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D:\Estudos Afro-Asiáticos\Estudos Afro Ano 25 nº 3 2003\Estudos Afro Ano 25 nº 3 2003.vp PDF

37 Pages·2004·0.18 MB·Portuguese
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O Milagre da Crioulização: Retrospectiva1 Richard Price Resumo Neste ensaio o autor expande, desenvolve e atualiza idéias origi- nalmenteelaboradasnoclássicoOnascimentodaculturaafro-americana, de 1973, no qual os autores propõem uma interpretação para o surgi- mento de formas culturais africano-americanas originais determinada pelocontextodasplantationsocieties.Aomesmotempoprocurarespon- deràscríticasdirigidascontraomodelodesenvolvidonesselivro.Ascrí- ticaspodemserassociadasà“viradadiscursiva”prevalecenteemmuitos estudoscontemporâneos,porumlado.Poroutro,seligamaumainter- pretaçãoengajadadopassadoafricano-americanoinformadaporteorias afrocêntricasoucríticasdasupremaciabrancaedoeurocentrismo. Palavras-chave:afro-americano,crioulização,negro,afrocentrismo,eu- rocentrismo,plantationsocieties. Abstract The miracle of blackening: retrospective Inthisessay,theauthordevelopsideasoriginallyshownin1973, in O Nascimento da Cultura Afro-Americana, in which the author proposes an interpretation of the original African-American cultural forms,determinedbytheplantationsocietiescontext.Anditalsotries toanswersomecriticsdirectedtothemodeldevelopedinthisbook.The criticsmightbeassociatedtotheprevailing"discursiveturning-point" in recent studies. On the other hand, the critics can be related to an interpretation engaged in the African-American past, nurtured by the theoriesthatbelieveinAfricaasthecenterofall("African-centrists")or Estudos Afro-Asiáticos,Ano 25, no3, 2003, pp.383-419 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas RichardPrice bycriticsofthewhitesupremacyandthetheorythatbelievesinEurope asthecenterofall("European-centrists") Keywords:African-American,blackening,Negro,Afrocentrism,Euro- centrism,plantationsocieties. Résumé Le miracle du métissage. Retrospective Dans cet essai, l'auteur répend, développe et actualise des idées élaborées à l'origine dans le livre classique "La naissance de la culture afro-américaine" , de 1973, dans lequel les auteurs proposent une interprétation pour le surgissement de formes culturelles afro-américaines originales qui sont déterminées par le contexte des "plantation societies". En même temps, il cherche à répondre aux critiquesdirigéescontrelemodèledéveloppédanscelivre.D'uncôté,les critiques peuvent être associées au "détournement discousif" qui prévaut dans de nombreuses études contemporaines; d'un autre côté, elles sont liées à une interprétation engagée du passé afro-américain informée par des théories afrocentriques ou par des critiques de la suprematieblancheetcelledel'eurocentrisme. Mots-clés:afro-américain,métissage,Noir,afrocentrisme,eurocentris- me,plantationsocieties. 384 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas U nsvinteanosatrás,quandoéramoscolegasnaUniversidade JohnsHopkins,SidMintzcostumavamedizerque,quando abria a boca para dizer alguma coisa num seminário, era comum termedodequedelasaíssemtraças.Aomeaproximardaidadeque eletinhanaépoca,começoaentenderdoqueestavafalando.Neste artigo, assumo a tarefa de expandir algumas idéias do ensaio que escrevi com Mintz em 1972 – que apresentamos em público em 1973, imprimimos em ofsete em 1976 e publicamos comercial- mente,comumnovoprefácio,comoOnascimentodaculturaafri- cano-americana, em 1992 (tradução em português, 2003). Esse prefáciodiscorreusobrepartedahistóriadaacolhidadadaàquele trabalho, observando que a publicação original foirecebida,emalgumasáreas,peloqueconstituiu—paranós—uma hostilidadesurpreendente,acompanhadapelaacusaçãodequenegavaa existênciadeumaherançaafricananasAméricas.Muitasdessasreações pareceram originar-se num desejo de polarizar os