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Cultura da reclamação: o desgaste americano PDF

81 Pages·1993·10.973 MB·Portuguese
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\._l ,., f""·· :t ,~. '\ : '~ ROBERT HUGHES ... ,.,".' :,. ' ..~,.,i::.,:'. :i'· ,': .'. '.,. .,c', ', " . ~,:- ,o'..~"._,,,:._ " ' ,.;: ").y,;,'. ,", .,,' .(]@LTti k A _ DA RECLAMAÇAO :;:;{:',';".',;:",' :'. ,~I:~,:,.';\;"rI,,~:'~~ o ."'" -.','~,':.. desgaste americano Tradução: MARCOS~ANTARRITA . , .~~;.. ;.,. .. ". .~ . ",,...:. ' -. .Ó: '~'''' ,., • •'.t, .'" ·1 ..0:~.' O;.' " ..... "":,'~ , , -;--. 00 " I ,' _ _ ~:C' • • • Para'Elizabetn Sifton Copyright © 1993by Robert Hughes • Todos os direitos reservados)inclusive os direitos de reprodução .1 no todo ou emparte em qualquerforma Título original: • Culture ofcomplaint • Thefraying ofAmerica Capa: • João Baptista da Costa Aguiar • Preparação: KatiaRossini • Revisão: • LiegeM. S. Marucci Luciola S. de Morais • • • • Dados InternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação (CIP) • (CâmaraBrasileirado Livro,SP,Brasil) • Hughes, Robert Culturadareclamação:odesgaste americano/ Ro • bertHughes ;tradução Marcos Santarrita.- SãoPaulo: Companhiadas Letras, 1993. • ISBN 85-7164-344-X • '. 1.Cultura- Estados Unidos2. Ética 1.Título. 93-2831 CDD-306.0973 • • Índices para catálogo sistemático: 1.EstadosUnidos: Cultura esociedade:Sociologia • 306.0973 • • • • • Todos os direitos desta edição reservados à EDlTORASCHWARCZLTDA. • RuaTupi, 522 • 01233-000 - São Paulo - SP Telefone: (011) 826-1822 • Fax: (011)826-5523 • • • e\ e e • I.' e e SUMÁRIO • • • •.! Introdução • 11 • • 1 • Cultura e desintegração da • comunidade política 13 • .•\ 2 Multi-Culti e seus descontentes • 73 • • 3 • A moral em si: a arte e a falácia terapêutica • 125 • • Notas • 163 • • • • .1 .I • '-- • • • • • • • INTRODUÇÃO • • • • • Este livro nasce da série de conferências que fui convidado a • fazer sob os auspícios da Oxford University Press e da Biblioteca • Públicade NovaYork, naBiblioteca, em janeiro de 1992. Já hává rios anos as nebulosas questões a respeito de "correção política", • "multiculturalismo", politização das artes eassimpor diantevinham • passando do mundo acadêmico, do mundo daarte edas revistas cul • turais parao jornalismo comercial americano, causando, em geral, mais calor e fumaça que luz. Achei que seria interessante e talvez • útil examiná-las do ponto de vista de um escritor praticante, nem • acadêmico nem cidadão americano, mas com um pé na história e '. outronas artes visuais. Isso implicavaatravessarvários campos mi nados sociais, e especular em áreas que não são minha especialida • de, como a educação numpaís ondenão fui criado, eapolíticanum • Estado onde não posso votar; não peço desculpas por isso. Após 22 anos nos Estados Unidos, grandeparte do país aindame parece • muitíssimo exótico; sobretudo as relações singularmenteexacerbadas • entreculturaemoralidade, queforam, em grandeparte, otemadas • conferências e deste livro. Espero que o leitor não interprete isso como antiamericanismo, nemcomoindevidacondescendênciadeum • estrangeiro.Depois daAustrália, os EstadosUnidos são o país que • mais conheço eamo, ea estaalturaminhaligação comeleévisceral. Umaconferênciade umahora écurta, 5mil palavras no máxi • mo.Ao concluir a série, senti-meinsatisfeito porter abordado uma • variedade de assuntos sem poder alongar-me sobre eles. Logo de • pois, o texto das duas primeiras conferências foi condensado numa matéria de capa da edição de 3 de fevereiro da revista Time, "The • fraying of America" [O desgaste da América]. (A terceira confe • rência foi publicada na íntegra pelo New York Review ofBooks; • 11 • • .' • • mais umavez, devo agradecer ao seu editor, RobertSilvers, eameus • editores na Time, Walter Isaacson e Christopher Potterfield, pelo • -estímulo, entusiasmo e trabalho estafante paratransformar a pala vrafalada em palavra escrita.) Tão grande foi a reação dos leitores • aos artigos que decidi apresentar toda a minha argumentação, e o 1 • resultado éestelivro. Escrito nos Estados Unidos, entre a primave ra e o outono de 1992, contém muitas referências a fatos não abor CULTURA E DESINTEGRAÇÃO DA • dados nas conferências originais, por não terem ainda acontecido. COMUNIDADE POLÍTICA .