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Considerações sobre a morfologia foliar de Blepharocalyx salicifolius (H.B.K.) Berg no Rio Grande do Sul PDF

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BALDUINIA. n.2, p.7-12, abr.l2005 CONSIDERAÇÕES SOBRE AMORFOLOGIA FOLIAR DE BLEPHAROCALYX SALICIFOLIUS (H.B.K.) BERG NO RIO GRANDE DO SUV LUCIANO DENARDF JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP RESUMO Blepharocalyx salicifolius (H.B.K.) Berg apresenta notável plasticidade morfológica, especialmente naforma edimensões das folhas. Além doreconhecimento dessa variabilidade, opresente trabalho busca analisar seu real significado ecológico. Palavras-chave: Blepharocalyx salicifolius, morfologia foliar, Rio Grande do Sul. ABSTRACT Blepharocalyx salicifolius (H. B. K.) Berg shows aremarkable variability, especially in the shape and size ofleaves. Aside the recognition ofthis variability, thispaper deaIstoanalyze itsreal ecological significance. Key words: Blepharocalyx salicifolius, leafmorphology, Rio Grande do Sul. INTRODUÇÃO lhas linear-lanceoladas (Marchiori & Sobral, Pertencente àfamília Myrtaceae econheci- 1997). Esse notável polimorfismo é que levou da popularmente por "murta", Blepharocalyx autores, como Legrand (1936), Tortorelli (1956), salicifolius (H.B.K.) Berg éuma árvore depor- Legrand & Klein (1978) e Reitz et ai. (1988), te pequeno até grande, com ampla distribuição entre outros, areconhecerem diferentes espéci- es, variedades e formas botânicas. De acordo geográfica no Rio Grande do Sul enotável va- com Landrum (1986), que investigou a murta riabilidade morfológica, motivo de sua rica em toda a sua área de ocorrência, as sinonímia na literatura botânica. Restrita à descontinuidades verificadas entre indivíduos América do Sul, sua área de distribuição esten- nãojustificam asegregação damesma emespé- de-se de Goiás aoUruguai, ocorrendo ainda no cies distintas, motivo pelo qual mais de 60 Paraguai, Argentina (deBuenos Aires atéJujuy), binômios foram por ele reduzidos à sinonímia Bolívia e Equador (Cozzo, 1956; Landrum, deBlepharocalyx salicifolius (H.B.K.) Berg. 1986; Lorenzi, 1998). No Rio Grande do Sul, a Opensamento taxonômico predominante na distribuição da murta inclui praticamente toda atualidade, bem como a estrutura da madeira, aárea de ocorrência dopinheiro brasileiro, além investigada por Denardi (2004), inclinam-se fa- da Serra do Sudeste (Canguçú, Dom Feliciano, voravelmente àinterpretação deLandrum (1986), SantanadaBoaVista,Piratini) edaCampanha do apontando para aexistência deuma únicaespécie Sudoeste, sobretudo na bacia dosrios SantaMa- deBlepharocalyx na flora sul-brasileira. riaeQuaraí (Reitz etai., 1988). NaFloresta Ombrófila Mista, asárvores dis- MATERIAL EMÉTODOS tinguem-se pelas folhas largas edimensão avan- tajada dos troncos. Na Serra do Sudeste eCam- Caracterização dospontos de coleta panha do Sudoeste, ao contrário, os indivíduos O material botânico estudado procede de são de pequeno porte, correspondendo a duas regiões no Rio Grande do Sul: a Serra do arvoretas de tronco geralmente tortuoso e fo- Sudeste eos Campos de Cima da Serra. Artigo recebido em 20/1112004 eaceito para apublicação em 15/03/2005. I 2 Engenheiro Florestal, Msc., Acadêmico doPrograma dePós-Graduação emEngenharia Florestal, Centro deCiências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS). [email protected] 3 Engenheiro Florestal, Dr., Professor Titular do Departamento de Ciências Florestais, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS). [email protected] 7 Na SerradoSudeste, escolheu-se comoponto As exsicatas do material coletado foram in- de coleta a localidade de Guaritas, cerca de 50 corporadas ao Herbário do Departamento de Km dacidade de Caçapava do Sul. Orelevo, de Ciências Florestais da Universidade Federal de forte-ondulado amontanhoso, oscila entre 100 SantaMaria (HDCF), com osseguintes registros: e 400 metros de altitude. Os solos, litálicos e HDCF4336,4337,4338 (Serrado