DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO Fragmentos Filosóficos 1947 (Dialektik der Aufklärung – Philosophische Fragmente) Theodor W. Adorno & Max Horkheimer (Fonte: http://antivalor.vilabol.uol.com.br) ÍNDICE Sobre a Nova Edição Alemã .......................................................................................... 1 Prefácio ............................................................................................................................ 2 O Conceito de Esclarecimento ....................................................................................... 5 EXCURSO I: Ulisses ou Mito e Esclarecimento ........................................................ 23 EXCURSO II: Juliette ou Esclarecimento e Moral ................................................... 40 A Indústria Cultural: O Esclarecimento Como Mistificação das Massas ............... 57 Elementos do Anti-Semitismo: Limites do esclarecimento ....................................... 80 Notas e Esboços ............................................................................................................. 99 CONTRA OS QUE TÊM RESPOSTA PARA TUDO ....................................................................................... 99 CONVERSÃO DA IDEIA EM DOMINAÇAO ................................................................................................ 100 SOBRE A TEORIA DOS FANTASMAS ......................................................................................................... 101 QUAND MÊME .................................................................................................................................................. 102 PSICOLOGIA ANIMAL ................................................................................................................................... 102 PARA VOLTAIRE ............................................................................................................................................. 103 CLASSIFICAÇAO ............................................................................................................................................. 103 AVALANCHA .................................................................................................................................................... 103 ISOLAMENTO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇAO ................................................................................ 104 PARA UMA CRITICA DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA .............................................................................. 104 MONUMENTOS DA HUMANIDADE ............................................................................................................. 106 FRAGMENTO DE UMA TEORIA DO CRIMINOSO ................................................................................... 106 LE PRIX DU PROGRÉS ................................................................................................................................... 108 VÃO ESPANTO.................................................................................................................................................. 108 O INTERESSE PELO CORPO ......................................................................................................................... 108 SOCIEDADE DE MASSAS ............................................................................................................................... 111 CONTRADIÇOES .............................................................................................................................................. 111 MARCADOS ....................................................................................................................................................... 112 FILOSOFIA E DIVISÃO DO TRABALHO .................................................................................................... 113 O PENSAMENTO .............................................................................................................................................. 114 O HOMEM E O ANIMAL................................................................................................................................. 115 PROPAGANDA .................................................................................................................................................. 119 SOBRE A GÉNESE DA BURRICE .................................................................................................................. 120 Para Friedrich Pollock informações à maneira positivista. Crítica da filosofia que é, não quer abrir mão da filosofia. Retornámos dos Estados Unidos, onde o livro Sobre a Nova Edição Alemã foi escrito, para a Alemanha, na convicção de que aqui poderemos fazer mais do que em outro lugar, A “Dialéctica do Esclarecimento” saiu em tanto teórica quanto praticamente. Juntamente com 1947 pela editora Querido em Amsterdão. O livro, Friedrich Pollock, a quem o livro é agora dedicado que só pouco a pouco se difundiu, está há muito por seus 75 anos, como já o era por seus 50 anos, esgotado. Ao reeditá-lo agora, decorridos mais de reconstruímos o Instituto para Pesquisa Social com vinte anos, não somos movidos apenas pelas o pensamento de prosseguir a concepção formulada múltiplas solicitações, mas pela crença de que não na “Dialéctica”. No desenvolvimento de nossa poucos dos pensamentos ainda são atuais e têm teoria e nas experiências comuns que se seguiram, determinado em larga medida nossos esforços tivemos a ajuda, no mais belo sentido, de Gretel teóricos ulteriores. É difícil para alguém de fora Adorno, como já ocorrera por ocasião da primeira fazer ideia da medida em que somos ambos redacção. responsáveis por cada frase. Juntos ditamos largos Quanto às alterações, fomos muito mais trechos, e a tensão dos dois temperamentos parcimoniosos do que o costume na reedição de intelectuais que se juntaram na “Dialéctica” é seu livros publicados há mais de uma década. Não elemento vital. queríamos retocar o que havíamos escrito, nem Não nos agarramos sem modificações a tudo o mesmo as passagens manifestamente inadequadas. que está dito no