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Dante Alighieri: o poeta do absoluto PDF

66 Pages·2000·9.891 MB·Portuguese
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o poeta do absoluto Hilário ~ranco Jr. 1 .tE Ateliê Editorial DANTE Vidas eIdéias 2 A L I G H I E R I o poeta do absoluto Hilário Franco Júnior Ateliê Editorial Direitos reservados eprotegidos pelaLei 9.610 de 19.02.1998. Éproibida areprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora. Copyright ©2000 Hílário Franco Júnior Sumário ISBN: 85-7480-009-0 Abreviaturas 9 Apresentação 11 Editor Plínio Marrins Filho I O Florentino 15 Produtor Editorial Ricardo Assis 2 O Exilado 35 3 O Enciclopédico 51 Direitos reservadosà 4 O Esotérico 77 ATELI~EDITORIAL RuaManuel PereiraLeite, 15 5 O Amante 91 06700-000 - Granja Viana- Coria- SãoPaulo 6 O Místico 105 Telefax: (0-11) 7922-9666 www.atelie.com.br 2000 Conclusão 121 Cronologia sumária 123 Printed inBrazil Foifeitoodepósito legal Indicações de leitura 127 7 Abreviaturas Conv Convivio ~j) ~j)istolae lnf Inferno Mon Monarchia Pard Paradiso Purg Purgatorio R Rime VE De VulgariEloquentia VN Vita Nuova 9 Apresentação Afinal, quem foi verdadeiramente esse poeta menosprezado pelos seus concidadãos, respeitado pelos contemporâneos do resto da Itália, exaltado pela posteridade? Apesar de toda a importância li- terária que quase nunca lhe foi negada, sabe-se pouco sobre a vida de Dante Alighieri. As refe- rências da época são fragmentárias e esparsas, e informações mais amplas e ricas são posteriores à sua morte e talvez por issojá algo idealizadas. Esse é o caso do primeiro retrato físico emoral do Poe- ta, feito por seu admirador Boccaccio: 11 HILÁRIO FRANCO JÚNIOR DANTE ALIGHIERI De estatura mediana, logo que chegou à idade ma- XIII para oXIV, Dante reuniu em siaintensa ati- dura passou acaminhar um pouco encurvado, o seu an- vidade intelectual do primeiro easgrandes angús- dar era grave epausado, vestindo sempre roupas sóbrias, tias e conflitos que caracterizariam o segundo. Ele como convinha à sua idade. Seu rosto era largo, o nariz aquilino, os olhos grandes, a pele morena, o cabelo e a sintetizou o espírito de um século e antecipou o barba negros e crespos, e a feição sempre melancólica e de outro. É claro que muitas outras mentes pri- pensativa. Nos costumes familiares epúblicos foi admi- vilegiadas e muitas outras almas apaixonadas vi- ravelmente organizado, e sempre mais cortês que qual- veram naquele momento. Mas nenhum contem- quer outro. Ninguém foi mais constante que ele nos es- porâneo seu - e na verdade poucos homens na tudos e em qualquer coisa que despertava seu interesse. Raras vezes falava sem ser interrogado, e nessas vezes fa- História - combinou de forma tão perfeita con- zia-o reflexivamente, com voz apropriada ao tema sobre teúdos tão difíceis de serem harmonizados. Disso o qual discorria. Contudo, quando necessário, era bas- decorre o encanto que ainda hoje Dante provoca. tante eloqüente, com ótima dicção. Agradava-lhe per- Exatamente por isso não nos importa tanto a manecer solitário eafastado daspessoas afim de que suas meditações não fossem interrompidas. biografia propriamente dita, mas sim a compreen- são da obra de Dante. Obra muito vasta pelos inú- No entanto, o que outras fontes, e sobretudo meros assuntos abordados: ele foi poeta, filósofo, a própria obra do Poeta, nos deixa entrever, não teólogo, pensador político, filólogo, cronista ou corresponde àquela imagem idealizada. Longe da alquimista? Questão supérflua e na realidade sim- figura comedida eequilibrada que nos dá Boccac- ples de responder, pois para ele aVerdade é una e cio, de fato Dante foi um homem apaixonado, de sefunde toda na poesia. Como todos os legítimos amores e rancores extremados. Sua introversão e poetas e artistas, Dante era uma pessoa de sensi- melancolia apenas encobriam uma mente pode- bilidade à flor da pele, pessoa que via o mundo rosamente ativa e uma alma profundamente ator- com olhos diferentes dos de seus contemporâneos. mentada. Tendo vivido na passagem do século De