Sudeste);4331, eutráficos, compõem a Associação Guaritas - 4339,4340 (Campos de Cima da Serra). Afloramentos de Rocha; bastante rasos, areno- sos e bem drenados, eles têm pequena capaci- Mensuração edescrições foliares dade deretenção de água esãopobres emnutri- Para cada folha, foram medidos ou determi- entes (Lemos et ai., 1973).Avegetação, classi- nados: o comprimento e a largura da lâmina, o ficada como Savana-Parque (Leite & Klein, comprimento do pecíolo e a área foliar; cabe 1990), apresenta amplas áreas com elemento informar, todavia, que para esta última caracte- arbóreo rarefeito, ao lado de outras com agru- rística, por sermais trabalhosa, valeu-se de ape- pamentos consideráveis de árvores earvoretas. nas metade das folhas selecionadas. Com base Na região fisiográfica dos Campos de Cima nas medições, determinou-se, ainda, a propor- da Serra, usou-se como local de coleta aFlores- ção comprimento/largura dalâmina. As compa- ta Nacional de São Francisco de Paula, situada rações de médias entre procedências valeram- cerca de27km da sede domunicípio demesmo sedoTeste "t", deFisher (Vieira, 1999).As des- nome. Assentada em planalto de origem crições foliares baseiam-se em caracteres usu- basáltica, com altitudes entre 900 e 1.200 m, a ais na literatura botânica. região émarcada por coxilhas de declives cur- tos. O solo, classificado como Cambisol RESULTADOS E DISCUSSÕES Húmico, é em geral profundo, argiloso, mode- radamente drenado erico em matéria orgânica, Aspectos gerais da morfologia foliar não havendo falta d'água devido àalta precipi- A murta apresenta folhas simples, opostas, tação pluviométrica, característica da região, e inteiras ede consistência membranácea. Provi- à elevada capacidade de retenção de umidade das de rala pilosidade, com nervura principal do solo (Lemos et ai., 1973). Avegetação nati- impressa na face superior esaliente na inferior, va éclassificada como Floresta Ombrófila Mis- as folhas possuem densa nervação secundária, ta (Leite & Klein, 1990). em ângulos de 45-600com aprincipal, além de De acordo com Moreno (1961), tanto aSer- glândulas translúcidas, que exalam odor carac- ra do Sudeste como os Campos de Cima da Ser- terístico ao serem esmagadas. A lâmina foliar, raenquadram-se nomesmo tipo climático - Cfb de 1,8-6,5 cm de comprimento por 0,2-1,9 cm 1, de Kõppen -, apresentando temperatura de de largura, varia, segundo aprocedência, de li- 16,8 e 14,40C e precipitação média anual de near-lanceolada, com ápice e base agudos, até 1.665 e2.468 mm, respectivamente. lanceolada, com ápice geralmente caudado (Fi- gura 1a,b). Opecíolo, piloso, mede de 0,2 a 1,3 Coleta de material botânico cm de comprimento. Aárea foliar varia de 0,6- Em cada região, foram coletadas folhas de 6,8 cm2 eaproporção comprimento/largura da , três exemplares adultos da espécie, em diferen- lâmina, de 2,7/1 a 14,8/1. tes posições da copa. Foram selecionadas 80 Apresença deglândulas translúcidas eoodor folhas por indivíduo, descartando-se as do ápi- característico das folhas, embora pouco comen- ce deramos ou em fase de crescimento. Folhas tados na literatura botânica, são aspectos valio- quebradas, dobradas ou com anomalias, foram sospara aidentificação dendrolágica, devido ao igualmente desconsideradas. número expressivo de Mirtáceas na flora sul- 8 FIGURA 1- Detalhes morfológicos de Blepharocalyx salicifolius: a, folhas lanceoladas de ápice caudado (Campos de Cima da Serra); b,folhas linear-Ianceoladas (Serra do Sudeste); c,d, aspectos de flores efrutos. 