Curso de História da Matemática Origens e Desenvolvimento do Cálculo Curso de História da Matemática Origens e Desenvolvimento do Cálculo Unidade 1 A MATEMÁTICA GREGA MARGARET E. BARON da equipe de preparação do Curso de História da Matemática da Open University Tradução do Professor JOSÉ RAIMUNDO BRAGA COELHO, do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília BE:J Decanato de Extensão E.ditam Universidade de Brasílza Serviço de Ensino à Distância Este livro ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido sem autorização escrita do Editor. 1 9 8 5 Impresso no Brasil EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA Campus Universitário, Asa Norte 70.910 BRASÍLIA, Distrito Federal Copyright © 1974 The Open University Direitos exclusivos·de edição em língua portuguesa: Editora Universidade de Brasília Equipe de preparação do Curso de História da Matemática (AM289) da Open University: Diretor Geral - GRAHAM FLEGG Unidades AM289 CI-C5, Origens e Desenvolvimento do Cálculo Autores - MARGARET E. BARON e H. J. M. Bos Edição brasileira Revisão geral: JOSÉ RA!MUNOO BRAGA COELHO e REGINA COELI A. MARQUES Editoração: GERALOO HUFF e MANUEL MONTENEGRO DA CRUZ (Editores); FATIMA RE.IANE DE MENESES (Controle de Texto) Serviço de Ensino à Distância: Coordenador: T ARCÍSIO MEIRA CÉSAR Capa: CLARICE SANTOS Ilustração: ARQUIMEDES O presente volume faz parte do Curso de História da Matemática: Origens e Desenvolvimento do Cálculo da Universidade de Brasília. Uma lista das unidades que compõem o curso pode ser encontrada ao final desta unidade. Para informações acerca da disponibilidade do material de leitura citado neste texto, escreva à Universidide de Brasília, Decanato de Extensão, Serviço de Ensino à Distância. Campus Universitário, 70.91 O Brasília, Distrito Federal. FICHA CATALOGRÁFICA elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília Baron, Margaret E. B265h Curso de história da matemática: origens e desenvolvimento do cálculo, por Margaret E. Baron e H. J. M. Bos. Trad. de José Raimundo Braga Coelho, Rudolf Maior e M. • José M. M. Mendes. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1985, cl974. 5v. ilust. Título original: History of mathematics: origins and development of the calculus. 51(09) 517(09) Bos, H J M, , colab. ISBN 85-230-0172-7 (série)/85-230-0173-5 (Unidade 1) SUMÁRIO Introdução geral às unidades I a 5 1 Guia para a leitura das unidades 4 Leituras complementares 5 Unidade 1: A Matemática Grega Objetivos 7 Nota sobre as questões 7 1.0. Introdução 9 1.1. Fórmulas de medidas e transformações geométricas 11 1.2. Os primórdios da matemática grega 14 1.3. Os números figurados 15 1.4. Os indivisíveis 19 1.5. Os paradoxos de Zenão 22 1.6. O irracional 25 l. 7. A axiomatiz.ação da matemática grega 27 1.8. Trabalhando com as proporções 30 1.9. o· problema da quadratura 32 ~.; 1. 10. A quadratura do círculo 34 1.11. Euclides e o método de exaustão 37 1.12. Os métodos de integração de Arquimedes 40 1.13. As espirais 48 1.14. A descoberta do método de Arquimedes 50 1.15. Tangentes, ângulos e curvas 52 1.16. A transição para a Europa Ocidental 55 1.17. Conceitos de movimento 57 1.18. Resumo e conclusões 62 Referências bibliográficas 63 Agradecimentos 63 INTRODUÇÃO GERAL ÁS UNIDADES 1 A 5 1. É mais fácil dizer o que o cálculo faz do que dizer o que ele é. Fora dos ambientes acadêmicos, aqueles que se preocu pam com o cálculo infinitesimal, de uma maneira ou de outra, estão interessados em suas aplicações. Em geral, a derivação está relacionada com a descrição e mensuração da maneira como as coisas variam, se movem e crescem; vamos utilizá-la para calcular razões de crescimento, decrescimento, assim como para prever desenvolvimentos futuros. A integração constitui uma ferramenta básica nos processos de somas; por exemplo, ela é usada para determinar a pressão total da água contra uma represa, para determinar a quantidade total de energia que flui através de um cabo elétrico num determinado tempo ou a quantidade de terra a ser escavada de uma deter minada região. · Aplicações do cálculo se fazem presentes em todos os fenô menos mensuráveis: gravitação, calor, luz, som, eletricidade, magnetismo e ondas de rádio. Na física moderna, os conceitos do cálculo e suas inúmeras extensões são usados com fre qüência e à medida que outras ciências adquirem uma melhor base matemática, mais numerosas tornam-se as utilidades do cálculo. 