STEVEN PINKER Do que é feito o pensan1ento A língua como janela para a natureza humana Tradução Fernanda Ravagnani 1' reimpressão - • CoMPANHIA DAs LETRAS Copyright © 2007 by Steven Pinker Título original The stuff of thought-Language as a window into human nature Capa Fabio Uehara sobre projeto dejaya Miceli Preparação Cacilda Guerra indice remissivo Luciano Marchiori Revisão Valquiria Della Pozza Roberta Vaiano Mariana Fusco Varella Dados lntemadonais de Catalogação na PubJicação (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pinker, Steven Do que é feito o pensamento : a língua como janela para a natureza humana I Steven Pinker ; tradução Fernanda Ravagnani. - 1• ed. - São Paulo : Companhia das Letras, 2008. Título original : The stuff of thought : language as a window into human narure. ISBN 978-85·359-1302-6 I. Filosof~a da mente 2. Unguagem - Filosofia 3. Pensamento I. Título 08-08226 CDD-041 indices para catálogo sistemático: 1. Linguagem : Filosofia 401 z. Linguagem : Teoria 401 [2012] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ S.A. Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002-São Paulo-SP Telefone: (11) 3707 3500 Fax: (11) 3707 3501 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br Para Rebecca Sumário Prefácio o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 9 1. Palavras e mundos o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 13 Toca do coelho adentro 20 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 40 3 Cinqüenta mil conceitos inatos (e outras teorias radicais sobre o linguagem e pensamento) o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 111 Cortando os ares 40 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 179 A metáfora da metáfora 5o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 271 O que há num nome? 60 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 320 As sete palavras que não podem ser ditas na televisão 7 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 368 Os jogos que as pessoas fazem 80 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 425 Fugindo da caverna 90 o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 481 Notas o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 497 Referências o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 518 Indice remissivo o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 545 Prefácio Há uma teoria de espaço e tempo embutida na maneira como usamos as pala vras. Há também uma teoria da matéria e uma teoria da causalidade. Nossa lingua gem possui um modelo de sexo (na verdade, dois modelos), e concepções de in timidade, de poder, de justiça. Divindade, degradação e perigo também estão impregnados em nossa língua materna, junto com uma concepção de bem-estar e uma filosofia de livre-arbítrio. Essas concepções variam em seus detalhes de idioma para idioma, mas no geral sua lógica é a mesma. Elas resultam em um modelo singularmente humano de realidade, que difere fundamentalmente da compreensão objetiva da realidade conquistada a duras penas por nossa melhor ciência e nossa melhor lógica. Embora essas idéias estejam entremeadas na lingua gem, suas raízes são mais profundas que a própria linguagem. Elas estabelecem as regras da forma como entendemos nosso ambiente, como distribuímos crédito e culpa a nossos iguais, e como negociamos nossos relacionamentos com eles. Um olhar mais detido em nosso discurso - nossas conversas, nossas piadas, nossos palavrões, nossas disputas judiciais, os nomes que damos a nossos bebês-dá-nos, portanto, indicações sobre quem somos. Essa é a premissa do livro que você tem nas mãos, o terceiro de uma trilogia escrita para um amplo público de leitores interessados na linguagem e na mente. O primeiro, O instinto da linguagem, era uma visão geral da faculdade da lingua- 9 gem: tudo que você sempre quis saber sobre a linguagem mas tinha medo de per guntar. A linguagem é um meio de ligar som e significado, e os outros dois livros são voltados para cada uma dessas esferas. Words and rules [Palavras e regras] tra tava das unidades da linguagem, como elas são armazenadas na memória e como são organizadas no vasto número de combinações que dão à linguagem seu poder de expressão. Do que é feito o pensamento é sobre o outro lado da ligação, o signifi cado. Entre seus objetos estão os significados das palavras e das construções e a for ma como a linguagem é usada no cenário social, tópicos que os lingüistas chamam de semântica e pragmática. Ao mesmo tempo, este volume encerra uma outra trilogia: três livros sobre a natureza humana. Como a mente fUnciona tentou fazer a engenharia inversa da psique sob a luz da ciência cognitiva e da psicologia evolutiva. Tábula rasa explorou o con ceito de natureza humana e suas nuances