Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Línguas Portuguesas DE ARMAS NA MÃO: PERSONAGENS-GUERRILHEIROS EM ROMANCES DE ANTONIO CALLADO, PEPETELA E LUANDINO VIEIRA. Luiz Maria Veiga Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: profa. dra. Rita de Cássia Natal Chaves São Paulo 2015 1 VEIGA, Luiz Maria. De armas na mão: personagens-guerrilheiros em romances de Antonio Callado, Pepetela e Luandino Vieira. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Letras. Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr. _____________________________________________________________ Instituição: ___________________________________ Assinatura: ___________ Prof. Dr. _____________________________________________________________ Instituição: ___________________________________ Assinatura: ___________ Prof. Dr. _____________________________________________________________ Instituição: ___________________________________ Assinatura: ___________ Prof. Dr. _____________________________________________________________ Instituição: ___________________________________ Assinatura: ___________ Prof. Dr. _____________________________________________________________ Instituição: ___________________________________ Assinatura: ___________ 2 Para Cristina, Pilar e Ana Leopoldina, sempre Para Cristina Carlettti Em memória de Nicolau Sevcenko (1952-2014) 3 Agradecimentos Para a professora Rita Chaves, pela capacidade de me converter às literaturas africanas, abandonando (mas não completamente) Camilo Castelo Branco, pelas aulas sempre argutas e divertidas, pelas aulas especialíssimas em que nos recebeu generosa e calorosamente em sua casa, aulas seguidas por jantares tipicamente angolanos (ou moçambicanos) para que pudéssemos sentir ainda melhor o sabor da literatura. E também ao professor José Luís Cabaço, um igualmente gentil intelectual e anfitrião. Para Regina Lopes Martins, sem sua boa vontade e disposição para vasculhar o arquivo morto da documentação dos antigos alunos do Américo de Moura e conseguir uma cópia do meu histórico escolar do segundo grau, não teria havido nem matrícula na graduação, que dirá mestrado ou doutorado. À CAPES, pela bolsa, sem a qual este trabalho não teria sido realizado. Ao amigo, o professor Martin Cezar Feijó, responsável involuntário por boa parte deste trabalho ao me apresentar, há mais de quarenta anos, Quarup e Bar Don Juan. À professora Tania Celestino de Macedo em sua condição de orientadora informal, pela convivência na graduação, nos cursos da pós, como estagiário, pelos livros generosamente oferecidos, pela presença constante nesta trajetória acadêmica, participando da qualificação e defesa do mestrado, da qualificação e defesa do doutorado. À professora Anita Martins Rodrigues de Moraes, também presente nesta trajetória desde a qualificação de mestrado, até pelas ladeiras de Ouro Preto. Será uma honra poder contar com sua leitura minuciosa e atenta do trabalho. À professora Leila Hernandez, pelas úteis observações sobre a abordagem do contexto histórico na qualificação deste trabalho. À amiga, e agora professora doutora, Andrea Cristina Muraro, camarada do mato e do Monte e agora do Ceará, deste camarada Lâmpada siempre a sus órdenes. Aos colegas da pós-graduação, agora já todos doutores ou a caminho disso, com quem ainda compartilhei a condição de estudante pela instigante convivência intelectual e pela divertida convivência da amizade. Ponho aqui os nomes de Debora Leite David, a generosa compradora e portadora de vários pacotes de livros em Portugal, o de Nazir Can, com as saudações do tuga ao monhé, e também o de Luzia Carvalho de Barros, com quem compartilho o amor pela literatura já há muito tempo. À amiga e professora Maria Sílvia Betti, pela sempre generosa boa vontade. Para Enid Yatsuda Frederico e Celso Frederico, pelos muitos anos de generosa amizade. Para Virginia Ishibe e Jiro Takahashi, pela amizade, pela educação na cozinha japonesa, pelo amor aos livros. 