2. Cientistas, engenheiros e astrônomos utilizam o cálculo para explorar o universo físico em que vivemos, assim como para explorar e controlar as fontes de riquezas da terra. A his tória do cálculo inclui estas e muitas outras aplicações. Para a humanidade, as necessidades mais primárias e urgentes estão ligadas à alimentação, ao vestuário, à habitação e ao trans porte. Em qualquer época, e para qualquer povo, as idéias têm-se revelado mais importantes e o cálculo tem tido sua participação na história dessas idéias. Embora ninguém possa sugerir que as descobertas na matemática ocorram no vazio, alheias aos acontecimentos externos de tipo científico, militar, social ou econômico, a mais importante fonte de inspiração neste campo tem estado usualmente dentro do homem e não fora dele. Ninguém pode estudar a história do cálculo sem recorrer constantemente a si mesmo para determinar em que proporção os problemas formulados e resolvidos, parcial ou completamente, devem-se a circu'nstâncias externas ou a alguma forma de necessidade interna. Muitas vezes torna-se impossível traçar a origem de um determinado problema; uma vez formulado, em termos de matemática, o problema torna-se, de algum modo, um desafio intelectual que certos indivíduos aceitam quase sempre preparados para colocar em planos inferiores os aspectos mais imediatos dos resultados do seu trabalho. O cálculo, como outras áreas do conhecimento humano, de senvolveu-se através de uma combinação entre problemas e teorias. Os problemas geraram as formulações de conceitos, ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 1 teorias e técnicas apropriadas para resolvê-los; teorias, por sua vez, sugeriram novos problemas e ampliaram as áreas de aplicação. No caso do cálculo, este processo resultou na formulação de um conjunto compreensivo de regras opera cionais para a solução de diversos problemas. A história desse desenvolvimento é intrincada e complexa: esperamos que você a ache tão fascinante quanto nós. 3. A maioria dos problemas do cálculo pode ser reduzida ao conhecido modelo geométrico de uma curva plotada no plano, tendo como referência um par de eixos ortogonais. Historica mente, o modelo geométrico exerceu um papel central no desenvolvimento do cálculo diferencial e integral. A diferenciação desenvolveu-se em consonância com proble mas de construção de tangentes a curvas. Se uma curva re presenta o gráfico de uma função, a inclinação da reta tan gente à curva, num ponto da curva, representa a razão de variação da função; se uma curva representa a trajetória de um corpo em movimento, a tangente dá a direção do movi mento num determinado instante. Muitos outros problemas, tais como os de determinação de extremos (máximos e mí nimos), podem ser associados com a construção de tangentes e podem ser assim resolvidos através da diferenciação. Estudos mais gerais sobre curvaturas ou sobre as formas das curvas e as maneiras como elas se dobram (em duas ou três dimen sões) podem ser resolvidos usando-se o cálculo diferencial. 4. A integração desenvolveu-se de problemas de quadraturas V de curvas, isto é, determinação da área de regiões limitadas por curvas, eixos e ordenadas. Por exemplo, se a curva repre senta um gráfico de velocidade contra tempo, a distância total percorrida num determinado intervalo de tempo é encontrada por integração, isto é, calculando-se a área sob a curva. Outros problemas geométricos, tais como a determinação do comprimento de curvas (retificação), as áreas de superficies t curvas e os volumes de regiões limitados por superficies planas ou curvas (cubaturas), podem ser todos reduzidos a quadra turas e assim resolvidos pelo cálculo integral. Embora con ceitos precisos do cálculo atual independam das figuras e dos desenhos, não teria sido fácil entender e ensinar sem a imagem visual promovida pelos modelos geométricos das cur vas, tangentes e quadraturas. 5. Os problemas das tangentes e quadraturas foram estudados separadamente durante séculos, antes de finalmente se torna rem relacionados no século XVII, através do que agora conhe cemos como o teorema fundamenta/ do cálculo. Apresentado de diferentes maneiras e em geral relacionado com modelos geométricos, este teorema foi essencial para o relacionamento entre diferenciação e integração. As soluções de problemas envolvendo tangentes e quadraturas ficaram assim unificadas através do teorema fundamental do cálculo, tornando-se um instrumento importante e poderoso no e~tudo de pro- 2 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA blemas mais gerais pela introdução, também no século XVII, de uma notação especial e de algoritmos (o u regras de cálcuio ).• A introdução dessa notação tornou possível traduzir por meio de fórmulas as informações obtidas com os modelos geomé tricos; os algoritmos permitiram aos matemáticos realizar operações de diferenciação e integração com fórmulas, ao invés de as descreverem na linguagem geométrica. A introdu ção das fórmulas modificou o cálculo e, em conseqüência, o conceito de função tornou-se fundamental. Assim, do século XVII em diante, o modelo geométrico de curva, tangente e quadratura foi gradualmente substituído pelo modelo analí- tico de função, derivada e integral. 6. O tipo de notação disponível tem sido um dos mais impor tantes fatores no desenvolvimento da matemática, pois a invenção e disposição de símbolos é parte do processo de des coberta. Iremos discorrer sobre os diferentes símbolos-e nota ções que foram utilizados no cálculo. Veremos que a ausência de símbolos efetivos pode sustar literalmente o desenvolvi mento do cálculo, enquanto que a utilização de notação suges tiva e conveniente pode acelerar o seu progresso. Às vezes, por outro lado, a presença de símbolos fornece uma lucidez e uma clareza aparentes a trabalhos que, submetidos a uma análise mais criteriosa, revelam-se errôneos. Usualmente a invenção de diferentes símbolos para dar a mesma ou seme lhante interpretação tem introduzido dificuldades e, em alguns casos, a presença de símbolos escolhidos sem critérios torna o trabalho confusQ. 