•' O principal foi a vitória do Partido Democrata com Bill Clinton, numa eleição presidencial que acabou sendo, em não pequena me dida, umreferendo sobremuitas das questões em meutexto original. • Minhas dívidas com outros, em conversas, são muitas e gran des. Nãopossorelacionartodas, mas tenho algumas particularespara e! comArthur Schlesinger (cujo livro recente, The disuniting ofAme • rica [A desunião da América], diz muita coisa que eu digo, mas o .•' fez antes e melhor); com Gilbert T. Sewell, da Social Studies Re view, por me fornecer um exemplar daquele documento singular, "The Portland baseline essays" [Os ensaios de base de Portland]; -.• comEdward Said; e comDavied Rieff. E, como sempre, paracom minha amadaesposa, VictoriaHughes, eseu perfeito senso prático. • • .' • • • • • • • • • • • .•' 12 • '.L • • • • • • • • • • '.• Hápouco mais de cinqüentaanos, o poetaW.H.Audenreali • zou o quetodos os escritores invejam: uma profecia que se concre tizou.Está contidanuma longa obra intituladaFor the time being: • a Christmas oratorio [Por enquanto: um oratório de Natal], onde • Herodes discorre sobre a desagradável tarefa de massacrar os Ino • centes. Não quer fazer isso, porque no fundo é um liberal. Mesmo assim, diz, se se deixar que a tal criança escape, • Não é preciso ser profeta para prever as conseqüências (...] • A Razão serásubstituída pela Revelação (...] O Conhecimento de • .generaránum tumulto de visões subjetivas - sensações no plexo so larcausadasporsubnutrição, imagensangelicais geradasporfebre ou • drogas, avisos emsonhosinspiradosporumsomde águacaindo. Cos • mologias inteiras serão criadas a partir de algum ressentimento pes soal esquecido, épicos inteiros escritos em linguagens privadas, bor • rões infantis julgados superiores às maiores obras-primas (...] • OIdealismoserásubstituído pelo Materialismo [...]Desviado desua • válvula de escape normal, o patriotismo e o orgulho cívico ou fami liar, o anseio das massas porum Ídolo visível para adorar será dirigi • do para canais totalmente insociáveis onde nenhuma educação pode • alcançá-lo. Homenagensdivinasserãoprestadas arasas depressões na terra, animais de estimação, moinhos de vento em ruínas ou tumores • malignos. A Justiçaserásubstituídapela Piedade como virtudehumana fun • damental, e desaparecerá todo o medo da punição. Cada garoto de • esquina se congratulará consigo mesmo: "Sou tão pecador que Deus empessoadesceuparamesalvar". Todovigaristaargumentará: "Gosto • de cometer crimes. Deus gosta de perdoá-los. Na verdade o mundo • estáadmiravelmenteorganizado". A NovaAristocraciaconsistiráex • clusivamentedeeremitas, vagabundos einválidos permanentes.ODia- .'• 151 r. .' • .' manteBruto, aProstitutaTísica, obandido bondosoparacomamãe, parabaixo, paraespetáculos a~alfabetossobre gatos ou a quedade • a jovemepilépticaque temjeito com animais serão os heróis.e heroí Saigon. A grande forma americana do rock-'n'-rollfoi supertecno • nas da Nova Tragédia, quando'o general, o estadista e o filósofo se logizada e moida pelo triturador'empresarial, até tornar-se 95 por tiverem tornado motivo de toda farsa e sátira. cento sintética. • o que Herodes viu foi os Estados Unidos em fins da década Paraos jovens, cadavez mais, a diversão instituipadrões edu • de 80 e início da de 90. Uma comunidade obcecada por terapias cacionais e cria "verdades" sobre o passado. Milhões de america • e cheia de desconfiança em relação à