4 Para Vera Lúcia Simão de Melo, sempre, desde aquela já distante primeira série do ginásio (era assim que chamava na época) a nossa inesquecível professora de História. Para Jorge Carlovich Filho, mais que um médico, um verdadeiro quimbanda, no melhor sentido da palavra. E no capítulo dos médicos, ao doutor Marcelo Hisano e à toda equipe da Urologia do Hospital das Clínicas com quem tive contato em maio de 2011, e a quem devo estar completando este doutorado em boa saúde. Para Daína e Raul, uma nova amiga e um amigo velho com quem compartilho o amor aos livros e à sátira do mundo à nossa volta. Para Luiza e Fabinho, amiga nova e amigo velho, anfitriões generosos, e também para Vicente de Oliveira Luiz, na esperança de que ainda nos juntemos todos em Cunha. À memória de minha mãe e de meu pai, e a todos os ancestrais que lá estão à nossa espera. Para dona Anna, dona Carmem e Marília, família de adoção. Às minhas irmãs e à minha sobrinha, por fazerem parte da minha história de vida. Para Carmen Lúcia Rossini (que manteve a bolsa-uísque durante todo este doutorado) e para o David. Para Sandra Carletti, no mínimo pelas sobremesas tão especialmente preparadas. Para Vera Gertel e Jânio de Freitas, os sócios-correspondentes do Clube dos Ursos no Rio de Janeiro. Para Tieta e Frederico Dentello, os observadores de pássaros, a quem espero ver com mais regularidade. Para Antonio Luís Gatti, velho e bom amigo. Ao poeta e amigo José Mateus Pereira Neto, no mínimo pela Confraria da Mesóclise. Para José Geraldo Couto e Mustafa Yazbek, nem é preciso dizer por quê. E para os gatos que acompanharam todo o desenvolvimento deste doutorado, Cachorro de Souza Aranha, aliás Cachorrinho; Josefa Ludovina de Souza Aranha, aliás Lulu; a mãe deles dois, Clementina de Souza Aranha, aliás Mãezinha; e a caçula, que chegou aqui com uma fita no pescoço que dizia Rebeca, ganhou o nome de Pãozinha, e é também chamada Pequena, Flor e, muitas vezes, Peste! E também precisa ser lembrada a memória daqueles que não chegaram ao fim deste doutorado, foram embora antes, José Edgar Alan Preto, aliás Zé, dos olhos verdes; e Wendy Maria d‘Alencastro Figueiroa, ou apenas Wendy, dos olhos azuis. 5 RESUMO Veiga, L. M. (2015). De armas na mão: personagens-guerrilheiros em romances de Antônio Callado, Pepetela e Luandino Vieira. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo — FFLCH, p. 541. Estudo sobre a representação literária da figura do guerrilheiro em romances do brasileiro Antonio Callado (1917-1997) e dos angolanos Pepetela (1941-) e José Luandino Vieira (1935-). Considerando que os autores recriam ficcionalmente realidades muito diferenciadas, em países e continentes distintos, num momento histórico que só as aproxima pelo contexto da Guerra Fria, mas compartilham personagens envolvidos na contestação armada do poder, queremos examinar como essas figuras são construídas, como se aproximam ou se distanciam, e de que maneira se transformam à medida que os textos produzidos se afastam do momento histórico que lhes serve de tema. Um capítulo inicial descreve o panorama geral das lutas políticas no século XX, o fim dos grandes impérios coloniais, o contexto da Guerra Fria, e traça um paralelo minucioso entre a resistência armada à ditadura brasileira e a luta guerrilheira contra o colonialismo português, situando os autores nesse contexto. Depois há uma discussão sobre a figura do guerrilheiro como motivo literário, exemplificado em Che Guevara, um levantamento de questões teóricas sobre o personagem literário e a apresentação e discussão do corpus: Quarup (1967), Bar Don Juan (1971), Reflexos do baile (1977), Sempreviva (1981), de Callado; As aventuras de Ngunga (1973), Mayombe (1980), A geração da utopia (1992), O planalto e a estepe (2009), de Pepetela; O livro dos rios (2006), O livro dos guerrilheiros (2009), de Luandino Vieira. Seguem-se perfis analíticos-interpretativos, feitos a partir da leitura cerrada, de 28 personagens de Callado, 18 personagens de Pepetela e oito personagens de Luandino Vieira, e as conclusões que essas cinquenta figuras nos sugeriram. Palavras-chave: Angola: guerra de independência; Antônio Callado; Brasil: ditadura militar; estudo de personagens; Guerra Fria; Luandino Vieira; Pepetela; personagens- guerrilheiros. 