moral, emocional e política. Este aborda o tema de mais uma maneira: o que podemos aprender sobre nossa constituição a par tir do modo como as pessoas colocam seus pensamentos e sentimentos em palavras. Assim como em meus outros livros sobre a linguagem, os primeiros capítu los às vezes mergulham em temas técnicos. Mas me esforcei para deixá-los trans parentes, e estou confiante em que o assunto deste livro conquistará qualquer pes soa interessada naquilo que nos move. A língua está entremeada na vida humana. Nós a usamos para informar e convencer, mas também para ameaçar, para sedu zir e, é claro, para xingar. Ela reflete a forma como apreendemos a realidade, e tam bém a imagem de nós mesmos que tentamos projetar para os outros, e os laços que nos unem a eles. É, espero convencê-lo, uma janela para a natureza humana. Enquanto escrevia este livro, contei com os conselhos e o apoio de muita gente, a começar por meus editores, Wendy Wolf, Stefan McGrath e Will Good lad, e meu agente,John Brockman. Beneficiei-me imensamente da sabedoria dos leitores generosos que revisaram o original inteiro-Rebecca Newberger Golds tein, David Haig, David Kemmerer, Roslyn Pinker e Barbara Spellman - e dos especialistas que fizeram comentários em suas respectivas áreas: Linda Abarba nell, Ned Block, Paul Bloom, Kate Burridge, Herbert Clark, Alan Dershowitz, Bruce Fraser, Marc Hauser, Ray jackendoff, ]ames Lee, Beth Levin, Peggy Li, Charles Parsons,James Pustejovsky, Lisa Randall, Harvey Silverglate, Alison Sim mons, Donald Symons,]. D. Trout, Michael Ullman, Edda Weigand e Phillip 10 Wolff. Sou grato, também, a quem respondeu a minhas perguntas e deu sugestões: Max Bazerman, Iris Berent, Joan Bresnan, Daniel Casasanto, Susan Carey, Gen naro Chierchia, Helena Cronin, Matt Denio, Daniel Donoghue, Nicholas Epley, Michael Faber, David Feinberg, Daniel Fessler, Alan Fiske, Daniel Gilbert, Lila Gleitman, Douglas Jones, Marcy Kahan, Robert Kurzban, Gary Marcus, George Miller, Martin Nowak, Anna Papafragou, Geoffrey Pullum, S. Abbas Raza, Laurie Santos, Anne Senghas, G. Richard Tucker, Daniel Wegner, Caroline Whiting e Angela Yu. Este é o sexto livro meu que Katya Rice aceitou editar, e como os outros ele se beneficiou do estilo, da precisão e da curiosidade dela. Agradeço a Ilavenil Subbiah os muitos exemplos de fenômenos semânticos sutis que ela registrou no discurso do dia-a-dia, as ilustrações dos capítulos e muito mais. Obrigado também a meus pais, Harry e Roslyn, e a minha família: Susan, Martin, Eva, Carl, Eric, Rob, Kris,Jack, David, Yael, Gabe e Danielle. Acima de tudo, agradeço a Rebecca Newberger Goldstein, minha bashert, * a quem este livro é dedicado. A pesquisa para este livro foi financiada pela bolsa HD-18381 dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e pela Cátedra da FamíliaJohnstone da Universidade Harvard. * Bashert: "destinada", em iídiche. (N. T.) II Palavras e mundos I. No dia 11 de setembro de 2001, às 8h46, um avião seqüestrado chocou-se com a torre norte do World Trade Center em Nova York. Às 9h03, um segundo avião chocou-se com a torre sul. O inferno de chamas resultante fez com que os prédios desmoronassem, a torre sul depois de queimar por uma hora e dois minu tos, a torre norte 23 minutos após o primeiro desabamento. Os ataques foram pla nejados por Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al-Qaeda, que que ria intimidar os Estados Unidos e forçá-los a pôr fim à sua presença militar na Arábia Saudita e ao apoio a Israel, e unir os muçulmanos nos preparativos para a retomada do califado. O 11 de setembro, como os acontecimentos daquele dia são hoje chamados, destaca-se como o fato político e intelectual mais significativo do século XXI até agora. Deflagrou debates sobre uma grande variedade de temas: qual a melhor maneira de homenagear os mortos e revitalizar a lower Manhattan; se os ataques estão enraizados num fundamentalismo islâmico antigo ou numa agitação revo lucionária moderna; o papel dos Estados Unidos no cenário mundial antes dos ata ques e em resposta a eles; como equilibrar da melhor maneira possível a proteção contra o terrorismo e o respeito às liberdades civis. Mas eu gostaria de explorar um debate menos conhecido desencadeado pelo 13 11 de setembro. Exatamente quantos events [fatos]* aconteceram em Nova York naquela manhã de setembro? Pode-se argumentar que a resposta é um. Os ataques contra os prédios faziam parte de um único plano concebido na cabeça de um homem a serviço de uma agenda só. Eles se desenrolaram com um espaço de alguns minutos e alguns metros entre si, tendo como alvo partes de um complexo que tinha um único nome, um único design e um único dono. E deflagraram uma cadeia única de acontecimentos militares e políticos após sua ocorrência. Ou é