livro. Isso seria incompatível com Actualizar todo o texto teria significado nada menos uma teoria que atribui à verdade um núcleo do que um novo livro. A ideia de que hoje importa temporal, em vez de opô-la ao movimento histórico mais conservar a liberdade, ampliá-la e desdobrá-la, como algo de imutável. O livro foi redigido num em vez de acelerar, ainda que indirectamente, a momento em que já se podia enxergar o fim do marcha em direcção ao mundo administrado, é algo terror nacional-socialista. Mas não são poucas as que também exprimimos em nossos escritos passagens em que a formulação não é mais ulteriores. Contentamo-nos, no essencial, com a adequada à realidade atual. E, no entanto, não se correcção de erros tipográficos e coisas que tais. pode dizer que, mesmo naquela época, tenhamos Semelhante reserva transforma o livro numa avaliado de maneira excessivamente inócua o documentação; temos a esperança de que seja, ao processo de transição para o mundo administrado. mesmo tempo, mais do que isso. No período da grande divisão política em dois blocos colossais, objectivamente compelidos a Frankfurt am Main, abril, 1969. colidirem um com o outro, o horror continuou. Os conflitos no Terceiro Mundo, o crescimento Theodor W. Adorno e Max Horkheimer renovado do totalitarismo não são meros incidentes históricos, assim como tampouco o foi, segundo a “Dialéctica”, o fascismo em sua época. O pensamento crítico, que não se detém nem mesmo diante do progresso, exige hoje que se tome partido pelos últimos resíduos de liberdade, pelas tendências ainda existentes a uma humanidade real, ainda que pareçam impotentes em face da grande marcha da história. O desenvolvimento que diagnosticamos neste livro em direcção à integração total está suspenso, mas não interrompido; ele ameaça se completar através de ditaduras e guerras. O prognóstico da conversão correlata do esclarecimento no positivismo, o mito dos factos, finalmente a identidade da inteligência e da hostilidade ao espírito encontraram uma confirmação avassaladora. Nossa concepção da história não presume estar livre disso, mas, certamente, não está à cata de 1 Prefácio Elas não se modificaram menos do que a ideologia à qual se referiam. Com elas se passa o que sempre Quando começámos o trabalho, cujas sucedeu ao pensamento triunfante. Se ele sai primeiras provas dedicamos a Friedrich Pollock, voluntariamente de seu elemento crítico como um tínhamos a esperança de poder apresentar o todo mero instrumento ao serviço da ordem existente, ele concluído por ocasião de seu quinquagésimo tende, contra sua própria vontade, a transformar aniversário. Mas quanto mais nos aprofundávamos aquilo que escolheu como positivo em algo de em nossa tarefa, mais claramente percebíamos a negativo, de destrutivo. A filosofia que, no século desproporção entre ela e nossas forças. O que nos dezoito, apesar das fogueiras levantadas para os propuséramos era, de facto, nada menos do que livros e as pessoas, infundia um medo mortal na descobrir por que a humanidade, em vez de entrar infâmia,1 sob Bonaparte já passava para o lado em um estado verdadeiramente humano, está se desta. Finalmente, a escola apologética de Comte afundando em uma nova espécie de barbárie. usurpou a sucessão dos enciclopedistas Subestimámos as dificuldades da exposição porque intransigentes e estendeu a mão a tudo aquilo contra ainda tínhamos uma excessiva confiança na o qual estes se haviam colocado. As metamorfoses consciência do momento presente. Embora da crítica na afirmação tampouco deixam incólume tivéssemos observado há muitos anos que, na o conteúdo teórico, sua verdade volatiliza-se. Agora, actividade científica moderna, o preço das grandes é verdade, a história motorizada toma a dianteira invenções é a ruína progressiva da cultura teórica, desses desenvolvimentos intelectuais e os porta- acreditávamos de qualquer modo que podíamos nos vozes oficiais, movidos por outros cuidados, dedicar a ela na medida em que fosse possível liquidam a teoria que os ajudou a encontrar um limitar nosso desempenho à crítica ou ao lugar ao sol, antes que esta consiga prostituir-se desenvolvimento de temáticas especializadas. Nosso direito. desempenho devia restringir-se, pelo menos Ao tomar consciência da sua própria culpa, o tematicamente, às disciplinas tradicionais: à pensamento vê-se por isso privado não só do uso sociologia, à psicologia e à teoria do conhecimento. afirmativo da linguagem conceptual científica e Os fragmentos que aqui reunimos mostram, quotidiana, mas igualmente da linguagem da contudo, que tivemos de abandonar aquela oposição. Não há mais nenhuma expressão que não confiança. Se uma parte do conhecimento consiste tenda a concordar com as direcções dominantes do no cultivo e no exame atentos da tradição científica pensamento, e o que a linguagem desgastada não faz (especialmente onde ela se vê entregue ao espontaneamente é suprido com precisão pelos esquecimento como um lastro inútil pelos mecanismos sociais. Aos censores, que as fábricas expurgadores positivistas), em compensação, no de filmes mantêm voluntariamente por medo de colapso actual da civilização burguesa, o que se acarretar no final um aumento dos custos, torna problemático é não apenas a actividade, mas o correspondem instâncias análogas em todas as áreas. sentido da ciência. O que os fascistas ferrenhos O processo a que se submete um texto literário, se elogiam hipocritamente e os dóceis especialistas da não na previsão automática do seu produtor, pelo humanidade ingenuamente levam a cabo, a menos pelo corpo de leitores, editores, redactores e infatigável autodestruição do esclarecimento, força ghost-writers dentro e fora do escritório da editora, o pensamento a recusar o último vestígio de é muito mais minucioso que qualquer censura. inocência em face dos costumes e das tendências do Tornar inteiramente supérfluas suas funções parece espírito da época. Se a opinião pública atingiu um ser, apesar de todas as reformas benéficas, a estado em que o pensamento inevitavelmente se ambição do sistema educacional. Na crença de que converte em mercadoria e a linguagem em seu ficaria excessivamente susceptível à charlatanice e à encarecimento, então a tentativa de pôr a nu superstição, se não se restringisse à constatação de semelhante depravação tem de recusar lealdade às factos e ao cálculo de probabilidades, o espírito convenções linguísticas e conceituais em vigor, conhecedor prepara um chão suficientemente antes que suas consequências para a história ressequido para acolher com avidez a charlatanice e universal frustrem completamente essa tentativa. a superstição. Assim como a proibição sempre abriu Se se tratasse apenas dos obstáculos as portas para um produto mais tóxico ainda, assim resultantes da instrumentação desmemoriada da também o cerceamento da imaginação teórica ciência, o pensamento sobre questões sociais preparou o caminho para o desvario político. E, poderia, pelo menos, tomar como ponto de partida mesmo quando as pessoas ainda não sucumbiram a as tendências opostas à ciência oficial. Mas também estas são presas do processo global de produção. 