6 ABSTRACT Veiga, L. M. (2015). Weapons in hand: guerrillas as characters in Antonio Callado‟s, Pepetela‟s and Luandino Vieira‟s novels. Doctoral dissertation. São Paulo: Universidade de São Paulo — FFLCH, p. 541. This dissertation presents a study of the literary representation of guerrillas in novels by the Brazilian Antonio Callado (1917-1997) and the Angolans Pepetela (1941- ) and José Luandino Vieira (1935-). In their fictional recreations of distinct realities, historically contextualized in different countries and continents in the Cold War, these authors created characters who are directly involved in the armed contestation of power. Our purpose is to examine how these characters are constructed, how they converge or diverge in their characteristics, and the transformations they undergo as the focuses in the texts move away from the historical moment associated to their themes. The first chapter draws an overview of the political struggles in the twentieth century, of the end of the great colonial empires, and of the context of the Cold War, and makes a detailed comparison between the armed resistance to the Brazilian dictatorship, which is the context of Antonio Callado‘s novels, and the guerrilla warfare against Portuguese colonialism, where Pepetela‘s and José Luandino Vieira‘s novels are contextualized. Guerrilla warfare and the figure of guerrillas as literary motifs is the subject of the following chapter. The discussion is illustrated through the analysis of literary approaches of the figure of Che Guevara. This chapter also surveys theoretical questions about literary characters and analyzes the following novels : Quarup (1967), Bar Don Juan (1971), Reflexos do baile (1977), and Sempreviva (1981), by Callado; As aventuras de Ngunga (1973), Mayombe (1980), A geração da utopia (1992), O planalto e a estepe (2009), by Pepetela; O livro dos rios (2006), and O livro dos guerrilheiros (2009), by Luandino Vieira. The lasts chapters outlines analytical and interpretative profiles extracted from the close reading of twenty-eight characters by Callado, eighteen characters by Pepetela and eight characters by Luandino Vieira, and presents the conclusions we drew from the analyses of these fifty four characters. Keywords - Angola: war of independence; Antonio Callado; Brazil: military dictatorship; character analysis; Cold War; Luandino Vieira; Pepetela; guerrilla fighters as characters 7 SUMÁRIO banca ............................................................................................................................. 2 dedicatória ..................................................................................................................... 3 agradecimentos .............................................................................................................. 4 RESUMO ....................................................................................................................... 6 ABSTRACT .................................................................................................................. 7 SUMÁRIO ..................................................................................................................... 8 Epígrafes ...................................................................................................................... 11 ABERTURA ou DISCURSO PRELIMINAR ......................................................... 12 PRIMEIRO CAPÍTULO ou TRÊS ROMANCISTAS COMO HOMENS DE SEU TEMPO ............................ 29 ANTES DA GUERRA FRIA ...................................................................................... 32 EM PLENA GUERRA FRIA ................................................................................................... 50 SEGUNDO CAPÍTULO ou CONSTRUÇÃO ESTRUTURAL E OUTROS ASPECTOS DO CORPUS ...... 140 TERCEIRO CAPÍTULO ou PERSONAGENS-GUERRILHEIROS EM ANTÔNIO CALLADO ................. 221 Quarup: Levindo, o protoguerrilheiro ....................................................................... 222 Quarup. Nando, aliás, Levindo ................................................................................. 230 Quarup. Manuel Tropeiro, aliás, Adolfo ................................................................... 243 Bar Don Juan. João, poetas místicos e revolução continental .................................. 247 Bar Don Juan. Mansinho, jornalista, mulherengo, expropriador .............................. 255 Bar Don Juan. Geraldino, padre iconoclasta fugindo de Deus ................................. 261 Bar Don Juan. Joelmir, ex-sargento, carnaúba, não carandá .................................... 266 Bar Don Juan. Che Guevara e seus guerrilheiros ..................................................... 270 Bar Don Juan. Jacinto, mais-novo, pintura e coquetéis molotov .............................. 279 Bar Don Juan. Juvenal Murta encarna Murta-Martinez ............................................ 284 Bar Don Juan. Mariana, perdição, salvação, palavra honrada .................................. 