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contra a chibata PDF

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Marcos A. da Silva CONTRA A CHIBATA marinheiros brasileiros em 1910 1982 ceQteQárjo de rnonteiro.lobato CopyrzkÀf (O Marcos A. Salva Capa : 123 (Antigo 27) Artistas Gráficos Caricaturas : Emílio Damiani Revüão : José E. Andrade ÍNDICE Mlemória da chibata Trabalho epotítica no Brasil de 1 910 19 O movímenfo contra a cãfbafa 40 77 Desfecho doprocesso Conclusões prelimina res 92 Indicações para leitura 96 editora brasiliense s.a. 01223 -- r. general jardim, 160 são paulo -- brasil l MEMÓRIA DA CHIBATA Arcas soltas ao nevoento Dilúvio do Esquecimento. (Cruz e Souza, l,ffanla do Pobres.) A 28 de novembro de 1910, considerando encer- Para OsgaB rites, rada a revolta dos marinheiros brasileiros contra as Antonio Ferreiro da Sirva e degradantes condições de trabalho a que eram sub- Ulysses Tetles Guariba Neto. metidos (espancamentos, mâ alimentação, excesso de trabalho, baixos soldos), o jornal carioca O País , órgão de apoio ao governo federal, fez o seguinte comentário: ''Sobre o levante da marinhagem, felizmente acabado, parece que o melhor é nada mais di- zer. O país só tem a lucrar com o silêncio geral sobre esse fato. Na vida dos povos, como na dos indivíduos, há lembranças que se desejaria apa- gar de todo, pela tristeza, pelo vexame, pela afliçãoq ue despertam.P ara o Brasil, a da re- volta dos marujos é uma delas. 8 9 M2zrcoi .4. da. .Sf/vl Contra a C&/bala. .AdarfpzÀeíros .Brasa/erros em .rP1(2 ''Não se pense mais nessa vergonha ou nesse infortúnio. E o desejo do jornal, sintetizando a vontade de ver a ideologia dominante organizando uma memó- ria histórica expurgada de conflitos e crises pouco condizentes com seus mitos mais caros (por exemplo, o de que a história brasileira constitui-se numa su- cessão harmónica de ''fatos'', onde impera a ''cor- dialidade'' entre as partes e agem apenas ''grandes nomes''), foi satisfeito: o septuagésimo aniversário do movimento, em 1980, quase não foi registrado pela grande iÍnprensa, o tema foi mantido fora de quase toda a bibliografia histórica utilizada no ensino de nível médio e foi reduzido a dimensão secundária em estudos mais aprofundados sobre o período em que ocorreu. Um silêncio, dentre outros, sobre aquilo que uma canção -- O .A/esfre-ia/a doi Mares, de João Bosco e Aldir Blanc, que teve a letra original censu- rada --, aludindo ironicamente à própria Revolta. denominou ''lutas inglórias''. Uma operação que di- minuiu o assunto em relação a ''grandes problemas'' -- critério que desqualifica aspectos e agentes da História, podendo conduzir a pactos sutis com a ideologia dominante. O assunto, todavia, contém potencialidadesc a- pazes de ultrapassar as barreiras que se construiu ao seu redor. A atenção que ele despertou na imprensa dirigida por operários, durante sua ocorrência e com O sí/êncz'soo brea Revoltad a Chibatarepuxo da cor relação aos seus prolongamentos;o destaque que a diatidade brasileira 10 Marcos 4. da SI/vc{ Contra a C#lbafa. Maré/z#eíros.B rasa/errose m /9/a 11 própria grande imprensa (grandes jornais, revistas apenas a possibilidade de dírefa fnl/7ízê/zelac ivil (ope- ilustradas) dedicou ao mesmo; os argumentos de ór- rários, políticos de oposição) sobre os marinheiros gãos governamentais (Ministérios, Senado e Câmara revoltosos, tomando tais realidades como recipro- Federal, etc.), ao analisarem suas dimensões; cada camente excludentes, a argumentação do prefacia- um dessesf ocos sugerec onexões- - a partir de suas dor justifica-se. Ela perdeu de vista, entretanto, a atitudes de rejeição ou aceitação -- entre movimento especificidade das atitudes operárias simultâneas à e totalidade social, assim como perspectivas que dife- Revolta -- para não falar nas denúncias proletárias rentes grupos sociais, a partir dele, perceberam nas contra o uso da chibata na Marinha de Guerra, relaçõesd e poderq ue mantinhame ntres i. Um anteriores ao movimento, indicadas por Edgar Ro- exemplo: a possibilidade de ver enfraquecidos orga- drigues e registradas naquele prefácio -- frente às nismos repressivosd o Estado (e engrossadasa s fi- outras interpretações que lhes foram contemporâ- leiras que se lhes opunham, os dominados) a partir neas, apoiando-a e identificando os problemas de da revolta dos subalternos militares, explicitamente marinheiros e trabalhadores, ou se regozijando com aguardada pelo jornal anarquista de São Paulo .