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C:\Job\ABL\REVISTA BRASILEIRA 56 PDF

271 Pages·2008·3.6 MB·Portuguese
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Prosa Otávio de Faria: três visões (cid:1) (no centenário de seu nascimento) O SENHOR DO MUNDO Antonio Olinto Ocupante da Cadeira 8 na Academia Brasileira de Letras. U m ano de tantas comemorações (centenário de morte de MachadodeAssis,centenáriodenascimentodeGuimarães Rosa, o de Luís Viana Filho e o de um dos melhores romancistas deste país: Otávio de Faria [1908-1980]), exige um levantamento da arte da ficção brasileira como parte de um movimento geral de cultura que justifique a existência de um povo. Um romance como O Senhor do Mundo, de Otávio de Faria, nos põedentrodaobradeartenoseumaisaltosentido.Asproporções do livro – mesmo tomado individualmente, como conjunto sepa- radodaTragédiaBurguesa–sãodasquehonramqualquerliteratura. E somos, logo de início, obrigados a falar do “esquema” e do 29 Antonio Olinto “não-esquema” em romance. Poucos escritores contemporâneos, de qual- quer país, terão, como Otávio de Faria, um esquema tão fundo e tão vasto. TragédiaBurguesaécompostopelosromances:MundosMortos(1936),OsCami- nhosdaVida(1939),OLododasRuas(1942),OAnjodePedra(1944),OsRenega- dos (1947), Os Loucos (1952), O Senhor do Mundo (1958), O Retrato da Morte (1961),Ângela,ouAsAreiasdoMundo(1963),ASombradeDeus(1966),OCava- leiro da Virgem (1970), O Indigno (1973) e O Pássaro Oculto (1979). Publicou aindaensaioscomoCristoeCésar(1937),FronteirasdaSantidade(1940),Digni- ficaçãodoFaroeste(1952),PequenaIntroduçãoàHistóriadoCinema(1964)eNovelas daMasmorra(1966)eapeçateatral“TrêsàSombradaCruz”(1939).Con- tudo,nodesenrolardeseusplanosdenarrativa,ninguémparecemaisafasta- do de um esquema do que ele. OSenhordoMundofazpartedeumadasmuitascorrentes,paralelasoutrança- das, que percorrem a TragédiaBurguesa. É a que tem o nome de OsCaminhosda Vidaecomeçounoquartoromancedasérie,OAnjodePedra.Nofinaldovolu- me,quandoPadreLuíschegaaopontomáximodesuaprovação,ficamossa- bendo que essa vereda particular do mundo criado por Otávio de Faria terá umacontinuação,nodécimosegundoromancedoesquema,OIndigno.Ocará- tersinfônico–nãoapenasnosentidomusical,mastambémnodepadrõesque secortam,queseafastam,quesebuscam–daTragédiaBurguesacontribuipara eliminar,aindamais,asdissimulaçõesdessetempoparticularaquepertence aficçãoeondeasseqüênciasdeacontecimentosseencadeiamnumplanode criaçãoemqueoprevisível,dopontodeobservaçãoemquesecolocaoro- mancista, não prescinde do livre-arbítrio de seus personagens. CadaparticipantedeOSenhordoMundoéumapessoa,comproblemasparti- culares que interessam ao romancista, mas, ao mesmo tempo, se integra num planogeralemquesóosdestinoscontam.PadreLuísviveligadoamuitasvi- dasedelasfazmotivodetodososseusatos.Oquedesejaésalvaralmase,por isso,jádesviaoromancistaocursodochamadoromance“neutro”,emquea descrição procura cingir-se a um trabalho de câmera cinematográfica, que mostraapenas,semopinião,semintervenção.DesdeoproblemadeArnaldo, 30 O senhor do mundo estáopadreenvoltoemdestinosenelestentandointervir.Ocernedoroman- ce,porém,éReni,umagrandecriaçãoparticulardomundogeraldeOtáviode Faria.Ameninaquesabequevaimorrerequetemmuitodaquelaingenuidade demoníaca dos livros de Dostoievski deixa no romance a mais funda marca. Osoutros,Alfredo,Franco,DonaAna,ospadresdopatronato,sãodestinos também,eoromancistanãoosabandonadetodo,masénoPadreLuíseem Reniqueseconcentra.Alutaéentreosdois.Oconflito(poisédeconflitoque