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Dez Dias que Abalaram o Mundo PDF

293 Pages·2010·1.451 MB·Portuguese
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Sumário Introdução — A. J. P. Taylor Apresentação à edição americana — V. I. Lênin Prefácio Notas e esclarecimentos do Autor 1. O pano de fundo 2. A tempestade se aproxima 3. A véspera 4. A queda do Governo Provisório 5. Seguindo em frente 6. O Comitê de Salvação 7. O front revolucionário 8. A contrarrevolução 9. A vitória 10. Moscou 11. A conquista do poder 12. O Congresso Camponês Apêndices Cronologia Outras leituras Introdução A. J. P. TAYLOR Em 1964, a Penguin Books decidiu publicar o clássico relato de John Reed sobre a revolução bolchevique, Dez dias que abalaram o mundo, e convidou-me a escrever uma introdução à obra. A viúva de John Reed doara os direitos do livro ao Partido Comunista da Grã-Bretanha. Minha introdução foi submetida a Lawrence Wishart, seus editores, e voltou repleta de & objeções. Supostamente, diziam respeito a aspectos de ordem factual, embora para mim parecessem, em sua maioria, questões de opinião. Mesmo assim, acatei diligentemente essas objeções, alterando algumas observações, ou suprimindo-as no caso em que as mudanças acabariam por induzir a erros. A segunda versão, revisada, também foi a eles submetida. Replicaram, então, que minha introdução ainda continha erros e que apenas uma pequena parte do texto seria aceitável por eles — atitude que eu já esperava desde o começo. Lawrence Wishart sugeriram, então, que outra pessoa escrevesse uma introdução que lhes fosse & aceitável. A Penguin Books optou, na ocasião, por editar o livro sem nenhuma introdução. Agora, quando os direitos autorais já caducaram, minha introdução pode, a(cid:224)nal, ser publicada.* E o leitor poderá julgar, livremente, se ela é aceitável ou não. O livro de John Reed é um antigo clássico da política. Seu tema é a revolução bolchevique de 7 de novembro de 1917, e, pela primeira vez, um grande tema encontrou um narrador à altura. George Kennan, diplomata e historiador norte-americano, escreveu que “o relato de Reed sobre os acontecimentos daquela época situa-se acima de todos os demais registros contemporâneos, graças a sua força literária, sua profundidade, sua riqueza de detalhes. Ele será lembrado para sempre, enquanto os outros acabarão no esquecimento”. A obra de Reed não só é o melhor relato da Revolução Bolchevique, como está muito perto de ser o melhor relato já realizado sobre qualquer revolução. Revoluções são eventos tumultuosos, difíceis de ser acompanhados a seu tempo. Os que delas participam estão ocupados demais para registrar as próprias experiências durante seu desenrolar, e os vitoriosos estão ocupados demais, nos momentos subsequentes. De todos os líderes bolcheviques, apenas Trótski escreveu uma história detalhada da revolução, e isso muitos anos mais tarde, quando já se encontrava no exílio. Os vencidos tinham todo o tempo do mundo para fazê-lo, e muitos deles escreveram memórias. Tais memórias, porém, são frequentemente marcadas pelo atordoamento e pelos ressentimentos que se seguem a uma derrota. Sukhanov, o menchevique relutante, foi um dos poucos que conseguiram recompor o espírito da época. Os observadores estrangeiros situavam-se do lado de fora dos acontecimentos, mesmo quando procuravam ser simpáticos à revolução — e poucos o foram. Ninguém seria capaz de ler com entusiasmo os relatos da Revolução Bolchevique produzidos pelos embaixadores britânico e francês. Alguns jornalistas (cid:224)zeram algo um pouco melhor, sobretudo Philips Price, d o Manchester Guardian. Mas era patente que mesmo o melhor deles