[a a futura que ela representavan a disciplina das For- .Barram/ía (Periodico settimanale anarchico, 27 de no- ças Armadas e do poder repressivod o Estado. E foi vembro de 1910). nesses entido que se insinuou a perspectiva de aliança Para acompanhar como se evitou relacionar a entre dominados -- trabalhadores pobres, marinhei- Revolta da Chibata com a luta de classes na for- ros, soldados -- contra os dominadores e seus instru- mação social brasileira, vale considerar o enfoque mentos de poder, o que foi manifestado durante a que aquela mereceu no prefácio de Evaristo Morais Revolta em .4 .[a/zfer/za( Fo]ha antic]erica] de com- Filho ao mais significativoe studos obre o tema, o bate; São Paulo, Ho 60, 3 de dezembro de 1910), e livro de Edmar Morel+ .4 Neva/fa da CÀíbafa: ela após a divulgação mais completa da repressão oficial seria expressão ''puramente militar de negócios in- contra os marinheiros, já em 1911 , em ,4 Valzguarda ternos de disciplina da marinha'', ''apolítica, sem (Jornal socialista de combate; Rio de Janeiro, 13 de entendimentos nem ligações com quaisquer classes maio de 1911). civis, extranavios'' , manifestando-se a opinião ope- A Revolta dos marinheiros brasileiros contra raria (anarquista) após sua ocorrência. castigos físicos e outros aspectos aviltantes de sua Na medida em que seu comentário privilegiou condição desenvolveu-sen o Rio de Janeiro, a partir da noite de 22 de novembro de 1910, quando eles assumiram o controle sobre os mais importantesn a- (+) Veja ao final destev olume, o Bibliografiad os livros citados neste texto. vios da- Marinha de Guerra nacional (os encoura- 12 Marcos A. da Si]va&C ontra a Chibata: Marinheiros Brasileiros .em ]9]0 13 çados Minas Geral e Sõo PauZo, mais outros vasos mento daquele decreto foi a prisão de 22 marinheiros de menor porte), prendendo ou dali expulsando os a 4 de dezembro, sob a acusação de conspiração. A 9 oficiais que estavam a bordo e matando alguns destes de dezembro,a firmando que surgira novo movi- que opuseram resistência armada ao seu movimento. mentor evoltoson o Batalhão Naval (Ilha das Cobras) A partir disso,o s revoltosopsa ssarama exigira e no navio Río Grande do Su/, o governof ederal deu abolição dos castigos corporais, ameaçando com continuidade a suas medidas repressivas, bombar- bombardeia a cidade -- que, além de sede do go- deando a Ilha das Cobras, obtendo a decretação do verno federal, era a principal concentração urbana estado de sítio, prendendo centenas de marinheiros e do país -- caso não fossem atendidas suas reivin- expulsando muitos mais dos quadros da Marinha de dicações. Guerra. A rigor, esse movimentod urou até 26 de no- Seguiu-seà quelas prisões a morte de muitos vembro, quando os revoltosos devolveramo s navios revoltosos: 16 por sede, calor e. sufocamento em cela que ocupavam ao comando de oficiais, depondo ar- subterrânead a Ilha das Cobras (sobreviveramJo ão mas, transformando sua exigênciaa nterior numa es- Cândido, importante líder do movimento, e outro pécie de solicitação formal ao governo federal para preso), 9 fuzilados dentre os 105 desterrados para a que fossem eliminadas aquelas práticas disciplinares Amazânia a bordo do navio Será/ííe, incontáveis den- e anistiados os envolvidos nos acontecimentos. tre essesú ltimos, dadas as condições de trabalho nos Até essed esfechoa, s atitudesd o aparelhod e seringaise outras atividadesp ara onde foram enca- Estado brasileiro oscilaram entre o medo diante das minhados. forças controladas pelos marinheiros, a vontade de Quanto ao estado de sítio, afora seu uso contra reação armada contra o movimentoe as vozes -- os marinheiros revoltosos, igualmente serviu para muito raras, agindo em benefício próprio e procu- eliminar ou controlar mais eficazmente grupos que rando conduzir