7. Os símbolos, é claro, não compõem toda a história; são os conceitos e as idéias por trás dos símbolos e modos de ex pressões que nos interessarão sobremaneira. Embora as curvas e depois as funções tenham sido conceitos fundamen tais, os seus progressos não pertencem exclusivamente à his tória do cálculo. Peculiar ao cálculo foi, entretanto, sua afi nidade com as "quantidades infinitamente pequenas". Por exemplo, dizemos que a tangente em um ponto P de uma curva fornece o gradiente ou a razão de variação da curva em P. Mas o que significa o gradiente da curva em P? Um ponto pode não ter gradiente, enquanto que qualquer segmento finito de uma curva, por pequeno que seja, é curvo e tem assim sempre mais de um gradiente. É portanto razoável sugerir-se que o gradiente de uma curva em P seja o gradiente de um segmento "infinitamente pequeno" da curva em torno de P, o qual, por ser tão pequeno, pode ser considerado reto. Desta e de várias outras maneiras, o conceito de infinitamente pequeno entra nos debates sobre tangentes e quadraturas. Problemas filosóficos relacionados com os conceitos de espaço e de tempo, a natureza de quantidades contínuas e a pos- sibilidade de sua divisibilidade ad infinitum são relevantes. Veremos que a luta para entender as quantidades infinitamente pequenas de modo a não gerar paradoxos e contradições foi ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 3 urna das grandes preocupações da matemática, desde os gregos até o século XIX. A solução do problema dos infinitésimos, que foi finalmente adotada no século XIX (e que em seu rigor é comparável à análise clássica grega), veio para eliminar as quantidades infinitamente pequenas e para estruturar o cál culo com base nos conceitos de número e limite. Esta solução deixou sem resposta as questões relacionadas com os con ceitos de indivisibilidade do contínuo e da natureza das quantidades infinitamente pequenas. Apenas conseguiram separar estas questões da teoria do cálculo declarando-as psicológicas ou filosóficas, portanto de nenhuma utilidade prática para o matemático. (É claro que, embora parcialmente implícitas, estas idéias são inerentes aos axiomas sobre os quais repousam os conceitos de números e limites.) 8. Resumo. Tentaremos, nestas cinco unidades que se seguem, traçar os mais importantes aspectos da história do cálculo, quais sejam: O aparecimento do conceito de integração através da solução de problemas envolvendo áreas (quadraturas), volume (cubatura) e comprimento de arcos (retificaçiio). O desenvolvimento do conceito de diferenciação associa do aos problemas de tangente e os problemas relaciona dos a valores extremos, normais e curvaturns. A unificação destes problemas através do teore111u fun damental do cálculo. O desenvolvimento de notações e símbolos. O aparecimento do conceito de função. O conceito de "quantidades infinitamente pequenas", "indivisíveis" e quantidades divisíveis ad infinitum. O abandono eventual dos infinitésimos e a determinação do conceito de limite como o conceito fundamental do cálculo. Guia para a leitura das unidades 1. Você deve procurar entender tanto a parte matemática apresentada quanto o contexto histórico em que está inserida. 2. Leia duas vezes toda a fonte primária citada no texto, fa zendo anotações dos fatos importantes. Tente resumir o que se apresenta no texto por si próprio, usando qualquer notação que conheça (ou invente uma), para que possa compreender bem o que e como está sendo demonstrado. Faremos algumas observações no decorrer do texto para ajudar a compreensão, mas, no todo, achamos mais conveniente que você produza primeiramente suas próprias observações, comparando-as a seguir com as nossas. 4 - CURSO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA 3. Embora seja essencial comparar conceitos, provas, métodos, regras e símbolos usados em uma determinada época ou por um certo indivíduo, com outros, e também com os utilizados hoje em dia, é muito perigoso condenar teorias particulares sem levar em conta a estrutura do pensamento matemático no qual as idéias foram concebidas. Os matemáticos antigos não eram incompetentes. Se tiveram idéias que não combinam com as nossas, é recomendável perguntar-se por que eles pensaram assim, como essas idéias chegaram a se desenvolver e que inspiração trouxeram aos matemáticos de hoje. 4. Se você achar alguma coisa confusa nessas unidades ou se discordar de alguns pontos, é sempre aconselhável buscar informações extras. Você pode encontrar interpretações com pletamente diferentes - ou apenas diferenças em ênfases atribuídas a um ou outro aspecto. Nestes casos, deve tirar suas próprias conclusões; talvez esta seja a parte mais interes sante para você. Leituras complementares Recomendamos a leitura dos seguintes textos: BARON, M. E. The origins of the infinitesimal calculus. Per gamon, 1969. BüYER, C. B. The history of the calculus and its conceptual development. Dover, 1959. ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO - 5