possível argumentar que a resposta é dois. A torre norte e a torre sul eram conjuntos distintos de vidro e aço separados por uma extensão de espaço, foram atingidas em momentos diferentes e deixaram de existir em momentos diferentes. O vídeo amador que mostrou o segundo avião se aproximando da torre sul enquanto a torre norte desprendia nuvens de fumaça torna a dualidade inequí voca: naqueles momentos aterrorizantes, um fato estava congelado no passado, e o outro agigantava-se no futuro. Um outro episódio naquele dia-um motim de passageiros que derrubou um terceiro avião seqüestrado antes que ele atingisse seu alvo em Washington-apresenta à imaginação a possibilidade de que uma ou outra torre pudesse ter sido poupada. Em cada um desses mundos possíveis um fato distinto aconteceu, portanto, em nosso mundo real, pode-se argumentar, deve haver um par de eventos, com a mesma certeza que um mais um é igual a dois. A gravidade do 11 de setembro parece tornar toda essa discussão frívola, che gando à insolência. É uma questão de mera "semântica", como dizemos, com sua implicação de procurar pêlo em ovo, de discutir o número de anjos que podem dan çar na cabeça de um alfinete. Mas este livro é sobre semântica, e eu não pediria sua atenção se não achasse que a relação da língua com nossos mundos interior e exte rior é uma questão que tem fascínio intelectual e importância no mundo real. Embora "importância" freqüentemente seja uma coisa difl.cil de quantificar, nesse caso posso dar um valor exato a ela: 3,5 bilhões de dólares. Esse foi o mon tante em disputa numa série de julgamentos para determinar o pagamento de *Como o autor usa a língua inglesa como ponto de referência para os exemplos, sempre que a discus são se referir à língua os termos aparecerão no original em inglês, seguidos de uma tradução entre col chetes. O objetivo dessa tradução entre colchetes será acima de tudo semântico, sem necessariamente reproduzir o fenômeno lingüístico que estiver sendo descrito. Portanto, a estrutura da frase pode ser modificada de forma a mantê-la gramatical, caso o autor esteja usando um exemplo gramatical. (N. T.) 14 seguro a Larry Silverstein, o arrendatário do terreno do World Trade Center. Sil verstein tinha apólices de seguro que estipulavam um reembolso máximo para cada "evento" destrutivo. Se o 11 de setembro se constituísse de um único fato, ele receberia 3,5 bilhões de dólares. Se se constituísse de dois fatos, ele receberia 7 bilhões de dólares. Nos julgamentos, os advogados disputaram o sentido aplicável do termo event. Os advogados do arrendatário o definiram em termos fisicos (dois desabamentos); os das seguradoras o definiram em termos mentais (uma trama). A semântica não tem nada de "mera"! Nem o tema é intelectualmente insignificante. O debate sobre a cardinali dade do 11 de setembro não é sobre os fatos, ou seja, os eventos fisicos e as ações humanas que aconteceram naquele dia. É verdade que essas coisas também pode riam ter sido questionadas: segundo várias teorias da conspiração, os prédios foram atingidos por mísseis americanos, ou demolidos por uma implosão contro lada, numa trama concebida por neoconservadores norte-americanos, espiões israelenses ou uma quadrilha de psiquiatras. Mas, tirando os esquisitos de plantão, a maioria das pessoas concorda com os fatos. Onde elas divergem é na interpreta ção desses fatos: como o torvelinho da matéria no espaço deve ser concebido pela mente humana. Como veremos, as categorias dessa disputa permeiam os signifi cados das palavras em nossa língua, porque permeiam a forma como representa mos a realidade em nossa cabeça. A semântica trata da relação das palavras com os pensamentos, mas também da relação das palavras com outras questões humanas. A semântica trata da rela ção das palavras com a realidade - o modo como os falantes se comprometem com uma compreensão comum da verdade, e o modo como seus pensamentos são ancorados em coisas e situações no mundo. Trata da relação das palavras com uma comunidade - como uma palavra nova, que surge num ato de criação por parte de um único falante, passa a evocar a mesma idéia no resto da população, de forma que as pessoas se entendam umas às outras quando a usam. Trata da rela ção das palavras com as emoções: o modo como as palavras não só indicam coisas, mas estão saturadas de sentimentos, que dotam as palavras de uma idéia de magia, tabu e pecado. E trata das palavras e das relações sociais-como as pessoas usam a linguagem não só para transferir idéias de cabeça para cabeça, mas para negociar o tipo de relacionamento que querem manter com seu parceiro de conversa. Uma característica da mente que encontraremos várias vezes nestas páginas é que mesmo nossos conceitos mais abstratos são compreendidos em termos de 15