os marinheiros a enquadrarem seu faziam oposição ao governo Hermes da Fonseca, des- gesto nos moldes de legitimidade impostos pelo Es- de a grande imprensa até setores do operariado. tado (submissão à hierarquia, por exemplo) -- que Os únicos trabalhos dedicados exclusivamente atribuíram algum sentido às queixas dos revoltosos. ao tema são o texto de H. Pereira da Cunha ,4 O aparente encerramento do problema foi aba- Revolta na Esquadra Brasileira em Novembro e De- lado pelo ato presidencial de 28 de novembro, que zembro de /9/0 e o livro de Edmar Morei jâ citado. autorizavae xclusõesd os quadros da Marinha de Cunha (pp. 27 e ss.), preocupado em valorizar a Guerra por motivos disciplinares -- anulando, por- versão oficial sobre a Revolta e desqualificar os argu- tanto, a anistia concedidaa os revoltosos.P rolonga- mentos dos revoltosos, utilizou fundamentalmente 14 Marcos A. da Silvo Contra a Chibata: Marinheiros Brasileiros em 1910 15 depoimentos de pessoas ligadas ao aparelho de Es- analisado frequentemente se confundiu com a opi- tado à época do movimento (ele próprio o era, ocu- nião do líder sobre sua própria ação. Afora isso, pando o cargo de Chefe de Gabinete de Joaquim valorizou-se setores do Cona.resso ou da grande im- Marques Batista de Leão, Ministro da Marinha) e prensa que criticaram a repressão governamental, suas lembranças sobre aquele momento, criticando sem que se atentasse para o uso que os mesmos análises da grande imprensa (1)iárzo de M)rícías, fizeram do movimento. Morei ain.dar eproduziu tre- Corre;o da Manhã) quando estas não se ajustaram à chos do trabalho de Cunha que descrevem o con- sua leitura do tema. Daí o esforço do autor para fronto de marinheiros e oficiais quando a Revolta se desmentir os elogios à perícia técnica dos marinhei- iniciou, considerando-os testemunhos diretos dos ros no manejo dos encouraçados, justificando o em- eventos,e assumindo interpretações divergentesd e prego da chibata, atribuindo comportamentos pato- seu prometpoo r não criticar nesse momentoo próprio lógicos à maruja (fazer questão de ser chicoteado, ponto de vista que organizou tais testemunhos. Esses como afirmação de masculinidade e coragem) e di- limites, entretanto, são insuficientes para que a fun- mensõesh eróicas aos oficiais que tentaram reprimir damental importância do trabalho de Morei seja os revoltosos. Como resultado dessa abordagem, que diminuída. procurou salientar o nível social da marinhagem para Como manifestação de grupo hierarquicamente legitimar as praticas de espancamento, a Revolta foi inferior das Forças Armadas, o tema foi pouco valo- considerada ''criminosa e absurda'' , enquanto a ação rizado pela historiografia que tem suas preocupações repressiva governamental foi mais que sustentada. preferencialmente voltadas (mesmo quando pretende A obra de Morei lançou mão de depoimentos o contrári(i)p ara a ação da classe dominante,e le- prestados por João Cândido, além de textos publi- gendo como problemas dignos de debate sobre os cados pela grande imprensa do Rio de Janeiro, deba- militares do Brasil republicano formação e atitudes tes parlamentares, impressões de contemporâneos da políticas da oficialidade -- ''Salvações'', Tenentismo, Revolta e relatórios de bordo do .Safo/ífe. Nesse sen- Escolas e Clubes Militares, etc tido, o panorama que ela oferece é bem distinto Este trabalhcla nalisará o movimentoc ontra a daquela outra, permitindo que a memória derrotada chibata a partir das interpretaçõesq ue ele mereceu e silenciadam anifeste-seO. fascínio do autor pela enquanto se desenrolava: perspectivas dos revoltosos, ação de João Cândido, todavia, tendeu a dotar seu imprensa operária (jornais mencionados), grande trabalho de traços épicos (derivados de uma com- imprensa (jornais e revistas de apoio ou de oposição preensívels impatia por aquele personagem, haja ao governo germes da Fonseca: no primeiro caso, O vista sua sofrida trajetória), onde o processo social País e O M2z/&on, o segundo, O .Eirado de .S. jazz/o e lb Mlarcos A. da Sit\ 17 lontra a Chibata: Marinheiros Brasileiros em 1910 Careta), debates parlamentares . O segundoc