292 Bar Don Juan. Gil Setúbal, amador, romancista, trânsfuga ...................................... 298 8 Bar Don Juan. Aniceto, catimbó, tabu, coragem alegre ............................................ 303 Bar Don Juan. Laurinha bela e triste retorna à luta ................................................... 310 Reflexos do baile. Capitão Roberto, aliás Beto, aliás Pompílio, aliás Das Águas ..... 317 Reflexos do baile. Juliana Mascarenhas, filha pródiga, guerreira apaixonada .......... 324 Reflexos do baile. Florinda Guimarães, aliás Amália ................................................ 331 Reflexos do baile. Armando Azcárate, aliás Vítor, sangue basco, tara poética ......... 336 Reflexos do baile. Miguel Mejía, argentino, devoto de Evita .................................... 341 Reflexos do baile. Bernardo contra Gobineau e pró pratarias ................................... 343 Reflexos do baile. Válter, jardineiro; Valdelise, bela cabocla ................................... 345 Reflexos do baile. Mário Vilarinho, aliás Marcondes, aliás Filipe ............................ 349 Reflexos do baile. Braz Taborda, aliás Dirceu, da Coluna Invicta ............................ 351 Sempreviva. Vasco Soares Lanceiro, Quinho, herói diminutivo ............................... 355 Sempreviva. Herinha Iriarte, miúda heroína com nome de deusa ............................. 368 O último guerrilheiro ................................................................................................. 375 QUARTO CAPÍTULO ou PERSONAGENS-GUERRILHEIROS EM PEPETELA .................................... 378 Mayombe. Esfinge, Sem Medo, veterano da guerra e dos homens ........................... 380 Mayombe. Lutamos, guerrilheiro cabinda, leal até o fim .......................................... 394 Mayombe. Teoria, o professor, nem branco, nem negro ........................................... 399 Mayombe. Mundo Novo, certezas e convicções dogmáticas .................................... 403 Mayombe. Chefe de Operações, ascensão do filho de camponês .............................. 409 Mayombe. Ingratidão do Tuga, guerrilheiro punido .................................................. 414 Mayombe. Milagre, o bazuqueiro tribalista ............................................................... 417 Mayombe. Muatiânvua, anarquista das palavras, antitribalista ................................. 419 Mayombe. Ekuikui, o caçador do Bié ........................................................................ 423 Mayombe. Vewê, o cágado, a nova geração .............................................................. 425 Mayombe. Verdade, Pangu-Akitina, Alvorada, Kiluanje e outros ............................ 428 Mayombe. João, aliás Comissário Político, sua aprendizagem ................................. 431 As aventuras de Ngunga. Os guerrilheiros no caminho ............................................ 441 As aventuras de Ngunga. Ngunga, órfão, pioneiro e guerrilheiro ............................. 446 A geração da utopia. Vítor Ramos aliás Mundial recua para cima ........................... 451 A geração da utopia. Aníbal aliás Sábio não recua ................................................... 458 O planalto e a estepe. Julio Pereira aliás Alicate, branco ......................................... 466 9 QUINTO CAPÍTULO ou PERSONAGENS-GUERRILHEIROS EM LUANDINO VIEIRA .................... 473 Kibiaka, o guerrilheiro encantado que veio do Makulusu ......................................... 475 Batuloza, Amba-Tuloza, Domingos João, dura lex sed lex ....................................... 481 Makongo, o mau-dos-maus, guerrilheiro filho de pássaro ........................................ 489 Ferrujado e Kadisu, a santíssima dualidade chamada Zapata .................................... 493 Celestino Mbaxi, Kakinda Bastião, o herói dos cinco combates ............................... 497 Ndiki Dia, Andiki, Henrique Dias, idolatrado comandante ...................................... 501 Job João Gaspar, Kizuua Kiezabu, Kimbalanganza general do iate .......................... 504 Diamantino Kinhôka, Kapapa, Kene Vua, Mukilango, memória viva ...................... 508 CONCLUSÃO ou DISCURSO FINAL ................................................................. 520 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 524 10
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