DIÁRIO DE UM FÓTON Alexandre Cherman ©Alexandre Cherman 2016 A Teoria da Relatividade não teve um batismo feliz… Seu nome, “relatividade”, não poderia ser mais impróprio, como já protestava seu padrinho no mundo dos homens, Albert Einstein. O jovem Einstein, em 1905, não disse que “tudo é relativo”, ou algo nesta linha de raciocínio. Muito pelo contrário. Se houve um momento solene onde Albert tentou resumir suas ideias em uma frase de efeito, bem… se houve tal marco temporal, Einstein certamente teria dito: — Nem tudo é relativo. Pode ser que tenha dito: — A velocidade da luz é absoluta. Ou ainda: — Se há alguma coisa absoluta no Universo, esta coisa é a velocidade da luz. (Embora eu não acredite na abordagem condicionante desta última afirmação, que começa com um covarde “se”, Albert Einstein sabia muito bem o que estava fazendo. E, na maior parte do tempo, fazia as coisas certas!) Enfim… nem tudo é relativo. A velocidade da luz é absoluta. Qualquer observador, qualquer laboratório, qualquer sistema de referência, qualquer raio que o parta! deve medir a mesma velocidade para um raio de luz. Não importa a sua velocidade própria! Meça a velocidade de um raio de luz e você sempre obterá o mesmo resultado! É isso que Einstein e tantos outros cientistas menos simpáticos e mais convencionais querem dizer quando dizem que a velocidade da luz é absoluta. Dito assim, chega até a ser anticlimático! — É isso a Teoria da Relatividade? Só isso?!? É isso. Mas não é só isso, porque isso já é muita coisa! Para que o Universo abrigue esta velocidade absoluta, tanto o espaço como o tempo serão, obrigatoriamente, relativos. Afinal, velocidade nada mais é do que espaço dividido por tempo. Se a velocidade é absoluta, o espaço e o tempo têm que ser maleáveis para permitir isso! E como o espaço e o tempo se retorcem? Cada régua, que mede o espaço, e relógio, que mede o tempo, mede um tempo e um espaço próprios, de acordo com a velocidade que têm. Este espaço e tempo próprios serão usados para que estas réguas e relógios, ao cruzarem com um raio de luz, meçam sempre a mesma velocidade para este raio. Resumindo, as réguas ficam achatadas e os relógios ficam lerdos. Quanto maior a velocidade com que um relógio se move pelo espaço, mais lento ficam seus ponteiros. Um segundo medido por um relógio que viaja pelo espaço a uma velocidade grande pode significar uma eternidade para um relógio que está parado! E, o derradeiro sistema de medição, o que acontece com um relógio que viaja com velocidade da luz? Seu tempo não passa! Após um “tic” o Universo vive e morre antes do “tac” correspondente. A percepção do mundo para o portador deste relógio é simultânea. A eternidade do Cosmos se desenrola em um mero instante. Tudo acontece ao mesmo tempo para este estranho observador. Por sorte, ou por destino, ou até mesmo por puro acaso, não existem observadores que viajam com a velocidade da luz. Mas, é claro, toda regra sempre possui uma exceção… Eu. E os meus. Sou um fóton. Uma partícula de luz. Vejo o mundo, o Universo, em uma simultaneidade assustadora. Tudo me é mostrado ao mesmo tempo. Dia, noite, cedo, tarde, nascimento, morte, alfa, ômega! Tudo! Esta é minha bênção, e também minha maldição. Sou um fóton. E este é o meu diário. ANTEONTEM - 1 Rita apertou seu diário com força até seus dedos perderem a cor. Queria escrever, extravasar sua raiva e sua frustração, mas não conseguia nem segurar a caneta. Queria gritar, mas isso só pioraria a situação. Deixou o diário de lado e ficou andando em círculos por entre a bagunça do seu quarto. As palavras do pai ainda ecoavam em sua mente: — Filha minha não vai à festa nenhuma! Muito menos em São Paulo! E não havia argumento que convencesse o pai do contrário. A mãe, exercendo soberbamente seu papel de mãe, tentou dobrá-lo, mas não teve êxito. Ele tinha lá suas razões, e não confiava nem na própria irmã, que morava na capital e havia prometido cuidar da garota. — Filha minha não vai à festa nenhuma!, esbravejou seguidas vezes, e deu o assunto por encerrado. Rita passou a noite em claro, soluçando