setrata,conflitodamaisantigaespécie,daquelaqueosgregospercebiameque oCristianismodesenvolveunoconceitodopecado),éodacondenaçãocontra o que tenta salvar. EssaidentificaçãochegaatalpontoqueOtáviodeFariatemacoragemde fazer uma coisa que amedronta a maioria dos romancistas contemporâneos: entrar no romance e dele participar, como autor, como homem. De vez em quando,odestinodesuagentelhetocatãodepertoqueonarradorcomelese confunde.NomomentoemqueRenichegaaofimdocaminho,oromancista penetra afoitamente no romance: “Aindaavejonesseinstantedepensamento.Aindaavejo,enfimliberta dos inúteis cuidados e das dúvidas atrozes, pobre ser abandonado, flor de pecado, tentação e maldade. Ainda te vejo, sim, minha pequena doentia Reni,emepergunto(aotever,poucodepois,cobertadelíriosquesãomen- tirasvivasnoteucorpoqueépecadoesópecado),aindameperguntoque estranho destino trouxe para o teu sangue, originariamente puro, esse tre- mendovenenoqueàtuavoltadestruiutodaserenidadeetodaalegria,man- chando com o negror da indelével calúnia o que de mais claro havia nas águasdasfontesondebebias?Sim,aindatevejo,minhapequenaetormen- tosaReni,pranteadacomoumamártir,acreditadasobpalavra,eminhavis- taaindaseembaçaaoevocaroteuvulto,instáveleevanescente.Eamadru- gadaviráeosoliluminaráoteuquarto,emuitasoutrasmadrugadasvirãoe emcadaumadelasosoltornaráailuminaroteueomeuquarto,antesque mesejadadocolocaremtermosclaroseinequívocosomistérioirremovível 31 Antonio Olinto de tua natureza... A fraqueza humana? O simples pavor do ‘único animal quesabequetemdemorrer’?Ou,unicamente,essarealidadesingular:ode- mônio – a presença dissimulada do Senhor do Mundo?” Num romance como O Senhor do Mundo a linguagem deixa de ter tanta im- portância.EvoltoapensaremTolstoi.NãoqueOtáviodeFariaescrevamal: oqueaconteceéqueasmanipulaçõestécnicasdesaparecemdiantedagrandeza –pequenaemisericordiosagrandeza–dolivro.Oselementosdecomposição, asdistorçõeseosexageros,queaparentementenãoexistiamemTolstoi,tam- bémfaltamaOtáviodeFaria.Seusolhosdeescritorestãopostosmuitolonge enãopodempensaremrecursosexclusivamenteliterários.AtéqueOSenhordo Mundo faz alguns torneios no tempo e, com a inclusão do caso de Arnaldo, provocaumcomoquecontraponto.Nadadisso,porém,conta.Oqueimporta é a superação do inútil que esse estranho romancista consegue promover em seulivro,construindo,semosfalsosconceitosdeconstrução,amaissériaobra de ficção da literatura brasileira contemporânea. 32 PROCESSO DA BURGUESIA Álvaro Lins Álvaro Lins (1912-1970). Quarto ocupante da Cadeira 17 da D Academia iantedosromancesdoSr.OtáviodeFariaficosempreimagi- Brasileira de Letras. nandoseassuasidéias–assuasidéiasdeordemgeral,enão assuasidéiasmaisimediatasdeordempolítica–nascemdosseussen- timentos, ou se os seus sentimentos é que são provocados pelas suas idéias.Indecisãoquemevemdaimpossibilidadededefinircertosli- mites,dacertezadequeelessejuntaramnumaregiãohumanadedifí- cil penetração. Idéias e sentimentos se ligam como um só corpo nos volumesdaTragédiaBurguesa,umaobra,diga-selogo,quenãoencontra semelhançacomnenhumaoutranaliteraturabrasileira.Nãoestáain- darealizada,eporissotornaimpossívelumjulgamentodefinitivoou umainterpretaçãocompleta.Trata-sedeumgranderoman-fleuvepro- jetadoemquasevintelivros,sendoquealgunsdelescommaisdeum volume.EcomoaconteceucomaobradeMarcelProust,aoterminar o Sr. Otávio de Faria a sua tarefa, teremos que considerar a Tragédia Burguesacomoumsólivroemmuitosvolumes.Estoucerto,aliás,de que a finalidade do autor se acha exatamente