política formal; cética em re nos, sobretudo jovens, imaginaram que a "verdade" sobre o assas lação à autoridade e presa da superstição; sua linguagem política sinato de Kennedy está em JFK, o vívido filme mentiroso de Oliver • Stone, comsua elevação paranóide de um desacreditado promotor corroída pela falsa piedade e por eufemismos. Igual à Roma do • de New Orleans à condição de herói político atacado por um esta fim, e diferente da república inicial, no longo alcance de seu impé blishment militar mau e onipresente, que assassinou Kennedy para • rio, na corrupção e verbosidade de seus senadores, na confiança '.; nos manter no Vietnã. Quantos deles viram algumacoisaerradana em gansos sagrados (ancestrais emplumados de nossas pesquisas freqüente afirmação de Stone de que estava criando um "contra de opinião epsicanalistas) enasubmissão a imperadores senis, dei • mito" para as descobertas da Comissão Warren, como se nosso ficados, controlados por esposas extravagantes. Uma cultura que conhecimento do passado equivalesseà propagação de mitos? O tra • substituiu os jogos de gladiadores, como meio de apaziguar a mas tamento dahistóriadado antes por Hollywoodnão tinhaimportân .J sa, por guerras hign tech na televisão que causam matanças imen .' cia - aquela bobagem sobre Luís xv, ou o pieguismo sobre lord sas mas deixam os sátrapas mesopotâmios com todo poder sobre Nelson, ou o blá-blá-bláreligioso sobre Jesus. Mas numa época de .' seus infelizes súditos. minisséries semificcionais e simulações, quando a diferença entre a Ao contrário de Calígula, o imperador não nomeia seu cavalo TV e os fatos reais é cada vez mais indistinta - não por acidente, .' cônsul; entrega-lhe o controle do meio ambiente ou nomeia-o para mas como política deliberada dos chefões dos meios de comunica a Suprema Corte. Em sua maioria são as mulheres que protestam, ção eletrônicos - esses exercícios encaixam-se num contexto senti • pois devido à predominânciadas religiões de mistério os homens vão .i mentalóide, ansioso, de suspensão da descrença, que a pseudo .J à luta, afirmando sua masculinidade com fungadas nas axilas uns história da velha Hollywood jamais teve. dos outros e ouvindo poetas de terceira categoria esbravejarem so E depois, como as artes mostramao cidadão sensívela diferen bre o sátiro úmido e peludo que vive dentro de cada um deles. Os çaentre os bons artistas, os medíocres e as fraudes absolutas, e co • queanseiam pelavoltadasibiladélficatêmShirleyMacLaine, eum mo sempreexisteum número maior dos últimos que dos primeiros, guerreiro Cro-Magnonde 35mil anos chamado Ramtha encarna-se .•, tambémelas têm de ser politizadas; assim, remendamos sistemas crí .' numa dona de casaloiradacosta Oeste, gerando milhões emilhões ticos paramostrar que, emborasaibamos o que queremos dizerpor de dólares de culto em seminários, fitas e livros. qualidade do meio ambiente, a idéiade "qualidade" naexperiência Enquanto isso, os artistas hesitam entreumaexpressividadeem estética pouco mais é que uma ficção paternalista destinada a difi grandeparte comodistaeumapolitização quase sempreimpotente, cultar a vida de artistas negros, mulheres e homossexuais, que de • e a disputa entre educação eTV- entre discussão e convicção atra vem de agora em diante ser julgados por sua etnicidade, gênero e • vés do espetáculo - foi ganha pelatelevisão, hoje um veículo mais estado de saúde, e não pelos méritos de sua obra. • aviltado do que nunca nos Estados Unidos. Mesmo suas artes po À medidaque se difunde paraa arte areaçãolacrimosacontra pulares, outroramaravilhaedeleite do mundo, decaíram; houveuma a excelência, a idéia de discriminação estética é metida no mesmo • época, ainda na memória de alguns de nós, em que a música popu saco com a de discriminação racial ou de gênero. Poucos se rebe • lar americana transbordava de exaltação, de dor e humor, e