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Corrida para a Gloria PDF

404 Pages·1.928 MB·Portuguese
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Prefácio Rivais heroicos O verão de 1976 costuma ser lembrado pelo calor elevado, que começou por volta do dia 1º de maio e prosseguiu até 31 de agosto. Durante quatro meses, em muitos países da Europa, nenhuma gota de chuva caiu. Foi a maior onda de calor registrada em décadas. Na Inglaterra, o asfalto derretia e o sorvete estava em falta. Mas as condições meteorológicas fora do comum, que não se repetiram desde então, não eram nada em comparação com os acontecimentos vistos nas pistas de corrida naquele verão. Nenhum dramaturgo seria capaz de criar um cenário tão hipnótico ou dois de rivais tão heroicos quanto os que estrelaram a temporada de Fórmula 1 de 1976. Niki Lauda, campeão reinante, liderou o campeon ato mundial da primeira à última prova — quase até a última volta da competição. A palavra “quase” tornou-se o termo mais importante no dicionário desse austríaco. Ao longo de dez meses, ele esteve à frente durante 274 dias — o equivalente a 6.600 horas ou 395.999 minutos. Apenas nos últimos minutos daqueles dez meses James Hunt conseguiu superar Niki, garantindo o título mundial graças a uma diferença de um único ponto. Perder o campeonato dessa forma foi arrasador para Lauda, principalmente diante de tudo o que lhe aconteceu em 1976. Ninguém está psicologicamente preparado para manter a liderança durante tanto tempo e perdê-la bem no final. Lauda jamais poderia prever que seria superado em tais circunstâncias e, ao decolar de Tóquio, no final de outubro de 1976, o austríaco estava destruído. Nenhum roteirista de Hollywood teria escrito um final como esse, ou seria capaz de narrar o drama humano de uma temporada tão tensa. Assim como as condições meteorológicas daquele verão provavelmente jamais se repetirão, nunca haverá um campeonato de automobilismo tão emocionante quanto o de 1976. Muita gente acredita que o acidente envolvendo Niki Lauda foi a única causa para tal desfecho, e muitos acham que James Hunt só conseguiu se sagrar campeão por causa disso. Êxito e insucesso parecem ter sido distribuídos de forma equânime naquela temporada. Uma análise das estatísticas mostra o seguinte: Niki Lauda teve cinco provas não terminadas, James Hunt também. Assim, ambos não chegaram a ver a bandeira quadriculada o mesmo número de vezes, por motivos diversos. Portanto, os dois pilotos tiveram o mesmo número de oportunidades de ir até o fim — momentos em que poderiam ter marcado pontos: onze cada um, ao todo. No automobilismo, é isso o que conta. Ao longo da temporada, Lauda e Hunt tiveram problemas. Em três ocasiões, o carro de Hunt praticamente o deixou fora das provas por motivos que não estavam sob seu controle. Já Lauda teve três corridas em que seu estado físico o impediu de competir — a exemplo de Hunt, por motivos que ele não pôde controlar. E cada um viveu duas provas nas quais outras circunstâncias os impediram de receber a bandeirada. Não se deixe enganar: considerando todas as variáveis, foi uma batalha entre iguais. Na hora de anunciar a pontuação final, sagrou-se vencedor o melhor naquele momento. O ano de 1976 será lembrado enquanto houver pilotos competindo nas pistas. Jamais houve, e nem poderá haver, uma temporada como aquela. Foi um momento único na história. Prólogo Meu ano com James e Niki Obrigado pelas memórias Na época não parecia tão óbvio. Olhando agora, no entanto, percebo a sorte que tive ao poder participar da temporada de Grandes Prêmios de 1976 — possivelmente um dos anos mais notáveis na história da Fórmula 1. Para mim, foi um momento especial, já que a temporada marcou uma guinada em minha vida: naquele ano, venci meu primeiro Grande Prêmio e tornei-me frequentador assíduo das primeiras filas do grid. Quem jamais fez isso não é capaz de compreender