nesta direção. Pode-se concluirassimemfacedostrêslivrosjápublicados.Logoseobserva queoSr.OtáviodeFariaestátrabalhandosoboefeitodeumajáde- terminada visão romanesca do mundo, que está construindo a sua 33 Álvaro Lins obradentrodeumplanoquetemjádefinidasecolocadasassuaslinhasgerais. Esteplano,estáclaro,hádeser,devezemquando,alteradooumodificado–e sob uma dupla ordem de circunstâncias: a que surge da própria elaboração da obraeaquesurgedaexperiênciadoromancista,sempreseampliandoousemo- dificandonaproporçãoemquevaiavançandodentrodavida–mascomcerteza semantendofielacertossentimentoseacertasidéiasquedeterminaramasua concepçãoromanescadomundo. Umaobra,comosevê,quetrazodestinodeconsumiravidainteiradeumes- critor.HojeseiqueaTragédiaBurguesafoiimaginadaaindanaadolescênciadoseu autor,queasuaidéiaantecedeu,aoqueestouinformado,osseusensaiospolíti- cos,comosquaismeencontro,aliás,emabsolutadivergência.Eachoquedeve serdestacadaessacircunstânciaparaquesepossaobservarmelhoroprocessode construçãodessasériederomances.Parece-mequeaTragédiaBurguesasópoderá serrealizadaintegralmenteseoseuautorcontinuardispostoafazerdelaasua própriavida,avivermaisnosseusromancesdoquedentrodomundo.Jásedisse apropósitodaComédieHumainequeBalzacnãoateriaescritoseahouvessevivi- do.DeMarcelProustsabe-sequejáestavamortoparaomundoaocomeçarAla Recherche du Temps Perdu. Alguma coisa de semelhante há de se passar com o Sr. OtáviodeFariaafimdequeoseuroman-fleuvesejarealmenteumcorpoíntegroe completo,enãoapenasumconjuntoderomancesfragmentários. Eleidealizoueestárealizandoasuaobraaindanamocidade;asuavidaea TragédiaBurguesavãoselevantandoquasejuntas,apenascomadiferençaindis- pensáveldealgunsanos.Sãoduasentidadesquasecontemporâneas,esente-se queestesromancesjápublicadosnãoteriamsidopossíveisseoSr.Otáviode Farianãosehouvesseresolvido–ounãosesentisseobrigado–afazerarenún- ciadasuavidanaturalemfavordavidaliteráriadaTragédiaBurguesa.Edaíesta ligaçãoíntimadesentimentoseideaisatravésdetodasassuaspáginas.Muito seenganará,pois,quemjulgarqueaTragédiaBurguesavisaapenasaumefeitoar- tísticoouliterário;elavisa,aocontrário,àqueleplanoderepresentaçãohuma- nadaliteraturaemqueaartepassaaserumarealidadetãoindependentecomo a vida mesma. 34 Processo da Burguesia Chama-seOLododasRuas,publicadoesteano,oterceiroromancedaTragé- diaBurguesa(OLododasRuas,2vols:Rio,1942).Apesardasuaindependência como romance, apesar de poder ser lido isoladamente, este novo livro me- lhorserácompreendidoemligaçãocomosdoisqueoantecederam(Mundos Mortos e Os Caminhos da Vida) e com os outros que já se acham anunciados. Estamos diante do espetáculo de um desdobramento da vida burguesa, contendonoseuseioosdestinosindividuaisdeváriospersonagens.Desti- nos,porém,aindanãointeiramentedefinidos;destinosquesepodemmo- dificarderomancepararomance,emfacedoqueexistedeimprevisãoedeli- berdade nos atos humanos. Quase todos os personagens do Sr. Otávio de Fariaacham-seaindanaadolescência,acham-seaindanosprincípiosdeum caminhoquenãosabemosbemaondeoslevará.Podemos,porém,apreen- derasignificaçãogeraldeOLododasRuasedecertospersonagensdaTra- gédiaBurguesanasituaçãoemqueseencontramnostrêsromancesjápubli- cados.Vê-sequeaTragédiaBurguesaestáserealizandoemdoisplanos:um planomoraleumplanosocial,semqueoseuautorsejapropriamenteum moralistaouumromancistadecostumes.Háentreosdoisplanosames- ma relação de dependência que se deve estabelecer entre a vida moral e a vida social. Exatamente o que corrompeu e arruinou a burguesia foi a sua