John StuartMill Sobre o Governo Representativo Pensamento Político Tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos Jr. \> % O Edikrn Universidade de Brasília Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido sob nenhuma forma, <y/ couçA v por mimeógrafo ou outro meio qualquer, B (ORACY NUGUUMA sem autorização por escrito do Editor. Impresso no Brasil Editora Universidade de Brasília Campus Universitário — Asa Norte 70.910 Brasília — Distrito Federal Copyright © 1980 by Editora Universidade de Brasília Revisão: Carlos Roberto Mota Pelegrino Revisão Grqfica: Jorge Bruno de Araújo e Ligia do Amaral Madruga Capa: Arnaldo Machado Camargo Filho Mill, John Stuart, 1806-1873. M645c O Governo representativo. Trad. de Manoel Innocêncio de L. Santos Jr. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981. 192 p. (Coleção Pensamento Político, 19) Título original: Consideration on representative government. 1. Democracia — Ciência política. 2. Regime parlamentar — Ciência política I. Título. II. Série. CDU —321.7 SUMÁRIO Prefácio 3 1 - Até que ponto as formas de governo são uma questão de escolha? 5 2 - Os critérios de uma boa forma de governo 13 3 - Que a forma de governo ideal é o governo representativo 27 4 - Sob que condições sociais o governo representativo é inaplicável 39 5 - Das funções inerentes aos corpos representativos 47 6 - Das enfermidades e perigos aos quais está sujeito o governo representativo 59 7 - Da verdadeira e da falsa democracia; a representação de todos, e a representação da maioria apenas ....'. 71 8 - Da extensão do sufrágio 87 9 - Deveria haver dois estágios de eleição? 101 10 - Da maneira de votar 107 11 - Da duração dos parlamentos 119 12 - Deveriam os membros do parlamento estar sujeitos ao mandato imperativo?. . . 121 13 - De uma segunda Câmara 129 14 - Do poder executivo em um governo representativo 135 15 - Dos corpos representativos locais 147 16 - Da nacionalidade, na sua relação com o governo representativo 157 17 - Dos governos representativos federais - 163 18 - Do governo das colônias de um Estado livre 171 PREFÁCIO AQUELES QUE me honraram com a leitura de meus escritos anteriores não terão prova- velmente do presente volume uma forte impressão de novidade. Porque os princípios são aqueles nos quais trabalhei durante a maior parte de minha vida, e muitas das sugestões práticas foram desenvolvidas por outros ou por mim mesmo. Contudo, existe novidade no fato de aproximá-las e exibi-las em sua conexão; e também, eu creio, em tudo aquilo que acrescento em seu apqio. De qualquer maneira, muitas dessas opiniões, mesmo não sendo novas, têm tão poucas chances de receber uma aceitação geral quantas teriam se o fossem Parece-me, contudo, segundo vários indícios e sobretudo segundo os recentes debates sobre a reforma do Parlamento, que Conservadores e liberais (se é que posso chamá-los da maneira como ainda se chamam) perderam a confiança nos credos políticos que professam nominalmente, enquanto nenhum dos lados parece ter tido sucesso em conse- guir algo melhor. Todavia, uma doutrina melhor deve ser possível; não apenas um simples compromisso que divida a contenda entre as duas, mas algo maior, que, em virtude de sua maior abrangência, possa ser adotado tanto por um Liberal como por um Conservador, sem que tenha que renunciar àquilo que ele acredita ter algum valor dentro de sua própria crença. Quando tantos sentem vagamente a necessidade de uma tal doutrina, e tão poucos podem se gabar de tê-la encontrado, qualquer um pode, sem presunção, oferecer aquilo que seus pensamentos, e o melhor que conhece das idéias dos outros, são capazes de contribuir para a sua formação. J. Stuart MUI CAPITULO I ATÉ QUE PONTO AS FORMAS DE GOVERNO SÃO UMA QUESTÃÍ) Dl TODAS AS especulações relativas às formas de governo carregam a marca, mui» <><• exclusiva, de duas teorias conflitantes em matéria de instituições políticas; ou, pm L fHIMI com mais propriedade, duas maneiras diferentes de conceber o que sío as imoiui./» políticas. Para alguns, o governo é estritamente uma arte política, que gera excluslvanirnir questões de fim e de meios. As formas de governo seriam apenas um dos expedienlos pin .1 a obtenção dos objetivos humanos. São encaradas puramente como uma qucsltlo <!