atraía lam contraisso, ou notam que, emquestões de arte, "elitismo" não os adultos. Hoje, em vez da bruta intensidade do Muddy Waters significainjustiçasocial enemmesmo inacessibilidade. O ego ého • ou da viril inventividade de Duke Ellington, temos Michael Jack je a vaca sagrada da cultura americana, a auto-estima é sacrossan- . • son, e em vez de George Gershwin e Cole Porter somos arrastados ta, e assim nos esforçamos.paratransformar a educação num siste- • 16 17 -•- • • • maem que ninguémpodefracassar. No mesmo espírito, otênis de A vidapúblicados Estados Unidos hoje compõe-se em grandepar • via ser despido desuas nuances elitistas:ésó nos livrarmos darede. te de segundos atos, etornou-se umaparódiainconvincente da pro • Comonossarecém-descobertasensibilidadedecretaquesó aví messa original da América como um lugar onde qualquer um, ali timapodeser oherói, tambémohomembranco americano começa viado dos fardos do Velho Mundo, poderia ter um novo início. • a berrar pelo status de vítima. Daí o surgimento de terapias da mo- Lembro-mede quetive alguns receios há quinze anos quando Char- . • da que ensinam que todos somos vítimas de nossos pais: que, seja les Colson, um dos vilões menores de Washingtonnaépoca de Wa o • qual for anossaloucura, venalidade ou franco banditismo, a culpa tergate, anunciou nos portões do presídio de segurançamínima que não énossa, jáqueviemos de "famílias disfuncionais" e, como John tinha visto a luz de Cristo e renascera. Os americanos não iam en • Bradshaw, Melody Beattie e outros gurus dos programas em doze golir aquilo, certo? Mas engoliram. Até mesmo David Duke disse • etapas seapressam aafirmarsemamenorevidência, que 96porcento que tinha renascido do nazismo para a irmandade de Cristo - e -das famílias americanas são disfuncionais. Fomos expostos a im milhares de pessoas acreditaram nele. Daqui a pouco a família de • perfeitos, ou nos deixaram carentes de amor, ou nos espancaram, RobertMaxwellvai dizer aseus lesadosbanqueiros eex-empregados • ou talveztenhamos sido submetidos às luxúrias de sátiro do papai; que ele foi honesto no fim, e morreu de uma desastrada tentativa • ese achamos que não, ésó porquereprimimos a lembrança, e por de autobatismo porimersão total. Comtantos picaretas fazendo fi tanto temos mais urgente necessidade do recém-lançado livro do la para se lavar no sangue do Cordeiro, não admira que a pobre • charlatão. criatura esteja parecendo meio pálida. • O número de americanos que sofreram abusos quando crian A generalizada alegação de vitimização derruba a cultura da ças, e que portanto agora estão absolvidos de toda culpapor qual terapêutica há muito acalentadanos Estados Unidos. O fato de al • quer coisa que possamfazer, émais ou menos igual ao número dos guém parecer forte só pode ocultar umainstável estrutura de nega • que, há uns poucos anos, tinham sido outrora Cleópatra ou Henri ção, mas ser vulnerável é ser invencível. A lamentação dá poder • que VIII. Assim, o éter hoje está congestionado com exibições con mesmo que seja apenas o poder de chantagem espiritual, de criar f'essionais em que um desfile decidadãos eseus modelos, de Latoya níveis antes despercebidos de culpa social. Basta proclamar-se ino • Jackson a Roseanne Barr, selevanta para denunciar os pecados de centequesuacabeçarola. As mudanças produzidas porisso podem • seus pais, reais ou imaginados. Nãoter consciênciade umainfância ser vistas em toda parte, e sua curiosa tendência é fazer convergi infeliz é prova cabal, aos olhos da Recuperação, de "negação" rem a "direita" e a "esquerda". É só pensar na recente forma de • pois a suposição é que todos tiveram uma, e portanto trata-se de discussão das questões sexuais, que cada vez mais giram em torno I•. umafonte de rendapotencial. O culto da CriançaInterior abusada de vitimização. Os pró-vida tomam de empréstimo o jargão femi- r tem um uso muito significativo nos Estados Unidos de hoje: diz nista e chamam o aborto de "estupro cirúrgico" (não importa que nos que oressentimento pessoal transcende o discurso político, eque ,seja um ato inteiramente voluntário), .... _.