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Corpo e forma PDF

177 Pages·1998·5.006 MB·Portuguese
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Hans Ulrich Gumbrecht Corpo e Forma ENSAIOS PARA UMA CRÍTICA NÃO-HERMENÊUTICA Organizador João Cezar de Castro Rocha Rio de Janeiro 1998 Copyright © 1998 by EdUERJ Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer meios, sem a autorização expressa da Editora. EdUERJ Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Rua São Francisco Xavier 524 - Maracanã CEP 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ Tel./Fax: (021) 587-7788 Tel. (021) 587-7789 / 587-7854 / 587-7855 Coordenação de Publicação Renato Casimiro Coordenação de Produção e Projeto Gráfico Rosania Rolins Diagramação Ronaldo Pereira Reis Revisão Jeaneth Medeiros e Maria Bastos Capa Heloisa Fortes Apoio Administrativo Maria Fátima de Mattos CATALOGAÇÃO NA FONTE ___________________________UERJ/SISBI/SERPROT___________________________ G974 Gumbrecht, Hans Ulrich Corpo e forma : ensaios para uma crítica não-hermenêutica / Hans Ulrich Gumbrecht; Organizador João Cezar de Castro Rocha. - Rio de Janeiro : EdUERJ, 1998. 180 p. ISBN 85-85881-49-6 1. Literatura - Estética. 2. Literatura - História e crítica. 3. Leitores - Reação crítica. I. Rocha, João Cezar de Castro. II. Título. CDU82.01 Sumário Introdução A Materialidade da Teoria Capítulo 1 As Consequências da Estética da Recepção: Um Início Postergado Capítulo 2 Persuadir a Quem Pensa como Você As Funções do Discurso Epidictico sobre a Morte de Marat Capítulo 3 Patologias no Sistema da Literatura Capítulo 4 “É Apenas um Jogo”: História da Mídia, Esporte e Público Capítulo 5 O Campo Não-Hermenêutico ou a Materialidade da Comunicação Capítulo 6 O Futuro dos Estudos de Literatura? Referências Bibliográficas Introdução A Materialidade da Teoria1 A carreira de Hans Ulrich Gumbrecht sempre seguiu um cami­ nho excepcional. Com vinte e seis anos, ele já era professor da Universi­ dade de Bochum, após haver preparado sua Habilitationsschrift sob a super­ visão de Hans Robert Jauss2. No sistema universitário alemão, a Habilitationsschrift representa o momento final da formação acadêmica, correspondendo a uma dissertação a ser apresentada após a aprovação da tese de doutorado. Somente após esse instante, o doutor pode orientar teses de doutorado e mesmo Habilitationsschriften. Para que o leitor perce­ ba a importância da Habilitationsschrift, basta recordar que Walter Benja­ min teve que renunciar à vida acadêmica quando o Ursprung des deutschen Trauerspiels, originalmente apresentado como Habilitationsschrift, foi recusa­ do3. Portanto, não é exatamente comum na Alemanha obter um posto de professor na idade em que Gumbrecht o fez. A fim de reconstruir sua carreira, retorno, pois, ao surgimento da estética da recepção. Advirto, porém, que minha reconstrução da estética da recepção estará limitada ao aporte de Hans Robert Jauss, pois foi com ele que Gumbrecht concluiu sua formação e principiou sua carreira. Somente por esta razão não tratarei da contribuição de Wolfgang Iser. Do ponto de vista teórico, a obra de Iser é muito mais importante que a de Hans Robert Jauss. O trabalho de Iser 1 A versão inicial deste texto foi escrila, em conjunto com Pierpaolo Antonello, para publi­ cação na Itália, com o título “Hans Ulrich Gumbrecht, catalizzatore di complessità". A Pierpaolo agradeço o benefício de uma interlocução constante. Agradeço a Ivo Barbieri e a José Jobim a leitura atenta desta Introdução e, sobretudo, inúmeras sugestões valiosas. 2 Hans Ulrich Gumbrecht. Funktionen parlamentarischer Rhetorik in der Französichen Revolution. Vorstudien zur Entwicklung einer historischen Textpragmatik, München, Fink, 1978. 