberal .......................................... 94 O Direito de Acesso à Informação no Estado Social de Direito .......................................................... 95 A Representação Democrática do Mundo Social: projeções sobre o Direito à Informação .............. 97 Breve Perspectiva do Processo de Institucionalização do Acesso à Informação no Brasil Pós-Constituição de 1988 ..................................................................................................... 103 4.2 O Sentido do Acesso à Informação ................................................................................................ 109 4.2.1 O Dever Fundamental de Informar ............................................................................................ 110 4.2.2 O Direito Fundamental à Informação como Exercício de Cidadania ...................................... 127 Referências ............................................................................................................................................ 130 Do segredo à transparência na administração pública: os arcana imperii e o direito de acesso à informação CAPÍTULO I – ASPECTOS GERAIS 1.1 Introdução O segredo como prática de dominação política, ou como instrumento de poder,1 acompanha a trajetória histórica do Estado. Corporificada hoje na noção de “segredos de Estado”, a ação do governo que se oculta ocultando suas práticas, encontra-se presente nas reflexões de quase todos aqueles que erigem a política como campo privilegiado de estudo. De fato, desde o nascedouro daquela instituição conhecida como “forma-Estado”, atravessada por um lento processo de laicização do poder a partir da Baixa Idade Média Ocidental e a subsequente consolidação de governos absolutistas, se encontram práticas secretas dos governantes no centro dos processos de tomada de decisão a respeito do destino de seus subordinados. Neste ensaio, busca-se analisar o percurso que o tema teve através do pensamento de alguns autores do campo político-jurídico, a fim de enquadrá-lo, em momento posterior, no Estado Democrático de Direito, a partir de um enfoque garantista, tentando verificar de que forma o segredo imbrica-se ou encontra guarida em suas instituições, práticas e valores e as possibilidades de sua sobrevivência em um regime democrático, seja através de legislações restritivas do acesso a ações e documentos, seja esclarecendo as práticas secretas do Estado que podem apresentar-se como benéficas. Por último, debruça-se o ensaio de forma meramente aproximativa sobre a nova Lei brasileira de Acesso às informações governamentais, enfatizando o avanço que a mesma representa na conquista da transparência administrativa. Assim, parte-se do pressuposto de que a transparência do agir estatal – corporificada no princípio/dever de publicidade da administração, reflexo do direito fundamental de acesso das pessoas às informações pessoais e de interesse público – apresenta-se como elemento indispensável à democracia enquanto prática governamental cotidiana. Portanto, trata-se de analisar a tensão entre segredo e Estado de Direito, enfocando ao final a trajetória normativa que o direito fundamental de acesso percorre em nosso ordenamento democrático. Com essa finalidade, por segredos de Estado entender-se-á aqui todo conhecimento, informação ou ação que, por ter em vista a manutenção da dominação, é destinada pelos detentores do poder do Estado a manter-se oculta do público. De outro lado, entender-se-á por Estado de Direito - na esteira das definições de Bobbio e Ferrajoli - a estrutura jurídico-política de dominação marcada por duas características básicas, sem as quais, independentemente das variações que tal artifício possa adotar, não se poderá falar em Estado de Direito: a) de um lado, trata-se de um poder que age per leges, isto é, um governo que manifesta sua vontade através de normas gerais e abstratas (isto perfaz o aspecto formal do Estado de Direito); b) de outro lado, este é um poder sub lege, é dizer, submetido ao direito em dois sentidos: b1) em sentido fraco, lato ou formal, significa que nele todo poder é conferido ou atribuído pelo direito; e b2) em sentido estrito, forte ou substancial, significa que ali todo poder é limitado pelo direito (Ferrajoli, 1995). 