escrevia sobre acontecimentos que lhe eram estranhos, em um país estranho. John Reed ocupava uma posição diferente. Não estava engajado diretamente na revolução, tendo, por isso, tempo su(cid:224)ciente para observar aquilo que se passava: tempo para reunir jornais e pan(cid:225)etos; tempo para ouvir as conversas nas ruas; oportunidades até mesmo de atravessar fronteiras e saber o que ocorria do outro lado. Mas Reed, embora não estivesse engajado (cid:224)sicamente na Revolução Bolchevique, estava-o do ponto de vista moral. Aquela revolução era também dele, e não um acontecimento qualquer em um país estrangeiro. Reed era um norte-americano radical, formado em Harvard e, naquela ocasião, um socialista apaixonado. Estava na Rússia como representante do The Masses, que era, então, o principal jornal radical e socialista dos Estados Unidos. A seus olhos, a Revolução Bolchevique não era apenas uma grande sublevação na Rússia. Era o começo da revolução internacional que ele, tal como os bolcheviques, estava empenhado em realizar. Reed compreendia o ponto de vista bolchevique, entendia a necessidade de uma revolução ampla e desejava o sucesso dessa revolução. Era um jornalista bom demais para escrever mero proselitismo, mas tampouco ocultava para qual lado pendiam suas simpatias. Tinha, ainda, uma outra qualidade, que complementava as demais: era um grande escritor. Tornando a citar Kennan: “Reed era um poeta de primeira grandeza”. Este livro é uma prova de que ele era, também, um prosador de primeira grandeza. De tão fascinados que (cid:224)camos diante do trabalho de Reed, podemos, por vezes, perder a exata noção do que esse trabalho realmente é. Não se trata da História redigida com imparcialidade, com ampla bibliogra(cid:224)a e a maior compreensão possível dos eventos que se podia ter à época. Este livro é uma contribuição para a história, não uma análise estruturada a posteriori. Quando escreve aquilo que vê e experimenta na prática, Reed dá um testemunho de primeira mão. Mas muito do que aqui se encontra não é de primeira mão. Muitas vezes, Reed está sentado no silêncio de seu quarto de hotel, um cigarro à boca, batendo à máquina o seu texto para o The Masses. Ele reúne fragmentos de conversas e detalhes imaginados daquilo que provavelmente teria ocorrido, coroando isso tudo com um texto brilhante. Reed costuma a(cid:224)rmar, por exemplo, que o Smolny, que sediava o soviete de Petrogrado, estava sempre “agitado”, com as luzes acesas a noite inteira, mensageiros e Guardas Vermelhos lotando seus corredores. O Smolny aparece, assim, como uma espécie de colmeia, com poucos detalhes a respeito do que as abelhas faziam ali. Reed, na verdade, não sabia. Era um jornalista estrangeiro, ainda que simpatizante, e os bolcheviques lhe revelavam poucos segredos. Como todo bom repórter, transmite a sensação de uma agitação desenfreada, quando, na realidade, na maior parte do tempo simplesmente não estava acontecendo nada, e ele próprio estava apenas conversando com outros jornalistas norte-americanos. Os próprios bolcheviques se mostravam preocupados com o arrefecimento do ímpeto revolucionário, fator essencial para levá-los à ação antes que fosse tarde demais. Cabe, ainda, outra observação. Em 1927, Eisenstein, o famoso diretor de cinema, fez um (cid:224)lme por ocasião do décimo aniversário da Revolução Bolchevique, dando-lhe o mesmo título do livro de Reed, Dez dias que abalaram o mundo, e usando a obra como roteiro. A tendência é vermos o (cid:224)lme como algo que vem con(cid:224)rmar de alguma forma aquilo que é contado no livro. Mas não se trata disso. O (cid:224)lme de Eisenstein não se baseou em registros documentais