estudos afro-ame- ricanistas numa posição puramente “pró” ou “contra”, com respeito à preservaçãodeformasculturaisafricanas.Porexemplo,MervynAlleyne chamou-nosde“teóricosdacriação”,acusando-nosdeumaatençãoexa- gerada para com a criatividade cultural dos africanos escravizados no NovoMundo;noentanto,seuprópriolivrochegaaconclusõespróxi- masdasnossas.DanielCrowleycriticouduramenteolivrodeSallyeRi- chard Price, Afro-American arts of the Suriname rain forest [Artes afro- americanas da floresta tropical do Suriname], que desenvolve a aborda- gemconceitualnumcontextohistóricoespecífico,eoacusoude“exage- rar extravagantemente uma boa argumentação”. Joey Dillard conside- rouosautorescomo“não[estando]completamentedoladodosanjos”e tendo argumentos “controvertidos, se não decididamente heréticos”. (Mintz&Price,2003:7-8) Nos últimos anos, desde que aquele ensaio atingiu um pú- blicomaior,essascontrovérsiasseintensificaram.Naverdade,des- cubro-meagora(assimcomoameutrabalho,incluindo,masdifi- cilmente limitando-se ao ensaio de M&P) mais enredado do que nunca numa série de debates, às vezes ásperos. Minha intenção, nesteartigo,étentardefiniralgumasdasquestões,esclareceroque 385 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas RichardPrice estáemjogoemtermosteóricosemetodológicosesugerirmanei- raspelasquaisalgunsaspectosdo“modelodeM&P”poderiamser usados com proveito na exploração contínua do passado africa- no-americano.2 Foi entre os historiadores da escravidão norte-americana queessasquestõesentraramrecentementenumdebatemaisacalo- rado (talvez pelo fato de os historiadores norte-americanos da es- cravidãohaveremchegadomuitorecentementeaoestudodo“pro- cesso”).Comoagoraficouclaro,muitasdasobrascanônicassobre a escravidão e as comunidades de escravos nos Estados Unidos – por exemplo, Blassingame (1972), Genovese (1974), Rawick (1972) – trataram essa “instituição peculiar” de modo predomi- nantemente sincrônico, baseando suas interpretações quase que exclusivamente no histórico oitocentista anterior à guerra, que é sedutoramente rico. Nos últimos anos, contudo, praticamente umaenxurradadelivrosdehistóriatem-sededicadoaodesenvolvi- mento da escravidão norte-americana, desigual e variável confor- mearegião,eboapartedodebatevoltou-separaosaspectosmutá- veisdavidaculturaldosescravos.Osseguintestiposdeperguntas (antesantropológicas)vêmhojesendoformulados,comfreqüên- cia cada vez maior, pelos historiadores norte-americanos: quão “etnicamente” homogêneos (ou heterogêneos) eram os africanos escravizadosquechegaramalocalidadesespecíficasequaisforam as conseqüências culturais disso? Quais foram os processos pelos quais esses africanos tornaram-se africano-americanos? Com que rapidezedequemaneiraosafricanostransportadosparaasAméri- cas como escravos, bem como seus descendentes africano-ameri- canos,começaramapensareagircomomembrosdenovascomu- nidades–istoé,quãorápidafoiacrioulização?Dequeformasos africanosrecém-chegadosescolheram–econseguiram–darcon- tinuidade a determinados modos de pensar e de agir que vinham do Mundo Antigo? Como foi que os vários perfis demográficos e condiçõessociaisdasplantationsdoNovoMundo,emdetermina- das épocas e lugares, incentivaram ou inibiram esses processos? Até mesmo um exame superficial de obras tão discutidas como Manythousandsgone,deIraBerlin,Exchangingourcountrymarks, deMichaelGomez,Slavecounterpoint,dePhilipMorgan,ouAfri- caandAfricansinthemakingoftheAtlanticworld,1400-1800,de John Thornton – todos publicados nos últimos anos – mostra a quepontoessasperguntas,subitamente,tornaram-seimportantes e polêmicas para os que praticam a História norte-americana. 