Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Departamento de História Programa de Pós-Graduação em História Comparada LAIR AMARO DOS SANTOS FARIA “FAZEI ISSO EM MINHA MEMÓRIA” (Lc 22:19): COMPARANDO MEMÓRIAS NOS EVANGELHOS SINÓTICOS E NO EVANGELHO DE TOMÉ NA BUSCA DO JESUS HISTÓRICO ORIENTADOR: PROF. DR.º ANDRÉ LEONARDO CHEVITARESE RIO DE JANEIRO 2016 2 Lair Amaro dos Santos Faria “FAZEI ISSO EM MINHA MEMÓRIA” (Lc 22:19): COMPARANDO MEMÓRIAS NOS EVANGELHOS SINÓTICOS E NO EVANGELHO DE TOMÉ NA BUSCA DO JESUS HISTÓRICO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História Comparada, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História. Orientador: André Leonardo Chevitarese Linha de Pesquisa: Poder e Discurso Rio de Janeiro 2016 Ficha Catalográfica FARIA, Lair A. dos S. “Fazei isso em minha memória” (Lc 22:19): comparando memórias nos evangelhos sinóticos e no evangelho de Tomé na busca do Jesus Histórico / Lair Amaro dos Santos Faria. – 2015. Tese (Doutorado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós- Graduação em História Comparada, Rio de Janeiro, 2015. Orientador: André Leonardo Chevitarese 1. História Antiga. 2. Paleocristianismos. 3. Evangelhos Canônicos e Não Canônicos. 4. Estudos sobre Memória. 5. Oralidade e Letramento. – Teses. I. Chevitarese, André Leonardo (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de História. III. Título 2 Banca Examinadora Titulares _______________________________________________ André Leonardo Chevitarese (Orientador) Doutor – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada __________________________________ Flávio dos Santos Gomes Doutor – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada __________________________________ José Costa d’Assunção Barros Doutor – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada __________________________________ Renata Rozental Sancovsky Doutora – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História __________________________________ Daniel Brasil Justi Doutor – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada Suplentes __________________________________ Marta Mega de Andrade Doutora – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada __________________________________ Paulo Duarte Doutor – Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada 3 À minha avó, Edite, mulher guerreira, que nos deixou na semana em que essa Tese era finalizada, mas que continua presente em meu coração. Aos velhinhos que me fizeram quem eu sou e que vibrariam com esse momento, Dinho Evaristo, Dinha Anita, Tia Juju e Tia Cocota. À minha mãe, Edna dos Santos Faria, cujo amor me sustenta e me faz manter a esperança de que dias melhores virão. À minha esposa, Cássia Castro dos Santos Faria, por ser a principal responsável por eu estar cumprindo mais essa etapa na vida. 4 Agradecimentos À minha família que acreditou mais em mim do que eu em mim mesmo. Irmãos, cunhadas, tios e tias, primos e primas. Todos foram fundamentais em cada passo, em cada dificuldade enfrentada. Ao meu orientador, André Leonardo Chevitarese, que desde a Graduação me tutela e me aponta os melhores caminhos. Tudo o que eu tenho de bom, academicamente falando, eu devo a ele. Tudo o que eu construir profissionalmente será em homenagem a ele. A eternidade será curta para eu expressar minha absoluta gratidão a esse que é, para mim, o maior exemplo de erudição, humildade, compromisso ético e hombridade que eu já conheci. Por mais que eu estude e estude, por mais títulos que eu conquiste, nunca serei digno de “desatar as sandálias dos seus pés”. Aos meus amigos que não mediram esforços para que eu não esmorecesse na luta, sabedores das minhas limitações: Daniel Justi, Juliana Cavalcanti, Vítor Almeida, Airan Borges, Jane Santos, Marcelo Fernandes, Douglas Mota, Simone Toschi, Ricardo Dias, Carlos Eduardo Schmidt, Leandro