1 Adota-se aqui uma definição relacional de poder. De acordo com Bobbio: “A mais conhecida e também a mais sintética das definições relacionais é a de Robert Dahl: ‘A influência [conceito mais amplo, no qual se insere o de poder] é uma relação entre atores, na qual um ator induz outros atores a agirem de um modo que, em caso contrário, não agiriam’(1963, trad. it., p. 68).” (Bobbio, 1987, p.78). 7 Do segredo à transparência na administração pública: os arcana imperii e o direito de acesso à informação 1.2 A dicotomia segredo/transparência na tradição do pensamento político Na primeira proposta de um governo ideal imaginada no marco da cultura ocidental, Platão (s/d, p. 301) postula uma razão própria do governante, que é quem deve manter suas motivações ocultas do povo, já que somente ele sabe, da altura de sua posição de rei-filósofo esclarecido pela verdade, qual é o interesse da pólis.2 O rei-filósofo de Platão é um protetor da pólis. É o único que, graças aos conhecimentos da filosofia, consegue ver a verdade (em seu sentido grego, como aletéia, isto é, como desvelamento, desocultamento daquilo que está escondido na natureza) da finalidade da pólis. O povo, mantido na minoridade, só pode ver de forma parcial. O modelo platônico de Constituição da pólis pressupõe a existência de um soberano autocrático que, munido do conhecimento que lhe proporciona a filosofia, cria estruturas de dominação com uma realidade inacessível à sociedade mantida em situação de minoridade, isto é, impedida de fazer uso público da própria razão. E isto porque, dentro do modelo da República ideal, as diversas classes (artesãos, guerreiros e lavradores) somente podem ter em vista seus interesses particularistas, mantendo-se carentes de uma reflexão universal sobre a pólis. É nesse contexto que deve ser vista a alusão à mentira na citação precedente. E a mentira implica manter secretos os desígnios do governante, no “interesse da sociedade”. É o governo que, ao enganar (mostrando o que não é), oculta-se (não mostra o que é).3 O rei-filósofo, detentor da verdade, é único, já que [...] a própria noção de uma ‘nação de filósofos’ teria sido uma contradição em termos para Platão, cuja inteira Filosofia Política, inclusive seus traços expressamente tirânicos, assenta -se sobre a convicção de que a verdade não pode ser obtida nem comunicada entre a massa (ARENDT 1972, p. 292). E isso decorre da própria noção platônica de acessibilidade à verdade, explicitada na alegoria da caverna. Eis aqui um conflito importante entre a ética e a política, proposto por um filósofo que, paradoxalmente, é o grande amante da verdade. Se, em Platão, trata-se de um modelo ideal de governo, o qual nunca foi implementado – e, quando tentado em Siracusa, redundou em retumbante fracasso – a história de Roma, por sua vez, oferece riquíssimo material para reflexões sobre os segredos de Estado formuladas por escritores políticos posteriores. 2 Observe-se a seguinte passagem: SÓCRATES – [...] a verdade deve sobrepor-se a tudo, porque se não nos enganamos, ao dizermos que a mentira é inútil aos deuses, mas útil aos homens sob a forma de remédio, claro é que esse uso deve ser confiado apenas aos médicos e não a todas as pessoas. ADIMANTO – Isso é verdade. SÓCRATES - Aos magistrados também, de preferência a todos os demais, cumpre mentir, enganando aos inimigos ou aos concidadãos, no interesse da sociedade. ADIMANTO – Perfeitamente. SÓCRATES – Por esta razão, se o magistrado surpreender em flagrante delito de mentira qualquer cidadão, quer de vida privada, quer adivinho, médico ou arquiteto, puni-lo-á com severidade por introduzir no Estado, como num navio, um mal capaz de levá-lo à destruição e à ruína (Platão, s/d, p. 67). 3 Segundo Hannah Arendt isto se dá porque “Às flexíveis opiniões do cidadão acerca dos assuntos humanos, os quais por si próprios estão em fluxo constante, contrapunha o filósofo a verdade acerca daquelas coisas que eram por sua mesma natureza sempiternas e das quais, portanto, se podiam derivar princípios que estabilizassem os assuntos humanos. Por conseguinte, o contrário da verdade era a mera opinião, equacionada com a ilusão; e foi esse degradamento da opinião o que conferiu ao conflito sua pungência política; pois é a opinião, e não a verdade, que pertence à classe dos pré-requisitos indispensáveis a todo poder” (Arendt, 1972, p. 289). 8 Do segredo à transparência na administração pública: os arcana imperii e o direito de acesso à informação Clapmar (apud SCHMITT, 1968, p. 45), referindo-se “[...] a la expresión arcana imperii que emplea Tácito en los Anales(1.2.) para caracterizar la política astuta de Tiberio [...]”