3 Agradeço a Johannes Kretschmer as informações relativas ao sistema universitário alemão. Introdução move-se numa direção muito particular, pois, menos do que a reconstrução de horizontes históricos de recepção, Iser tem desenvolvido instigante refle­ xão heurística sobre o caráter antropológico da literatura, cujo primeiro passo foi a elaboração da estética do efeito, bastante distinta da estética da recepção tal como praticada por Jauss. Hans Robert Jauss se destacou como o principal articulador da estética da recepção, movimento que se propunha a renovar os estudos literários numa época em que muitos teóricos e críticos estavam divididos entre a opção estruturalista e a pesquisa de uma renovada sociologia da literatura. A estética da recepção almejava inaugurar um novo paradigma, situado a meio-termo daquelas tendências. Como o público brasileiro não desconhece a estética da recepção, pois tanto alguns de seus principais textos se encontram traduzidos4 quanto uma síntese do movimento já foi produzida3, cumpre observar que a carreira de Gumbrecht inicialmente se define a partir de um afastamento progressivo em relação aos pressupostos da Escola de Constança. Nos ensaios que compõem Corpo e forma: ensaios para uma crítica não-hermenêutica, o leitor acompanhará o percurso intelectual de Hans Ulrich Gumbrecht, cujo eixo gira, de um lado, em torno de ativo diálogo entre literatura e história, num esforço de contaminação no qual o conceito de literatura é repensado através de uma radical historicização e o ofício do historiador é redimensionado mediante a investigação da natureza discursiva da escrita histórica*’. De outro, seu percurso intelectual supõe a superação das tradicionais fronteiras disciplinares num esforço de transgressão que pretende contribuir para a reconfiguração do espaço acadêmico contempo­ râneo. Ao menos, esta foi a intuição de Jean-François Lyotard ao descrever o Programa de Doutorado coordenado por Gumbrecht em Siegen: “A instituição do Seminário contém no seu âmbito uma crítica à própria insti­ 4 Ver Luiz Cosia Lima. A literatura e o leitor. Textos de estética da recepção, São Paulo, Paz e Terra, 1979. O leitor deve consultar a Introdução, “O leitor demanda (d)a literatura”, pp. 9-39. Ver ainda a Seção dedicada às estéticas da recepção e do efeito in Teoria da literatura em suas fontes, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1983, pp. 305-441, vol. II. 5 Ver Regina Zilberman. Estética da recepção e história da literatura, São Paulo, Ática, 1989. Para uma avaliação mais recente, ver Luiza Lobo, “Leitor”, pp. 231-251, especialmente pp. 232- 242; in José Luís Jobim (org.). Palavras da critica, Rio de Janeiro, Imago, 1992. 6 Nesse contexto, vale recordar que o livro de Hayden While, Metahistory. The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe, publicado em 1973, foi muito importante para o pensamento de Hans Ulrich Gumbrecht. 8 A Materialidade da Teoria tuição. (...) Sonhamos com a estrutura abrangente de uma universidade européia”.7 A mobilidade institucional e intelectual de Gumbrecht estimula uma forma de apresentação pouco comum. Nas páginas seguintes, propo­ rei uma topologia do seu pensamento, assinalando os espaços acadêmicos e os encontros teóricos que marcaram sua trajetória. A trajetória de um “catalisador de complexidades”8; que não apenas se encontra em curso, uma vez que o atual esforço de Gumbrecht constitui-se num work in progress, mas que, como toda viagem, apresenta uma inevitável dose de imprevisibilidade. Neste sentido, o ponto de partida de seu percurso tem um sabor levemente irônico. Constança; A Complexidade é Sempre Inconstante A característica mais saliente da teoria literária contemporânea é a pluralidade; traço, aliás, presente em outras áreas do conhecimento. De fato, no âmbito das ciências humanas, o estruturalismo representou o úl­ timo movimento que, por algum tempo, pretendeu impor-se como teoria hegemônica, unificadora de métodos diferentes. Nesse contexto, a estética da recepção apresentou-se como uma tentativa sistemática para fornecer uma resposta ao problema da elaboração de um paradigma capaz de subs­ tituir o estruturalismo, cuja deficiência principal, em relação aos estudos literários, revelara-se na impossibilidade de incluir, em suas análises, o leitor como elemento histórico. Oficialmente lançada na aula de abertura dos cursos da Universidade de Constança, proferida por Jauss em 19679, a estética da recepção almejava o desenvolvimento de uma abordagem que superasse a concepção autocentrada do texto literário, direcionando assim os estudos literários para uma retomada da história que, em alguma me­ dida, convergia com a motivação política do movimento estudantil de final 7 Jean-François Lyotard. “Ersiegerungen", in Political Writings, Bill Readings (org.). Minneapolis, University of Minnesota Press, 1993, pp. 80-81. O texto é de 1989. 