--- • .' a curva de produção ascendente do narcisismo piegas não precisa Enquantoisso, anovaortodoxiafeminista abandonaaimagem I. cruzar com a espiral descendente da trivialidade cultural. Assim, a damulherindependente, existencialmenteresponsável, em favor da buscada CriançaInterior acabade tomar opoderno momentomes mulher comovítimadesamparadadaopressão masculina- tratem mo em que os americanos deviam estar se perguntando onde anda na como igual perante a lei, e estarão agravando sua vitimização. • o seu Adulto Interior, e como esse maior abandonado acabou en Os conservadores se deliciam lançando seus argumentos nos mes • terrado sob os detritos da psicologia pop e da capciosa satisfação mos termos devitimologia, com a diferençade que, paraeles, o que a curto prazo. Imaginamos um Taiti dentro de nós mesmos, e pro produzvítimas éopróprio feminismo, em conluio com ofalo opor • curamos seu habitante de antes daqueda: cadaum seu próprio No tunista. EmEnemies ofEros [Inimigos de Eros] (1990), a escritora '. bre Selvagem. antifeminista Maggie Gallagher afirma que "o homem explora a • Se a Criança Interior não nos liberar, o abraço da redenção o mulher toda vez que usa o corpo dela para o prazer sexual sem que fará. Dizia-se que não há segundo ato nas vidas americanas. Isso esteja disposto a aceitar todo o fardo da paternidade". Ela "pode • foi antes de a TV começar a queimar as células de nossa memória. consentirplenamente, conscientemente, entusiasticamente comsua • '. 18 19 • • • • lamentarbritânica- foi orompimento do status devítimacolonial exploração. Isso não modificaa naturezadatransação". Quaseexa • e a criação de umEstado secular no qual os direitos óbvios seriam tamentea mesmaopinião dafeministaAndreaDworkin- sexo en tre homem e mulher é sempre estupro. "Durante a relação sexual, continuamente ampliados no interesse da igualdade. • a mulher é, fisicamente", escreve essa extremista, "um espaço in Sempre houve atrito entre os resquícios da ideologia puritana • vadido, umterritório literal ocupado Iiteralmente; ocupado mesmo de uma hierarquia dos virtuosos, sob o imutável olho de Deus, e • quenão tenhahavido resistência; mesmo que a mulher ocupada di o conceito americano posterior, revolucionário, do século XVIII, de ga: 'Sim, por favor, sim, vamos logo, sim, mais,.,,1 Essas visões desenvolvimento secular e incessante em direção à igualdade de di • grotescamenteampliadas de ataquecriminoso reduzem as mulheres reitosinerentes ao homem, enão simplesmenteconcedidos pelo go • a vítimas sem vontade própria, privadas do poder tanto de consen verno. Esse atrito parece não ter fim; ainda o sentimos hoje. Foi tir quanto de negar, meras bonecas jogadas de um lado para outro previsto em 1835 porAlexis de Tocqueville, em Democracy inAme • aos ventos ideológicos do extremismo feminista. "Encarar o 'sim' rica [Democracia na América]: • comosinal de verdadeiro consentimento" , escreveu a professorada Os homens jamais estabelecerãoumaigualdadecoma qualsesatisfa • Faculdade de Direito de Harvard, SusanEstrich, "éenganoso". Tu çam [...] Quando a desigualdade de condição éalei comum dasocie do é estupro até prova em contrário. • dade, as mais acentuadas desigualdades não ferem oolho; quandotu Dessas e outras formas criamos uma infantilizada cultura da do está quase no mesmo nível, as mais leves são visíveis o bastante lamentação, em que o Papaizão é sempre o culpado, e a ampliação e\ paramachucá-lo.Daío desejo deigualdadetornar-sesempremaisin de direitos prossegue sem a outrametade da cidadania- a ligação • saciável à medida que a igualdade é mais completa. com deveres e obrigações. Ser