386 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas OMilagredaCrioulização:Retrospectiva Umsegundoconjuntodequestões—deinteressereconhe- cidamentemenorparaoshistoriadorespropriamenteditos–veio àbaila,demodosumamentevigoroso,numensaiodoantropólo- gojamaicanoDavidScott(1991),quesugerequeosantropólogos dedicados ao estudo da afro-América devem desviar a atenção do esforçoinútil,etalvezatémoralmentesuspeito,deexpor,verificar ou corroborar “passados africano-americanos autênticos” (“o que realmente aconteceu”) e, em vez disso, concentrá-la em como os africano-americanos de várias partes do hemisfério contemplam seu passado e falam e agem em termos dele.3 Nosso foco, diz ele, deveria incidir sobre a “tradição” – por exemplo, os modos como osafricano-americanosempregama“África”,a“escravidão”ou“a Rota do Meio” “na construção narrativa de relações entre passa- dos,presentesefuturos”(p.278).“Queespaço”,dizelequedeve- ríamos perguntar, “ocupam a África e a escravidão na economia política do discurso local?” (p. 279). Em suma, deveríamos con- centrar-nos no “discurso” e nas realidades que ele cria, em vez de fazervãstentativasdereconstituir“eventos”.Aolongodoensaio, ScottusaotrabalhodeMelvilleHerskovitsemeulivroFirst-Time (1983a)comoexemplosdeduasetapasdaquiloquevêcomouma busca antropológica unitária. “Não admira”, diz ele, que a antro- pologia africano-americana “manifeste uma profunda inclinação humanistaparaumahistóriadascontinuidades,equeabraceata- refa convicta de demonstrar a integridade e a inalterabilidade do velhononovoedopassadonopresente”(p.262).E,nessanarrati- va,“África”e“escravidão”constituemospontosdereferência.“Na economiadiscursivaounarrativadessaproblemáticaantropológi- ca, escravidão e ‘África’ funcionam como termos praticamente in- tercambiáveis,ou,ditodeoutramaneira,aescravidão,naobrade Price, passa a exercer o mesmo trabalho retórico-conceitual que a África na obra de Herskovits” (p. 263). “Ambos”, prossegue ele, “giram em torno de uma clara tentativa de relacionar as ‘culturas’ dosex-africanos/ex-escravoscomoquepoderíamoschamardeum passadoautêntico,ouseja,umpassadoantropologicamenteiden- tificável,etnologicamenterecuperáveletextualmenterepresentá- vel” (p. 263).4 Seja qual for o incômodo de Scott diante dessa narrativa- mestradacontinuidadeedaideologiaqueeleacreditaser-lhesub- jacente,nãoparecehaverdúvidadequeoshistoriadoresdaescra- vidão,assimcomoosantropólogosafro-americanistas,emgerala têmendossado.Aliás,eudiriaqueessaéumanarrativaquintessen- cialmentenorte-americana(estadunidense),proveniente,empar- 387 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas RichardPrice te,dasespecificidadesdoracismonorte-americano,enãodeuma especificidade estritamente antropológica. Eu gostaria de distinguir e examinar duas versões rivais do queScottentendeporumaúnicanarrativa-mestra,poiscreioque persiste uma distância considerável e significativa entre a exposi- çãodospassadosdeSaramacafeitapelosHerskovitseseafeitape- losPrices,ouentreadescriçãododesenvolvimentodavidaescra- va, na América do Norte colonial, formulada por John Thornton ouMichaelGomezeaformuladaporIraBerlinouPhilipMorgan. Eutambéminsistiria,paraoobjetivoatual,emqueessasversõesri- vaisdetalnarrativa-mestradacontinuidadediferemsignificativa- mente—nosplanosideológico,metodológicoeteórico.Maisadi- ante,tentareisugerircomosepoderiacombinarofocodeScottno discursocomuminteressepelahistóriamaistradicional,afimde gerar uma abordagem antropológica dos passados afro-america- nosquesejaaumtemposólida,rigorosaeideologicamentedefen- sável. (cid:1) (cid:1) (cid:1) A Versão Número Um contemporânea da narrativa-mestra dacontinuidadeémilitantementeafrocêntrica,enfatizandoopa- pelcontínuodasetnicidadesafricanasnasAméricas,e,muitasve- zes, é explicitamente montada contra as teses do ensaio de M&P. Tomodoislivrosrecentescomoexemplos:odeGomez,de1998,e odeThornton,de1998a.Primeiro,porém,eugostariadeprepa- raroterrenocomalgunsexcertosdeumtextomaisprogramático de Paul Lovejoy (1997), que capta o sabor do discurso: Aperspectiva“afrocêntrica”superaumadeficiênciafundamentalnahis- tóriadosafricanosnasAméricas,talcomoanalisadapormuitoshistoria- doresdaescravatura,emparticularosqueseidentificamcomomodelo de“crioulização”desenvolvidoporSidneyMintzeRichardPrice.