Um termo genérico e aparentemente pouco preciso – cinismo – é o ponto de partida de Vladimir Safatle em Cinismo e falência da crítica para entender as dinâmicas de racionalização que regem as várias esferas de socialização no capitalismo contemporâneo. Para o autor, é possível observar em dimensões relativamente autônomas da vida social uma certa racionalidade cínica, matéria-prima da organização das sociedades capitalistas atuais.
Após a crise das antigas formas de pensar, uma certa estabilidade parece ter se enraizado, tornando dominante na sociedade contemporânea um pensamento único que impede a instauração de novas realidades. Em um contexto de relações sociais pautadas pela atitude cínica, decreta-se a falência de qualquer leitura crítica ou formas diversas de racionalização. Compreender o que o autor chama de “estabilização” desse estado de decomposição é um dos desafios da obra.
Em Cinismo e falência da crítica, publicado pela Boitempo dentro da coleção Estado de Sítio, o cinismo aparece não somente como uma distorção em relação a princípios morais, mas descreve um descompasso na compreensão da racionalidade como processo de constituição de valores. O cinismo traria consigo a falência de certa forma de crítica social, afinal, em tal regime de “racionalidade cínica, não é mais possível pensar a crítica como indicação de déficits de adequação entre situações sociais concretas e ideais normativos”, diz Safatle.
Os seis artigos que compõem o volume abordam, a partir dessa perspectiva, temas como dialética, sexualidade, estética e política, resgatando conceitos desenvolvidos por Adorno, Freud, Lacan e Hegel, entre outros pensadores, mostrando que o cinismo se alastrou em todas as esferas do pensamento crítico atual - e que problematizá-lo é preciso.