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cidadelas da ordem PDF

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Mana Clementina Pereira Cunha Colação Primeiros Passos Da Clausura do rota ao Fora da O que ê Loucura Cláusula João Frayze-Peneira Peter Pál Pelbart O que é Poder CIDADELAS O Ensinod e História Gerard Lebrun DA ORDEM Relrisão «agente O que é Psicanálise Conceição Cabrini e outras Fãbio Herrman Pequena História da República Jogo Cruz Costa O que é PsicologiaC omunitária A doença mental na República EduardoA . Vasconcelos O que é PsicologiaS ocial Coleção Tudo ê História SilviaM aurer T. Lane A Burguesia Bmsileita O que é PsiquiatriaA lternativa Jacob Gorender Alan índio Serrano cRvi«"g"» A Escolae a República O que é Violência Nilo Odália Malta Mana Chagas de Carvalho São Paulo na Primeim República Silvia revi-Moleira editora brasiliense Copyrz8hf © by Mana Clementína Pereíra CuPtha,1 989 Nenhuma parte desta publicação pode ser grauacta. amtazenada em sistemas eletrânicos, fotocopiado, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem auforízação préufa do editor. ISBN: 85-11-02128-0 Pdmeíra edição, ]990 SUMÁRIO Copydesk: Fâtitna Couto Reüísão: ,41essandra Ihbakí e /osé J. Sobram JZusfrações: l.ária BraniZão Capa; Símone À4. BasíZe In.trodu.ç'Ho......©neeeç+ee+oeeeneeeeB +BeB .7 República, loucura e controle social ......---.. 15 Cidadelas da ordem: o Hospício do Juquery. .42 Palavras finais ... .72 Indicações para leitura. . . . . . .. 77 Rua da Consolação, 2ó97 0]41ó São Paulo SP Fotle (O11)2 80-1222- Telex: ll 33271 DBLM BR IMPR OSSO NO BRASIL INTRODUÇÃO Consta que foi no dia 2 de dezembro, logo após a proclamação da República. Como fazia regularmen- te, o alferes Cândido da Fonseca Galvão, que con- quistara sua patente pelos feitos heróicos desempe- nhados na Guerra do Paraguai, amplamente conhe- cido da população carioca pelo título de ''Príncipe Obá ll da África'', compareceua o Paço para cum- primentar o Imperador D. Pedra 11. Encontrando o edifício fechado, ou sendo impedido de entrar, enfureceu-se, prorrompendo em vivas ao velho im- perador deposto e em descomposturasi ndignadas contra o novo regime. Dias depois, seu homónimo da Fonseca, o Deodoro, talvez em vista da repercus- são do episódio, passou-lhe a patente de alferes. Me- ses mais tarde, morria o Príncipe Obá. ''De desgos- to'', como reza a versão popular. Personagem fascinante, o Príncipe Obá era, co- mo descreve no início deste século o cronista Mello 8 M. Clementina P. Cunha Cidadelas da Ordem 9 M.. FULO em Festas e tradições populares do Brasil, sões importantes contidas na figura do Príncipe Obá ''uma montanha preta, um crioulão robusto'', ho- e em sua história extremamente significativa, aquela mem de estatura colossal, com espesso bigode, cava- que diz respeito.à relação entre a emergência do re- nhaque, luvas, bengala e pi/zce-/zezc, omo convinha gime republicano e as formas de compreensão e en- aos representantes da realeza. Segundo o mesmo cro- frentamento da loucura permanece como um desa- nista, ele considerava as ruas como vastos salões do fio para o historiador. Mais ainda se, percorrendo ou- seu palácio. Em contrapartida, era tratado como um tras páginas do mesmo cronista, percebermos a exis- rei pelos seus súditos das ruas, pelos negros-minas e tência de muitas outras figuras públicas e populares pelas quitandeiras do Largo da Sé, que Ihe tomavam que carregavam a mesma marca da ''vesânia'' e vi- a bênção e Ihe prestavam reverência, externando res- viam livres, soltas nas ruas, incorporadas à paisagem peito e admiração. Aos sábados, ele costumava com- urbana, aos costumes populares e ao cotidiano da ci- parecer às audiências públicas do imperador. Mas ia dade no século XIX: loucos de todos os matizes so- também às recepções solenes no Paço da cidade. Nes- ciais que compunham uma rica galeria de ''tipos de tas ocasiões, a despeito