cinematográ(cid:224)cos ou em pesquisas que lhe dessem bases históricas concretas. Ele apenas adaptou o livro para a linguagem cinematográ(cid:224)ca. A maior parte do (cid:224)lme é (cid:224)cção, como é, aliás, boa parte do próprio livro de Reed. Não se pode con(cid:224)ar na obra de Reed em todos os seus detalhes. Seu grande mérito foi ter captado o espírito daqueles dias tão arrebatadores. Como a maioria dos escritores, Reed exagerava na dramaticidade, e essa dramaticidade, por vezes, estava acima da realidade. Muitos bolcheviques, ao relembrar aqueles tempos, com frequência baseiam suas recordações muito mais no livro de Reed do que em sua própria memória. Isso é muito comum. Veteranos da Primeira Grande Guerra enxergam as trincheiras pelos olhos de Robert Graves, Edmund Blunden e Sigfried Sassoon, e suas próprias lembranças são nebulosas. Nesse sentido, o livro de Reed instituiu uma lenda, que se sobrepunha amplamente aos fatos. Não que essa lenda fosse mentirosa. A maior parte das lendas surge de fatos. Mas o clima e as emoções que acompanhavam a revolução bolchevique não teriam vindo à tona com tanta clareza se Reed não tivesse estado ali para registrá-los. O livro de Reed constitui uma lenda, também, sob outro aspecto. Reed acreditava que os líderes bolcheviques sabiam exatamente o que estavam fazendo, e a vitória da revolução con(cid:224)rmava essa crença. Os registros disponíveis, porém, sugerem outra coisa. Todos os dirigentes políticos se moviam em meio a uma neblina de revolução, que parecia, muito mais, a neblina de uma batalha. A revolução bolchevique não foi uma obra de todo orquestrada, com uma partitura prévia. Ela foi composta, como a maior parte dos acontecimentos, por muita confusão e mal-entendidos, por grandes realizações e grandes falhas humanas, cujo desenlace surpreendeu os vitoriosos tanto quanto atordoou os vencidos. O livro de Reed, como sugere o título, concentra-se nos acontecimentos do começo de novembro de 1917, quando os bolcheviques tomaram o poder em Petrogrado, tornando-se, então, dominantes em toda a Rússia. Esses acontecimentos constituíam o último ato de um drama e, ao mesmo tempo, o primeiro de um outro drama. O primeiro era a Revolução Russa, que se desenrolava desde março de 1917. O segundo drama deveria ser a vitória do comunismo internacional, mas tornou-se algo bem diferente disso. Ambos estão implícitos no livro de Reed. Em agosto de 1914, a Rússia Imperial se envolveu na grande guerra europeia. A Rússia era uma autocracia, cujos destinos eram de(cid:224)nidos pelo medíocre tsar Nicolau II. Havia um parlamento, a Duma, dotado de pouco poder. Havia partidos políticos. Havia até mesmo um Partido Social-Democrata. Sua ala esquerda, os bolcheviques, contava com alguns poucos milhares de membros. Era o único partido contrário à guerra. Sua voz era quase que ignorada. Seu jornal, o Pravda, estava proibido. A maior parte de seus líderes se encontrava no exílio — alguns na Sibéria, e Lênin, o mais antigo deles, na Suíça. A Rússia estava mergulhada no caos. Todo um sistema arcaico ruía diante das pressões oriundas daquela guerra moderna. As estradas de ferro estavam sobrecarregadas, levando suprimentos para tantas tropas. Nas cidades a comida era escassa, a não ser para os ricos. Os moradores de Petrogrado passavam fome. Muitos políticos pregavam uma mudança de regime. Mas ninguém fazia nada. Em março de 1917, ocorreram levantes por comida em Petrogrado. A guarnição local, formada por reservistas de meia-idade que não queriam ser mandados para o front, juntou-se aos amotinados. Os cossacos,** em geral responsáveis pela manutenção da ordem, mantiveram-se passivos. O