1 Alusão à expressão com que Voltaire designava a superstição: “écrasez l’infâme”. (N. T.). 2 ele, elas vêem-se privadas dos meios de resistência sobre ele, esse conceito mantém o espírito sob o pelos mecanismos de censura, tanto os externos domínio da mais profunda cegueira. É característico quanto os implantados dentro delas próprias. de uma situação sem saída que até mesmo o mais A aporia com que defrontamos em nosso honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a desgastada para recomendar a inovação, adopta investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não também o aparelho categorial inculcado e a má alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa filosofia que se esconde por trás dele, e assim petitio principii – de que a liberdade na sociedade é reforça o poder da ordem existente que ele gostaria inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, de romper. A falsa clareza é apenas uma outra acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza expressão do mito. Este sempre foi obscuro e que o próprio conceito desse pensamento, tanto iluminante ao mesmo tempo. Suas credenciais têm quanto as formas históricas concretas, as instituições sido desde sempre a familiaridade e o facto de da sociedade com as quais está entrelaçado, contém dispensar do trabalho do conceito. o germe para a regressão que hoje tem lugar por A naturalização dos homens hoje em dia não é toda parte. Se o esclarecimento não acolhe dentro de dissociável do progresso social. O aumento da si a reflexão sobre esse elemento regressivo, ele está produtividade económica, que por um lado produz selando seu próprio destino. Abandonando a seus as condições para um mundo mais justo, confere por inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais progresso, o pensamento cegamente pragmatizado que o controlam uma superioridade imensa sobre o perde seu carácter superador e, por isso, também sua resto da população. O indivíduo vê-se relação com a verdade. A disposição enigmática das completamente anulado em face dos poderes massas educadas tecnologicamente a deixar económicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o dominar-se pelo fascínio de um despotismo poder da sociedade sobre a natureza a um nível qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a jamais imaginado. Desaparecendo diante do paranóia racista, todo esse absurdo incompreendido aparelho a que serve, o indivíduo vê-se, ao mesmo manifesta a fraqueza do poder de compreensão do tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa pensamento teórico atual. situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da Acreditamos contribuir com estes fragmentos massa aumentam com a quantidade de bens a ela para essa compreensão, mostrando que a causa da destinados. A elevação do padrão de vida das recaída do esclarecimento na mitologia não deve ser classes inferiores, materialmente considerável e buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pagãs e socialmente lastimável, reflecte-se na difusão em outras mitologias modernas especificamente hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a idealizadas em vista dessa recaída, mas no próprio negação da reificação. Mas ele necessariamente se esclarecimento paralisado pelo temor da verdade. esvai quando se vê concretizado em um bem Neste respeito, os dois conceitos devem ser cultural e distribuído para fins de consumo. A compreendidos não apenas como histórico-culturais, enxurrada de informações precisas e diversões mas como reais. Assim como o esclarecimento assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo exprime o movimento real da sociedade burguesa tempo. como um todo sob o aspecto da encarnação de sua O que está em questão não é a cultura como Ideia em pessoas e instituições, assim também a valor, como pensam os críticos da civilização verdade não significa meramente a consciência Huxley, Jaspers, Ortega y Gasset e outros. A racional mas, do mesmo modo, a figura que esta questão é que o esclarecimento tem que tomar assume na realidade efectiva. O medo que o bom consciência de si mesmo, se os homens não devem filho da civilização moderna tem de afastar-se dos ser completamente traídos. Não é da conservação do factos – factos esses que, no entanto, já estão pré- passado, mas de resgatar a esperança passada que se moldados como clichés na própria percepção pelas trata. Hoje, porém, o passado prolonga-se como usanças dominantes na ciência, nos negócios e na destruição do passado. Se a cultura respeitável política – é exactamente o mesmo medo do desvio constituiu até ao século dezanove um privilégio, social. Essas usanças também definem o conceito de cujo preço era o aumento do sofrimento dos clareza na linguagem e no pensamento a que a arte, incultos, no século vinte o espaço higiénico da a literatura e a filosofia devem conformar-se hoje. fábrica teve por preço a fusão de todos os elementos Ao tachar de complicação obscura e, de preferência, da cultura num cadinho gigantesco. Talvez isso não de alienígena o pensamento que se aplica fosse um preço tão alto, como acreditam aqueles negativamente aos factos, bem como às formas de defensores da cultura, se a venda em liquidação da pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu 3 cultura não contribuísse para a conversão das que existe