<• invenção e combinação. Sendo feitas pelo homem, assume-se que o homem teria a CHIOIIIU de fazê-las ou não, ou de decidir como e segundo que padrão elas seriam folias 0 governo, segundo essa concepção, é um problema a ser tratado como qualquer oulm questão de negócios. O primeiro passo é definir os propósitos a que os governo» p*liin destinados. O segundo é averiguar que forma de governo é mais adequada ao cumpri mento desses propósitos. Estando acertados esses dois pontos, e estando idontlfli min u forma de governo que associa o máximo de bem com o mínimo de mal, o que no* tcxln n fazer é obter, para a opinião que formamos sozinhos, o consentimento de nossos compu triotas, ou daqueles a quem são destinadas as instituições. Encontrar a melhor forma <l> governo, persuadir os outros de que é a melhor; isto feito, incitá-los a exigi-la. I • • • < 1 ordem de idéias nas mentes dos que adotam esta visão de filosofia política. Elesomi u uma constituição da mesma maneira (a importância respectiva das coisas à parlo) <|in encarariam uma charrua a vapor ou uma debulhadeira. A estes se opõe uma outra espécie de pensadores políticos, que estão tio lon|/.< < •< assemelhar uma forma de governo a uma máquina, que a consideram uma cspéclr «li produto espontâneo, e consideram o governo um ramo, por assim dizer, da IIIHKMIM natural. Segundo eles, as formas de governo não são uma questão de escolha. Devenmi empregá-las, na maioria dos casos, como as encontramos. Os governos não podam <' estabelecidos por um desígnio premeditado. Eles "não são feitos, eles brotam" No»»o assunto com eles, assim como com os outros fatos da natureza, é conhecer suas propilr dades naturais e nos adaptarmos a elas. As instituições políticas fundamentais de um p"v.. são consideradas por essa escola uma espécie de produto orgânico da naturc/.a o dn vliln desse povo; um produto de seus hábitos, de seus instintos, de suas necessidades <• -l< «MII 10 O GOVERNO REPRESENTATIVO di-sejos inconscientes, quase nunca o fruto de seus próprios deliberados. A vontade do povo não tem nenhuma participação na matéria, a não ser por responder às necessidades do momento através de combinações também de momento, combinações essas que, em conformidade suficiente com o caráter e os sentimentos nacionais, geralmente persistem; c que, por agregação sucessiva, constituem um governo adaptado ao povo que o possui, mas que seria inútil impor a um povo cuja natureza e circunstâncias não o teriam produ- zido espontaneamente. É difícil decidir qual das duas teorias seria a mais absurda, se pudéssemos supor uma ou outra sustentada como teoria exclusiva. Mas os princípios que os homens professam sobre qualquer assunto discutido são um intérprete muito imperfeito das opiniões que eles realmente defendem Ninguém acredita que todas as pessoas sejam capazes de mane- jar todas as espécies de instituição. Pode-se levar a analogia das combinações mecânicas iilò o último extremo; um homem não escolhe uma simples ferramenta de madeira e de ferro pela única razão de ser ela o que há de melhor. Ele se questiona para saber se possui iis condições que devem se juntar ao instrumento para tornar seu emprego vantajoso, e particularmente se as pessoas que devem trabalhar com ele possuem o saber e habilidade necessários à sua utilização. Por outro lado, aqueles que falam das instituições políticas orno se fossem uma espécie de organismos vivos não são também realmente os fatalistas >ol íticos que se dizem ser. Eles não pretendem que a humanidade não tenha absoluta- nente nenhuma liberdade de escolher o governo sob o qual deve viver, ou que a consi- leração das conseqüências que decorrem das diferentes formas de governo não tenha icnhum peso na determinação daquela que deve ser preferida. Mas embora ambas as •scolas exagerem as suas teorias na sua oposição mútua, e