do ''ridículo que isso provo- rua'', como os chama o próprio cronista, e não de cava'', como assinala Mello Moraes Filho, Pedra ll internos dos hospícios. ordenava que Ihe permitissem a entrada e, às vezes, Para prosseguec om a realezad as ruas havia, por ele aparecia e acenava da sacada do Paço, para delí- exemplo, o famoso ''Príncipe Natureza'', como era rio da multidãoq ue, do lado de fora, reconheciae conhecido o negro Miguel, liberto falante e rebusca- aclamava a figura do príncipe negro. do, com pretensões intelectuais acentuadas, que se Sua morte não passou desapercebida: foi noti- auto-intitulava ''D. Miguer Manoer Pereira da Na- ciada pelos principais jornais do Rio de Janeiro, em tureza, Sova, Gorá, Vange''. Suas cómicas e concor- necrológios que. assinalavam o final tão triste quan- ridas conferências chegaram a ser promovidas por es- to simbólicod o PríncipeO bá, cuja ''encenaçãov e- tudantes de direito visando à obtenção de fundos para sânica'' (como designa o mesmo cronista) foi corta- a Sociedade Abolicionista. Provavelmente sem saber, da pela emergênciad o novo regime. Compadecido, o Príncipe Natureza foi responsável pela remissão de mas certamente imbuído pelo espírito republicano, vários cativos, tornando-se uma figura tão conheci- Mello Moraes Filho termina seu relato com uma per-. da quanto o fora antes dele, e por razõeso postas, gunta sintomática: ''Não teria sido preferível tê-lo fei- o portuguêsT omaz Cachaço. to recolher a um asilo?'' Conhecido por suas ''extravagâncias'', Cacha- Guardamos para depois esta interrogação. Por ço ganhava a vida no Rio de Janeiro de meados do ora basta assinalar que, para além de outras dimen- século passado ensinando, com a rude pedagogia dos M. Ctementina P. Cunha Cidadelas da Ordem 11 10 cachações, rezas e catecismo aos africanos ''brabos'' gro, por exemplo, portuguêsq ue aportara no Rio de Janeiro com a obsessãod e casar-sec om moça rica do Valongo ou a escravos de casas particulares cujos senhores, apesar da notória ''vesâni«' de Tomaz, pa- e bonita, fantasia que alimentou por toda a sua exis- gavam por seus serviços ''educativos''. Famoso era tência, apesar da caçoada dos moleques que o perse- também um seu patrício conhecido como o ' 'Migue- guiam pelas ruas repetindo o refrão que, finalmen- lista'', cuja condutae scandalosae ra, antes de tudo, te, foi consagrado como o seu segundo nome -- motivo de risos e pândegas da molecada das ruas. Ti- ''Não-Há-de-Casar-se''. Ou o capitão Nabuco, figura nha o costume comum de embriagar-se, e o hábito hercúlea que se celebrizou popularmente, entre ou- (em todo caso, incomum) de, nestas circunstâncias, tras peculiaridades, pelas suas espetacularesd emons- ficar completamenten u, batendo ruidosamentec om trações de força física. Ou ainda o ''Bolenga'', que as palmas das mãos nas próprias nádegas, e apregoan- acreditava piamente na sua iminente sagração como do com toda a força dos pulmões: ''Vizinhas, estou bispo, e o ''Padre Quelé'', ex-seminaristac omo o Bo- na área! !!'' lenga, mendigo que costumava andar de batina, no- Havia também, naturalmente, as mulheres. ''Ma- tório e entusiástico adepto de Onã, e que, apesar dis- naD oida'' , mulata andarilha que vestia simultanea- so, era benquisto e reconhecidoc omo um bom toca- mente várias mudas de roupa, provavelmente para dor de violão e emérito cantor de lundus, talentos que poupar-se de carregar uma trouxa muito pesada, era era frequentemente convidado a desempenhar em ca- estimada e cuidada pela população carioca, a quem sas de família, em ocasiões festivas. fazia rir(e corar, às senhoras mais recatadas) com Vale lembrar ainda o Policarpo, tido como ho- suas tiradas inconvenientes ou obscenas. Nem tão en- mem íntegro e bom pai de família, músico da Cape- graçadas, outras figuras, como a ''Forte Lida' ' , cau- la Imperial durante os dias, mas que todas as noites, savam antes piedade e respeito: tratava-se da figura religiosamente do entardecer até a meia-noite, cami- trágica de uma viúva de meia-idade e algumas pos- nhava com seu amigo Parva, funcionário dos Cor- ses, que perambulava pelas ruas sempre vestida de reios, no trajeto entre o Passeio Público e o Chafa- riz da Marreta: a ''mania'' destes dois consistia em roupa escura, com uma escrava amarrada pelo pes- coço, e que, a julgar pela descriçãod o cronista, vi- executar todos os dias, nesse mesmo horário e no mes- via em avançado estado de demência. mo trajeto, uma mesma serenata cujo repertório se Mas nosso desfile ainda não terminou. Outros resumia a duas únicas músicas, obsessivamente repe- tidas, para tortura dos moradores das redondezas. personagens igualmente interessantes desta ''vesânia' ' incorporadaà paisagemd as ruas são descritosp elo Próximo ao local da exasperantes erenata,m orava nosso cronista republicano. O brigadeiro Montene- o ''Checo Cambraia'', louco familiar também apre- 12 M. Clementina P. Cunha Cidadelas da Ordem 13 dado pela sua maestria como cantor de lundus, que exemplos sugestivos. Eles indicam que, destas ima- vivia da caridade pública e residia precisamente na. . . gens de convivência e aceitação populares que .per- Rua do Hospício, vizinhança que aparentementen un- corriam o Rio do Segundo Império para o sentimen- ca o incomodou. to de perigo e ameaça que circunda hoje a idéia de Alguns destesp ersonagens, assim como o Prín- doença mental, alguma coisa se passou. Algo capaz cipe Obá, chegaram a alcançar uma invulgar noto- de reverter noções amplamente difundidas e redefi- riedade no tempo em que viveram. ''Castra Urso'', nir práticas sociais em relação aos loucos e à loucu- por exemplo, peculiar vendedor de bilhetesd e lote: ra. No entanto, apenas indicar a existência destes cu- ria, era um ''doido'' caricato, muito feio e desajei- riosos ''tipos de rua'' e apontar a diferença que marca tado e, por isso mesmo, uma espécie de figura sim- sua existência social em relação aos nossos padrões bólica freqüentemente retratada nas folhas ilustradas contemporâneos é insuficiente para nossos propósi- do período e figurante obrigatório nos ''carros de tos. Seja qual for sua imagems ocial, seja qual for idéias'' e mascaradas carnavalescas. Emiliano, um ou- o nome que se lhes dê -- orates, vesânicos, lunáti- tro ''vesânico'' habitante das ruas que vivia da cari- cos, doidos, alienados, dementes, loucos, insanos --, dade pública, tinha uma especial habilidade em imi- sua presença é constante em todas as sociedades, em- tar com a boca o som de instrumentosd e sopro ou bora as especificidadesc onferidas pelo dado de se- ruídos mecânicos, como o de uma locomotiva -- era rem personagens urbanos do Rio no século XIX os o que ele fazia nas ruas durante todo o tempo. A lo- torne muitas vezes deliciosamentes ignificativos. Mas comotiva valeu-lhe o apelido, ''Estrada-de-Ferro'', assim como aparecem em todas as épocas e socieda- e até um contratop ara realizar a sonoplastiad o es- des, foram também ''tipos de rua'' em São Paulo e petáculo teatral l,lavem ã roda do mu/zdo, encenado outras cidades brasileiras no mesmo período, mar- com grande sucesso na Corte. Ou ainda o ''Praia cadas pela presença pública desses ' 'loucos'' conhe- cidos e familiares. Grande'', descrito como um doido manso e deliran- te que vivia de esmolas e da atenção carinhosa das Como tema de reflexão e de investigação histó- quitandeíras, circulando entre o Largo do Paço e o rica, que vai nos ocupar ao longo deste livro, resta Cais do Porto, que chegou a ser personagem central precisamente aquilo que parece estranho aos nossos de uma outra farsa teatral intitulada O .fV/ósclÁod o olhos de final do século XX: constatar que, ''loucos'' Cais e o Praia Gra/zde, encenadan o Teatro São Pe- ou não, estesp ersonagensf oram aceitosc om tolerân- dra. O ''Filósofo do Cais'', aliás, era um outro des- cia, protegidos