[...]O focoprovenientedaÁfricaimplicaquenemtodososescravosqueforam paraasAméricasforamcompletamentedesarraigados[,]comopresume omodeloda“crioulização”.[...]Asimplicaçõesdessassuposiçõesafrica- nistasformamumnítidocontrastecomasda“escoladacrioulização”, quenegaimplicitamenteapossibilidadedevínculossignificativoscontí- nuos,emboraintermitentes,entreaÁfricaeadiáspora.[...]Omodelo crioulopresumequeahistóriaafricananãoatravessouoAtlântico,por- queapopulaçãoescravizadatinhaorigensdiversasdemaisparasustentar ascontinuidadesdahistória.Adisjunçãoéoconceito-chave.[...]Porca- usadessesantecedentesdespersonalizados,sóos“princípiosculturaisde nívelprofundo”sobreviveramàtravessiadoAtlântico.[...][Deacordo comomodelodacrioulização,]acrioulizaçãoresultounarápidaassimi- 388 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas OMilagredaCrioulização:Retrospectiva laçãodosescravosafricanosna“nova”culturahíbridaqueevoluiunas Américas.AorejeitarapreocupaçãodeHerskovitscomos“remanescen- tes”,[...]MintzePriceeseusprotegidossubscrevem,naverdade,avisão deE.FranklinFrazierdequeaculturadasAméricasera“nova”.[...]Para oscrioulistas,[...]“crioulo”significava,inevitavelmente,a“europeiza- ção”dosescravosoprimidos.[...]Eudiriaqueoconceitodecriouliza- ção,talcomocostumaseraplicado,éeurocêntrico,enfatizandooquan- toaculturaafricanafoisubsumidaeamalgamada,duranteaescravidão, num molde “americano” que reforçou a dominação das pessoas de as- cendênciaeuropéia.[...]OprocessodeadaptaçãoeinvençãonasAméri- cas,talcomoentendidoporMintz-Price,pressupõeadestruiçãodascul- turasafricanas.[...]AconcentraçãonasAméricas,queéexplícitanaste- oriasdacrioulização,efetivamenteneutralizaahistóriaafricana.[...]A perspectivadasAméricas,talcomoconcebidapelaescoladacriouliza- ção,comumentefazumarepresentaçãoequivocadadaÁfricae,arigor,é anistórica.(Lovejoy,1997:1,2,4,6,7,16) Ameuver,essaretórica“afrocêntrica”queestáemvogahoje emdia5serve,infelizmente,parapolarizareinflamar—pelacria- çãode“escolas”,pelainsistêncianavisãosuperiordosafricanistas e pelas distorções crassas do “modelo” de M&P —, desviando es- tudiosos e alunos dos desafios propriamente históricos que nos confrontam. AhistóriaquenoscontaMichaelGomezemExchangingour country marks: the transformation of African identities in the colo- nial and Antebellum South (1998) segue a tradição nacionalista cultural de Slave culture, de Sterling Stuckey (1987), porém mo- duladaporumconhecimentomuitomaispormenorizadodaÁfri- ca.Agrandeafirmaçãodolivroéque,“Doperíodocolonialatéo período que antecedeu a Guerra da Secessão, os africanos passa- ramaospoucosporumprocessomedianteoqualabasedeseuau- toconceito transferiu-se da etnicidade para a raça” (Gomez, 1998:242). Mas essa afirmação anódina é complementada por inúmerashistorietaseexemplos,destinadosapromoverahipótese de que determinadas etnicidades africanas desempenharam um papel mais determinante — e por um período muito mais longo —navidadosescravosnorte-americanosdoquesesupunhaante- riormente. Para citar um exemplo típico, Gomez escreve que AnnaMiller,deFrogtowneCurrytown,noslimitesocidentaisdoSavan- nah,tambématestou,nadécadade1930,queváriosdostrabalhadores maisvelhosdaplantationdeButlerIslandfalavamuma“línguaengraça- da”.TonyWilliamDelegal,quetinhamaisdecemanosnaépoca,sabia atécantarumacançãoafricana.[...].OprópriofatodeDelegal(umafor- madeSenegal?)conseguirrecordaraletraéumtestemunhodequeas 389 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas RichardPrice línguas africanas foram mantidas vivas pelos nascidos na África e, em certassituações,transmitidasaosdescendentes.6(ibidem:174). Taishistorietaseexemplossãorespaldadospeloquemepa- recemserafirmaçõesbastanteinfundadas(e,emgeral,nãohistori- cizadas e não regionalizadas). Por exemplo, Háindíciossuficientesparademonstrarquemuitosafricanos,senãoa maioria deles, continuaram a falar suas línguas nativas na América do Norte.