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Crise Agrária e Luta de Classes - O Nordeste Brasileiro entre 1850-1889 PDF

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- -v j í ê&0í£$$ ilèsS^et BMbltamèts• J W *G9 3NÕ NVlYTr HAMILTON DE MATTOS MONTEIRO Doutor em História e Professor da Universidade de Brasília é« .R ix ( ftjo tfo fe CRISE AGRARIA E LUTA DE CLASSES .4 !j (O Nordeste brasileiro entre 1850 e 1889) HORIZONTE EDITORA LIMITADA SIG / QUADRA 02 / 375 385 395 TELEX (061) 1687 / TEL 223-2450 BRASILIA - DISTRITO fEDERAL K HiC iTAl- Monteiro, Hamilton de Mattos M772c Crise agrária e luta de classes: o Nordeste bra­ sileiro entre 1850 e 1889 / Hamilton de Mattos Monteiro; prefácio de Eul-Soo Pang. Brasília, Hori­ zonte, 1980. 1. Brasil — História — Nordeste 2. Brasil — História — Reyoltas 3. Conflito social — Nordeste—-Brasil I. Título II. Título: O Nor­ deste brasileiro' entre 1850 e 1889. NOTA DO EDITOR • „ , - CDD _ 17. e 18. 981.2/2 I • 17. e 18. 981.043 Este livro trata de uma época esquecida e parcialmente 17. 301.29812 pesquisada da história do Nordeste brasileiro. Aborda o pe­ V / 18. 301.6309812 ríodo entre 1850 e 1889, no qual se aprofunda a crise eco­ CDU — 981.06 nômica e acirram-se as contradições sociais. A partir deste ponto — a crise econômica —, o autor apresenta a situação das várias classes sociais e como reagiram diante dos problemas que enfrentavam. 1980 Expõe, a partir de rica e inédita documentação, o desen­ volvimento do banditismo rural, “uma espécie de luta de clas­ BRASILIA ANO XX ses”, dentro do conceito já muito conhecido de Eric Hobsbawm. Apresenta a posição dos grandes proprietários rurais, diante da “rebeldia” de seus trabalhadores e do “abandono” a que foram relegados pelo governo central. Em dois capítulos, analisa as insurreições de 1851/52 e 1874/75, em que frações de todas as classes sociais participaram, movidas por situações diversas, mas que expressavam a deterioração das condições de CAPA: EDMUN vida da população nordestina. O livro nos fornece subsídios para entendermos os fenômenos Antônio Conselheiro e Lampião e tantos outros “fanáticos e cangaceiros” que povoaram o sertão nordestino até meados deste século, bem como o fluxo migratório para outras regiões do País. Constitui-se, assim, num trabalho que, junto ao de Peter Eisenberg — Modernização sem mudanças —, dá nova dimen­ são aos estudos históricos, sociológicos e econômicos sobre o tão sofrido e espoliado NORDESTE BRASILEIRO. Geraldo Vasconcelos 1? edição — 1980 BRASfLIA - BRASIL Direitos exclusivos desta edição, da HORIZONTE Editora Limitada - BRASILIA Este livro foi çriginalmente Tese para obtenção do título de Doutor em História, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1978, sob a orientação da Dra. Fernanda P. de A. Wright. Agradecimentos: Adalgisa Maria Vieira do Rosário, Canrobert Penn Lopes Costa Neto, Eul-Soo Pang, Francisco de Assis Barbosa, Fran­ cisco J. Calazans Falcon, Jaime Antunes da Silva, João Batista Borges Pereira, João Batista Pinheiro Cabral, Layma Mesgravis, Maria de la Encamaáon de Espana Iglesias, Reynaldo Xavier C. Pessoa, Rui Galvão de Andrade Coelho, Rui Vieira da Cunha, Sonia Maria Gomes, Suely Robles Reis de Queiroz. Um agradecimento especial à Dra. Nícia Villela Luz, cujasf ponderações foram muito úteis e, cuja presença na época da redação, serviu de poderoso estímulo. Ao Prof. J. R. do Amaral Lapa cujas críticas e sugestões levaram-me a reformular vários pontos deste trabalho, meus sinceros agradecimentos.- Aos funcionários e diretores do Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, especialmente Dr. Raul Lima e Gabriel C. da Costa Pinto, o meu muito obrigado. Minha gratidão aos professores Antonio Carlos Quaresma (falecido) e limar Rollof de Matos, a quem devo o gosto pela pesquisa e pela verdade históricú. Ao Prof. Agenor Miranda Rocha e a Irene de Mattos Monteiro, meu mais humilde reconhecimento e o maior dos agradecimentos. \ A Belarmino de Mattos, meu avô, e Paulo Roberto Aze­ redo, antropólogo e amigo, vítima da violência urbana, dedico este livro. Os conceitos aqui emitidos são de minha exclusiva res­ ponsabilidade. o autor £N A DG EN< NATA' 1 APRESENTAÇÃO DUAS GENEALOGIAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Vamireh Chacon Existem duas árvores genealógicas na historiografia bra­ sileira: a festiva das