espontaneamentep ela população das tes personagens. cidades, objetos às vezesd e forte apreço popular, mo- São, todos estese outros mais, apenasa lguns tivos de riso freqüentemente, mas não necessariamen- MI. ClemelttinaP . Cunha 14 te de medo e inquietação, como hoje -- questão que remete imediatamente a significados no plano da cul- tura. De personagens pitorescos e aceitos em sua di- ferença, constrói-se a figura ameaçadora do doente mental. Não há nada de fortuito na convergência de tempos que faz com que esta passagem coincida com o advento da República. REPUBLICA, LOUCURA E CONTROLE SOCIAL Soltos pelas ruas, incorporados à paisagem e ao cotidiano da população das cidades, estes persona- gens não deixavam, no entanto, de preocupar certas parcelas específicas da sociedade. É verdade que a ''vesânia'', considerada enquanto doença, era um te- ma recém-incorporado às pautas da medicina quan- do se abre o séculoX IX. Na Europa, o apagard as luzes do século XVlll assistira às iniciativas pionei- ras de Pinel na França e de Tuke na Inglaterra, de redefinição da loucura enquanto uma ''doença espe- cial' ' e da criação de um tipo específico de enfrenta- mento dela, através das práticas asilares que adqui- rem um novo sentido com a medicalização. No Brasil, em meados do século XIX, a preocu- pação com a loucura expostad as ruas era, porém, um tema que preocupava apenas àqueles setores im- 16 M. Ctementina P. Cunha Cidadelas da Ordem 17 buídos das modernas noções de ciência. Assim, uma no da figura do alienista limão Bacamarte, que, um discussão a respeito da loucura surge num debate so- belo dia, chega à vila de ltaguaí para promover a or- bre temas urbanos suscitado no interior da corpora- dem e a ciência. O próprio nome atribuído ao perso- ção médica, cujo sentido mais geral era a busca de nagem já revela o recurso à proverbial ironia de Ma- ''metropolização'' da Corte e das principais cidades chado: bacamarte, arma de fogo, conota a dimensão do Império. Praticamente restrito a este âmbito, o te- de violência contida em um saber onipotente que se ma da loucura era um item, e dos menos importan- pretende capaz de enformar a razão e a conduta hu- tes, numa pauta que incluía a questão dos esgotos, manas, definindo-lhes um campo uniforme de nor- dos matadouros e cemitérios, das temíveis habitações mas e critérios. Bacamarte, o alienista, funda a ''ca- coletivasd as classesp obres, da sífilis, da prostitui- sa de orates'' de ltaguaí, conhecida como a Casa Ver- ção -- da higienee da modernizaçãod as cidades. de. Nela seriam encerrados, para estudo e tratamen- Pelo menos desde a década de 30 do século pas- to, todos os loucos da vila. É curioso observar que sado, os médicos congregados na Academia Imperial a proposta centralizadora de Bacamarte era em tudo de Medicina começaram a reivindicar para si a com- semelhantea os projetos vitoriosos dos alíenistas do petência para lidar com as manifestações da ''vesâ- final do século XIX, que advogavam a reunião de to- dos os loucos numa mesmai nstituição, como forma nia'' , e dedicaram-se a conferir a esta o s/a/us de doen- ça. Mas, diferentemented os debatest eóricosq ue, na de possibilitar o desenvolvimento científico da espe- mesma época, atravessavam o campo de especialis- cialidade e o controle exclusivo da loucura pelos seus tas já constituído na Europa, eles ainda se enreda- poucos especialistas. vam em intermináveis discussões sobre a natureza e Assim como sucederia com os alienistas no fi- a ''sede'' desta doença desconhecida: tratava-se de nal do século XIX, a proposta não deixa de causar /. um mal do cérebro ou da alma incorpórea, de uma 'espéciee ser criticada pelos leigos, que reagem com patologia do espírito, da razão ou do corpo? De res- críticas às propostas do ''asilamento científico'': to, especialistas nesta doença de contornos tão inde- ''Quem é que viu agora meter todos os doidos