embora ninguém sustente essas irorias sem modificação, as duas doutrinas correspondem a uma diferença profunda entre is duas maneiras de pensar; e embora seja evidente que nenhuma delas esteja totalmente erta, e igualmente evidente que nenhuma das duas esteja totalmente errada, devemos nos •sforçar para penetrar até as suas raízes, e nos beneficiarmos da soma de verdade que :x iste em cada uma. Lembremo-nos, então, em primeiro lugar, que as instituições políticas (não importa o inanto esta proposição possa ser ignorada às vezes) são obra dos homens, e que eles levem sua origem e toda a sua existência à vontade humana. Os homens não acordaram uima manhã de verão e as encontraram brotadas. Eles também não se assemelham às rvores, que uma vez plantadas "crescem sempre", enquanto os homens "dormem". Em ida estágio de sua existência, eles são o que são pela ação voluntária do homem Por onseguinte, como todas as coisas feitas pelo homem, elas podem ser bem-feitas ou mal- bltas; bom senso e habilidade podem ter sido empregados na sua criação, ou não. E ainda, o um povo se omitiu, ou por uma pressão externa se viu impedido de se proporcionar n ia constituição pelo processo experimental de aplicar um corretivo a todos os males à icdida em que eles aparecem, ou à medida em que aqueles que os sofrem ganham a força c resistir a eles, esse retardamento do processo político representa indubitavelmente uma mude desvantagem para o povo em questão; mas isso não prova que aquilo que foi onsiderado bom para outros povos, teria também sido bom para eles, e continuará a não > Io quando resolver adotá-lo. ATÉ QUE PONTO AS FORMAS. DE GOVERNO SÃO UMA QUESTÃO DE ESCOLHA? 7 Por outro lado, é preciso também ter em mente que o mecanismo político não age sozinho. Exatamente como, na sua origem, ele foi feito pelos homens, deve também ser menejado por homens, até mesmo por homens comuns. Ele precisa, não de sua simples aquiescência, mas de sua participação ativa, e deve estar ajustado às capacidades e quali- dades dos homens disponíveis. Isto implica em três condições: 1) O povo, ao qual se destina a forma de governo, deve consentir em aceità-la, ou pelo menos não recusã-la ao ponto de opor ao seu estabelecimento um obstáculo intransponível; 2) Eles devem ter a vontade e a capacidade de falar o necessário para assegurar a sua existência; e 3) Eles devem ter a vontade e a capacidade de fazer aquilo que a forma de governo exige deles, sem o qual ele não poderia alcançar seu objetivo. A palavra "fazer" significa tanto absten- ções quanto ações. Esse povo deve ser capaz de preencher as condições de ação e de constrangimento moral, que são necessárias tanto para assegurar a existência do governo, quanto para proporcionar-lhe os meios para alcançar seus fins; a aptidão de um governo nesse sentido constitui o seu mérito. A falta de uma dessas condições torna uma forma de governo inadequada ao caso particular, não importa o quão promissora ela possa parecer. O primeiro obstáculo, a repugnância do povo por uma forma particular de governo, pede pouca ilustração, porque nunca pode ser negligenciado em teoria. É um caso que se repete todos os dias. Nada, a não ser a força estrangeira, poderia levar uma tribo de índios norte-americanos a se submeter às restrições de um governo civil regular. O mesmo pode- ria ser dito, embora de maneira menos absoluta, dos bárbaros que invadiram o Império Romano. Foram necessários vários séculos, e uma mudança completa das circunstâncias, para forçá-los à obediência a seus próprios chefes, fora do serviço militar. Existem nações que não se submetem voluntariamente a um governo que não seja o de certas famílias, que tenham tido desde tempos imemoriais o privilégio de fornecer-lhes chefes. Certas nações não poderiam, exceto por conquista estrangeira, se acostumar a aturar uma monarquia. Outras são igualmente aversas a uma república. O obstáculo freqüentemente se ergue, no presente, até a impraticabilidade. Mas existem casos em que, embora não aversos a uma forma do governo — talvez até desejando-a — um povo pode não ter a vontade ou ser incapaz de preencher suas condi- ções. Ele pode ser incapaz de preencher até mesmo aquelas condições necessárias à sim- ples existência nominal do governo. Desse modo, um povo pode preferir um governo livre, mas por indolência, por negligência, por covardia ou por falta de espírito público, ser incapaz de fazer os esforços necessários à sua conservação; se não quiser lutar por seu governo quando este for atacado diretamente; se pode ser iludido pelos artifícios empre- gados para despojá-lo de seu governo; se por desencorajamento, ou pânico temporário, ou por um acesso de entusiasmo por um indivíduo, pode ser induzido a depositar suas liberdades aos pés de um grande homem, ou a confiar-lhe os poderes que o tornam capaz de subverter suas instituições; em todos esses casos, esse povo é mais ou menos inapto para a liberdade; e muito embora possa lhe ter feito algum bem desfrutar dela mesmo por pouco tempo, demorará muito para tirar disso algum proveito. Do mesmo modo, um povo pode não querer ou não poder cumprir as obrigações que lhe são impostas por uma forma de governo. Um povo Kiowitlro, mesmo que sensívol aos benefícios de uma sociodudo 10 10 O GOVERNO REPRESENTATIVO civilizada, pode ser incapaz de praticar as abstenções que ele exige; suas paixões podem ser violentas demais, ou seu orgulho pessoal tirânico demais para renunciar às lutas parti- culares, e para abandomar às leis e vingança de suas ofensas reais ou supostas. Em caso semelhante, um governo civilizado, para ser realmente vantajoso, deveria possuir um grau considerável de despotismo, não permitir que o povo exerça sobre ele nenhuma espécie de controle e impor ao povo uma grande quantidade de constrangimento legal Da mesma maneira, deve ser considerado despreparado para algo mais do que uma liberdade limitada e qualificada o povo que não estiver disposto a cooperar ativamente com a lei e com as autoridades públicas na repressão aos malfeitores. Um povo que está mais disposto a esconder um criminoso do que a prendê-lo; um povo que, como os hindus, comete perjúrio para salvar o homem que o roubou, ao invés de se dar ao trabalho de depor contra ele e daí extrair sua vingança; um povo que, a exemplo de algumas nações da Europa até recentemente, quando vê um homem apunhalar outro em plena rua, passa para o outro lado, porque cuidar do assunto é tarefa da polícia, e porque é mais seguro não interferir em assuntos que não lhe dizem respeito; um povo, enfim, que se revolta por uma execução, mas que não se choca por um assassinato — esse povo precisa de autori- dades agressivas, melhor armadas do que quaisquer outras, uma vez que as primeiras e indispensáveis condições para uma vida civilizada não possuem outras garantias. Esse estado deplorável de sentimentos, em um povo que deixou para trás a vida selvagem, é, sem dúvida nenhuma, o resultado natural de um mau governo anterior, que o ensinou a encarar a lei como feita para outro fim que não o seu próprio bem, e seus intérpretes como inimigos piores do que aqueles que a violam abertamente. Mas mesmo não sendo merece- dores de culpa aqueles em cujo seio brotaram essas maneiras de pensar, e muito embora elas possam ser eliminadas posteriormente por um governo melhor, enquanto persistirem, um tal povo não pode ser governado com a mesma pouca intensidade de restrições que um povo cujas simpatias estão do lado da lei e que está disposto a prestar ativa assistência à execução desta lei De mesmo, as instituições representativas são de pouco valor, e podem ser mero instrumento da tirania ou da intriga, quando a generalidade dos eleitores não está suficientemente interessada em seu próprio governo para dar-lhe seu voto, ou quando a maioria dos eleitores, quando votam, não o fazem segundo os interesses^do bem público, mas o fazem por dinheiro ou por indagação de pessoa influente, que por razões particulares pretendem favorecer. Á eleição popular praticada dessa maneira, ao invés de ser uma garantia contra o mau governo, representa uma engrenagem adicional