(à expressão arcana imperii empregada por Tácito nos Anais (1.2) para caracterizar a política astuta de Tibério) estabelecerá toda uma tipologia dos segredos de Estado. De seu lado, é na história de Roma que Maquiavel (1987, Livro III, número 6) vai buscar o modelo explicativo e comparativo com sua época para estabelecer padrões de dominação que repute válidos a-historicamente.4 Assim, pois, a história de Roma, rica em conjuras e conspirações, vai servir de fonte para toda uma tradição teórica a respeito da dominação secreta, em que não se descuida das conspirações contra o poder, já que “[...] poder invisível e contrapoder invisível são, em verdade, duas faces da mesma moeda”. Em contrapartida, entre os pensadores políticos romanos não são encontrados grandes teóricos do tema (LAFER, 1988). Já a Baixa Idade Média foi um momento muito profícuo para o lançamento das bases teórico-doutrinárias a respeito do assunto dos segredos de Estado. Segundo Kantorowicz La expresión Secretos de Estados como concepto del absolutismo tiene un fondo medieval. Es un tardío brote de aquel hibridismo secular-espiritual que, como resultado de las infinitas relaciones entre Iglesia y Estado, puede hallarse en cada uno de los siglos de la Edad Media [...]. (A expressão Segredos de Estado como conceito do absolutismo possui um fundo medieval. É um broto tardio daquele hibridismo secular-espiritual que, como resultado das infinitas relações entre Igreja e Estado, pode encontrar-se em cada um dos séculos da Idade Média (KANTOROWICZ, 1955, p. 55). O recorte dado pelo autor ao tema propõe a correlação entre a doutrina eclesiástica medieval e o absolutismo precipuamente considerado; contudo essa doutrina encontra-se até hoje fortemente arraigada entre muitos teóricos do Estado contemporâneo.5 As razões pelas quais esta concepção de segredo de Estado acabou permeando as relações seculares de dominação, foram, dentre outras, que a laicização do poder se estruturou a partir da usurpação das funções pontificais do papa e do bispo.6 Mas, ao fazê-lo o aspecto simbólico do poder real como algo divino, passou a permear o discurso legitimador da nova dominação. Convém não esquecer que os apelos de legitimação – entendida esta como criação de motivos de justificação interior da dominação, de acordo com Weber (1984) – do poder real faziam-se por remissão à esfera religiosa, naquele especial mecanismo de poder que se convencionou chamar de “monarquia de direito divino”. Esclarece Kantorowicz: El ‘pontificalismo’ real, pues, parece descansar en la creencia legalmente establecida de que el gobierno es un mysterium administrado sólo por el alto sacerdote real y sus indiscutibles funcionarios, y que todas las acciones realizadas en nombre de esos ‘secretos de Estado’ son válidas ipso facto o ex opere operato, prescindiendo incluso del valor personal del rey y de sus 4 Cf. adiante. 5 Cf. infra, Weber e Bobbio, dentre outros. 6 “Con el Papa como princeps y verus imperator el aparato jerárquico de la Iglesia romana [...] mostró tendencia a convertirse en el prototipo perfecto de una monarquía absoluta y racional sobre una base mística, mientras que simultáneamente el Estado mostró una creciente tendencia a convertirse en una semi-Iglesia, y, en otros respectos, en una monarquía mística sobre una base racional” (com o Papa como prínceps e verus imperator o aparato hierárquico da igreja romana mostrou tendência a converter-se no protótipo perfeito de uma monarquia absoluta e racional sobre uma base mística, enquanto simultaneamente o Estado mostrou uma crescente tendência a converter-se numa semi-Igreja e, em outras dimensões, numa monarquia mística sobre uma base racional) (Kantorowicz, 1955, p. 66). 