[1865-1914] FILOSOFIA - HISTÓRIA ENGENHARIA SOCIAL O DARWIN EM PORTUGAL Filosofia. História. Engenharia Social (1865—1914) ANA LEONOR PEREIRA Prof.daFaculdadedeLetras eCoordenadoraCientíficado GrupodeHistória e SociologiadaCiência(GHSC) do CEIS 20 daUniversidadedeCoimbra DARWIN EM PORTUGAL Filosofia. História. Engenharia Social (1865—1914) EA ALMEDINA TÍTULO: DARWINEMPORTUGAL FILOSOFIA.HISTÓRIA.ENGENHARIASOCIAL--(1865-1914) AUTOR: ANALEONORDIASDACONCEIÇÃOPEREIRA “Lightwill be thrownon theorigin ofman and his history” EDITOR: LIVRARIAALMEDINA—-COIMBRA www.almedina.net CHARLES DARWIN, On the origin ofspecies... LIVRARIAS: LIVRARIAALMEDINA ARCODEALMEDINA, 15 TELEF.239851900 FAX239851901 “Psychology will be based on a newfoundation” 3004-509COIMBRA—-PORTUGAL LIVRARIAALMEDINA-PORTO CHARLES DARWIN, On the origin ofspecies... R.DECEUTA,79 TELEF.222059773 FAX222039497 4050-191PORTO—-PORTUGAL “Man may be excused for feeling some pride at having EDIÇÕESGLOBO,LDA. R.S.FILIPENERY,37-A(ÃORATO) risen,though notthroughhisownexertions,totheverysummitof TELEF.213857619 the organic scale” FAX213844661 1250-225LISBOA-PORTUGAL CHARLES DARWIN, The descentofman... LIVRARIAALMEDINA ATRIUMSALDANHA LOJA31 PRAÇADUQUEDESALDANHA,1 TELEF.213712690 atriumCalmedina.net LIVRARIAALMEDINA—BRAGA CAMPOSDEGUALTAR UNIVERSIDADEDOMINHO 4700-320BRAGA TELEF,253678822 bragaBalmedina.net EXECUÇÃOGRÁFICA: G.C.—GRÁFICADECOIMBRA,LDA. PALHEIRA—-ASSAFARGE 3001-453COIMBRA E-mail:producaoOgraficadecoimbra.pt NOVEMBRO,2001 DEPÓSITOLEGAL: 173338/01 Todaareproduçãodestaobra,porfotocópiaououtroqualquerprocesso, sempréviaautorizaçãoescritadoEditor,éilícitaepassível deprocedi- mentojudicialcontraoinfractor. CHARLES eEMMADARWINemDownHouse. (ReproduzidodeAnnaSproule, CharlesDarwin) “Judging from the hideous ornaments, and the equally hideous music admired by most savages, it might be urged that their asthetic faculty was not so highly developed as in certain animais, for instance, as in birds. Obviously no animal would be capableofadmiringsuchscenesastheheavensatnight, abeauti- fulland-scape,orrefinedmusic; butsuchhightastesareacquired through culture, and depend on complex associations; they are not enjoyed by barbarians orby uneducated persons” CHARLES DARWIN, The descentofman... “Est-ce que les êtres humains sont, comme le pensait Darwin, totalement partie de la nature?(...) Un être qui peut explorer les confins des galaxies, altérer sa propre constitution génétique et, par des choix conscients, détruire "environnement terrestre qui le fait vivre, lui et tous les autres êtres vivants, est plus qu'un caprice de la nature ou un 'accident chanceux”, selon les termes de Stephen Gould” Jogmn C. GREENE, La révolution darwinienne dans la science et la vision du monde Para Adão e Eva “Mas não sei se vos felicite, oh Pais veneráveis! Outros irmãos vossosficaram na espessura das árvores — e asuavida é doce. Mas, enfim,desdequenossoPaivenerávelnãoteveaprevi- dência ou a abnegação de declinar a grande supremacia — con- tinuemos a reinar sobre a Criação e a ser sublimes... Sobretudo continuemos a usar, insaciavelmente, do dom melhor que Deus nos concedeu entre todos os dons, o mais puro, o único genuina- mente grande, o dom de O amar — pois que não nos concedeu também o dom de O compreender. E não esqueçamos que (...) à melhor maneira de O amar é que uns aos outros nos amemos, € que amemos toda a Sua obra, mesmo o verme, e a rocha dura, € araízvenenosa,eaté esses vastosseres quenãoparecemnecessi- tar o nosso amor, esses sóis, esses mundos, essas esparsas nebu- losas, que, inicialmente fechadas, como nós, na mão de Deus, e feitas da nossa substância, nem decerto nos amam — nem talvez nos conhecem. Eça DE QUEIRÓS,Adão e Eva no Paraíso Dissertação de Doutoramento em História da Cultura apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e