[...]Nãohácomprovaçãosólidaquecorroboreaidéiapopularde queosafricanosrecém-chegadosdeumamesmaetnicidadeouáreade origem eram separados. Ao contrário, há todas as razões para crer que erammantidosjuntos.[...]Nafaltadeinformaçõescapazesdecorrobo- rar as divisões intra-étnicas como um fenômeno geral, pode-se apenas postular a probabilidade de que os cativos vindos de uma mesma área fossemcompradoseinstaladosjuntos.[...]Emqualquerépocaanteriora 1830,épossívelque2/3a3/4detodososescravosnascidosnaÁfricanão soubessemfalarounãofalassemuminglêsoufrancêsreconhecíveis.Isso significaqueoufalavamunscomosoutrosemsuaslínguasnativas,ou usavamumaversãotãoafricanizadadoinglês/francêsqueelaeraininte- ligívelparaosbrancos,ouambasascoisas.[...]AretiradaparaoMaroon foi uma tentativa de recriar a África nos charcos e nos recônditos da Américae,comotal,teriaacarretadoumcertograudereafirmaçãodaet- nicidade.[...]Em1720,portanto,acomunidadeescrava[daAméricado Norte],paratodososfinspráticos,eraafricana.[...]Durantetodoope- ríodocolonial,avastamaioriadosescravosnascidosnaÁfricaesuaprole continuaram a praticar diversas religiões africanas. [...] O desenvolvi- mento da sociedade africano-americana até 1830 foi, essencialmente, produtodascontribuiçõesfeitasporgruposétnicos[africanos]específi- cos.(ibidem:172,173,180,184,194,246e291) Valeapenanotarqueosdesafiosenfrentadospelosescravos, talcomoGomezosretrata,soammuitoparecidoscomosevocados por M&P, por exemplo: Nodecorrerdainteraçãodeafricanoscomafricano-americanos,houve muitosdadosaseremnegociados.Aspreocupaçõesdodia-a-diaforneci- am o arcabouço para grande parte do intercâmbio. As mulheres e ho- mens dos dois lados do Atlântico discutiriam, necessariamente, quais eramasmelhoresmaneirasdecriarosfilhoseinstilardisciplina,ocuida- doadequadocomosidososeenfermos,osmelhoresmétodosdepescae oqueconstituíaumacondutarespeitávelnapresençadosmaisvelhos. [...]Ouseja,osnegrostiveramquerecriarsuasociedade,suavidaíntima coletiva,recorrendoaumsem-númerodeparadigmasétnicosereceben- doinformaçõesdacrisevigente.(ibidem:14-15) Mas o entendimento de Gomez sobre como os escravos en- frentaram esses desafios difere radicalmente do modelo de M&P, 390 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas OMilagredaCrioulização:Retrospectiva enfatizandosistematicamenteapersistênciadeetnicidadesafrica- nas (quase essencializadas). Seus mapas detalhados da África oci- dental e central, com os supostos destinos de várias etnicidades africanasnaAméricadoNorte,esquivam-sejustamentedasques- tões que, a meu ver, os historiadores deveriam explorar com a mente mais aberta possível. Para mim, a organização do livro de Gomez–comcapítuloscentraisdedicadosaodestinoquetiveram nasAméricas,primeiro,aspessoasprovenientesdoSenegâmbiae dogolfodeBenin,depois,osafricanosislâmicos,osserra-leoneses eacãse,porúltimo,osiboseosafricanosdoCentro-Oesteafrica- no–constituiumahipótesequecontinuanãocomprovadaeque, emmuitoscasos(algunsdosquaisdevemficarclarospelascitações acima), contraria inteiramente os fatos. O ponto em que Gomez mostraomelhordesi,ameuver,énamanutençãodaênfasenaim- portância da hegemonia e da subjugação – e resistência –, ao ex- plorar o desenvolvimento da cultura africano-americana e ao nos lembrarque,muitasvezes,osafricano-americanos“engajavam-se mais em estilos de vida multiculturais do que sincréticos” (ibi- dem:10). John Thornton, em Africa and Africans in the making of the AtlanticWorld,1400-1800,reiteraoapeloaumaperspectivaespe- cificamenteafricanistasobreodesenrolardaetnicidadeemlugares e períodos particulares nas Américas. Não obstante, seu material meparecemuitomaisconvincentenoqueconcerneàÁfrica–so- bretudo