fato, todo poeta percebe, sente, intui as mu- 12 13 HILÁRIO FRANCO JÚNIOR danças que estão apenas seesboçando nos subter- râneos da História, e ao trazê-Ias à tona antes de amadurecerem para a maioria dos homens de sua 1 época, contribui para a aceleração da própria di- o nâmica histórica. Nesse sentido todo poeta é um Florentino pouco profeta. Dante foi um desses homens. Mas enquanto na história da literatura grande parte dos poetas elaborou sua obra somente apartir da sen- sibilidade, da intuitividade, Dante baseou-se ain- da numa extraordinária erudição. Nele o saber alimentava a sensibilidade, e esta aguçava a men- te para o conhecimento. Ele é, assim, uma das Dante Alighieri, florentino de nasci- maiores provas, junto por exemplo com Goethe, mento, não de costumes. da falsidade da idéia que opõe ciência e poesia. É (EpX, 2) verdade que em muitos a erudição mata a beleza, Florença, 1265. Que mundo era aquele em em outros a poesia exclui a ciência. Dante, pelo que Danre nasceu? A Europa Ocidental há mais contrário, mostra como as duas coisas podem e de século e meio conhecia intensa atividade eco- devem conviver, uma enriquecendo aoutra. Épor nômica e intelectual, acelerado crescimento de- este lado, que nos parece aessência de Dante, que mográfico, marcante expansão territorial, desen- procuraremos ver o poeta florentino. volvimento de novas formas sociais e políticas. Contudo, pouco mais de meio século depois, na época da morte de Dante, muitas daquelas carac- 15 14 HILÁRIO FRANCO JÚNIOR DANTE ALIGHIERI terísticas haviam seinvertido eo Ocidente conhe- mantinha-se fortemente enraizada, Ademais, as cia uma profunda crise, da qual sairiam os ele- atividades agrícolas possibilitavam apenas resul- mentos básicos da Modernidade. A Itália, como tados insatisfatórios naquela terra de fertilidade acontecera por toda Idade Média, também no sé- limitada, obrigando as populações ase dedicarem culo XIII era uma espécie de síntese européia. ao artesanato e ao comércio. Com o crescimen- Nela conviviam as fortes sobrevivências da época to demográfico, aumentou a migração campo- romana e os novos elementos introduzidos nos cidade e antigos centros urbanos viram-se den- séculos IV-V pelas invasões germânicas. Nela co- tre os maiores da Europa. Enquanto por volta do existiam de forma mais contrastada a economia ano 1000 não havia em todo o Ocidente ne- agrícola, que predominava em toda aEuropa des- nhuma cidade que chegasse aos 10 mil habitan- de o século 111,e a economia urbana que desde o tes, no século XIII existiam 55 delas, 21 das quais século XI progredia ali mais que em qualquer ou- na Itália. Apenas Paris podia rivalizar com os tro lugar. Nela ocorriam de maneira muito acen- quase 100 mil habitantes de Florença, Milão, tuada os conflitos entre aIgreja e o poder tempo- Veneza e Gênova. ral, no caso o Santo Império Romano Germânico. O crescimento demográfico e o fortalecimen- A Itália destacava-se ainda pela precocidade e to econômico das cidades italianas levaram sua intensidade de sua vida urbana. Nos primeiros população a se rebelar contra as antigas autori- séculos medievais, as cidades haviam perdido mui- dades locais, bispos ou senhores feudais. Desde to de sua importância devido à forte ruralização fins do século XI e princípios do XII muitas co- da economia eda sociedade, que atingiu em graus munidades urbanas passaram a indicar seus pró- diferentes todo o Ocidente. Contudo essa de- prios dirigentes. Nasciam ascomunas ou cidades- cadência urbana fora menor na Itália, onde a tra- Estado. Apesar de seu caráter novo, elas não es- dição clássica sempre, e em todos os aspectos, capavam às condições feudais da época, exigindo 16 17 HILÁRIO FRANCO JÚNIOR DANTE ALIGHIERI juramento de fidelidade dos novos cidadãos emes- Tal luta não ficou restrita ao território peninsu- mo de outras cidades submetidas. Bem de acor- lar, envolvendo também as áreas coloniais onde do com a expansão feudal que ocorria naquele havia interesses comerciais a serem defendidos. momento (Cruzadas, Reconquista Cristã na Pe- Foi o