aprovadapor unanimidade com distinção e louvor em 14.1.1998 PREFÁCIO Entre 1990 e 1994, com o apoio inicial do ex-I.N.LC. e, posterior- mente, da J.N.LC.T., fizemos uma pesquisa criteriosa das fontes para a história do darwinismo em Portugal, até aos anos vinte do nosso século. Àluz dos resultados obtidos, ficámos, de facto, cientes de que o estudo do darwinismo em Portugal não era objecto que uma dissertação normal de doutoramento pudesse esgotar. No entanto, não foi apenas a abundância e adiversidade de documentos quenos obrigaramadelimitarotema, sob os pontos de vista cronológico e disciplinar. É que, a historiografia interna- cional do darwinismo ensina-nos que os representantes de Darwin são “uma espécie politípica” (Antonello La Vergata) e, porisso, impunha-se o estudo caso a caso, pelo menos, no que respeita aos grandes autores, sob pena de se esbater e recalcar aquilo que faz a riqueza cultural do darwi- nismo: a individualização das suas variantes. É inegável que, entre as décadas finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o darwinismo converteu-se numa espécie de Zeitgeistque impregnou a cultura europeia científica e humanística, ajul- gar pelos estudos de Claude Blanckaert, Benoit Massin, Pierre Thuiller e tantos outros. As ciências teológicas não foram, de modo algum, indife- rentes àteoriade Darwin e ao cientismo darwinista. Mas, em consciência, decidimos não tratar este campo, pormuitas razões, entre as quais, porque esseestudoexigeumamudançadecontextualização, porqueErnstHeckel e não Darwin teria de ser chamado para primeiro plano, porque, enfim, como diria Patrick Tort, esse tema é outra coisa: o anti-darwinismo. Ora, o anti-darwinismo em Portugal merece ser objecto de um tratamento em profundidade, no quadro dos contextos internacional e nacional adequa- dos, conforme também nos fez notar o nosso orientador, Prof. Doutor Manuel Augusto Rodrigues. Em 1996 é publicado o primeiro Dicionário do darwinismo e da evolução (cerca de 5.000 páginas) dirigido pelo historiador Patrick Tort, e nele vários historiadores apresentam sínteses de diversos darwinismos: o 16 Darwin emPortugal Prefácio 17 alemão, o espanhol, o francês, o italiano, o nórdico, o russo, o anglo- teorias da história e da sociedade fizeram do darwinismo. Além disso, -saxónico, o japonês, o árabe e o cubano. Nas restantes comunidades, os procurámostransmitirumaideiapropedêutica darecepção do darwinismo estudos históricos sobre o darwinismo ainda não possibilitaram as grandes em Portugal; por um lado, através das suas incidências nas ciências natu- sínteses. RazãotinhaoProf. DoutorFernandoCatrogaquando,noinício da rais e, por outro lado, tomando como barómetro os artigos e as notícias década de oitenta do século XX, apontava o estudo do darwinismo em que se publicaram, expressamente, para homenagear o sábio inglês, por Portugal como um dos temas prioritários no campo da história das ideias. ocasião da sua morte, em 1882, e aquando do quinquagésimo aniversário Em 1985, na revista Preto, o zoólogo € estudioso do darwinismo nas ciên- da Origem das espécies, em 1909, cias naturais em Portugal, o Prof. Doutor Germano da Fonseca Sacarrão, O nosso estudo divide-se em três partes, correspondentes a três apelava aos historiadores para que se fizesse a história do darwinismo na domínios(filosofia, história e engenharia social) que ordenámos segundo culturahumanísticaportuguesa. Mais tarde, em finais dadécadade oitenta, o critério clássico do grau de abstracção. Embora distintas, as três partes também o Prof. Doutor João Montezuma de Carvalho tornava pública a estão unidasporumacomunidade problemáticaque, tomada globalmente, mesmapreocupação. EmJunho de 1991, aProfºDoutoraYvette Conry, his- consiste em determinar o valor que nos referidos campos foi atribuído à