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Crer e destruir: Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista PDF

408 Pages·2015·3.137 MB·Portuguese
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Christian Ingrao Crer e destruir Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista Tradução: André Telles A Guido Fanti Sumário Prefácio PARTE I Certa juventude alemã 1. Um “mundo de inimigos” (I) A deflagração da guerra O silêncio dos Akademiker Os “anos de turbulência”: uma experiência de guerra? 2. A fábrica de redes Centros de estudo Núcleos de associação Redes de solidariedade 3. Intelectuais militantes A construção dos saberes acadêmicos Saberes e militância (1919-33) “Ciências de guerra” e intelectuais SS sob o Terceiro Reich A sombra da Primeira Guerra PARTE II A adesão ao nazismo: um engajamento 4. Ser nazista O fundamento do dogma Nas fontes do fervor nazista: um projeto de refundação sociobiológica A apropriação do sistema de crenças 5. O ingresso no SD Filiar-se ao Partido? Rumo ao SD: itinerários nazistas O recrutamento. Uma mecânica social do engajamento 6. Da luta ao controle Do “Serviço de Segurança da SS” (SD) ao “Escritório Central de Segurança do Reich” (RSHA) Um “mundo de inimigos” (II) Controlar PARTE III Nazismo e violência: o paroxismo (1939-45) 7. Pensar o Leste, entre utopia e angústia A maldição da insularidade germânica O projeto de refundação sociobiológica nazista Planejar e instalar: formas do fervor nazista 8. Razões de guerra, retórica nazista Da guerra reparadora à “grande guerra racial” Do discurso cerceador ao discurso genocida Exprimir a violência: retóricas defensivas, retóricas utópicas 9. A violência em atos A experiência da violência Violência demonstrativa, violência extirpadora Uma violência transgressiva A violência como rito de iniciação 10. Os intelectuais SS face à derrota A derrota abstraída do real Finis germaniae (II). A angústia revisitada O desfecho 11. Os intelectuais SS no banco dos réus As estratégias de negação As estratégias de despistamento As estratégias de justificação: o caso Ohlendorf Conclusão: Memória de guerra, militância e genocídio Glossário Notas Fontes e bibliografia Fontes impressas Bibliografia Agradecimentos Índice onomástico Índice toponomástico Prefácio ELES ERAM GARBOSOS, brilhantes, inteligentes e cultos. São culpados pela morte de várias centenas de milhares de pessoas. Este livro conta sua história. Ele é fruto de uma tese de doutorado redigida entre 1997 e 2001, “Os intelectuais do serviço de informações da SS, 1900-1945”.a Sua finalidade era estudar um grupo de oitenta indivíduos com formação universitária, economistas, advogados, linguistas, filósofos, historiadores e geógrafos, alguns deles tendo seguido carreiras universitárias paralelamente a uma atividade de construção dogmática, vigilância política e informação interna ou externa, na esfera dos órgãos de repressão do Terceiro Reich – em especial do Serviço de Segurança (SD) da SS –, e que, em sua maioria, envolvem-se a partir de junho de 1941 na tentativa nazista de extermínio dos judeus da Europa do Leste, no âmbito das unidades móveis de matança denominadas “Einsatzgruppen”. As escolhas científicas fundamentais adotadas naquela época subsistem nos dias de hoje.1 Ser um historiador francês do nazismo, formado em história pelos defensores de uma história cultural da crença e da violência, não foi indiferente à escolha de minhas ferramentas de análise. Em meados dos anos 1980, um grupo de historiadores estabeleceu como objetivo revisitar a história da grande conflagração matricial do início do século XX – internacional, interdisciplinar, atento às fontes mais diversas e, sobretudo, ao universo material produzido pelas sociedades europeias na Primeira Guerra com a formação das coleções históricas da Primeira Guerra Mundial de Péronne. Esse grupo de historiadores, entre os quais cumpre citar Jean-Jacques e Annette Becker, Gerd Krumeich, John Horne e Jay Winter, desempenhou um papel relevante na escolha do conjunto de ferramentas conceituais que orientou o presente livro.2 Nesse aspecto, o papel determinante foi assumido por Stéphane Audoin- Rouzeau. Por seu trabalho sobre as culturas da violência, o universo infantil em guerra,3 o luto4 e os imaginários de guerra, ele se tornou o guia deste estudo, insistindo em dimensões determinantes e, ao mesmo tempo, deixando o jovem pesquisador que eu era totalmente livre em seus descaminhos. Graças a eles, percebi o quanto aquela guerra havia sido grandiosa, como sua dimensão apocalíptica havia sido central, e isso em dois sentidos bem distintos: por um lado, ela constituíra uma revelação para o historiador e, por outro, ganhara efetivamente uma dimensão milenarista, seminal e matricial, para os intelectuais SS.5 A isso