Falcon, Eliana de Souza. Aos colegas tutores e aos alunos que tive na Licenciatura em História nos quatro anos em que me doei em Cantagalo, pelo Cederj, no sonho de preparar professores verdadeiramente comprometidos com o ensino de História. Em especial à turma que foi a minha primeira experiência em docência superior. Aos meus alunos e minhas alunas cenecistas e alguns da rede pública estadual de ensino que, pelos constantes desafios a mim feitos, moldaram-me como um educador mais do que profissional da educação. Aos alunos e às alunas que passaram por mim nos cursos que ministrei no Centro Loyola de Fé e Cultura, no IH e na Uerj. Aos professores que tive no Doutorado, às funcionarias da Secretaria do PPGHC e aos funcionários do IH. 5 Resumo A partir do momento em que pesquisadores começaram a analisar os escritos do assim chamado Novo Testamento sem os prejuízos advindos da confissão religiosa, múltiplas questões emergiram. Dentre elas, a de determinar a ordem cronológica em que os quatro evangelhos canônicos foram produzidos. No curso dessa investigação, em meados do século XIX, os acadêmicos identificaram, com certa surpresa, que os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas compartilhavam uma quantidade expressiva de passagens semelhantes. O aprofundamento desse tópico resultou no surgimento do chamado Problema Sinótico. Em outras palavras, a tentativa de se obter uma resposta satisfatória para as impressionantes concordâncias textuais entre os referidos documentos. Das hipóteses aventadas, a que mais consenso atingiu foi a que estipula que Marcos foi o primeiro evangelho, Mateus e Lucas vieram em seguida, utilizando Marcos e outro documento, hoje perdido, como suas fontes. A descoberta, no século XX, de um conjunto de códices, datado do século IV, impactou os círculos acadêmicos. Pois no bojo desse material literário antigo encontrava-se um evangelho, há muito conhecido por referências feitas por antigos cristãos: o Evangelho de Tomé. Este Evangelho e os demais documentos pertencentes ao códice permitiram reavaliar a história da formação dos primitivos agrupamentos de seguidores do movimento iniciado por Jesus de Nazaré. Com efeito, o cristianismo tornou-se, em perspectiva exclusivamente acadêmica, “cristianismos”. Tomé, por sua vez, impôs a necessidade de se reavaliar o Problema Sinótico, à medida que seu conteúdo também apresentava similaridades com o material sinótico. Diversas tentativas foram efetuadas a fim de determinar qual tipo de relação haveria entre esse texto e os evangelhos canônicos. Tentativas realizadas sob os auspícios do paradigma literário. Nesta Tese envida-se um diálogo com duas áreas recentes de pesquisa: estudos sobre memória e estudos sobre a relação oralidade e letramento. Esse caminho parece-nos muito promissor e efetivamente propenso a solucionar o problema das aparentes contradições textuais existentes entre os evangelhos. Com efeito, conjugando-se memória e oralidade, conclui-se que os ditos atribuídos a Jesus foram proferidos por diferentes sujeitos em diferentes momentos para públicos distintos. Assim, as dessemelhanças entre as tradições escritas podem ser o resultado das adaptações sofridas ao longo do processo de transmissão das falas de Jesus. 6 Abstract From the time when researchers began to examine the writings of the so-called New Testament without the losses arising from religious faith, many questions emerged. Among them, to determine the chronological order in which the four canonical gospels were produced. In the course of this investigation in the mid- nineteenth century , scholars have identified, with some surprise, that the gospels of Mark, Matthew and Luke shared a significant amount of similar passages . The deepening of this topic resulted in the emergence of so-called Synoptic Problem. In other words, the attempt to obtain a satisfactory response to