efemérides, cujos precursores não vamos desfiar aqui, nem muito menos seus seguidores até os dias atuais, pois melhor vale ó registro pormenorizado - da outra, a propriamente dita, a que faz o Brasil consciente de fa"o da sua grandeza. Trata-se, é claro, da linha oriunda em Capistrano d? Abreu e vindo a José Honório Rodrigues em nossos dias, passando por muitos e grandes conscientizadores sociais da nossa cultura. Hamilton M. Monteiro incorpora-se a esta corrente vigo­ rosa e combativa, com seu livro, extraído de tese doutorai: Crise agrária e luta de classes (O Nordeste brasileiro entre 1850 e 1889). O título pode espantar à primeira vista, sugerindo modis­ mos e sensacionalismos, que não atropelam o moço já amadu­ recido e quase sisudo nas suas pesquisas. Ê que de fato há crise agrária e luta de classes no campo, por vezes violentas, conforme sabemos a partir d’Os Sertões, clássico de Euclides da Cunha, despertando um debate, chegando aos nossos dias nos estudos de Maria Isaura Pereira de QueiroZ, sobre o messianismo rural, e nos de Armando Souto Maior acerca da rebelião dos chamados “quebra-quilos’\ A história brasileira não se apresenta como o mar de rosas dos triunfalistas. Mestre José Honório Rodrigues mos- trou-o, de modo exemplar, em Conciliação e Reforma no Brasil: quase sempre o acordo termina se fazendo às custas do fraco ou do vencido, ou de ambos, enquanto o forte se prepara para nova repressão. Está situação surge mais amarga no campo. Ainda está para ser escrita a história das rebeliões populares, sobretudo rurais, esquecidas no Brasil afora, pela intencional amnésia dos festejadores de efemérides amáveis. Hamilton M. Monteiró expõe, com rigor metodológico e serenidade ideológica, mais esta face daquela outra história, a social do povo brasileiro, sem heróis mas diante de vilões, em batalhas com grandeza inédita e digna de redescoberta. Ele dal não parte para extrapolações supostamente filo­ sóficas e sociológicas. Hamilton M. Monteiro é um historiador por vocação e formação. Ele não briga com os fatos, tentando metê-los a serviço das suas próprias opiniões. Prefere acom­ SUMÁRIO panhá-los a compreendê-los, como o propunha Lucisn Febvre, na herança de Henri Pirenne. A sua metodologia historiográ- fica, fiel ao documento, também experimenta o sopro do ideal humanista social das grandes causas, que o jovem Hamilton M. Monteiro generosamente gostaria de ver vitoriosas também pág- em nosso país. Daí sua escolha da história dos oprimidos e não dos opressores, do povo anônimo sem heróis, mas com PREFÁCIO .................................................................... 15 INTRODUÇÃO .............................................................. 19 a grandeza maior de cerne verdadeiro da nacionalidade. CAPITULO 1 — AS CONTRADIÇÕES 1.1 — Violência no Nordeste: esboço teórico 29 1.2 — Meiof ísico e uso do solo ................ 35 1.3 — Meios de produção e estratificação social ............. 37 1.4 — Dependência e crise econômica........ 39 1.5- — Formação social e estrutura política 49 CAPITULO 2 — RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO E VIOLÊNCIA 2.1 — Banditismo e luta de classes ........ 69 2.2 — Classe dominante e uSo da força ... 89 CAPITULO 3 — NORDESTE INSURGENTE 3.1 — “Ronco da Abelha” ou revolta popular? 117 3.2 — “Quebra-quilos”: contestação e re­ pressão ...........................;...................129 CONCLUSÃO ............................................. 157 ANEXOS ....................................................I ...................165 BIBLIOGRAFIA ........................................: ...................195 4 PREFÁCIO Os historiadores do Brasil Império (1822-1889), em par­ ticular os do Segundo Reinado (1840-1889), erigiram o mito da estabilidade política e paz interna sob o governo de D. Pe­ dro II, o “Marco Aurélio das AméricasNas últimas três décadas, aproximadamente, historiadores brasileiros e norte- americanos vêm desmistificando o dogma, a partir de novas interpretações, históricas e sociológicas, sobre esta época. A co­ nhecida lese de Gilberto Freyre sobre a harmonia racial e miscigenação, como componentes fundamentais da democracia social no Brasil, por exemplo, tem sido sistematicamente reba­ tida por substanciosas análises, baseadas em vasta documenta­ ção, por Emilia Viotti da Costa, Octavio lanni, Fernando Hen­ rique Cardoso, no