se somou a exploração de outros horizontes. A história das grandes confrontações religiosas das épocas medievais e modernas e a leitura de Alphonse Dupront e, principalmente, de Denis Crouzet pareciam sugerir a possibilidade de outra abordagem da questão da crença e da violência; que o enunciado dos atores, longe de ser um falar vazio, substrato de mecanismos sociológicos inacessíveis aos próprios atores, constituía um caminho para que forjassem suas concepções.6 Apreender o nazismo como um sistema de crenças que se combinam em discursos e práticas específicos, decerto igualmente fruto de uma mecânica de políticas públicas feitas de impulsos e decisões, mas no fundo percorrido por emoções de outra ordem que não as apreendidas pelas ciências políticas e a sociologia, as quais, durante vinte anos de paradigma funcionalista, haviam constituído o acervo de recursos conceituais da historiografia alemã: foi este o ponto de partida de meu percurso. Pois haviam permanecido fora do alcance dessas ferramentas o fervor e a angústia, o suicídio e a crueldade, a utopia e o desespero, o ódio… Nenhuma grande originalidade, talvez, nessas escolhas: outros especialistas franceses em ciências humanas também haviam optado por abordagens alternativas e apresentaram trabalhos interessantes em meados dos anos 1990. Édouard Conte e Cornelia Essner, por exemplo, publicaram La Quête de la race. Une anthropologie du nazisme,7 que sugeria importar recursos oriundos da antropologia social estruturalista para os estudos sobre o nazismo. Concentrando-se nos imaginários da filiação e no casamento, bem como nas crenças raciais, nos rituais mortuários e nas práticas de colonização, Édouard Conte e Cornelia Essner mostravam quão rica em ensinamentos era a articulação entre discurso ideológico, política e comportamento. E emitiam sutilmente uma crítica ao funcionalismo radical dos historiadores alemães. O interesse essencial dos homens aqui estudados está, acima de tudo, no fato de haverem ao mesmo tempo produzido um discurso dogmático que permitia uma verdadeira análise de seu sistema de crenças e imposto, na prática, as consequências últimas desse sistema de crenças ao comandar unidades móveis de matança (“Einsatzgruppen”) que exterminaram os judeus da Rússia nos territórios invadidos da Crimeia, Ucrânia, Bielorrússia, Rússia e antigos Estados bálticos. Graças aos trabalhos de Denis Crouzet, empreendi uma releitura decisiva das práticas de violência nazistas. Em Les Guerriers de Dieu, ele postulava que o gestual da violência era, em si mesmo, uma linguagem que refletia o sistema cultural que o tornara possível, constituindo portanto um objeto em si, detectável a partir de ferramentas procedentes da antropologia – Françoise Héritier8 foi valiosa, assim como Véronique Nahoum-Grappe,9 Noëlie Vialles,10 Élisabeth Claverie11 e Catherine Rémy12 –, possibilitando o questionamento da relação com o humano, o animal, a corporeidade, a filiação e a crença.13 Daí a importação, para a história do nazismo, de interrogações oriundas da antropologia social. Foi então sob seus auspícios e equipado com essas ferramentas que se construiu o presente trabalho, e isto segundo três eixos. Minha maior ambição era retraçar o que o historiador alemão Gerd Krumeich chamou de uma Erfahrungsgeschichte, uma história da experiência desses homens,14 e compreender em que medida as molduras da experiência vivida foram capazes de modelar seu sistema de representações. Foi com esse intuito que bebi na herança dos historiadores da Primeira Guerra e me lancei no estudo da experiência infantil da guerra como experiência matricial marcada pelo selo de uma ferida narcísica coletiva que levava os atores a apreendê-la em termos apocalípticos e escatológicos. Em segundo lugar, tratava-se de apreender a militância nazista como uma reação cultural a essa primeira experiência e como um objeto de estudo em consonância com uma antropologia histórica do crer. Em outras palavras, analisar o nazismo como um sistema de crenças “desangustiante”, cuja coerência entre discursos e práticas fosse apontada pelas ferramentas de análise e se encarnasse em percursos e carreiras. Restava a experiência da aterradora viagem ao Leste, que se encarnava nas práticas genocidas no seio das Einsatzgruppen, bem como na participação em políticas de germanização e deslocamentos de populações, por sua vez marcadas por tensões utópicas e assassinas. Por fim, eu desejava concluir esse balanço estudando a percepção da derrota por esses homens e seu destino judiciário após a guerra. Resumindo: tentei compreender como esses homens fizeram para crer e para destruir. a Sobre o contexto historiográfico e sua evolução, reportar-se à bibliografia. PARTE I Certa juventude alemã

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