9 rio-grandense (Marchiori & Sobral, 1997), àdi- procedência. Em contrapartida, aspectos rela- ficuldade de identificação das mesmas e, prin- tivos àforma edimensão da lâmina foliar, tais cipalmente, àprópria variabilidade morfológica, como comprimento, largura, proporção com- muito característica na espécie em estudo. primentollargura, área foliar ecomprimento de pecíolos, mostraram-se extremamente variá- Morfologia foliar efatores ambientais veis no material examinado (Figura la,b). Os Algumas características morfológicas, sobre- dados quantitativos sobre estes aspectos são tudo de ordem qualitativa, são comuns a todos apresentados na Tabela 1. osindivíduos estudados, independentemente da TABELA 1:Morfologia da folha, segundo procedência. Aspecto morfológico N P MÉDIA DAM DMS SS CS (+/-) CLF (em) 240 0,0000 3,9 4,5 -0,6* 0,1 LLF (em) 240 0,0000 0,5 1,3 -0,8* 0,03 CLF/LLF 240 0,0000 8,911 3,6/1 5,3* 0,3 AF (cm2) 120 0,0000 1,3 3,2 -1,9* 0,2 CP (em) 240 0,0000 0,3 0,7 -0,4* 0,003 CLF =comprimento da lâmina foliar; LLF =largura dalâmina foliar; CLF/LLF =proporção comprimento/ largura; AF=área foliar; CP=comprimento dopedolo; N= número demedições por local; P=probabilidade de que asmédias sejam iguais; SS = Serra do Sudeste; CS = Campos de Cima da Serra; DAM = diferença absoluta entre as médias; DMS = diferença mínima significante; * = diferença significativa ao nível de significância de 5%. No material da Serra do Sudeste, as folhas, de climas e solos, reforçando, ainda mais, ahi- tipicamente linear-Ianceoladas, apresentam com- pótese da influência ambiental sobre a primento, largura, área foliar e pecíolo signifi- morfologia foliar. cativamente menores doquenos indivíduos pro- Na Serra do Sudeste, as árvores crescem em cedentes dos Campos de Cima da Serra. Apro- solos arenosos com abundantes afloramentos de porção comprimentollargura da lâmina, aocon- rocha, pobres em nutrientes e com baixa capa- trário, ésignificativamente maior. Nos Campos cidade deretenção de água. Cabe agregar que a de Cima da Serra, por sua vez, as folhas de vegetação predominante na região é do tipo Blepharocalyx salicifolius distinguem-se pelas Savana-Parque (Leite & Klein, 1990), com ár- maiores dimensões (Tabela 1) e pela forma vores freqüentemente solitárias e, portanto, de lanceolada, de ápice geralmente caudado. folhagem exposta àplena luz solar. Nessa con- Embora determinada geneticamente, a for- dição, as árvores convivem simultaneamente ma da folha pode sofrer modificações em res- com falta d'água esuper-aquecimento defolhas, posta adaptativa a certas condições ambientais induzindo odesenvolvimento demecanismos de (Nultsch, 2000). Dessa forma, a notável valor adaptativo. Ao reduzir a área foliar, man- plasticidade morfológica damurta, no tocante à tendo forma estreita e alongada (linear- formaedimensões foliares, pode serparcialmen- te explicada pelo meio ambiente. Vale lembrar lanceolada), amurta parece dispor de eficiente queaespécie, distribuída emvasta áreanaAmé- estratégia para contrapor-se tanto aosuper-aque- rica do Sul (Cozzo, 1956; Landrum, 1986; cimento das folhas, como àperda excessiva de Lorenzi, 1998), ocorre nos mais variados tipos água por evapotranspiração. 10 De acordo com Ferri (1993), a redução da é mais profundo, úmido e com conteúdo apa- superficie foliar constitui-se nomecanismo mais rentemente elevado dematéria orgânica, aspec- eficiente para minimizar a perda d'água em to também reportado por Guadagnin et aI. ambientes secos. Givnish (1979), por sua vez, (1999). constatou que folhas pequenas são próprias de Nos Campos de Cima da Serra, sob condi- ambientes secos, ensolarados e pobres em nu- ções diversas, alâmina foliar usualmente alcan- trientes, enquanto folhas grandes são mais co- çaárea maior emenor proporção comprimento/ muns em áreas quentes, com boa disponibilida- largura, indicando ambiente não estressante. de hídrica e luz solar indireta. As pesquisas de Leite &Lieras (1978) eMedri &Lieras (1979), CONCLUSÕES também indicam que a maior exposição à luz O estudo da morfologia foliar de Blepha- tende areduzir aárea foliar. rocalyx salicifolius permite asseguintes conclu- No material em estudo, as folhas coletadas sões: na Serra do Sudeste apresentaram elevada pro- -Avariabilidade comprovada no presente estu- porção comprimento/largura (aproximadamen- do dificulta aidentificação dendrológica da es- te 9/1), baixando para 3,6/1 nos indivíduos dos pécie eexplica, pelo menos emparte, adiversi- Campos de Cima da Serra (Tabela 1). Esta re- dade debinômios existente na literatura. Acon- dução é amplamente reconhecida como de va- sistência, margem do limbo, pilosidade, bem lor adaptativo. De acordo com Parkhurst & como apresença de glândulas translúcidas e o nm- Loucks (1972), folhas com proporção acima de odor característico das folhas, sãoaspectos 4/1, tais como observado na Serra do Sudeste, damentais àidentificação prática da mesma; são comuns em ambientes secos, posto que a -As folhas curtas, estreitas e de área reduzida, forma alongada permite amenizar osuper-aque- observadas em indivíduos da Serra do Sudeste, cimento. assim como asfolhas demaiores dimensões, dos Apesar da Serra do Sudeste não ser uma re- Campos de Cima da Serra, têm nítido valor gião verdadeiramente xérica (1.665 mm depre- adaptativo, refletindo arealidade ambiental das cipitação média anual), é evidente que o solo respectivas regiões. arenoso eos constantes afloramentos de rocha, característicos na região, limitam adisponibili- BIBLIOGRAFIA dade de água para as árvores, repercutindo nas Cozzo, D. Como utilizar la madera de los árboles cultivados. Buenos Aires: Editorial Comopolita, dimensões foliares ena estrutura anatômica da p.l03-104, 1956. madeira (Denardi, 2004). Mesmo assim, não Denardi, L. Estudo anatômico do lenho e pode ser definida, com certeza, qual a causa morfologia foliar deBlepharocalyx salicifolius determinante para a redução da lâmina foliar, (H.B.K.) Berg, em duas regiões do Rio Gran- de do Sul. Rio Grande doSul: UFSM, 2004. 94f. pois o caráter resulta da interação de diversos Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) fatores. Na Serra do Sudeste, asárvores experi- - Universidade Federal de Santa Maria. mentam eventual carência de água enutrientes, Ferri, M. G.Botânica: Morfologia externa dasplan- devido ànatureza dos solos, bem como supera- tas (Organografia). São Paulo: Nobel, 1993. 149p. quecimento das folhas, maximizadas pelo Givnish, T.1.On the adaptative significance ofleaf distanciamento dos indivíduos, característico na formoIn: Solbrig, O. T., Raven, P. H., Jain, S., Savana-Parque. Na mesma região fisiográfica, Johnson, G. B., Topics in plant population observam-se folhas ainda mais estreitas do que biology. New York: University Press, p. 375- asexaminadas no presente estudo em indivídu- 407, 1979. Guadagnin, D. L., Larocca, J., Sobral, M. Flora os que habitam a borda de paredões rochosos, vascular de interesse para aconservação da Ba- ao passo que folhas largas não são raras em ár- ciadoArroio João Dias: Avaliação ecológica rá- vores que crescem junto ariachos, onde o solo pida. In: As minas do Camaquã: um estudo 11 multidisciplinar. São Leopoldo: Unisinos, p. 71- Lorenzi, H. Árvores brasileiras: Manual de identi- 84, 1999. ficação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Landrum, L. R. Campomanesia, Pimenta, Brasil. Nova Odessa: Editora Plantarum, 1998. Blepharocalyx, Legrandia, Acca, Myrrhinium, p.244. andLuma (Myrtaceae). Flora Neotropica, n.45, Marchiori, 1. N. C., Sobral, M. 'Dendrologia das p. 116-160, 1986. angiospermas: Myrtales. Santa Maria: Ed. da Legrand, D. Las mirtáceas deIUruguay. Anales dei lJFSM, 1997. 304p. Medri, M. E., Lieras, E. Ecofisiologia deplantas da Museo de Historia Natural de Montevideo, v. Amazônia - Anatomia foliar e ecofisiologia de 4, n. 11,p. 25-33, 1936. Bertholletia excelsa Humb. &Bonpl. (Castanha- Legrand, C. D., Klein, R. M. Mirtáceas. 17. do-Pará) - Lecythidaceae. Acta Amazonica, v. Myrciaria, 18. Pseudocaryophyllus, 19. 9, n. 1,p. 15-23, 1979. Blepharocalyx, 20. Espécies suplementares, 21. Medri, M. E., Lieras, E.Aspectos da anatomia eco- Espécies cultivadas, 22.Generalidades. In:Reitz, lógica defolhas deHevea brasiliensis Müll. Arg. P. R. Flora Ilustrada Catarinense. Itajaí: Acta Amazonica, v. 10,n. 3,p. 463-493, 1980. Herbário Barbosa Rodrigues, p. 731-876, 1978. Moreno, J.A. Clima do Rio Grande do Sul. Porto Leite, A. Ma. C., Lieras, E. 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