tsar estava no quartel-general do exército. Integrantes da Duma instaram-no a abdicar. Os generais apoiaram a iniciativa. Nicolau II aquiesceu. E essa foi a Revolução Russa de março de 1917. Ela se realizou nas ruas de Petrogrado, sem líderes e sem qualquer programa. O tsar se foi. Quanto ao restante, nada mudou. As tropas continuavam a lutar toscamente no front. A máquina burocrática continuava a emitir ordens no vazio. Nas palavras de Trótski, o poder estava nas ruas. Durante o levante, foi constituído em Petrogrado um Soviete ou Conselho de Deputados Operários e Soldados, nos moldes do que ocorrera na Revolução Russa de 1905. Seus dirigentes eram socialistas moderados, bastante desejosos de não fazer nada que fosse ilegal. Eles solicitaram aos integrantes da Duma que assumissem o poder, e estes logo formaram um governo provisório. Embora fosse chamado de democrático, esse governo não tinha nenhum mandato popular, e contava com pouco apoio entre os habitantes. Simplesmente levou adiante o velho sistema, da mesma forma como o corpo de uma galinha continua a se mover pelo quintal depois de ter a cabeça cortada. Ninguém sabia para onde ir. Ao voltarem da Sibéria, os primeiros bolcheviques, entre eles Stalin, também acataram o poder do governo provisório e deram apoio patriótico à guerra. Longe, na Suíça, Lênin entrava em desespero. Em sua visão, uma grande oportunidade estava sendo perdida — oportunidade não apenas para uma revolução socialista na Rússia, mas para a eclosão de uma centelha capaz de detonar a revolução em toda a Europa. Se o povo russo pusesse (cid:224)m à guerra, os trabalhadores de todos os demais países beligerantes seguiriam o exemplo; haveria uma revolução generalizada, e o socialismo internacional se instituiria. Este era o ponto central da política de Lênin: revolução em toda a Europa, não apenas na Rússia. Seus seguidores bolcheviques não acompanhavam essa política, e ele não contava com nenhum tipo de apoio na Suíça. Por isso precisava, de alguma forma, voltar para a Rússia. O governo francês recusou-lhe autorização para cruzar seu território. Hesitante, Lênin fez um acordo com o Estado-Maior germânico e, acompanhado de outros trinta revolucionários russos, atravessou a Alemanha em um trem blindado. Em Petrogrado, não perdeu tempo. Encaminhou-se diretamente para o quartel-general dos bolcheviques e disse: “Defendo a realização de uma segunda revolução”. A proposta de Lênin foi derrotada por doze votos a um, sendo este último dele próprio. Ele simplesmente riu e a(cid:224)rmou: “O povo russo é mil vezes mais revolucionário do que nós”. Esse fato (cid:224)cou demonstrado pelos acontecimentos de julho, que marcaram o segundo ato da Revolução Russa. O I Congresso Pan-Russo de Sovietes reuniu-se em Petrogrado. Exatamente ao mesmo tempo, Kerenski, um socialista moderado que encabeçava o governo provisório, ordenou uma nova ofensiva contra os alemães. Essa ofensiva se revelou um erro catastró(cid:224)co. Grandes manifestações se realizavam em Petrogrado, pedindo o (cid:224)m da guerra e “todo poder aos sovietes”. Os dirigentes dos sovietes mandaram as pessoas voltarem para suas casas. Até mesmo Lênin reconhecia que a reivindicação era prematura. A população de Petrogrado se encontrava em clima de revolução, mas seu espírito ainda não ganhara o restante do país. Petrogrado estava isolada. Sem organização e sem uma liderança clara, as manifestações se esvaíram. Kerenski avaliou, então, que chegara a hora de pôr um (cid:224)m à revolução. Vários líderes bolcheviques foram presos. O mais proeminente deles era Trótski, que retornara dos Estados Unidos em maio e tinha acabado de aderir ao partido