e amaldiçoando o pai. Mal aconselhada pela raiva que estava sentindo, decidiu fazer o que qualquer adolescente de 17 anos faria: ir à festa escondida. Só precisava bolar um jeito de sair de São Vicente e chegar a São Paulo sem a ajuda do pai. E da mãe, pois tinha certeza de que se contasse para a mãe, cedo ou tarde ela deixaria escapar para o pai… Estava decidido: iria a São Paulo sozinha. Não podia perder a festa de jeito nenhum. Como era mesmo o nome da festa? “Festa da Anistia” ou algo assim… Não que ligasse para a política, mas estava certa que lá encontraria Daniel, o estudante de engenharia que havia conhecido no Guarujá naquele feriadão do dia da República. Como todas as meninas de seu círculo de amizades, Rita derretia-se toda pelos universitários, especialmente pelos alunos da Politécnica. Os ventos do feminismo sopravam forte no mundo, mas não a impressionavam muito. “E daí que havia uma primeira-ministra na Inglaterra? O que isso muda a minha vida?”, Rita perguntava, de forma agressiva até, às suas amigas que enalteciam essa e outras conquistas das mulheres. Queria sim ter uma profissão, algo que a realizasse e que ocupasse seu tempo. Mas jamais sonhara em ser independente. O universo de Rita era muito limitado, resumindo-se aos estudos (estava ainda no primeiro ano do segundo grau, um pouco atrasada em relação à norma) e aos namoricos com os meninos do colégio. Mas não via muito futuro em nenhuma das relações que tivera ou que porventura teria com os rapazes que conhecia. Seu sonho era se casar com um engenheiro da USP. Mas só se casaria com um engenheiro da USP se pudesse conhecer engenheiros da USP! E os futuros engenheiros, os alunos da Politécnica, adoravam conhecer meninas como Rita: bonitas e não muito inteligentes. Não era justo, não era certo, mas as estatísticas informais que havia coletado entre suas amigas apontavam para isso. Até mesmo os rapazes direitos — aqueles que não viam as mulheres como meros objetos sexuais — não se interessavam muito pelas opiniões e ideias de suas namoradas. Os que pensavam em algo mais do que sexo queriam uma companheira para a vida, alguém que os apoiasse e os fizessem brilhar. Rita havia se encantado com Daniel desde o dia em que se conheceram no Guarujá. Depois disso já haviam se visto duas outras vezes em menos de duas semanas: uma no emissário submarino, na divisa entre Santos e São Vicente, e outra num encontro casual na feira de doces da Biquinha. Foi nessa ocasião que ele mencionou a festa que haveria na USP e, gaguejando devido ao nervosismo, convidou-a. Ela tinha que ir à festa. Com ou sem a autorização do pai. ANTEONTEM - 2 Rita mobilizou quase um exército para conseguir ir à festa. Ninguém da sua família, é claro, com medo do pai, mas várias amigas, namorados de amigas e amigos dos namorados de amigas. A história oficial: Rita passaria a noite fora, fazendo companhia à avó de uma amiga na Santa Casa de Santos. E de fato Rita passou pela Santa Casa. Fez questão de ser notada por algumas enfermeiras, só para o caso de seu pai resolver checar sua história. Quando já ia anoitecendo, saiu de fininho, atravessou o túnel e chegou à rodoviária. Pegou o primeiro ônibus para São Paulo e antes das oito da noite estava chegando ao terminal Jabaquara. Do Jabaquara, foi de metrô para o Parque Dom Pedro e de lá pegou um ônibus para a Cidade Universitária. Saltou na portaria principal do campus e esperou o circular interno. Foi direto para o alojamento na Rua do Anfiteatro. Encontrou a festa seguindo a música… Rita não conhecia ninguém, mas como era mulher e estava sozinha, não demorou muito para virem falar com ela. Estava deslumbrada com o ambiente desleixado dos alojamentos universitários, e feliz de ter tantos futuros engenheiros interessados nela. Mas estava decidida a encontrar Daniel; ela não era louca de ficar com qualquer um numa festa de faculdade. Procura daqui, pergunta dali, dança um pouquinho, beijinho na boca, vodca com fanta laranja, dá uma espiada, cuba libre, dança mais um pouquinho,
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