no seu mecanismo. Além desses obstáculos morais, as dificuldades materiais são freqüentemente um impedimento insuperável para as formas de governo. No mundo antigo, embora possa ter e realmente tenha havido uma grande independência individual e local, não poderia nunca existir um governo popular regular fora dos muros da cidade; porque não havia condições físicas para a formação e propagação de uma opinião pública, a não ser entre aqueles que podiam ser reunidos para discutir os assuntos públicos em uma mesma ágora. Acredita-se geralmente que esse obstáculo desapareceu depois da adoção do sistema representativo. Mas para transpô-lo completamente, faltou a imprensa, mesmo a imprensa jornalística, o equivalente real, embora inadequado em alguns aspectos, do Pnyx e do Fórum'Houve ATFT QÜH PONTO AS I'()KMA.S ULÍ GOVHRNO NAO UMA QUUSTXÔ Dlí 1CSCOL1IA? 9 cs lados dc sociedade em que mesmo uma monarquia de grande extensão territorial não pode subsistir, e se fragmentou inevitavelmente em pequenos principados, respec- tivamente independentes ou unidos por laços frágeis como o feudalismo; isso porque o mecanismo da autoridade não foi perfeito o suficiente para fazer obedecidas as ordens a grandes distâncias da pessoa do governante. A única garantia de obediência ao governante, mesmo por parte de seu exército, era a fidelidade voluntária, além de não existir um meio de fazer o povo pagar uma soma de impostos suficiente para manter a força necessária para impor a obediência por todo um vasto território. Nesse e em todos os casos seme- lhantes, deve ser entendido que a força da obediência pode ser maior ou menor. Pode ser tão grande a ponto de fazer a forma de governo trabalhar muito mal, sem impedir absolutamente sua existência, ou sem impedi-la de ser preferível na prática a qualquer outra. Essa última questão repousa principalmente sobre uma consideração à qual ainda não chegamos — a tendência das diferentes formas de governo a favorecer o progresso. Acabamos agora de examinar as três condições fundamentais, pelas quais as formas de governo se adaptam a um povo. Se os defensores daquela que pode ser chamada de teoria naturalística da política, pretendem apenas insistir na necessidade dessas três condi- ções; se eles pretendem apenas que nenhum governo possa existir sem preencher as duas primeiras condições, nem mesmo em grande parte a terceira; sua doutrina, assim limitada, é incontestável Pretender o que quer que seja além disso, me parece inadmissível. Tudo aquilo que nos dizem sobre a necessidade de uma base histórica para as instituições, e de estarem em harmonia com o caráter e os costumes nacionais, ou significa isso, ou não significa nada. Em frases semelhantes, além do sentido racional que elas contêm, existe uma grande quantidade de puro sentimentalismo. Mas, do ponto de vista prático, essas pretensas qualidades indispensáveis das instituições políticas são apenas facilidades para a realização das três condições. Quando uma instituição ou um conjunto de instituições têm os seus caminhos preparados! por ocasiões, gostos e hábitos do povo, não apenas esse povo será levado mais facilmente a aceitá-la, mas, desde o começo, ele aprenderá mais facil- mente e estará mais disposto a fazer o que lhe é exigido, tanto para a preservação das instituições quanto para o seu desenvolvimento e fecundidade mais vantajosos. Seria um grande erro por parte de um legislador não moldar suas medidas de modo a tomar partido, quando possível, de tais hábitos e sentimentos preexistentes. Por outro lado, é exagero tranformar em condições necessárias essas coisas que são meros auxílios e facilidades. As pessoas são mais facilmente induzidas a fazer, e fazem mais facilmente, aquilo a que já estão acostumadas. Mas um povo também aprende a fazer coisas que lhe são novas. A familiaridade é uma grande ajuda; mas estender-se longamente sobre uma idéia pode torná-la familiar, mesmo se estranha a princípio. Existem exemplos abundantes de povos inteiros ardentemente ávidos por coisas novas. A dose de aptidão que um povo possui para coisas novas, a de se adaptar a novas circunstâncias, é em si um dos elementos da questão. É uma qualidade na qual nações diversas, e distintos estágios de civilização, diferem mujto de um para o outro. A capacidade de um povo determinado de preencher as condições de uma forma de governo determinada não pode ser estabelecida por uma regra absoluta. 