9 Do segredo à transparência na administração pública: os arcana imperii e o direito de acesso à informação seguidores. (O ‘pontificalismo’ real, pois, parece repousar na crença legalmente estabelecida de que o governo é um mysterium administrado somente pelo sumo sacerdote real e seus indiscutíveis funcionários, e que todas as ações realizadas em nome desses ‘segredos de Estado’ são válidas ipso facto ou ex opere operato, prescindindo inclusive do valor pessoal do rei e de seus seguidores) (KANTOROWICZ, 1955, p. 73). Assim, ocorre um mais ou menos longo processo de simbiose entre Igreja e Estado (talvez o termo mais apropriado fosse “troca de papéis”), que vai desembocar nos Estados absolutistas, os quais vão apresentando progressivamente traços de racionalidade e eficiência,7 frutos da árdua tarefa dos burocratas iniciados no direito romano.8 1.3 O nascimento do Estado-Nação e as doutrinas da razão de Estado Assim, o segredo de Estado passa a fazer parte da prática política do nascente Estado moderno. Nesta fase da história, faz-se presente a figura de um arguto pensador florentino, cujo pensamento acompanha a formação do Estado nascente: trata-se de Nicolau Maquiavel (BOBBIO, 1985, p. 22). Este dedica o sexto capítulo do Livro III de seus Discorsi9 ao tema da conjura, já que por meio desta “[...] han perdido la vida y el estado más príncipes que en la guerra abierta” (por meio desta perderam a vida e o estado mais príncipes do que na guerra aberta) (Maquiavelo, 1987, p. 302). A conjura constitui-se num contrapoder invisível que deve ser combatido também de forma astuciosa e, sobretudo, secreta.10 Arcana imperii, os segredos do exercício da dominação, ou o lado oculto do poder: pronunciar hoje esta expressão significa trazer à luz uma fórmula quase esquecida. Se ainda hoje, com efeito, se fala de disciplinas arcanas ou de linguagens arcanas, na política as ações secretas são objeto de reprovação enquanto violação do princípio democrático da publicidade – princípio justamente contraposto, tanto na teoria do estado como no direito público e administrativo, à tradição monárquica dos arcana (HABERLE, 1970, p. 102). E, de fato, a fórmula 7 De fato, como enuncia Pierangelo Schiera, “[...] o Absolutismo apresenta-se-nos em sua forma plena como a conclusão de uma longa evolução, a qual, através da indispensável mediação do cristianismo como doutrina e da Igreja romana como instituição política universal, conduz, desde as origens mágicas do poder, até a sua fundação em termos de racionabilidade e eficiência” (Schiera, in Bobbio et al., 1986c, p. 02 - grifo acrescentado). 8 La afirmación de una plenitudo potestatis del papa dentro de la Iglesia estableció el precedente para las pretensiones posteriores de los príncipes seculares, realizadas a menudo, precisamente, contra las desorbitadas aspiraciones religiosas. Por otra parte, y del mismo modo que los abogados canonistas del papado fueron los que construyeron e hicieron funcionar sus amplios controles administrativos sobre la Iglesia, fueron los burócratas semiprofesionales adiestrados en el derecho romano quienes proporcionaron los servidores ejecutivos fundamentales de los nuevos estados monárquicos” (A afirmação de uma plenitudo potestatis do Papa dentro da Igreja estabeleceu o precedente para as pretensões posteriores dos príncipes seculares, realizadas frequentemente, precisamente, contra as desbordadas aspirações religiosas. Por outra parte, e da mesma forma que os advogados canonistas do papado foram os que construíram e fizeram funcionar seus amplos controles administrativos sobre a Igreja, foram os burocratas semiprofissionais adestrados no direito romano os que forneceram os servidores executivos fundamentais dos novos estados monárquicos). (Anderson, 1982, p. 23). 9 O capítulo dedica-se a analisar contra quem as conjuras são feitas (contra a pátria ou contra um príncipe), bem como suas causas (Maquiavelo, 1987, p. 302). 10 Veja-se a seguinte passagem: “No quiero sin embargo dejar de advertir al príncipe o la república contra los que se haya conspirado que, cuando descubran una conjura [...] si encuentran que es grande y poderosa, no la desenmascaren hasta que estén dispuestos a aplastarla con fuerzas suficientes, pues si obra de otra manera, verán su propia ruina. Por eso, deben utilizar toda su habilidad para el disimulo, ya que los conjurados, al verse descubiertos, acuciados por la necesidad, pierden todo respeto” (Não quero, no entanto, deixar de advertir o príncipe ou a república contra os quais se haja conspirado que, quando descubram uma conjura […] se acham que é grande e poderosa, não a desmascarem até que estejam dispostos a esmagá-la com forças suficientes, pois se operam de outra forma, verão a sua própria ruína. Por isso, devem usar toda a sua habilidade para a dissimulação, já que os conjurados, ao ver-se descobertos, impelidos pela necessidade, perdem todo o respeito) (Maquiavelo, 1987, p. 324 - grifo acrescentado). 10
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