o alívio de vencer o primeiro Grande Prêmio. É um peso imenso tirado dos ombros. James, Niki e eu tínhamos muita coisa em comum: mais ou menos a mesma idade, fazíamos parte da mesma geração e estávamos todos galgando os degraus do automobilismo no mesmo momento. Nós três entramos para a Fórmula 1 num intervalo de mais ou menos um ano. Acima de tudo, eu me considerava um sujeito de sorte por poder ter os dois como amigos. Meu primeiro encontro com James foi em 1971, quando ele corria pela equipe de Chris Marshall na Fórmula 3, tendo o irlandês Brendan McInerney como companheiro de escuderia. Lembro-me de que meu primeiro contato com James foi num restaurante em Kings Road, Chelsea. Ele adorava aquele lugar, e estava lá com sua namorada da época, Taormina Rieck, além de Max Mosley e Robin Herd. Eu me recordo de ouvir Max dizer que eu deveria pilotar um March. O primeiro encontro com Niki foi naquele mesmo ano, numa corrida de Fórmula 2 no Mallory Park. Na época, Niki tinha um Porsche 911S — para mim, o melhor veículo de passeio que se poderia imaginar até então. Na verdade, fui o último de nós três a entrar para o mundo dos Grandes Prêmios. Meu primeiro GP foi em Silverstone, no dia 14 de julho de 1973. James estava na Hesketh March, e Niki na equipe de fábrica da BRM. Eu tinha um Brabham- Ford BT37, mais velho, patrocinado pela concessionária Hexagon of Highgate, mas nem ligava para isso: eu estava feliz apenas por poder participar. Naquele dia, em Silverstone, éramos todos pilotos em início de carreira, bem longe de ser grandes nomes. Na época, o desempenho do carro dependia essencialmente do piloto. Isso ficava evidente pela televisão, já que os carros se movimentavam muito pela pista e a habilidade era muito valorizada. James era o mestre da curva Woodcote, e posso dizer sem medo de errar que ele passava por ali mais rápido que todos nós. Consequentemente, ele era extremamente competitivo em Silver stone, independentemente do carro que pilotasse. James foi, de longe, o melhor de nós três naquele dia, e terminou em quarto lugar. Lembro-me claramente do momento em que abandonei a prova, na 36ª volta, naquele meu Brabham velho. Olhando agora, é surpreendente ver como James se saiu bem na primeira temporada, marcando pontos com relativa facilidade e impressionando a todos. Eu precisei de mais um ano para marcar o primeiro ponto num campeonato: foi em 1974, no circuito de Monte Carlo, ano em que consegui marcar outros cinco pontos. Em 1975, entretanto, os caprichos da Fórmula 1 ficaram claros para mim. Niki deu um salto à frente de mim e de James e disparou rumo ao título mundial; James conseguiu vencer um GP — e eu passei a temporada inteira sem marcar um único ponto. Para mim, 1975 foi um ano doloroso por conta da morte de Mark Donohue na sua Penske-Ford. Esse acontecimento me deu a oportun idade de correr pela primeira vez num carro competitivo. Já no início de 1976, Niki vivia em outro mundo, com um belo salário pago pela Ferrari e um título mundial no bolso. A situação de James era totalmente diferente e, apenas dois meses antes, tudo indicava que ele estaria fora da Fórmula 1. Mas James deu sorte quando Emerson Fittipaldi decidiu deixar uma McLaren competitiva para pilotar um carro da Copersucar, provavelmente consciente de que o carro não teria bom desempenho. Foi a decisão mais emotiva e irracional que Emerson tomou na vida; mas, para James Hunt, a mudança foi o melhor golpe de sorte que se poderia esperar. A inexplicável decisão de Emerson empurrou James para um carro extremamente competitivo. Nós três testemunhamos os altos e baixos da caminhada rumo ao topo, bem como o desafio de permanecer ali. A diferença entre mim e eles, a meu ver, é que os dois (principalmente James) tiveram a sorte de estar nas principais equipes de 1976. Minha escuderia era boa, porém nova, e no início o carro não estava tão bom quanto a Ferrari ou a