bolchevique. Seu nome acabaria por predominar nos acontecimentos seguintes. Lênin também preferia ser preso e lançar o desa(cid:224)o de um julgamento público. Mas contra ele pesavam fortes acusações de que seria um agente germânico. Seus colegas bolcheviques temiam que ele fosse assassinado na prisão, e por isso insistiam que se mantivesse escondido. Lênin foi para um vilarejo próximo, onde nadava em um lago e ajudava a cuidar do feno. Quando a polícia começou a fazer buscas, ele se mudou para Helsinque, a capital da Finlândia, então uma província autônoma do Império Russo. Ali, alojou-se na casa do delegado de polícia local, que era também bolchevique — um arranjo bastante conveniente. Lênin estava seguro, mas Helsinque (cid:224)cava a cinco horas de trem de Petrogrado. Ele era obrigado a acompanhar pelos jornais o que ocorria em Petrogrado e só podia exercer alguma in(cid:225)uência sobre os bolcheviques por meio de cartas e pan(cid:225)etos que escrevia. Ficava cada vez mais impaciente, inquieto. O fulgor revolucionário diminuía cada vez mais. Poucas pessoas ainda se preocupavam em participar das reuniões dos sovietes. O Soviete de Petrogrado, que ocupava um prédio maravilhoso no centro da cidade, foi deslocado para o Instituto Smolny, antigo colégio suburbano para as (cid:224)lhas da nobreza. Kerenski acreditava que logo conseguiria pôr fim à existência do soviete. Kerenski, porém, calculara mal. Encorajou o general reacionário Kornilov a marchar sobre Petrogrado e restabelecer a ordem. Mas foi surpreendido ao saber que Kornilov pretendia destruir não só os sovietes, como também o próprio governo provisório. Kerenski fez um apelo, então, aos trabalhadores de Petrogrado para que salvassem a revolução, ou seja, ele próprio. Os bolcheviques foram libertados das prisões. Trótski tornou-se o presidente do Soviete de Petrogrado, e um comitê militar revolucionário sob sua direção organizou a Guarda Vermelha — equipada, ironicamente, à custa do governo. O avanço de Kornilov sobre Petrogrado foi suspenso. Houve pequenos con(cid:225)itos. Os soldados de Kornilov simplesmente voltaram para suas casas ou passaram a integrar a Guarda Vermelha. Kornilov desapareceu na obscuridade e foi assassinado em março de 1918 durante a guerra civil. É nesse momento, meados de setembro, que começa o livro de Reed. De um lado estavam Kerenski e seu governo provisório, ainda editando ordens, ainda falando em nome da Rússia, mas com pouca autoridade no país e sem forças para reverter essa situação. Do outro lado, os bolcheviques agora tinham a maioria no Soviete de Petrogrado e em vários outros, inclusive o de Moscou. Controlavam a Guarda Vermelha. Mas não faziam uso desse poder. Com Lênin afastado, não sabiam como proceder. Pronunciavam discursos intermináveis. Alertavam as massas contra os perigos da contrarrevolução, que acreditavam estar iminente. Aguardavam, assim, dentro de um clima de tensão que Reed soube descrever muito bem. Em 28 de setembro, o comitê central do partido bolchevique se reuniu. Lênin, ainda na Finlândia, enviou uma “Carta de Afar”. Ele dizia: “Deveríamos de uma vez por todas começar a planejar os detalhes práticos de uma segunda revolução”. Os dirigentes bolcheviques, que tempos depois ostentariam sua intrepidez revolucionária — Trótski, Stalin, Zinoviev, Bukarin —, mostraram-se horrorizados com isso. Decidiram, por unanimidade, destruir todas as cópias da carta de Lênin. Por sorte, uma delas sobreviveu. Passavam-se as semanas. Lênin decidiu desa(cid:224)ar a orientação do comitê central de permanecer na Finlândia. Em 20 de outubro, ele volta para se instalar em um subúrbio de Petrogrado, onde permaneceria