toriadoraderenomeinternacionaldodarwinismofrancês, aconselhou-nos a teoria darwiniana. Consoante as particularidades das fontes, aquela pro- continuar a investigação global das fontes, mas a restringir o estudo analí- blemáticacomumdiversifica-se emmúltiplas questões. Entreestas, refira- tico às disciplinas humanísticas que acusavam reflexos mais acentuadose, -se, nomeadamente, a averiguação e o exame das formas de apropriação e sobretudo, mais originais, da teoria darwiniana. Idêntico parecer nos foi de uso que as teorias da história e da sociedade fizeram da lógica evolu- dado em Abril de 1992, pelo Prof. Doutor Germano da Fonseca Sacarrão. cionária de Darwin, entre 1865 e 1914. É nos campos da filosofia e das teorias da história e da sociedade, Naprimeiraparte, analisamososefeitosproduzidospelodarwinismo entre 1865 e 1914, que procuraremos configuraraoriginalidade dacultura na reflexão filosófica anteriana. Se o poeta filósofo não é toda a filosofia portuguesa quanto à interpretação e ao acolhimento da teoria darwiniana. portuguesa, entre 1865 e 1914, a verdade é que ele foi o único que lutou Pelos estudoshistóricos anívelinternacional, sabemos que anaturalização pela salvação filosófica da ciência, em particular, da teoria científica da darwinista do homem, da sociedade e da história assumiu modos de ser evolução. Antero, “o Só”, como foi identificado por Manuel Laranjeira, peculiares nas culturas nacionais. Julgamos que o nosso estudo prova que concebeuumametafísicaevolucionistaque valorizavaateoriadarwiniana Portugal não foi uma excepção à regra. da evolução, mas que também via na Weltanschauung cientista um sinal As balizas cronológicas, indicadas no rosto da nossa dissertação, dos tempos. Assim, embora Antero recuse o estatuto de filosofia ao mo- justificam-se plenamente. A data de 1865 é o marco inaugural da história nismo hackeliano, atribui-lhe o mérito de mostrar que a verdadeirafilo- de Darwin em Portugal com a publicação pioneira de Júlio Augusto sofia nãopodia serconstruída àmargemdoprogresso científico. O esforço Henriques. A data de 1914 representa um vértice no darwinismo portu- único e criativo que Antero desenvolveu para conciliar a metafísica com a guês com a teoria da história de Augusto Coelho, um exemplo ímpar de ciência impôs que lhe tivessemos dado um tratamentode distinção. cientismo biologista. Os marcos apontados são interiores à história do Na segunda parte do nosso estudo, analisamos o impacto do darwi- darwinismoportuguês e é enquanto talque os consideramos, apesarda sua nismo na história, e especialmente, na teoria teofiliana da história, nas coincidência com datas consagradas na história da cultura portuguesa: a posições doscríticos de Teófilo Braga, na “teoria dahistória universal” de célebre “Questão Coimbrã” por um lado, e em 1914 o lançamento da OliveiraMartins, nos estudos de Ramalho Ortigão e, finalmente, nateoria revista integralista A Nação Portuguesa, e a criação pessoana do seu dahistóriadaAugusto Coelho. Conformese verificará, os modos como os heterónimo Alberto Caeiro, por outro lado. referidos autores enquadram e utilizam os enunciados darwinianos da Na introdução do nosso estudo visámos definir o nosso referente, a “preservação das raças favorecidas nalutapelavida” ou, selecção natural, teoria da evolução darwiniana e as suas relações privilegiadas com os da luta inter-racial, da hereditariedade, do evolver imprevisível, etc., evolucionismos de Herbert Spencer e de Ernst Hackel, para sabermos acusam diferenças que, em última análise, traduzem variações do cha- exactamente o que é que íamos procurar na cultura portuguesa e para Mmado “mito ariano” (Léon Poliakov) que, na época considerada, recebeu podermos caracterizar o tipo de acolhimento que a filosofia, as diversas a cobertura da lógica darwinista da história. sigo