tentativahipócritadeajustarosprincípiosmoraisaosseusinteressessocia- is. A tragédia da burguesia acha-se hoje localizada nesse desajustamento quesomentelevaàmorteouàdegradação.OSr.OtáviodeFariasurpreen- deuassimomundomodernonoseumovimentoessencial:aTragédiaBurguesa representaahistóriadealgumasfigurasquesedirigemparaamorteouparaa degradação, ao lado de outras que se colocaram violentamente fora da bur- guesia,procurandolutarparaasalvaçãodoquepossasubsistirdesseespan- toso naufrágio. No centro dessa história da burguesia coloca o romancista o problema doBemedoMal.Essadivisão,noentanto,nãoapareceassimmuitorígida no desenvolvimento dos personagens e do enredo, o que os tornaria bas- tanteconvencionais,esquemáticosedesumanos.Nãosepodeconceberum 35 Álvaro Lins personagemqueseencarneinteiramentenoBemeoutroqueseencarnein- teiramentenoMal.Estedualismoimóvelresultarianumenjoadoprimaris- momoralizante.OSr.OtáviodeFariadistinguecommuitalucidezoqueé doplanodosprincípiosmoraiseoqueédoplanodasaçõeshumanas.Por isso,umacomplexidadedasuaobraromanescaseencontranessereconhe- cimento de muitos graus de existência entre o Bem e o Mal. As fronteiras quedividemumazonadaoutraestãodemarcadasnasuaconcepçãopessoal do mundo, mas estão flutuantes, móveis e quase irreconhecíveis em certas açõeseemcertospersongensdoromance.Há,noentanto,osqueestãode umladoedooutro,osqueestãoseaproximandodoBemeosqueestãose dirigindo para o Mal. ATragédiaBurguesajáseachabemcaracterizadanessepropósitodeapresen- tardoismundosdiferentes:omundodeBrancoeomundodePedroBorges. Aliás,euprefeririadizerummundodeduasfaces,poiscontinuoasentiruma misteriosa ligação entre a realidade de Branco e a realidade de Pedro Borges. EstesdoismundossedefinemdesdeMundosMortos,sobretudonaquelasimbólica cenafinaldaportadocemitérionodiadamortedeCarlosEduardo.Depoisda lutaentreBrancoePedroBorges,osrapazessedividem.Umgruposeguepara umlado,eooutro,paraoladooposto.Ver-se-áaindamaisclaramenteestadivi- sãoemOsCaminhosdaVida,noqualsecolocamemposiçãodecombateasduas forçasopostasecontrárias.Entreasduas,porém,levantam-seváriasoutrasque não são propriamente conciliações ou acomodações, mas forças novas em acordocomacomplexidadeeavariedadedavidahumana,todasgirando,no entanto,umaseoutrasemtornodeBrancoePedroBorges.OromanceOLodo dasRuascontaahistóriadeummundoquenãoéodeBranco;ummundoque mais se aproxima de Pedro Borges do que de Branco, embora se sinta por todaparteasombradeumedeoutro.Éahistóriadeumafamília–afamília Paiva – sendo ao mesmo tempo a história de um personagem: Armando. Fundem-se na mesma história o plano moral e o plano social, desde que os Paivasimbolizam,sobcertosaspectos,umafamília,umaclasseeumafaceda própria humanidade. 36 Processo da Burguesia Armandorepresentaumcasodedesajustamentocomasuafamíliaecoma própriavidaesomentenosuicídio,portanto,poderiaencontrarumasolução. A educação burguesa da sua família e o ambiente social da sua classe sufoca- ramoquehaviademelhornasuanaturezahumana.Enquantoaformaçãode Armandoaproximava-odomundodePedroBorges,asuamaisíntimanature- zadehomemcolocava-omaispertodeBranco.Vemos,contudo,queBrancoe Armando nunca chegaram a se entender, ambos igualmente responsáveis por essaausênciadeumatãopossívelaproximação.Colocadosumdefrontedoou- tro,separavam-sedepoiscadavezmaisestranhos.Estamos,nestaaltura,diante doquemepareceseraidéiafundamentaldoSr.OtáviodeFariacomoroman- cista:aimpossibilidadedeentendimentoentreoshomensemfacedaausência dosentimentodeamor.Porqueoverdadeiroamoréumararidade,oentendi- mento entre os homens