e do poder pelo qual a técnica é conquistas económicas em seu contrário. controlada. No tratamento dessa contradição, a Nas condições atuais, os próprios bens da indústria cultural é levada mais a sério do que fortuna convertem-se em elementos do infortúnio. gostaria. Mas como a invocação de seu próprio Enquanto no período passado a massa desses bens, carácter comercial, de sua profissão de uma verdade na falta de um sujeito social, resultava na chamada atenuada, há muito se tornou uma evasiva com a superprodução, em meio às crises da economia qual ela tenta furtar-se à responsabilidade pela interna, hoje ela produz, com a entronização dos mentira que difunde, nossa análise atém-se à grupos que detêm o poder no lugar desse sujeito pretensão, objectivamente inerente aos produtos, de social, a ameaça internacional do fascismo: o serem obras estéticas e, por isso mesmo, uma progresso converte-se em regressão. O facto de que configuração da verdade. Ela revela, na nulidade o espaço higiénico da fábrica e tudo o que dessa pretensão, o carácter maligno do social. O acompanha isso, o Volkswagen e o Palácio dos segmento sobre a indústria cultural é ainda mais Desportos, levem a uma liquidação estúpida da fragmentário do que os outros. metafísica, ainda seria indiferente, mas que eles A discussão dos “Elementos do Anti- próprios se tornem, no interior do todo social, a semitismo” através de teses trata do retorno efectivo metafísica, a cortina ideológica atrás da qual se da civilização esclarecida à barbárie. A tendência concentra a desgraça real não é indiferente. Eis aí o não apenas ideal, mas também prática, à ponto de partida dos nossos fragmentos. autodestruição, caracteriza a racionalidade desde o O primeiro estudo, o fundamento teórico dos início e de modo nenhum apenas a fase em que essa seguintes, procura tornar mais inteligível o tendência se evidencia sem disfarces. Neste sentido, entrelaçamento da racionalidade e da realidade esboçamos uma pré-história filosófica do anti- social, bem como o entrelaçamento, inseparável do semitismo. Seu “irracionalismo” é derivado da primeiro, da natureza e da dominação da natureza. A essência da própria razão dominante e do mundo crítica aí feita ao esclarecimento deve preparar um correspondente a sua imagem. Os “Elementos” conceito positivo do esclarecimento, que o solte do estão directamente ligados a pesquisas empíricas do emaranhado que o prende a uma dominação cega. Instituto para Pesquisa Social, a fundação instituída Em linhas gerais, o primeiro estudo pode ser e mantida por Felix Weil, sem a qual não teriam reduzido em sua parte crítica a duas teses: o mito já sido possíveis, não apenas nossos estudos, mas uma é esclarecimento e o esclarecimento acaba por boa parte do trabalho teórico dos emigrantes reverter à mitologia. Nos dois excursos, essas teses alemães, que teve prosseguimento apesar de Hitler. são desenvolvidas a propósito de objectos As primeiras três teses foram escritas específicos. O primeiro acompanha a dialéctica do juntamente com Leo Löwenthal, com quem desde os mito e do esclarecimento na Odisseia como um dos primeiros anos de Frankfurt trabalhamos em muitas mais precoces e representativos testemunhos da questões científicas. civilização burguesa ocidental. No centro estão os Na última parte publicam-se notas e esboços conceitos de sacrifício e renúncia, nos quais se que, em parte, pertencem ao horizonte intelectual revelam tanto a diferença quanto a unidade da dos estudos precedentes, sem encontrar aí seu lugar, natureza mítica e do domínio esclarecido da e em parte traçam um esboço provisório de natureza. O segundo excurso ocupa-se de Kant, problemas a serem tratados num trabalho futuro. A Sade e Nietzsche, os implacáveis realizadores do maioria deles refere-se a uma antropologia esclarecimento. Ele mostra como a submissão de dialéctica. tudo aquilo que é natural ao sujeito autocrático culmina exactamente no domínio de uma natureza e Los Angeles, Califórnia, Maio, 1944. uma objectividade cegas. Essa tendência aplaina todas as antinomias do pensamento burguês, em O livro não contém nenhuma modificação especial a antinomia do rigor moral e da absoluta essencial do texto tal como concluído ainda durante amoralidade. a guerra. Só a última tese dos “Elementos do Anti- O segmento sobre a “indústria cultural” mostra semitismo” foi acrescentada ulteriormente. a regressão do esclarecimento à ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão mais Junho, 1947 influente. O esclarecimento consiste aí, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e Theodor W. Adorno e Max Horkheimer difusão. Em conformidade com seu verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo 4 O Conceito de Esclarecimento desencantada. O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravização da criatura, No sentido mais amplo do progresso do nem na complacência em face dos senhores do pensamento, o esclarecimento tem perseguido mundo. Do mesmo modo que está a serviço de todos sempre o objectivo de livrar os homens do medo e os fins da economia burguesa na fábrica e no campo de investi-los na posição de senhores. Mas a terra de batalha, assim também está à disposição dos totalmente esclarecida resplandece sob o signo de empresários, não importa sua origem. Os reis não uma calamidade triunfal. O programa do controlam a técnica mais directamente do que os esclarecimento era o desencantamento do mundo. comerciantes: ela é tão democrática quanto o Sua meta era dissolver os mitos e substituir a sistema económico com o qual se desenvolve. A imaginação pelo saber. Bacon, “o pai da filosofia técnica é a essência desse saber, que não visa experimental”1, já reunira seus diferentes temas. Ele conceitos e imagens, nem o prazer do desprezava os adeptos da tradição, que “primeiro discernimento, mas o método, a utilização do acreditam que os outros sabem o que eles não trabalho de outros, o capital. As múltiplas coisas sabem; e depois que eles próprios sabem o que não que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais sabem. Contudo, a credulidade, a aversão à dúvida, são do que instrumentos: o rádio, que é a imprensa a temeridade no responder, o vangloriar-se com o sublimada; o avião