caso, por exemplo, das longas disputas en- nínsula Ibérica), as comunas dominavam a zona tre Gênova e Veneza. rural circunvizinha e extraíam dela, sob a forma É nesse pano de fundo que devemos ver Flo- de taxas e prestações em serviço, os alimentos, as rença, suas questões internas, seu importante pa- matérias-primas e a mão-de-obra de que necessi- pel na política italiana. Localizada na Toscana, no tavam. Completada aconquista dos campos pró- centro-oeste italiano, Florença nascera no século ximos, era natural que as cidades passassem a ter I a.c., quando Júlio César ali fundou uma colô- fronteiras comuns. Acirrava-se a concorrência eco- nia militar romana, para dominar a passagem do nômica, e as guerras entre as comunas tornaram- vale do rio Arno ao vale do rio PÓ, mais ao nor- se acontecimentos habituais. te. Três séculos depois ela já era um importante Nesse contexto do conflito universalista Impé- centro, muito afetado pelas invasões germânicas rio-Igreja, do conflito comercial entre as cidades e pela queda do Império Romano. Somente no e do conflito social interno das comunas, é que se século IX, Florença recuperou seu prestígio, gra- deve colocar a formação dos partidos gibelino e ças a um neto de Carlos Magno que a transfor- guelfo. Isto é, de um grupo pró-imperial e outro mou em sede administrativa de um condado. Mas antiimperial, divisão que em meados do século o passo decisivo deu-se no século XI, quando a XIII, numa fase aguda da luta Império-Igreja, se cidade participou ativamente do movimento de sobrepôs a todas as outras divisões (entre as cida- reforma eclesiástica que pretendia purificar aIgre- des, dentro das cidades), estabelecendo dois gran- ja. Florença sediou então um concílio presidido des campos a que nenhum italiano podia escapar. pelo pontífice, teve um marquês irmão do papa, 18 19 p HILÁRIO FRANCO JÚNIOR DANTE ALIGHIERI viu um bispo local tornar-se chefe da Igreja, Ni- "quantas vezes viram-se abolidos/ teus usos, nor- colau II (1059-1061). No célebre choque entre mas, moeda e instituição/ e os teus magistrados o papa Gregório VII eo imperador Henrique IV, substituídos.! Semanténs ainda avisão clara/ verás a condessa florentina Matilde tomou o partido do que te assemelhas a um doente/ que sem achar primeiro. Graças às fortificações que ela cons- repouso em seu leito/ nele fica a girar continua- truíra, a cidade resistiu ao cerco imperial de 1082. mente" (PurgVI, 145-151). Cristalizava-se a posição papista (depois chama- Como em quase todas as comunas, a nobreza da de guelfa) que caracterizaria Florença por longo florentina era de origem feudal. Dona de muitas tempo. terras e interesses no campo, a participação dela Após a morte em 1113 da condessa Matilde, na vida urbana dava-se através da atividade mi- que recompensara o apoio da comunidade floren- litar que garantia grande prestígio e o exercício tina à causa da Igreja dando-lhe amplos poderes, do poder. Mas à medida que asatividades comer- a cidade tornou-se virtualmente autônoma. Flo- ciais se desenvolviam, a nobreza tinha seu papel rença passou a ser governada por um colegiado diminuído. Em 1293, através de uma nova le- de doze cônsules, renovado anualmente, por um gislação imposta pelo restante da população, a no- Conselho de cem membros com poderes consul- breza viu decretado o fim de seus privilégios. Isso tivos, por uma Assembléia Popular que se reu- legitimava o fato de desde meados do século Flo- nia quatro vezes ao ano para confirmar os atos rença ser governada pela camada de grandes co- dos cônsules, aprovar os tratados concluídos, de- merciantes. A ascensão desse grupo acabou por finir asfunções de cada funcionário comunal. Essa aproximá-lo da nobreza, e sobretudo através de organização político-administrativa de meados do casamentos entre membros das duas camadas, século XII foi inúmeras vezes alterada, levando houve um aburguesamento da nobreza (que pas- Dante a registrar com amargura tal inconstância: sou a se dedicar aos negócios) e um enobrecimen- 20 21

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