Brasil, e Stanley Stein, Marvin Harris e Thomas E. Skidmore, nos Estados Unidos. Hoje, a venerável tese de Freyre ainda serve como ponto de referência, entretanto já não figura como a análise _sociológica da sociedade agrária brasileira. A interpretação tradicional de “paz e harmonia’’ do se­ gundo reinado sofre também um processo de revisão. Agora, o Doutor Hamilton de Mattos Monteiro escreve um livro — CRISE AGRÁRIA E LUTA DE CLASSES — que abre um novo caminho para pesquisas futuras, e visa corrigir idéias até então consagradas. A tese principal deste trabalho, fruto de cuidadosa e profunda pesquisa, é que o Brasil (1850-1889) não teve a paz interna e a estabilidade que os historiadores monarquistas gostariam que tivéssemos acreditado. Pelo con­ trário, o Dr. Hamilton mostrou que a monarquia não foi capaz de se impor em áreas periféricas, como as províncias nordes­ tinas e do Cenlro-Oeste. AÜSRf'disso, enfatiza que, no Império Brasileiro, não houve uma homogeneidade r.a ação política, vista por uma perspectiva trilateral de relação de forças entre o Estado e a classe dominante, entre a classe dominada e o Estado, entre classe dominante e classes dominadas. Não so­ mente os “mandarins’' imperiais foram contestados na sua ação _ de impor-os desejos da Coroa, como tampem encontravam. 15 ção. Nas palavras de Blok, o processo de integração, não o mais do que nunca, forte resistência pôr parte das elites locais, sistema de elites, deve ser estudado. Na Europa, violência tais como grandes proprietários de terra, clero e comerciantes. estruturada (exército, polícia, guarda nacional etc.) e controle Em que pese a complexidade de conceituar-se a violência, sobre gêneros alimentícios e seus preços se apresentam como o Prof. Hamilton considerou tal tarefa indispensável ao seu instrumentos gêmeos para “state-making”,. assim consolidando trabalho. Define a violência a partir de um contexto de con­ ou enquadrando áreas periféricas endemicamente em revolta. flito de classes: "Entendemos por violência o uso da força por Objetivando estabelecer o controle dos Bourbons sobre as grupos de indivíduos, ou pelo Estado Cisando impor a outros Duas Sicílias, o distante rei adotou a elite local como sua sub- uma forma de conduta que satisfaça seus objetivos, e a resul­ rogada, neste caso a classe latifundiária. A divisão da socie­ tante das relações de dominação de uma classe social sobre dade, entre as tendências burbônicas para reformas e enqua­ outra, esta última não implicando, necessariamente, o uso da dramento monárquico, de um lado, e, do outro, a persistente força”. Acrescenta, ainda, que as oportunidades limitadas de resistência conservadora da parte da classe latifundiária sici- acesso à terra por parte da maioria dos nordestinos, constituíam liana, provocou o surgimento de uma nova elite intermediária, outra dimensão principal de violência. a Máfia. O papel da Máfia era preencher o vácuo do poder Baseando-se em dados inéditos bem como em documentos local, resultante do conflito entre os reformadores monárquicos publicados, o autor identifica três fatores estruturais e conjun­ e os conservadores sicilianos, que limitou a eficácia da aplica­ turais que acentuaram a violência no Nordeste: "a má distri­ ção da lei burbônica no campo. A Máfia preencheu o vácuo, buição da terra”, “a crise do setor exportador” e as “secas ocupando os governos locais, mais identificada com os latifun­ ■ [periódicas”. diários, exercendo um papel de polícia privada. Mais tarde, Seu estudo sobre a rebelião “Ronco da Abelha” (1851- a Máfia fortaleceu-se e teve condições para desafiar a autori­ 1852) e “Quebra-Quilos” (1874-1875) oferece- um novo cami­ dade central e a classe latifundiária local. Numa rápida com­ nho para interpretação — não somente as revoltas envolveram paração, a Máfia do século XIX assemelha-se aos coronéis muitas províncias nordestinas (Ceará, Rio Grande do Norte, brasileiros da segunda metade do século passado, aüe atuaram Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), mas também, dentre como intermediários entre o governo e a sociedade civil. seus participantes incluíam-se vários elementos das classes De maneira semelhanteo Dr. Hamilton mostrou o pro­ baixa, média e alta, como proprietários de terras, comerciantes, cesso de enquadramento feito pelo Império, cuja análise con­ padres e camponeses. O