se torna igualmente uma raridade. A Tragédia Burguesa está cheia de caminhos que nem sempre se repelem; que às vezes se cruzam, massemqueseencontremnunca.EstaidéiafundamentaldosromancesdoSr. OtáviodeFariaforalançadadesdeMundosMortos,quandoescreveu:“Acomu- nicaçãoentreoshomenséoquefaltaatodososmomentos,osilênciotraindo, aspalavrastraindo,omundointeirotraindosemprequeduascriaturaspreci- sam realmente se entender.” EstedesentendimentoentreoshomensconstituiigualmenteotemadeOLodo dasRuas.AfamíliaPaivaestámarcadaporumaforçasubterrâneaqueseparato- dasassuasfiguras.Todossubstituemosentimentodoamorpelaexacerbação dosexo,umasubstituiçãoqueseespalhaportodooromanceeexplicaodésar- roi da família Paiva. A distância que se estabelece entre o Coronel Paiva e D. Laurapassaparaosfilhoscomoumlegado.Cadaumviveoseuprópriodesti- noparticular,semqualquercomunicaçãocomosoutros,mesmonaquelasoca- siões em que todos se reúnem obrigatoriamente. Um destes destinos isolados, um destino correndo para a morte sem que ninguémoperceba,éodeArmando,interrogandoaosvinteanos:“Teriaen- louquecidooueraumfantasma,ummortoemtrânsitopelavidadosoutros?” TudonanaturezahumanadeArmandoindicaapossibilidadedeumentendi- 37 Álvaro Lins mentocomBranco,deumasalvaçãoparaomundodeBranco.Contudo,este entendimentofracassasempre.TodaahistóriadeArmandotemapropriedade deindicarcomoumgestodeverdadeiroamorentreoshomenspoderiauniras duas faces do mundo, as duas faces que são vistas como irremediavelmente opostas.EscreveuGeorgeMooreque“odomdecontaramesmahistóriasob umaduplaformarevelaoverdadeiroartista”.Estaqualidadedeartistaseen- contranoSr.OtáviodeFariacomoromancista.ATragédiaBurguesaestáconsti- tuídadeumamesmahistóriaqueparecedesdobradaemduasporqueseacha observadaenarradasobdoisângulosdiferentes.Podemosverassimasduasfa- cesdeummesmomundo,aomesmotempoqueosgestos,aspalavraseosatos queseachamdeumladoedooutro.EemmomentonenhumoSr.Otáviode Faria se comporta como um simples espectador. Não olha nunca o mundo comoumespetáculodoqualsesentisseumobservadordistante.Estaéarazão comcertezaporquesecolocasemprenaregiãodatragédia.Nãoexistenasua obra nenhum vestígio de humor, nenhum vestígio daquele humor que é pró- priodosseresquesabemverdelonge.Nenhumdosseuspersonagenssetorna propriamenteridículo,pormaisqueasuacondiçãoestejaexigindoesteresul- tado.Aquelesquemaisserebaixampermanecemapenasdesgraçadosemiserá- veis. Veja-se o personagem Raul, por exemplo, sendo suficiente compará-lo comopersonagemCharlus,deMarcelProust.ÉqueotemperamentodoSr. OtáviodeFariase revelaessencialmentetrágico,oquedecorredasuacerteza dequesobreosgestosmaissimplesousobreosatosmaisinferioresestápai- randoamisteriosasombradeDeus.Porisso,oromancistanãosecolocanuma atitude farisaica em face do que ele próprio chama “a imensa tristeza que é a naturezahumana”.Eletudoprocuracompreender,identificando-secomami- sériadanaturezacomoalguémquesabeestarmostodoscomprometidosnuma responsabilidade que é contemporânea do nascimento do homem. Não se aproxima dos homens nem com displicência nem com humor, mas com um duploeàsvezesdesencontradosentimentodesolidariedadeederevolta.Oseu pessimismo,asuavisãonoturnadavidatemorigensmaisprofundasqueasda inteligência.Aproxima-sedoshomenscomoPascal,dequemretirouestapro- 38

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Procedimento em que é useiro são os enjambements, muita vez abruptos, difi- cultando a brilhantes, tudo rebrilhando como as próprias estrelas”.
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