escondido. Para disfarçar, raspou todo o rosto e, no dia decisivo da revolução, falou ao soviete sem a usual barbicha ruiva. Em 23 de outubro, o comitê central voltou a se reunir no subúrbio onde Lênin estava — ironicamente, na casa de Sukhanov, um menchevique. A mulher de Sukhanov era uma bolchevique. Ela ligou para o marido e disse-lhe que, como estavam ambos muito cansados, ele deveria permanecer em Petrogrado e lá passar a noite. Lênin insistiu na necessidade de uma tomada imediata do poder; o comitê (cid:224)nalmente concordou, por dez votos contra dois, mas se deu conta de que não tinha nenhum papel para registrar a decisão. Lênin pegou um caderno escolar do (cid:224)lho de Sukhanov e redigiu a resolução a lápis em um pedaço de papel quadriculado. Já era madrugada. Alguém perguntou: “Bem, em qual dia será?”. Lênin, já se preparando para partir antes que as ruas começassem a clarear, respondeu, virando-se: “28 de outubro”. Em 28 de outubro, nada aconteceu. O soviete se reuniu como de costume. Discursos foram pronunciados. O dia passou assim. Lênin (cid:224)cou furioso. Convocou, então, uma nova reunião do Comitê Central, ampliada com os delegados das seções locais do partido. Mais uma vez, os bolcheviques votaram pela tomada do poder, agora para o dia 2 de novembro. Mais uma vez, nada aconteceu. Reed relata uma outra reunião no Smolny, em 3 de novembro, em que Lênin (cid:224)xava o dia 7 de novembro para a ação, data em que estava marcada a realização do II Congresso Pan-Russo de Sovietes. Nesse caso, a imaginação de Reed levou-o longe demais. Essa reunião, de 3 de novembro, nunca existiu. Lênin não reapareceu no Smolny até o (cid:224)m do dia 6 de novembro. É provável que ele tampouco houvesse de(cid:224)nido a data de 7 de novembro. Ele pressionava, a todo tempo, pela tomada imediata do poder em nome do partido bolchevique, e não dos sovietes. Os demais bolcheviques tinham menos con(cid:224)ança na capacidade do partido para angariar apoio su(cid:224)ciente e procuravam se esconder por trás do nome dos sovietes. Talvez Trótski, sendo presidente do Soviete de Petrogrado, voltasse um olhar mais favorável para os sovietes. Alguns bolcheviques até mesmo esperavam que não fosse necessária uma revolução. O Congresso Pan-Russo teria uma maioria bolchevique. A maioria elegeria um novo comitê executivo, controlado pelos bolcheviques, e esse comitê se tornaria, por sua vez, o próprio governo, quase que imperceptivelmente. Apesar da persistente incitação de Lênin, os bolcheviques não estavam, na verdade, preparados para assumir o poder. Os planos bolcheviques consistiam em estabelecer precauções defensivas para o caso de Kerenski tentar uma contrarrevolução e eram elaborados pelo comitê militar revolucionário, composto por três homens obscuros que não ocupavam posições de destaque no partido. Nenhum dos três tornou-se conhecido. Um deles morreu em um acidente automobilístico poucos dias após a tomada do poder; outro morreu durante a guerra civil; e o terceiro lutou na Espanha vinte anos depois e foi assassinado durante os expurgos promovidos por Stalin. Os líderes bolcheviques estavam muito ocupados fazendo discursos, em vez de planejar a revolução. Nenhum deles deu o empurrão de(cid:224)nitivo. Nem mesmo o próprio Lênin. O sinal para a revolução foi dado, de modo bastante estranho, pelo homem contra o qual o levante deveria ser dirigido: ninguém mais do que Kerenski, que encabeçava o governo provisório. Kerenski imaginava que conseguiria consolidar seu poder aparecendo como o guardião da ordem. Os eventos de julho ainda estavam vivos em sua memória. As massas,

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