o Centro-Oeste africano – do que às Américas. (Aliás, a primeiraediçãodeseulivrofoipioneiranademonstraçãodocará- ter disseminado e da importância da movimentação de pessoas e idéias,dastrocasinterculturaisedeváriostiposdesincretismose crioulizações – ora envolvendo os invasores e comerciantes euro- peus,oranão–dentrodaprópriaÁfrica.)AosevoltarparaasAmé- ricas,entretanto,Thorntoncomeçaaescreverexplicitamentecon- traomodelodeM&P,afirmandoqueeleretrata“amisturaresul- tante” como “nitidamente européia e voltada para a Europa, com oscomponentesafricanosalhedarmaissabordoquesubstância” (Thornton,1992a:184).E,notocanteàquestãocrucialdahetero- geneidade cultural dos africanos importados pelo Novo Mundo, embora assinale que, “de modo geral, as pesquisas modernas vêm tendendo a ladear com Mintz e Price, que afirmam ter havido grandes diferenças entre as culturas do litoral atlântico da África” (idem),Thorntonprocuramostrarqueissorepresentaumexagero equeosafricanos“nemdelongeeramtãodiversificados,aponto decriarotipodeconfusãoculturalpostuladapelosquevêemadi- 391 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas RichardPrice versidadeafricanacomoumabarreiraaodesenvolvimentodeuma cultura americana baseada na África” (ibidem:187). (É escusado dizer que nem Mintz nem Price jamais imaginaram ter havido uma“confusãocultural”,tampoucoqualquerdelesjamaisviuadi- versidade como uma “barreira”. Antes — e, neste ponto, falo ex- plicitamente por mim —, apresentei sistematicamente a diversi- dadeculturalafricanacomoumincentivoaosincretismoeàcriouli- zação inter-africanos.) Thornton afirma ainda que, nas grandes plantations das Américas, “os escravos, tipicamente, não tinham dificuldade de encontrar membros de sua própria nação com quemsecomunicar”(ibidem:199),eque“otráficodeescravosea transferência subseqüente para as plantations do Novo Mundo, portanto,nãoforamumprocessotãoaleatórioquantoopostulado pelosqueafirmamqueosafricanostiveramquepartirdozero,em termosculturais,aochegaremaoNovoMundo”(ibidem:204).Eu gostaria de observar que a idéia de os afro-americanos haverem “partido do zero” não é uma posição endossada por ninguém há décadas,adespeitodaafirmaçãodeLovejoy(citadaacima)deque “Mintz e Price e seus protegidos subscrevem, na verdade, a visão deE.FranklinFrazierdequeaculturadasAméricasera‘nova’”. Na versão do Panorama Geral fornecida por Thornton, a Áfricaimperatriunfal,sistematicamente.Porexemplo,eleescreve que ÀsvésperasdarevoluçãodeSãoDomingos,émuitoprovávelqueoqui- congo também fosse a primeira língua mais comumente falada, ou se- guissemuitodepertoofrancês.Naverdade,oslíderescrioulosdarevo- lução de 1791 queixavam-se de que a maioria de seus seguidores “mal conseguiaentenderduaspalavrasdefrancês”(ibidem:321). Mas, de uma perspectiva americanista, seria útil assinalar que as opções de fala dessas pessoas não eram uma simples língua maternaafricanaouofrancês.Aliás,emsuagrandemaioria,esses haitianosdeviamfalarunscomosoutrosemsuapróprialínguaco- mum—nemoquicongonemofrancês,masumanovalínguaque eles(easgeraçõesdeescravosafricanoseseusdescendentesqueos precederam) haviam criado em São Domingos: o crioulo haitia- no.7 Eugostariadeassinalaratendênciadosproponentesdapos- turaafrocêntricaadesconhecer,sistematicamente,amassadeda- doscontráriosquecontinuamaseacumularemtodasasAméricas (inclusiveotrabalhofeitoporSallyeeusobreacrioulizaçãorápida do Suriname). Aguardei com grande expectativa a publicação da 392 RevistaEstudosAfro-Asiáticos 1ªRevisão:24.05.2004–2ªRevisão:30.06.2004–3ªRevisão:23.07.2004 Cliente:BethCobra–Produção:Textos&Formas

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de Michael Gomez, Slave counterpoint, de Philip Morgan, ou Afri- ca and Africans in the making of O Milagre da Crioulização: Retrospectiva. 387
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