Prof. Hamilton mostra claramente, sideravelmente modificou interpretações existentes acerca do contrastando com a tese de Eric Hobsbctwn, que “primitive Segundo Reinado. Para chegar a esta nova tese — o Segundo rebellions” não necessariamente ficaram confinadas à classe Reinado estava contaminado pela violência e não dotado de paz oprimida. Nestes casos do Nordeste, comprova que as rebe­ interna — consultou vasta quantidade de documentos no Ar­ liões, fazendo parte contínua de um processo que vem se de­ quivo Nacional e uma enorme variedade de monografias sobre senvolvendo desde as crises políticas e levantes sociais que se a violência. Alguns leitores poderíam achar que faltou pesqui­ verificaram na década de 1840, exibiram nitidamente a parti­ sas de campo no Nordeste mas isto não enfraqueceu o esquema cipação de várias classes sociais no lugar de umà. somente. analítico do trabalho. Além disso, o Prof. Hamilton não pre­ Embora o Prof. Hamilton não mencione especificamente tendeu haver escrito um estudo definitivo sobre o assunto. no seu 'livro, sua abordagem se enquadra na linha das pesqui­ E somente o começo, primeiro e importante passo, para um sas correntes na Europa e nos Estados Unidos acerca de trabalho mais amplo sobre violência social, revoltas e revolu­ "stalemaking’’ e vioiênáCesocial. Charles Tilly (sobre a França), ções no Brasil que os historiadoresje cientistas sociais deveríam Richard Herr (sobre a Espanha), F. M. L. Thompson e Eric prestar uma atenção mais cuiddâòsá. Hobsbawn (sobre a Inglaterra), Georges Rude (sobre a França), Tenho o imenso prazer de haver lido o manuscrito do Gabriel Ardant (sobre a França-e Suiça) e finalmente Anton livro e, do fundo do coração, saúdo a publicação d-'sta obra Blok (sobre a Itália, mais precisamente a Siciliaj, ptira citar pioneira que vem ampliar o conjunto sempre crescente da somente estudos bem conhecidos, argumentaram que os histo­ iconoclasta historiografia social da Terra de Santa Cruz. riadores têm que ir além dos limites da estrutura legal-jurídica Éul-Soo Pang PhD, professor- da Universi­ para compreender a viabilidade de uma sociedade em integra- dade de Alabama, em Birmingha:” -(USA 'i. _ 16 - 17 INTRODUÇÃO Existem alguns mitos na história do Brasil que adqui­ riram “status” de verdade^com o decorrèFdoTêmpo. Entre estes um dos mais arraigados é o de que o período entra 1850 e 1889 foi uma das épocas menos violenta de nosso / processo histórico. Gérálrriente, o que há muito tempo vem sendo divulgado é que em 1850, vencida a última grande revolta — a Praieira — instalou-se uma época de paz e progresso, em grande parte atribuídos à monarquia e ao caráter “democrático" do governante, o imperador D. Pedro II. Afirmações deste tipo, à primeira vista, parecem ver­ dadeiras mas existem alguns pontos que devem ser apre­ ciados, para melhor compreensão do problema. A princípio, não devemos esquecer que este mito da magnanimidade do imperador e da paz do seu reinado já era afirmado na própria década de cinqüenta pelos missio­ nários americanos Kidder e Fletcher na obra conjunta Brazil and the Brazilians, portrayed in historical and descriptive sketches, cuja primeira edição foi publicada em Filadélfia em 1857, onde escrevem longos trechos comparando o - Brasil com os demais países da América Latina e afirman­ do as vantagens do primeiro, entre os quais a paz e a ordem. Se os pastures serviam aos interesses do expan- sionismo comercial foorte-americano ou não, o fato é que refletem uma idéia que nos pareceu ser comum entre a elite naquele período, cujos salões freqüentaram.. Outro ponto qüe nos parece digno de ser lembrado é o de que a elite brasileira estava comprometida com o movimento que levou à abdicação do primeiro imperador e, poste­ riormente, com a maioridade do segundo; a partir de então começa-se a delineara noção de que à turbulência do pri­ meiro reinado contrapunha-se a paz do segundo, à impe­ tuosidade do imperador de nacionalidade portuguesa con­ trapunha-se a serenidade do imperador nascido brasileiro, e outras comnaraçõés deste tipo, todas-tendentes a glo- 19 rificar o segundo reinado e indiretamente a provar o acerto favor" nas terras dos grandes proprietários, numa situação da obrá realizada. A estes juntaram-se, na mesma época instável, podendo a qualquer momento ser expulsos, per­ ou em períodos posteriores, os