de caça, que é uma artilharia saber, a timidez no contradizer, o agir por interesse, mais eficaz; o controle remoto, que é uma bússola a preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo mais confiável. O que os homens querem aprender verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e da natureza é como empregá-la para dominar coisas semelhantes impediram um casamento feliz completamente a ela e aos homens. Nada mais do entendimento humano com a natureza das coisas importa. Sem a menor consideração consigo mesmo, e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e o esclarecimento eliminou com seu cautério o experimentos erráticos; o fruto e a posteridade de último resto de sua própria autoconsciência. Só o tão gloriosa união pode-se facilmente imaginar. A pensamento que se faz violência a si mesmo é imprensa não passou de uma invenção grosseira; o suficientemente duro para destruir os mitos. Diante canhão era uma invenção que já estava praticamente do actual triunfo da mentalidade factual, até mesmo assegurada; a bússola já era, até certo ponto, o credo nominalista de Bacon seria suspeito de conhecida. Mas que mudança essas três invenções metafísica e incorreria no veredicto de vacuidade produziram – uma na ciência, a outra na guerra, a que proferiu contra a escolástica. Poder e terceira nas finanças, no comércio e na navegação! conhecimento são sinónimos.3 Para Bacon, como E foi apenas por acaso, digo eu, que a gente para Lutero, o estéril prazer que o conhecimento tropeçou e caiu sobre elas. Portanto, a superioridade proporciona não passa de uma espécie de lascívia. O do homem está no saber, disso não há dúvida. Nele que importa não é aquela satisfação que, para os muitas coisas estão guardadas que os reis, com homens, se chama “verdade”, mas a “operation”, o todos os seus tesouros, não podem comprar, sobre as procedimento eficaz. Pois não é nos “discursos quais sua vontade não impera, das quais seus espias plausíveis, capazes de proporcionar deleite, de e informantes nenhuma notícia trazem, e que inspirar respeito ou de impressionar de uma maneira provêm de países que seus navegantes e qualquer, nem em quaisquer argumentos verosímeis, descobridores não podem alcançar. Hoje, apenas mas em obrar e trabalhar e na descoberta de presumimos dominar a natureza, mas, de facto, particularidades antes desconhecidas, para melhor estamos submetidos à sua necessidade; se contudo prover e auxiliar a vida”, que reside “o verdadeiro nos deixássemos guiar por ela na invenção, nós a objectivo e função da ciência”.4 Não deve haver comandaríamos na prática”.2 nenhum mistério, mas tampouco o desejo de sua Apesar de seu alheamento à matemática, revelação. Bacon capturou bem a mentalidade da ciência que Desencantar o mundo é destruir o animismo. se fez depois dele. O casamento feliz entre o Xenófanes zombava da multidão de deuses, porque entendimento humano e a natureza das coisas que eram iguais aos homens, que os produziram, em ele tem em mente é patriarcal: o entendimento que tudo aquilo que é contingente e mau, e a lógica mais vence a superstição deve imperar sobre a natureza recente denuncia as palavras cunhadas pela linguagem como moedas falsas, que será melhor substituir por fichas neutras. O mundo torna-se o 1 Voltaire, Lettres philosophiques X1l, Oeuvres completes. Ed. Garnier. Paris, 1879. Vol. XXII, p. 118. 2 Bacon, In Parisse of. Knowledge. Miscellaneous Tracts 3 Cf. Bacon, Novum Organum, op. cit. vol. XIV, p. 31. upon Human Philosophy. The Works of Francis Bacon. Ed. 4 Bacon, Valerius Terminus: Of the lnterpretation of Nature. Basil Montagu. Londres, 1825. Vol. l, pp. 254 sg. Miscelaneous Tracts, op. cit. Vol. l, p. 281. 5 caos, e a síntese, a salvação. Nenhuma distinção ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos. deve haver entre o animal totémico, os sonhos do Quaisquer que sejam os mitos de que possa se valer visionário e a Ideia absoluta. No trajecto para a a resistência, o simples facto de que eles se tornam ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido argumentos por uma tal oposição significa que eles e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela adoptam o princípio da racionalidade corrosiva da regra e pela probabilidade. A causa foi apenas o qual acusam o esclarecimento. O esclarecimento é último conceito filosófico que serviu de padrão para totalitário. a crítica científica, porque ela era, por assim dizer, Para ele, o elemento básico do mito foi sempre dentre todas as ideias antigas, o único conceito que a o antropomorfismo, a projeção do subjetivo na ela ainda se apresentava, derradeira secularização do natureza.6 O sobrenatural, o espírito e os demónios princípio criador. A filosofia buscou sempre, desde seriam as imagens especulares dos homens que se Bacon, uma definição moderna de substância e deixam amedrontar pelo natural. Todas as figuras qualidade, de acção e paixão, do ser e da existência, míticas podem se reduzir, segundo o esclarecimento, mas a ciência já podia passar sem semelhantes ao mesmo denominador, a saber, ao sujeito. A categorias. Essas categorias tinham ficado para trás resposta de Édipo ao enigma da esfinge: “É o como idola theatri da antiga metafísica e já eram, homem!” é a informação estereotipada em sua época, monumentos de entidades e potências invariavelmente repetida pelo esclarecimento, não de um passado pré-histórico. Para este, a vida e a importa se este se confronta com uma parte de um morte haviam se explicado e entrelaçado nos mitos. sentido objectivo, o esboço de uma ordem, o medo As categorias, nas quais a filosofia ocidental de potências maléficas ou a esperança da redenção. determinava sua ordem natural eterna, marcavam os De antemão, o esclarecimento só reconhece como lugares outrora ocupados por Ocnos e Perséfone, ser e acontecer o que se deixa captar pela unidade. Ariadne e Nereu. As cosmologias pré-socráticas Seu ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda e fixam o instante da transição. O húmido, o indiviso, cada coisa. Não é nisso que sua versão racionalista o ar, o fogo, aí citados como a matéria primordial da se distingue da versão empirista. Embora as natureza, são apenas sedimentos racionalizados da diferentes