apítulo, Trabalho e Política no Bra- A primeira delas (voz dos marinheiros) é aces- sil de 1910, efetuará um balanço geral sobre aquela sível através do registro nas demais -- mais ou menos instituiçãoc omo parte do aparelho de Estado (fun- transfigurada pelo modo de pensar das mesmas -- e, ções desempenhadas, composição .social ,do pessoal, ademais, nos depoimentos prestados por João Cân- modalidades de relação entre níveis hierárquicos), o dida a Morei. Trata-se de situação freqüente no que momento político brasileiro (setores da classe domi- diz respeito ao material que a classe dominada ela- nante em disputa nas eleições presidenciais de 1910, borou sobre seus problemas, exigindo especial aten- usos de setores da classe dominada naquela disputa) ção as visões que o reenquadraram: imprensa empre- e outros aspectos da estrutura social brasileira sarial e discursos parlamentares reproduziram depoi- como o movimento operário -- que caracterizaram tnentos ou manifestos dos revoltosos em contextos aquela conjuntura. que redimensionaram seu sentido (por exemplo, pre- O ]Wov/me/zfoc ontra a C#/bala acompanhara as cedendo tais testemunhos por descrições sobre o pa- correntesd e interpretação formadas em torno à Re- vor da população civil frente à ameaça de bom- volta (voz dos revoltosos, imprensa operária, grande bardeia). imprensa, debates parlamentares), avaliando expec- Agindo assim, expressavam-sed ireta ou indire- tativase receiosa que ela deu lugar em diferentes tamente nexos percebidos ou temidos entre a Revolta classes sociais (ou em subdivisões de uma mesma e o quadro geral da formação social brasileira na- classe) e o trabalho de redução que a grande im- quela ocasião: perda de controle sobre um seu instru- prensa e os debates no Congresso desenvolveram so- mento repressor e mecanismos disciplinadores im- bre a opinião dos marinheiros, até que eles se subme- postos à classe social dominada, do ponto de vista da teram ao arbítrio governamental, renunciando ao classe dominante; elemento para enfraquecimento controle dos navios. político de setores da classe dominante que contro- Em Z)elqÁec#o do Processo serão abordados os lavamm ais diretainenteo aparelhod e Estado, de procedimentos repressivos governamentais após o acordo com outras orações da mesma classe parcial- primeiro suposto encerramento da questão -- do mente excluídas daquele controle (oposição parla- bombardeiod a Ilha das Cobras à prisão, deportação mentar e frações da classe dominante por ela repre- ou morte de revoltosos, passando pelo estabeleci- sentadas). Também na imprensa operaria, aquelas mento do estado de sítio. ligações foram percebidas, encarando-se os mari- O último capítulo, (;onc/zzsões Pre/ímínares, re- nheiros como possíveis aliados num prometod e com- tomara os principais aspectosd os capítulosa nte- bate à dominação. riores, salientando a sutil violência que as perspec 18 Marcos A. da Si uvas de legitimidade e hierarquia significaram para os revoltosos, representando efeitos até mais eficazes para os interesses da classe dominante que a chibata, tendo em vista serem aceitas em nome de valores hipoteticamente ''gerais'' -- republicanismo, ordem social, segurança nacional. TRABALHO E POLÍTICA NO BRASIL DE 1910 Alguns historiadores brasileiros têm salientado a especificidaded a formação profissional dos mili- tares -- particularmente, sua oficialidade --, procu- rando estabelecero que constituiria a originalidade de sua atuação na vida política e assim evitar sua redução simplista a aspectos isolados da luta de classes. Se essa tendência analítica oferece opções para interpretações simplificadoras do processo histórico, ela o faz às custas de alguns tributos pagos à visão que as Forças Armadas (e o aparelho de Estado como um todo) procuram dar de si: com efeito, tudo é visto como se houvesse diferentes espaços humanos reco- bertos por ''Sociedade'' e ''Estado'', e a própria con- sideração das re/açõel existentes ente'ea mbos é uma maneira de reafirmar seus caracteres excludentes. Repondo os pressupostos da ideologia dominante, o

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