infantil é uma forma regressiva de desafiar a tensão da cultura empresarial: Não me pise, eu sou vul Essaeraavisão de umvisitante do Velho Mundo, tão limitado . e' nerável. A ênfase é no subjetivo: como nos sentimos emrelação às pelosistemade classes queachavaqueaigualdadeeraa "leicomum" • coisas, em vez do que pensamos ou podemos saber. Os problemas num país que ainda não saíra da condição de Estado escravagista. • .' desse voltar-se para dentro foram esboçados há muito tempo por Não podemos nos imaginar partilhando de seu exaltado elitismo, Goethe, falando a Eckermann: "As épocas regressivas, e em pro mas Tocqueville tinha algumarazão. O temperamento básico dos cesso de dissolução, são sempre subjetivas, ao passo que a tendên EstadosUnidostendeparaumideal de existênciaqueprovavelmente • ciaemtodas as épocasprogressivas éobjetiva [...]Todo esforçoreal nuncapoderáser alcançado, mas quetambémjamais podeser aban • menteexcelentesaide dentro parao mundo, como sevê nas grandes donado: direitos iguais para a variedade, para construirmos nossa épocas que tiveram real progresso e aspiração, e que foram todas vidacomo quisermos, escolhermos nossos parceiros de viagem. Es • de natureza objetiva." te sempre foi um país heterogêneo, e sua coesão, .seja qual for, só • podebasear-seno respeito mútuo. Jamaishouve aquiumpaís onde .< todos se parecessem, falassem a mesma língua, adorassem os mes 11 mos deuses eacreditassemnas mesmas coisas. Mesmo antes dache -• gadados europeus, os índios americanos viviamconstantementena Como percebeu Auden, o que essacultura gosta é dos fetiches garganta uns dos outros. Os Estados Unidos são uma construção gêmeos davitimização edaredenção. Os puritanos se consideravam, do espírito, não de umaraçaou classe herdada, ou de umterritório .' com razão, vítimas de perseguição, enviadas para criar um-Estado e' ancestral. teocrático cujas virtudes transcenderiam os males do Velho Mun Sei muito bem quetudo isso jáfoi dito, mas suaverdade óbvia do, e com isso redimiriam a queda do homem europeu. A sublime • éo motivo de os Estados Unidos sempreterem parecido maravilho .' eradical experiênciade democraciaamericana - evale a penalem sos a estrangeiros como eu. Isso não significa que tenham o mono brar que, emboratendamos a pensarnosEstadosUnidos como per petuamente novos, a queda dos despotismos tornou sua forma de pólio daliberdade, ou mesmo que seus modelos de liberdadesejam •.) exportáveis para todas as partes do mundo.Mas é um credo nasci governo mais antiga e contínua do que qualquer outra daEuropa, do daimigração, do acotovelamento de dezenas de tribos quesetor- mais'que a RevoluçãoFrancesaemuito mais que a democraciapar- • 21 20 •-- • • • . nam americanas namedida emque conseguem estabelecer'compro Em vez de um terreno comum, temos demagogos bradando que só • missos umas com as outras. Essas negociações têm êxitos desiguais, háum caminho para o americanismo virtuoso:paleoconservadores • . emuitas vezes fracassam:bastaexaminar a história das relações ra como JesseHelms ePatRobertson, que acham que o país temuma ciais'para ver isso. ética única, neoconservadores que criam um espantalho exagerado • É demasiado simples dizer que os Estados Unidos são, ou fo chamado multiculturalismo - como se a própria cultura ocidental • ram algum dia, um cadinho. Mas também é demasiado simples di tivessealgum diasido outracoisaque não multi, vivendo de seu ecle • zer que nada de seu conteúdo na verdade se fundiu. Nenhuma me tismo, seu poder de bem-sucedida imitação, sua capacidade de táforaúnica pode fazer justiçaàcomplexidade de cruzamento edi absorver formas eestímulos "estrangeiros" - etraficantes da cor • fusão culturais nos Estados Unidos. O mutualismo americano não reção política, que gostariam de ver o ressentimento elevado à san • tem escolhasenão viver no reconhecimento da diferença.Mas