den- finidos eram totalmente inexistentes no país, antes da tro da mesma casa?'', indignava-se um vereador de década de 80. ltaguaí, desconfiando das intenções e do acerto da Seu aparecimento no cenário brasileiro coinci- ) prescrição médica. A resposta de Bacamarte não é de, aliás, com o do primoroso conto ''O alienista'', muito diferente daquela que, vinte anos depois, Fran- de Machado de Assis, publicado entre o final de 1881 co da Rocha -- o fundador do Juquery -- produzi- e o início de 1882. Bastante conhecido por seus mé- ria para retrucar a um artigo do jornal O Es/ado de ritos literários, o conto constrói uma metáfora em tor- S.Pau/o que levantava dúvidas de natureza moral h4. ClementinaP . Cunha Cidadelas da Ordem 19 18 procura aliança com a ciência, através de Bacamar- quanto à proposta de implantação do seu hospício- te: ''O povo, tomado de uma cega piedade (...) -- modelo. Nessa ocasião, ele redigiu um texto forma- diz Canjica --, pode exigir do governo certa ordem do por uma sucessão de citações de especialistas de de atos; mas este, com a responsabilidade que Ihe in- todo o mundo, para concluir com uma única e defi- cumbe, não os deve praticar (...) A generosar evolu- nitiva frase: ''A orientação que domina no novo hos- ção (.. .) pediu em altos brados o arrasamento da Casa pício de São Paulo é completamentcei entífica. E Verde; mas pode entrar no ânimo do governo elimi- basta' ' nar a loucura? Não. E se o governo não a pode eli- Diante desta sapiência arrogante, não há quem minar, está ao menos apto para discrimina-la, fique indiferente. Machado não deixou de denunciar reconhecê-la?T ambém não; é matéria da ciência. (. . .) em seu conto a atitude entre temerosa e reverente que Unamo-nos, e o povo saberá obedecer'' a figura de Bacamarte despertava na população da O reconhecimento final de um saber que, sendo vila. Temor dianted e ' 'um olhar que metia medo aos do especialista, interessa diretamente a qualquer vul- mais heróicos'' , e reverência em face de um discurso gar barbeiro investido do governo, significa a amplia- cifrado, erudito, incompreensívele m seus desígnios ção sem limites do poder da ciência (e a própria ga- g e enunciados para as pessoas comuns. Ancorado neste rantia do poder do barbeiro...). Lido um século de' temor e respeito, Bacamarte trata de ampliar cada vez pois, o conto de Machado de Assis torna inevitável mais seu poder de ação sobre os ''orates'' de ltaguaí, a percepçãod as semelhançasc om a legitimaçãod a e a Casa Verde vai se enchendo de hóspedes conheci- psiquiatria imediatamente após a instauração do re- dos e estimados pela população, aos quais atribui uma gime republicano. É próprio dos ardis machadianos insuspeitada loucura segundo o critério de que ''a ra- que, entre os personagens da vila de ltaguaí encerra- zão é o perfeito equiHbrio de todas as faculdades; fora dos arbitrariamente na Casa Verde, para indignação daí, insânia, insânia e só insânia'' A reação popular não tarda a aparecer, mas o geral, estivesse um certo ''Checo das Cambraias'', des- crito como um ''folgazão emérito'', que coincide no faz (sempre,p ara Machado) em torno de um discur- nome e nas características de personalidde com o ''ve- so retórico e vazio expresson a fala do barbeiro Por- sânico'' cantor de lundus residente na Rua do Hos- fírio, alcunhado ''Canjica''; Sob sua liderança, os pício, que nos foi apresentadop or MelãoM oraes Fi- ''canjicas'' que se revoltam contra o poder do alie- lho em suas descrições dos ''tipos de rua'' do Rio de nista são conduzidos pelos interesses imediatos de um Janeiro do século XIX. barbeiro semiculto e ávido de poder. Vitoriosa a re- A presença de um conhecido personagem da vi- belião, depostos os antigos governantes de ltaguaí, da carioca entre as vítimas de Bacamarte deixa claro este caráter se revela. Agora é o próprio Canjica quem

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