escolas interpretassem de maneira intuição mítica. Assim como as imagens da geração diferente os axiomas, a estrutura da ciência unitária a partir das águas do rio e da terra se tornaram, entre era sempre a mesma. O postulado baconiano da una os gregos, princípios hilozoistas, elementos, assim scientia universalis7 é, apesar de todo o pluralismo também toda a luxuriante plurivocidade dos das áreas de pesquisa, tão hostil ao que não pode ser demónios míticos espiritualizou-se na forma pura vinculado, quanto a mathesis universalis de Leibniz das entidades ontológicas. Com as Idéias de Platão, à descontinuidade. A multiplicidade das figuras se finalmente, também os deuses patriarcais do Olimpo reduz à posição e à ordem, a história ao facto, as foram capturados pelo logos filosófico. O coisas à matéria. Ainda de acordo com Bacon, entre esclarecimento, porém, reconheceu as antigas os primeiros princípios e os enunciados potências no legado platónico e aristotélico da observacionais deve subsistir uma ligação lógica metafísica e instaurou um processo contra a unívoca, medida por graus de universalidade. De pretensão de verdade dos universais, acusando-a de Maistre zomba de Bacon por cultivar “une idole superstição. Na autoridade dos conceitos universais d’échelle”.8 A lógica formal era a grande escola da ele crê enxergar ainda o medo pelos demónios, cujas unificação. Ela oferecia aos esclarecedores o imagens eram o meio, de que se serviam os homens, esquema da calculabilidade do mundo. O no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza. equacionamento mitologizante das Ideias com os Doravante, a matéria deve ser dominada sem o números nos últimos escritos de Platão exprime o recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, anseio de toda desmitologização: o número tomou- sem a ilusão de qualidades ocultas. O que não se se o cânon do esclarecimento. As mesmas equações submete ao critério da calculabilidade e da utilidade dominam a justiça burguesa e a troca mercantil. torna-se suspeito para o esclarecimento. A partir do “Não é a regra: ‘se adicionares o desigual ao igual momento em que ele pode se desenvolver sem a interferência da coerção externa, nada mais pode pp. 410 sg. segurá-lo. Passa-se então com as suas ideias acerca 6 Xenófanes, Montaigne, Hume, Feuerbach e Salomon do direito humano o mesmo que se passou com os Reinach estão de acordo nesse ponto. Quanto a Reinach, cf. universais mais antigos. Cada resistência espiritual Orpheus (trad. de F. Simmons). Londres e Nova York, 1909, que ele encontra serve apenas para aumentar sua pp. 6 sg. força.5 Isso se deve ao facto de que o esclarecimento 7 Bacon, De augmentis scientiarum, op. cit. Vol. VIII, p. 152. 8 Les Soirées de Saint-Petersbourg. 5ieme entretien. 5 Cf. Hegel, Phänomenologie des Geistes. Werke. Vol. II. Oeuvres complètes Lyon, 1891. Vol. IV, p. 256. 6 obterás algo de desigual’ (Si inaequalibus aequalia pai, sois o senhor dos céus, e a vosso olhar não addas, omnia erunt inaequalia) um princípio tanto escapa nenhuma obra humana, sacrílegas ou justas, da justiça quanto da matemática? E não existe uma e nem mesmo a turbulência dos animais, e estimais verdadeira coincidência entre a justiça cumulativa e a rectidão.”11 “E assim se passa que um expia logo, distributiva por um lado e as proporções um outro mais tarde. E mesmo que alguém escape geométricas e aritméticas por outro lado?9 A ao castigo e o fado ameaçador dos deuses não o sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. alcance, este acaba sempre por chegar, e são pessoas Ela torna o heterogéneo comparável, reduzindo-o a inocentes – seus filhos ou uma outra geração – que grandezas abstractas. Para o esclarecimento, aquilo terão de expiar o crime.”12 Perante os deuses, só que não se reduz a números e, por fim, ao uno, passa consegue se afirmar quem se submete sem a ser ilusão: o positivismo moderno remete-o para a restrições. O despertar do sujeito tem por preço o literatura. “Unidade” continua a ser a divisa, de reconhecimento do poder como o princípio de todas Parménides a Russell. O que se continua a exigir as relações. Em face da unidade de tal razão, a insistentemente é a destruição dos deuses e das separação de Deus e do homem reduz-se àquela qualidades. irrelevância que, inabalável, a razão assinalava Mas os mitos que caem vítimas do desde a mais antiga crítica de Homero. Enquanto esclarecimento já eram o produto do próprio soberanos da natureza, o deus criador e o espírito esclarecimento. No cálculo científico dos ordenador se igualam. A imagem e semelhança acontecimentos anula-se a conta que outrora o divinas do homem consistem na soberania sobre a pensamento dera, nos mitos, dos acontecimentos. O existência, no olhar do senhor, no comando. mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas O mito converte-se em esclarecimento, e a também expor, fixar, explicar. Com o registo e a natureza em mera objectividade. O preço que os colecção dos mitos, essa tendência reforçou-se. homens pagam pelo aumento de seu poder é a Muito cedo deixaram de ser um relato, para se alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O tornarem uma doutrina. Todo ritual inclui uma esclarecimento comporta-se com as coisas como o representação dos acontecimentos bem como do ditador se comporta com os homens. Este conhece- processo a ser influenciado pela magia. Esse os na medida em que pode manipulá-los. O homem elemento teórico do ritual tornou-se autónomo nas de ciência conhece as coisas na medida em que pode primeiras epopeias dos povos. Os mitos, como os fazê-las. É assim que seu em-si torna para-ele. encontraram os poetas trágicos, já se encontram sob Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se o signo daquela disciplina e poder que Bacon como sempre a mesma, como substrato da enaltece como o objectivo a se alcançar. O lugar dos dominação. Essa identidade constitui a unidade da espíritos e demónios locais foi tomado pelo céu e natureza. Assim como a unidade do sujeito, ela sua hierarquia; o lugar das práticas de conjuração do tampouco constitui um pressuposto da conjuração feiticeiro e da tribo, pelo sacrifício bem dosado e mágica. Os ritos do xamã dirigiam-se ao vento, à pelo trabalho