historiadores monarquistas dendo as benfeitorias, inclusive a sua “roça". Esta si­ que tudo fizeram para idealizar e enaltecer o regime mo­ tuação, convenhamos, era uma violência ao direito de vida nárquico, especialmente o reinado de D. Pedro li, colo- desta parcela da população. cando-o como a "época de ouro” da história do Brasil. Passando aos grandes proprietários rurais, devemos Exemplo típico que retrata toda uma tendência dentro levar em conta que também eles não estavam satisfeitos. da historiografia brasileira é Manoel de Oliveira Lima; em Abõstúmados ao mando sobre os seus vastos domínios, duas de suas obras deixa registrado bem claramente o as­ numa autoridade adquirida desde os tempos coloniais, so- pecto pacífico e não-violento dos anos entre 1850 e 1889: freriam os efeitos da centralização monárquica a partir do América Latina e América inglesa; a evolução brasileira momento em qúê~õs Braganças formaram"áqDTum império comparada com a hispano-americana e com a anglo-ameri­ autônomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao cana, e O Império Brasileiro. Desta última é esta passagem gosto das casas reais européias. Se bem que na maiór onde sob o título de “O império e o espírito revolucioná­ parte dos oasos, estabeleceram — poder público e poder rio" o autor afirma: privado — um “modus vivendi", esta situação não deixaria “Sob este ponto de vista o Império oferece de provocar atritos e insatisfações. Se a isso juntarmos um vivo contraste entre o primeiro e os dois ime­ a crise do setor exportador nordestino, teremos nos gran­ diatos quartos de século da sua duração, que foi des proprietários daquela região um foco de reivindica­ de 67 anos. Às lutas civis, preeminentes desde ções e rebeldias em potencial. 1824 até 1848, sucedeu um período de paz e de Outro ponto que não podemos deixar de levar em ordem domésticas. (...) O espírito revolucio^ consideração é o relativo às formas de manifestação dos nário sossegou, abrandou o regime da violência, descontentamentos. Não é porque numa determinada sem um fuzilamento nem uma represália dura, época não haja revoltas de grande envergadura, é que' de­ dominado pela magnanimidade do soberano que vemos concluir que as insatisfações sociais deixaram de impunha sua política de paz". se manifestar. Elas podem ter tomado outras formas que Na verdade, não houve revoltas de grande extensão longe de descaracterizá-las deram-lhes uma roupagem'dife­ como a Balaiada, a Farroupilha, e outras semelhantes após rente cónforme permitiram as condições sociais, políticas 1850, mas isto não significa que a violência tenha dei­ e ideológicas daquele momento histórico. xado de existir. Chegamos assim ao ponto central do nosso trabalho. Se levarmos em conta que havia uma parcela conside­ Defendemos a hipótese de que longe de ser tranqüilo o rável da população que vivia privada de sua liberdade, sem período entre 1850 e 1889 foi também tão violento como os opção de escolher o tipo de vida ou trabalho que gostaria, demais na história do Brasil, só que de uma violência com como foi o caso dos escravos, devemos concordar que características singulares que a fizeram passar despercebi­ se tratava de uma violência da parte daqueles que os es­ da ou permitiram que ela fosse propositalmente esquecida. cravizavam como também de que eles próprios consti- Resolvemos partir, de início, das fontes primárias e tuíam-se num foco de revolta; elas existiram e não foram daquela que nos pareceu ser a mair 'gêrãt- de todas: os poucas, num sistema quç só seria extinto definitivamente relatórios dos Ministros da • Justiça, de 1850 a 1889. em 1888. Depois de termos feito o levantamento de todo o período, Por outro lado, com a economia estruturada à base do passamos a fontes mais locais como os relatórios dos pre­ latifúndio e do trabalho escravo, foi-se formando, cada vez sidentes de províncias, dos chefes de polícia e. finalmente, em maior número, uma “massa" de homens pobres-livres a correspondência das autoridades locais com as presi­ que viviam miseravelmente e só eventualmente encontra­ dências provinciais e destas com o Ministério da Justiça vam trabalho, assim mesmo em condições abaixo de suas - ao qual estava afeita a segurança interna e tranquilidade necessidades; além disso, esses homens moravam-"'por -pública _ 20

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