édes tidade automática. truído quando essas diferençassão transformadas em baluartes cul Nasociedade, como naagricultura, a monoculturafunciona de • turais. Costumava-seusar umametáforamorta -...:..... "balcanização" maneiramedíocre. Exaure o solo.A riquezaracial dos EstadosUni • - paralembrar a divisão deum campo em seitas, grupos, pequenos dos, tão impressionante para o estrangeiro, vem da diversidade de • nódulos depoder. Hoje, sobreocadáver desmembrado daIugoslá suas tribos. Suacapacidade de coesão, de um certo espírito de con via, cujas "diferenças culturais" (ou, parafalar claro, arcaicas san cordânciasobre o quese deve fazer, vem da disposição dessas tribos • dicesreligiosas eraciais) foramliberadaspelamorte do comunismo, de não transformar suas diferenças culturais em barreiras etrinchei • ras intransponíveis, não fetichizarsua "africanidade" ou italiani vemos o que essa rançosafigura de estilo significou outrora e pode tã, que as tornam distintas, às custas de sua americanidade, quelhes • voltar asignificardenovo.Ummundo hobbesiano: aguerradetodos proporcionaumvastoterreno comum. Ler os Estados Unidos éco contra todos, engalfinhados emluta sangrenta e ódio teocrático, a • mo contemplarummosaico. Se olharmos o quadro geral, não vere reductio adinsanitatem do suave emoderado multiculturalismo ame • mos as partes - os ladrilhos distintos, cada qual de uma cor dife ricano. Que governo imperial, que tirania dos Habsburgo ou indo rente. Se nos concentrarmos apenas nos ladrilhos, não veremos o • lente domínio dos apparatchiks moscovitas não seriam preferíveis quadro. a isso? Contra esse apavorante pano de fundo, tão distante da ex • Entramos num período de intolerância que se combina, como periência americana desde a Guerra Civil, temos agora nossos con às vezes acontecenosEstados Unidos, com um gosto adocicado pe • servadores prometendo uma "guerra cultural", enquanto radicais lo eufemismo. Essa conjunção gera fatos que ultrapassam os mais • ignorantes discursam sobre "separatismo". Eles não têm idéia de desvairados sonhos da sátira - se a sátira ainda existisse no país; quais demônios estãoinvocando comsuafrivolidade. Sesoubessem, • talvez omotivo de suafraqueza seja que a realidade a superou.Ve- . calariam a boca, envergonhados. jam, por exemplo, a batalha pelos direitos das vítimas recentemen Duzentos esessentamilhões de pessoas compõem omesmo país, te travadano restauranteBetty's OceanviewDiner, em Berkeley, Ca • mas isso não significaquesejamtodas do mesmo tipo, com as mes lifórnia, edescritacomcerto grau de prazer turrão porNatRentoff • ,1) mas crenças e costumes. Permanece o fato de que os Estados Uni • no Village Voice.2 . dos são uma obra coletiva da imaginação, cuja construção jamais Ali, numa manhã de 1991, uma garçonete chamada Barbara, • termina, e, assim que serompeesse senso de coletividade erespeito que depois se recusou a revelar seu sobrenome, viu um jornalista mútuo, começama desfiar-seaspossibilidades do americanismo. Se • sentado sozinho edando uma olhadanum artigo sobre a Constitui estão puídas hoje, é porque, nos últimos vinte anos, a política de ção, do próprio Nat Hentoff', numa revista. Só que a revista era a • ideologia enfraqueceu e em algumas áreas partiu o tradicional gê Playboy;epor isso Bárbara Qualquer-Coisase recusou a servir-lhe • nio americano para o consenso, para o progresso através de com o desjejum, dizendo-se "apavorada e chocada", pois a simples vi promissos práticos destinados asatisfazernecessidades sociaisreais. são de Playboy já erauma forma de estupro por procuração, assé • Durante toda a década de 80, isso aconteceu com deprimente dio sexualem local de trabalho, umaameaçaà auto-estimadas mu • regularidade em ambos os lados da política partidária americana. lheres, e assim por diante. • 22 23 • •

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