UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA Democracia e Liberdade de Expressão Contribuições para uma interpretação política da liberdade de palavra Júlio César Casarin Barroso Silva Orientador: Prof. Dr. Álvaro de Vita. São Paulo, 2009 Júlio César Casarin Barroso Silva Democracia e Liberdade de Expressão Contribuições para uma interpretação política da liberdade de palavra Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do grau de Doutor Orientador: Prof. Dr. Álvaro de Vita. São Paulo 2009 Nome: Silva, Júlio César Casarin Barroso Título: Democracia e Liberdade de Expressão: Contribuições para uma interpretação política da liberdade de palavra Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Ciência Política Aprovado em: __________________________________________ Banca Examinadora Prof. Dr. _____________Instituição: ______________ Julgamento: ___________ Assinatura: ______________ Prof. Dr. _____________Instituição: ______________ Julgamento: ___________ Assinatura: ______________ Prof. Dr. _____________Instituição: ______________ Julgamento: ___________ Assinatura: ______________ Prof. Dr. _____________Instituição: ______________ Julgamento: ___________ Assinatura: ______________ Prof. Dr. _____________Instituição: ______________ Julgamento: ___________ Assinatura: ______________ Para Lara. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar ao Professor Álvaro de Vita, não só pela preciosa orientação neste trabalho, mas também pela confiança depositada em mim. Ao CNPq, pela bolsa de estudos que financiou parte da pesquisa, e sem a qual este tese certamente não teria sido escrita. Aos Professores Adrian Gurza Lavalle e Cícero Araújo, pelas críticas e sugestões no exame de qualificação, fundamentais para a conclusão desta tese. A Cícero agradeço ainda pelas valiosas sugestões bibliográficas, as quais me ajudaram a sair do labirinto. Aos funcionários do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, especialmente à Raí, à Vivian e è Ana, pela boa vontade com que tantas vezes me ajudaram a passar pelos tortuosos caminhos da burocracia acadêmica. A todos os amigos de cuja companhia desfrutei imensamente e que tanto me ensinaram nestes anos todos, especialmente a Gatti, João, Maria e Fran. A Alexandre, Rassi e Irene, agradeço ainda pela imensa solidariedade que neles encontrei. E aos amigos argentino-brasileiros Hugo, Eleonora, Marcelo, Mercedes, Javo, Simone e Sergio, um agradecimento especial pelos últimos sete anos de convivência constante, fecunda, afetuosa e bem-humorada. A minha mãe, Judith, e a meus irmãos César e Dayse, pelo apoio incondicional e por me terem ensinado a amar o mundo. À Lara, por supuesto, em cuja companhia tudo se reinventa e adquire sabor novo. i “Hay em mis venas gotas de sangre jacobina, pero mi verso brota de manantial sereno.” Antonio Machado ii RESUMO Este trabalho debate o significado da liberdade de expressão à luz da teoria política normativa e da instrumentalidade dessa liberdade para a política democrática. Como instrumento da democracia, a liberdade de palavra costuma ser justificada com base na sustentação de dois objetivos: primeiramente, o de promover um debate público robusto e diversificado; em segundo lugar, o de ser um veículo para a realização da igualdade política. Os defensores da perspectiva que aqui analisamos –chamada de coletivista-- afirmam que a realização desses objetivos só é possível se a liberdade de expressão é institucionalizada 1)levando em conta não só os interesses expressivos dos indivíduos (seu direito de falar), mas também os interesses expressivos do demos (o interesse a ter acesso a um conjunto diversificado de discursos); e, 2) superando o entendimento da liberdade de expressão como liberdade que se garante exclussivamente contra o Estado. Ao abrir as portas para a discussão de problemas como o estabelecimento de mecanismos de acesso aos meios de comunicação de massa, o poder corrosivo do dinheiro sobre a deliberação pública e os efeitos de expressões de ódio sobre a igualdade política, a teoria coletivista sobre a liberdade de expressão dá ensejo a uma reflexão sobre os diversos significado da igualdade na arena pública. Palavras-chave: liberdade de expressão, direitos; Constituição, democracia, iii ABSTRACT This thesis debates the significance of freedom of speech as a problem of normative political theory and as an instrument of democratic politics. Under this light, free speech is commonly justified as a way toward two specific goals: promoting a strong and diversified public deliberation and promoting political equality among the citizens. The perspective we consider here --called “collectivist”—says that unless we are prepeared to consider free speech not only as a negative liberty, but as a positive one, and thet unless free speech is understood not only as as a right of individuals (interest in speaking), but also as right of the community (interest in hearing diverse points of view), its goals will not be achievable. Discussing themes like acces to the media, the corrosive money’s effects on public deliberation and the effects of hate speech on political equility, the collectivist theory reflects on the meanings equiality at the political forum. Key words: free speech, rights, Constitution, democracy. iv Sumário INTRODUÇÃO.....................................................................................................1 CAPÍTULO I – Entre o Espírito e a Letra: alguns problemas de interpretação constitucional.....................................................................................................5 1.1 O Literalismo.............................................................................................6 1.2 A volta às origens – A escola originalista de interpretação constitucional.........12 1.3 Entre a letra, a história e os princípios........................................................21 CAPÍTULO II – A evolução histórica da liberdade de expressão nos Estados Unidos...27 2.1 O começo de tudo: O Bill of Rights.............................................................27 