8 A expressão é de Rudolf Maresch. “Kalalisator von intellektueller Komplexität sein. Gespräch mit Rudolf Maresch”, in Rudolf Maresch (org.), Am Ende vorbei, Viena, Turia & Kant, 1994, pp. 206-238. 9 Hans Robert Jauss. “Was ist und zu welchem Ende studiert man Literaturgeschichte?” (“O que é e com que fim se estuda história da literatura?”). A versão final deste texto foi publicada com o título “Literaturgeschichte als Provokation der Literaturwissenschaft”, in Literaturgeschichte als Provokation, Frankfurt, Suhrkamp, 1970. Ver a tradução brasileira de Sérgio Tellaroli. ,4 história da literatura como provocação à teoria literária, São Paulo, Ática, 1994. 9 Introdução dos anos sessenta10. Regina Zilberman já o havia sugerido: “a estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda de foco: do texto (...) passa para o leitor. (...) Essa transferência, por sua vez, explica-se historicamente: é contemporânea às revoltas estudands, ao mesmo tempo representando uma resposta a elas”.11 Não se trata de uma resposta automática, por certo, mas de uma elaboração teórico-metodológica tanto favorecida pelas condições contemporâneas quanto alimentada por debates próprios da teoria literária. Inspirado em Hans-Georg Gadamer, Jauss privilegiava a recons­ trução do horizonte histórico no qual determinado texto fora produzido e, sobretudo, atualizado, ou seja, lido. Seu esforço pretendia conceituar o modo em que se processava a interação das expectativas tradicionais do leitor com um texto específico numa circunstância histórica particular. A análise da fusão do horizontes de expectativa com o ato de leitura tornou- se extremamente relevante para a corrente da estética da recepção preocu­ pada com aprofundar a compreensão hermenêutica de Gadamer no que se refere ao relacionamento do passado com o presente12. A visão otimista da estética da recepção compreendida como uma mudança de paradigma capaz de assumir a hegemonia dos estudos literários foi claramente expressa por Jauss no ensaio “O leitor como ins­ tância de uma nova história da literatura”.13 Segundo Jauss, a estética da recepção representava a verdadeira alternativa de superação do impasse no qual os estudos literários se encontravam desde o final dos anos quarenta. Esse impasse seria ultrapassado porque, sem negligenciar os elementos dinâmicos próprios da formulação literária, a estética da recepção incluía em seu programa a reconstrução do horizonte de atos particulares de leitura. Desse modo, criava-se novo modelo de historicidade para o objeto literário, que contemplava uma instância externa ao texto. É precisamente 10 Wolfgang Iser ofereceu importante depoimento sobre esta convergência na primeira das cinco conferências proferidas num Colóquio dedicado ao exame de sua obra, realizado em 1996, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ver VII Colóquio UERJ - Wolfgang Iser. João Cezar de Castro Rocha e Johannes Kretschmer (orgs.), Rio de Janeiro, EdUERJ, (no prelo). 11 Regina Zilberman. Op. cit., p. 11. 12 Um exemplo desta corrente é o texto de Jauss, Der Text, der Vergangenheit im Dialog mit der Gegenwart (Klassik - wieder modern?). “O texto do passado no diálogo com o presente - classicismo - de novo moderno?”, in Sprache und Welterfahrung, J. Zimmermann (org\), München, Gink, 1978. 13 Hans Robert Jauss. “Der Leser als Instanz einer neuen Geschichte der Literatur”, in Poetica, 7, 1975, pp. 325-344. 10

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