0 grau de cultura do povo em questão, o seu nível de julgamento e sagacidade prática devem ser os guias. 10 O GOVERNO REPRESENTATIVO Existe, também, uma outra consideração que não se deve perder de vista. Um povo pode não estar preparado para boas instituições; mas acender nele o desejo de tais insti- tuições é uma parte necessária da operação. Recomendar e defender uma instituição ou forma de governo específica, pondo em evidência suas vantagens, é uma das maneiras, freqüentemente a única maneira possível de educar o espírito nacional que aprende assim não apenas a aceitar e a reivindicar, mas também a manejar a instituição. Que meios tiveram os patriotas italianos, durante a geração atual e a precedente, de preparar o povo italiano para a liberdade pela união, se não por incitá-lo a essa exigência? Aqueles, contudo, que empreendem tal tarefa, devem estar fortemente compenetrados, não apenas dos benefícios da instituição ou política que recomendam, mas também das capacidades morais, intelectuais e ativas necessárias à sua prática, a fim de evitar, dentro do possível, acender num JJOVO um desejo por demais superior à sua capacidade. O resultado do que foi dito é que, dentro dos limites impostos pelas três condições tão freqüentemente aludidos, as instituições e as formas de governo são uma questão de escolha. Pesquisar em tese geral (como é chamada) qual é a melhor forma de governo, não é uma quimera, mas sim um emprego altamente prático da inteligência científica; intro- duzir em um país as melhores instituições que possam, no estado atual do país, preencher toleravelmente as três condições, constitui um dos fins mais racionais aos quais se pode dirigir qualquer esforço prático. Tudo o que se pode dizer para depreciar a eficácia dá vontade e dos propósitos humanos em matéria de governo, pode também sér dito para qualquer outra aplicação dessa mesma vontade e desses mesmos propósitos. Em todas as coisas, o poder humano é estritamente limitado. Ele só pode agir manejando uma ou mais das forças da natureza. Forças aplicáveis ao uso desejado devem, portanto, existir; mas só agirão de acordo com suas próprias leis. Não podemos fazer um rio correr no sentido contrário; mas não podemos por isso dizer que os moinhos de água '"não são feitos, brotam". Na política, como na mecânica, deve-se procurar fora do mecanismo a força que faz funcionar o motor; e se não for possível encontrá-la, ou se for insuficiente para transpor os obstáculos que podem ser racionalmente esperados, a invenção falhará. Isto não é uma peculiaridade da arte política; serve apenas para mostrar que ela está sujeita às mesmas limitações e condições das outras artes. Neste ponto nos deparamos com uma outra objeção, ou com a mesma objeção sob uma outra forma. Argumenta-se, segundo ela, que as forças de que dependem os maiores fenômenos políticos não se submetem à direção dos homens de estado ou dos filósofos. Em substância, o governo de um país é fixado a priori pelo estado do país, no que respeita à distribuição dos elementos do poder social O poder mais forte da sociedade, qualquer que seja, receberá a autoridade governante, e uma mudança na constituição política não poderá ser durável se não for precedida ou acompanhada de uma nova distribuição do poder na própria sociedade. Uma nação, portanto, não pode escolher sua forma de governo. Os meros detalhes, e a organização prática, ela pode escolher. Mas a essência do todo, o assento do poder supremo, são determinados pelas circunstâncias sociais. Reconheço de imediato que existe uma porção de verdade nessa doutrina; mas para tirar-se dela qualquer proveito, ela deve ser reduzida a uma expressão distinta e a limites