2.2 A Lei contra a Sedição de 1798..................................................................31 2.2.1.Características gerais do sistema de britânico de Common Law................39 2.2.2 A liberdade de expressão na tradição de Common Law............................40 2.2.3. O Argumento “Democrático” de James Madison.....................................48 2.3 O Século XIX...........................................................................................55 2.4 Os casos envolvendo a Lei contra a Espionagem ..........................................65 2.4.1 O Caso Masses e outros casos da primeira instância................................65 2.4.2 Na Suprema Corte – Três Casos Unânimes.............................................69 2.4.3 Na Suprema Corte – Os primeiros dissensos ..........................................75 2.5 Entre os anos 20 e a Segunda Guerra Mundial.............................................84 2.6 A Guerra Fria...........................................................................................89 2.7 A Primeira Emenda Contemporânea – a política no centro da proteção constitucional................................................................................................94 2.7.1 Casos mais importantes ......................................................................94 2.8 Principais características do sistema contemporâneo de liberdade de expressão ................................................................................................................. 102 CAPÍTULO III – O Coletivismo de Alexander Meiklejohn....................................... 106 3.1 Introdução ............................................................................................ 106 3.2 Liberdade de expressão como liberdade política......................................... 113 3.2.1 A interpretação coletivista da Primeira Emenda .................................... 116 3.2.2 Algumas críticas ao coletivismo.......................................................... 124 CAPÍTULO IV – Questões contemporâneas......................................................... 136 4.1 Introdução ............................................................................................ 136 4.2 O ódio como problema político: racismo, homofobia e misoginia .................. 140 4.2.1 Casos-chave envolvendo racismo e expressões de ódio......................... 141 4.2.2 Os códigos universitários de regulação da expressão............................. 144 4.2.3 Neutralidade, igualdade política e liberdade de expressão...................... 145 4.3 A posição da Suprema Corte sobre pornografia e obscenidade..................... 162 4.3.1 A perspectiva antipornografia............................................................. 167 4.3.2 As Ordenações antipornografia de Mineápolis e Indianápolis................... 171 4.3.3 A Suprema Corte Canadense e a pornografia ....................................... 172 4.3.4 O debate sobre a pornografia............................................................. 175 4.4 Dinheiro fala? Financiamento de campanhas políticas, igualdade e liberdade de expressão................................................................................................... 186 4.4.1 O “valor equitativo das liberdades políticas”......................................... 199 4.5 A regulação de acesso aos meios de comunicação...................................... 202 4.5.1 A Doutrina da Equidade (Fairness Doctrine)......................................... 202 4.5.2 A discussão sobre Red Lion................................................................ 206 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 225 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:...................................................................... 232 v INTRODUÇÃO O presente trabalho conta com quatro capítulos, uma conclusão, além desta introdução, claro. Nosso tema é a liberdade de expressão. É verdade que, além de ser um escopo demasiado amplo, não se trata de um tema intelectualmente pouco percorrido. Rios de tinta já se destinaram à tarefa de compreender e delinear essa liberdade pública. Mas não temos notícias de um trabalho brasileiro em nível de doutorado que explore uma vertente teórica da liberdade de expressão que aqui chamamos de coletivista, seja para assumi-la como objeto, seja para, num grau de compromisso maior para com ela, reivindicar sua perspectiva. Tentamos aqui preencher essa lacuna, tratando de repassar algumas das principais formulações do coletivismo e de problematizar sua valiosa perspectiva. Portanto, o coletivismo tem uma dupla função na tese: ao tempo em que circunscreve o âmbito da investigação, confere-lhe certo grau de ineditismo. Para discutir a vertente coletivista de interpretação da Liberdade de Expressão, contudo, foi preciso ir ao terreno e ao contexto em que a discussão se dá. Fazê-lo, no entanto, agrega dois outros elementos de circunscrição a nosso tema. Um, de caráter geográfico: os Estados Unidos. Outro, de caráter disciplinar: o direito constitucional. O coletivismo oferece uma interpretação específica da Constituição estadunidense, centrando sua atenção na Primeira Emenda, que, como se sabe, estabelece o princípio da liberdade de palavra naquele país. Apesar do âmbito nacional e disciplinar restrito de discussão do princípio, a autocompreensão sobre a liberdade de expressão aí gestada – bem como de suas conexões com princípios democráticos mais amplos – está longe de ser paroquial. O refinamento do atual debate sobre a liberdade de expressão que tem lugar nos Estados Unidos fornece subsídios teóricos para o entendimento do tema em abstrato, capaz de interessar, em seus princípios, a qualquer sociedade que aspira ao ideal de autogoverno coletivo, e serve como antídoto aos particularismos a que nos referimos. O debate é apropriado por nós como um debate sobre as relações entre liberdade de expressão e democracia. Em um nível um pouco 1
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