McLaren. O fato de estar na frente do grid naquela temporada me deu uma visão panorâmica da batalha travada entre Niki e James pela supremacia do campeonato. Tenho certeza de que, não fosse pelo acidente que sofreu, Niki teria sido campeão. Sua Ferrari era de uma confiabilidade espantosa, e foi um choque vê-lo abandonar a corrida, uma vez que esse tipo de acontecimento era raríssimo. E então o acidente de Niki mudou tudo. Cheguei ao local vinte segundos depois dos carros de Arturo Merzario, Brett Lunger e Guy Edwards. O carro de Niki havia pegado fogo no meio da pista, mas, quando cheguei lá, as chamas já tinham sido apagadas. Arturo tirara Niki do carro, e eu o vi deitado na beira do asfalto, numa poça de combustível e óleo. Nós o ajudamos a se levantar e procuramos um lugar seco e limpo para colocá-lo. Achei uma área livre. Niki tinha queimaduras graves, mas estava totalmente consciente — ainda que não entendesse muito bem o que estava acontecendo. Imagino a dor lancinante que ele deve ter sentido. Não se sabe como, mas o capacete saíra da cabeça de Niki. Mesmo assim, ele não morreu — foi um milagre ter sobrevivido. Fiquei aliviado ao vê-lo consciente e ao falar com ele. Apoiei sua cabeça em minha coxa e o acomodei da melhor maneira possível. Ele falava comigo sem parar, em inglês, e lembro-me que perguntou como estava seu rosto. Na verdade, a situação não era nada boa; mas eu disse que estava tudo certo, que ele não se preocupasse. Depois de um tempo, que me pareceu uma eternidade, a ambulância finalmente chegou. Em segundos, Niki foi colocado numa maca e entrou no carro de resgate. Vesti o capacete e dirigi até os boxes, supondo que a corrida iria recomeçar. Naquele momento, eu estava certo de que Niki sobreviveria, já que os ferimentos internos não eram visíveis. Mas parecia evidente que ele teria de se afastar das pistas por um bom tempo. Depois do acidente, ajudei-o de maneira indireta: pilotei com todas as minhas forças contra James nas duas corridas seguintes. Consegui vencer uma delas, e com um pouco mais de sorte poderia ter ganho ambas. Niki pulou de alegria quando derrotei James na Áustria. Na segunda-feira após a prova, eu e o dirigente da minha equipe ligamos para Niki, que ainda estava internado. Ele me agradeceu por ter impedido James de ganhar mais um GP, e eu disse que faria o possível para repetir o feito na corrida seguinte, na Holanda. Quase consegui. Mas quando James estava no clima certo — disposto a lutar contra o mundo —, ele fazia milagres, e não consegui vencer uma segunda vez. Depois de uma batalha titânica pela liderança, minha caixa de câmbio quebrou e James disparou para a vitória bem no dia do seu aniversário, a despeito de minhas tentativas de acabar com a festa. A exemplo de todos, fiquei pasmo quando Niki reapareceu em Monza para o Grande Prêmio da Itália. Aquela volta tão rápida ao cockpit, depois do terrível acidente na Alemanha, foi o maior ato de heroísmo que já vi no esporte. Niki tinha uma determinação inabalável, e ninguém teria conseguido fazer o mesmo. Sua chegada em quarto lugar no Grande Prêmio da Itália, considerando que apenas seis semanas antes ele recebera a extrema-unção, foi um acontecimento fora de série, que ninguém poderia ter imaginado. Nem a mente mais criativa teria sido capaz de fantasiar os mo mentos finais de tensão no Japão. Niki deve ter sentido emoções mais intensas do que qualquer outro ser humano seria capaz de aguentar. No final das contas, as consequências do acidente foram responsáveis por enterrar as chances de Niki ganhar o título mundial. Niki perdeu o controle sobre o canal lacrimal direito, o que prejudicou sua visão naquele clima úmido. A chuva era tão forte que formou um lago no circuito, bem no fim da reta principal. As condições não poderiam ser piores para Niki, e aquela foi mais uma variável determinante para

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