the striking concordance between said textual documents. Of the suggested hypothesis, the more consensus reached was that stipulates that Mark was the first gospel, Matthew and Luke followed, using Marcos and another document, now lost, as their sources. The discovery in the twentieth century, a set of codices, dating from the fourth century, affected the academic circles. For in the midst of this ancient literary material stood a gospel, long known for references by early Christians: the Gospel of Thomas . This Gospel and other documents pertaining to the Codex allowed reassess the history of the formation of the early movement's followers groupings initiated by Jesus of Nazareth. Indeed, Christian became, in pure academic perspective, "Christianities". Thomas, in turn, has imposed the need to reassess the Synoptic Problem, as its content also had similarities to the synoptic material. Several attempts were made to determine what kind of relationship would be between this text and the canonical gospels. Attempts held under the auspices of the literary paradigm. In this work shall make up a dialogue with two recent areas of research: studies on memory and studies on the relationship orality and literacy. This way it seems very promising and likely to effectively solve the problem of existing apparent textual contradictions between the Gospels. Indeed, combining up memory and orality, it is concluded that the sayings attributed to Jesus were delivered by different individuals at different times for different audiences. Thus, the dissimilarities between the written traditions can be the result of adaptations suffered during the process of transmission of the sayings of Jesus. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO II. COMUNIDADE: UM TERMO EM DISPUTA 17 III. ESTABELECENDO BALIZAS E DEFININDO HIPÓTESES 31 1. NO PRINCÍPIO ERA O PROBLEMA SINÓTICO 1.1. DAS HARMONIAS ÀS SINOPSES DOS EVANGELHOS 38 1.2. A INTERDEPENDÊNCIA LITERÁRIA DOS EVANGELHOS SINÓTICOS 43 1.3. HIPÓTESES PROPOSTAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA SINÓTICO 55 1.4. A HIPÓTESE DAS DUAS FONTES 73 1.5. PROBLEMA SINÓTICO: NOVAS PERSPECTIVAS 81 1.6. CONCLUSÃO 93 2. EM UMA BIBLIOTECA NO DESERTO 2.2. O IMPACTO DA DESCOBERTA DE TOMÉ NOS CÍRCULOS ACADÊMICOS 98 2.3. UM LUGAR PARA TOMÉ NO DESENVOLVIMENTO DOS CRISTIANISMOS 105 2.3.1. AS MOTIVAÇÕES SUBJACENTES AO DEBATE SOBRE A VARIEDADE PRIMITIVA 118 2.3.2. DA ESSÊNCIA DO JUDAÍSMO E DO CRISTIANISMO 125 2.4. TOMÉ: PELO DIREITO DE SER CLASSIFICADO COMO EVANGELHO 126 2.4.1. PODEM OS EVANGELHOS SER UM TIPO DE MIDRASH? 130 2.5. AS ETAPAS DE REDAÇÃO DE TOMÉ 139 2.5.1. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO 158 2.5.2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE DE RESPOSTA 159 2.5.3. PRINCÍPIO DA CLIENTELA 161 2.6. A CRISTOLOGIA DE TOMÉ 165 2.6.1. A FORMAÇÃO DAS CRISTOLOGIAS 166 2.6.2. TOMÉ TEM ALGUM TIPO DE CRISTOLOGIA? 170 2.7. TRADIÇÕES EM CONFLITO: TOMÉ E A COMUNIDADE DE DISCÍPULO AMADO 172 2.7.1. “TODAS ESSAS COISAS FORAM ESCRITAS PARA QUE CREIAIS” 173 2.7.2. “MEU SENHOR E MEU DEUS” 177 2.7.2.1. VER PARA CRER, CRER SEM VER 185 3. LEMBRAI-VOS DA PALAVRA QUE EU DISSE 8 3.1. DIFUNDE-SE POR CAUSA DE SUA VULGARIDADE E DA IGNORÂNCIA DE SEUS ADEPTOS 176 3.2. O QUE OUVIREM EM SEU OUVIDO, DE SEU TELHADO PROCLAMEM NO OUTRO OUVIDO 179 3.2.1. COMO ENTENDE ELE DE LETRAS SEM TER ESTUDADO? 181 3.3. O NOVO PROBLEMA SINÓTICO 189 3.3.1. TOMÉ DEPENDE DOS SINÓTICOS 190 3.3.2. TOMÉ CONHECEU OS SINÓTICOS 195 3.3.3. TOMÉ ESTAVA FAMILIARIZADO COM OS SINÓTICOS 201 3.3.4. TOMÉ É INDEPENDENTE DOS SINÓTICOS 221 3.4. E SEU TESTEMUNHO É VERDADEIRO 233 3.4.1. COMUNIDADES DE MEMÓRIAS 234 3.4.2. QUEM SE LEMBRA? 237 3.5. ENCONTRANDO A OVELHA PERDIDA 242 3.6. CONCLUSÃO 250 CONCLUSÃO 253 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 262
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