servil mediado pelo comando. As chuva, à serpente lá fora ou ao demónio dentro do deidades olímpicas não se identificam mais doente, não a matérias ou exemplares. Não era um e directamente aos elementos, mas passam a significá- o mesmo espírito que se dedicava à magia; ele los. Em Homero, Zeus preside o céu diurno, Apolo mudava igual às máscaras do culto, que deviam se guia o sol, Hélio e Éo já tendem para o alegórico. assemelhar aos múltiplos espíritos. A magia é a pura Os deuses separam-se dos elementos materiais como e simples inverdade, mas nela a dominação ainda sua suprema manifestação. De agora em diante, o não é negada, ao se colocar, transformada na pura ser se resolve no logos – que, com o progresso da verdade, como a base do mundo que a ela sucumbiu. filosofia, se reduz à mónada, mero ponto de O feiticeiro torna-se semelhante aos demónios; para referência – e na massa de todas as coisas e criaturas assustá-los ou suavizá-los, ele assume um ar exteriores a ele. Uma única distinção, a distinção assustadiço ou suave. Embora seu ofício seja a entre a própria existência e a realidade, engolfa repetição, diferentemente do civilizado – para quem todas as outras distinções. Destruídas as distinções, os modestos campos de caça se transformam no o mundo é submetido ao domínio dos homens. cosmo unificado, no conjunto de todas as Nisso estão de acordo a história judia da criação e a possibilidades de presas – ele ainda não se declarou religião olímpica. “...e dominarão os peixes do mar à imagem e semelhança do poder invisível. É só e as aves do céu e o gado e a terra inteira e todos os répteis que se arrastam sobre a terra.”10 “Zeus, nosso 11 Arquíloco, frag. 87. Citado por Deussen, Allgemeine Geschichte der Philosophie. Vol. II, 1ª secção. Leipzig. 1911, 9 Bacon, Advancement of Learning, op. cit. Vol. II, p. 126. p. 18. 10 Génesis I, 26. 12 Sólon, frag. 13. 25 sg., ibid., p. 20. 7 enquanto tal imagem e semelhança que o homem dos processos psíquicos por oposição à realidade”, alcança a identidade do eu que não pode se perder quando o pensamento e a realidade não estão na identificação com o outro, mas toma radicalmente separados. A “confiança inabalável na definitivamente posse de si como máscara possibilidade de dominar o mundo”,15 que Freud impenetrável. É à identidade do espírito e a seu anacronicamente atribui à magia, só vem correlato, à unidade da natureza, que sucumbem as corresponder a uma dominação realista do mundo múltiplas qualidades. A natureza desqualificada graças a uma ciência mais astuciosa do que a magia. torna-se a matéria caótica para uma simples Para substituir as práticas localizadas do curandeiro classificação, e o eu todo-poderoso torna-se o mero pela técnica industrial universal foi preciso, ter, a identidade abstracta. Na magia existe uma primeiro, que os pensamentos se tornassem substitutividade específica. O que acontece à lança autónomos em face dos objectos, como ocorre no do inimigo, à sua cabeleira, a seu nome, afecta ao ego ajustado à realidade. mesmo tempo a pessoa; em vez do deus, é o animal Enquanto totalidade desenvolvida sacrificial que é massacrado. A substituição no linguisticamente, que desvaloriza, com sua sacrifício assinala um novo passo em direcção à pretensão de verdade, a crença mítica mais antiga: a lógica discursiva. Embora a cerva oferecida em religião popular, o mito patriarcal solar é ele próprio lugar da filha e o cordeiro em lugar do primogénito esclarecimento, com o qual o esclarecimento ainda devessem ter qualidades próprias, eles já filosófico pode-se medir no mesmo plano. A ele se representavam o género e exibiam a indiferença do paga, agora, na mesma moeda. A própria mitologia exemplar. Mas a sacralidade do hic et nunc, a desfecha o processo sem fim do esclarecimento, no singularidade histórica do escolhido, que recai sobre qual toda concepção teórica determinada acaba o elemento substituto, distingue-o radicalmente, fatalmente por sucumbir a uma crítica arrasadora, à torna-o introcável na troca. É a isso que a ciência dá crítica de ser apenas uma crença, até que os próprios fim. Nela não há nenhuma substitutividade conceitos de espírito, de verdade, e até mesmo de específica: se ainda há animais sacrificiais, não há esclarecimento tenham-se convertido em magia mais Deus. A substitutividade converte-se na animista. O princípio da necessidade fatal, que traz a fungibilidade universal. Um átomo é desintegrado, desgraça aos heróis míticos e que se desdobra a não em substituição, mas como um espécime da partir da sentença oracular como uma consequência matéria, e a cobaia atravessa, não em substituição, lógica, não apenas domina todo sistema racionalista mas desconhecida como um simples exemplar, a da filosofia ocidental, onde se vê depurado até paixão do laboratório. Porque na ciência funcional atingir o rigor da lógica formal, mas impera até as distinções são tão fluidas que tudo desaparece na mesmo sobre a série dos sistemas, que começa com matéria una, o objecto científico se petrifica, e o a hierarquia dos deuses e, num permanente rígido ritual de outrora parece flexível porquanto crepúsculo dos ídolos, transmite sempre o mesmo substituía a um também o outro. O mundo da magia conteúdo: a ira pela falta de honestidade. Do mesmo ainda continha distinções, cujos vestígios modo que os mitos já levam a cabo o desapareceram até mesmo da forma linguística.13 As esclarecimento, assim também o esclarecimento fica múltiplas afinidades entre os entes são recalcadas cada vez mais enredado, a cada passo que dá, na pela única relação entre o sujeito doador de sentido mitologia. Todo conteúdo, ele o recebe dos mitos, e o objecto sem sentido, entre o significado racional para destruí-los, e ao julgá-los, ele cai na órbita do e o portador ocasional do significado. No estágio mito. Ele quer se furtar ao processo do destino e da mágico, sonho e imagem não eram tidos como retribuição, fazendo-o pagão, ele próprio, uma meros sinais da coisa, mas como ligados a esta por retribuição. No mito, tudo o que acontece deve semelhança ou pelo nome. A relação não é a da expiar uma pena pelo facto de ter acontecido. E intenção, mas do parentesco. Como a ciência, a assim continua no esclarecimento: o facto torna-se magia visa fins, mas ela os persegue pela mimese, nulo, mal acabou de acontecer. A doutrina da não pelo distanciamento progressivo em relação ao igualdade entre a acção e a reacção afirmava o objecto. Ela não se baseia de modo algum na poder da repetição sobre o que existe muito tempo “omnipotência dos pensamentos”, que o primitivo após os homens terem renunciado à ilusão de que se atribuiria, segundo se diz, assim como o pela repetição poderiam se identificar com a neurótico.14 Não pode haver uma “superestimação realidade repetida e, assim, escapar a seu poder. Mas quanto mais se desvanece a ilusão mágica, tanto mais inexoravelmente a repetição, sob o título 13 Cf. p. ex. Robert H. Lowie, An Introduction to Cultural da submissão à lei, prende o homem naquele ciclo Anthropology, Nova York, 1940, pp. 344 sgg. 14 Cf. Freud, Totem und Tabu. Gesamtheite werke Vol. IX. pp. 106 sgg. 15 lbid., p. 110. 8 que, objectualizado sob a forma da lei natural, romper as imposições da natureza rompendo a parecia garanti-lo como um sujeito livre. O princípio natureza, resulta numa submissão ainda mais da imanência, a explicação de todo acontecimento profunda às imposições da natureza. Tal foi o rumo como repetição, que o esclarecimento defende tomado pela civilização europeia. A abstracção, que contra a imaginação mítica, é o princípio do próprio é o instrumento do esclarecimento, comporta-se mito. A insossa sabedoria para a qual não há nada com seus objectos do mesmo modo que o destino, de novo sob o sol, porque todas as cartas do jogo cujo conceito é por ele eliminado, ou seja, ela se sem-sentido já teriam sido jogadas, porque todos comporta como um processo de liquidação. Sob o grandes pensamentos já teriam sido pensados, domínio nivelador do abstracto, que transforma porque as descobertas possíveis poderiam ser todas as coisas na natureza em algo de reproduzível, projectadas de antemão, e os homens estariam e da indústria, para a qual esse domínio do abstracto forçados a assegurar a autoconservação pela prepara o reproduzível, os próprios liberados adaptação – essa insossa sabedoria reproduz tão- acabaram por se transformar naquele somente a sabedoria fantástica que ela rejeita: a “destacamento” que Hegel16 designou como o ratificação do destino que, pela retribuição, reproduz resultado do esclarecimento. sem cessar o que já era. O que seria diferente é A distância do sujeito com relação ao objecto, igualado. Esse é o veredicto que estabelece que é o pressuposto da abstracção, está fundada na criticamente os limites da experiência possível. O distância em relação à coisa, que o senhor conquista preço que se paga pela identidade de tudo com tudo através do dominado. Os cantos de Homero e os é o facto de que nada, ao mesmo tempo, pode ser hinos do Rigveda datam da época da dominação idêntico consigo mesmo. O esclarecimento corrói a territorial e dos lugares fortificados, quando uma injustiça da antiga desigualdade, o senhorio não belicosa nação de senhores se estabeleceu sobre a mediatizado; perpetua-o, porém, ao mesmo tempo, massa dos autóctones vencidos.17 O deus supremo na mediação universal, na relação de cada ente com entre os deuses surgiu com esse mundo civil, onde o cada ente. Ele faz aquilo que Kirkegaard celebra em rei, como chefe da nobreza armada, mantém os sua ética protestante e que se encontra no ciclo subjugados presos à terra, enquanto os médicos, épico de Héracles como uma das imagens adivinhos, artesãos e comerciantes se ocupam do primordiais do poder mítico: ele elimina o intercâmbio social. Com o fim do nomadismo, a incomensurável. Não apenas são as qualidades ordem social foi instaurada sobre a base da dissolvidas no pensamento, mas os homens são propriedade fixa. Dominação e trabalho separam-se. forçados à real conformidade. O preço dessa Um proprietário como Ulisses “dirige a distância vantagem, que é a indiferença do mercado pela um pessoal numeroso, meticulosamente organizado, origem das pessoas que nele vêm trocar suas composto de servidores e pastores de bois, de mercadorias, é pago por elas mesmas ao deixarem ovelhas e de porcos. Ao anoitecer, depois de ver de que suas possibilidades inatas sejam modeladas pela seu palácio a terra iluminada por mil fogueiras, pode produção das mercadorias que se podem comprar no entregar-se sossegado ao sono: ele sabe que seus mercado. Os homens receberam o seu eu como algo bravos servidores vigiam, para afastar os animais pertencente a cada um, diferente de todos os outros, selvagens e expulsar os ladrões dos coutos que estão para que ele possa com tanto maior segurança se encarregados de guardar”.18 A universalidade dos tornar igual. Mas, como isso nunca se realizou pensamentos, como a desenvolve a lógica inteiramente, o esclarecimento sempre simpatizou, discursiva, a dominação na esfera do conceito, mesmo durante o período do liberalismo, com a eleva-se fundamentada na dominação do real. É a coerção social. A unidade da colectividade substituição da herança mágica, isto é, das antigas manipulada consiste na negação de cada indivíduo; representações difusas, pela unidade conceptual que seria digna de escárnio a sociedade que conseguisse exprime a nova forma de vida, organizada com base transformar os homens em indivíduos. A horda, cujo no comando e determinada pelos homens livres. O nome sem dúvida está presente na organização da eu, que aprendeu a ordem e a subordinação com a Juventude Hitleriana, não é nenhuma recaída na sujeição do mundo, não demorou a identificar a antiga barbárie, mas o triunfo da igualdade verdade em geral com o pensamento ordenador, e repressiva, a realização pelos iguais da igualdade do direito à injustiça. O mito de fancaria dos fascistas evidencia-se como o autêntico mito da antiguidade, 16 Hegel, Phänomenologie des Geistes, op. cit., p. 424. na medida em que o mito autêntico conseguiu 17 Cf. W. Kirfel, Geschichte Indiens, em: Propyläenweltgeschichte. Vol. III, pp. 261 sg., e G. Glotz, enxergar a retribuição, enquanto o falso cobrava-a Histoire Grècque. Vol. I, em: Histoire Ancienne. Paris, 1938, cegamente de suas vítimas. Toda tentativa de pp. 137 sg. 18 G. Glotz, op. cit., p. 140. 9
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