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Cartas a Lucílio PDF

432 Pages·2014·9.124 MB·Portuguese
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1· .... -.~ -- . ) - .1';,- -.. -~ i ,' 1 .... t.::t· ;;~ .~ •. - 1·.· . ., CARTAS A LUdLIO Lúcio Aneu Séneca Tradução, Prefácio e Notas de J. A. SEGURAOO E CAMPOS 2.ªedição PUCRS/BCE lllll 11111111111111111 0.784.409-6 SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS -FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Tradução do original latino intitulado L ANNAEI SENECAE AD LUCIUUM EPISTIJLAE MORALES segundo o texto da Oxford University Press, 1965 Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edição da FUNDAÇAO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna - Lisboa 2004 INTRODUÇÃO As Cartas a Lucílio - Epistulae morales ad Lucilium - são geralmente consideradas a obra mais importante de quantas- subsistem da autoria de úJcio Aneu Séneca. Tal importância deriva de circunstâncias várias: o facto de se situarem cronologicamente entre as produções da última fase da vida do autor e reflectire1n, portanto, a forma mais amadurecida do seu pensamento; o facto de essa fase da vida de Séneca (que iria culminar no suicídio) se ter revettido de formas especialmente dramáticas que encontram eco, mais ou menos explicito, no texto; o facto de, pela sua própria amplit'lllie, conterem uma soma de reflexões sobre enorme variedade de problemas, na sua totalidade de carácter ético; o facto de tais reflexõeI, con quanto assenteI num quadro teórico perfeitamente delimi tado e coerente, se revestirem de um carácter extremamente prático, isto é, de constituirem uma análise de situações concretas e de apreciações de grande agudeza sobre a natu reza e o comportamento humanos; o facto de o quadro epistolar escolhido pelo autor para a Iua exposição (q uer se pense, como estamos em crer, que as Canas represen tam uma co"espondência efectiva mantida por Séneca com o seu destinatário, quer, como alguns entendem, que apenas resultam de uma mera ficção literária) se prestar V à inclusão de numerosos elementos informatii.ios sobre múltiplos aspectos da vida e da civilização romanas,· o facto, enfim, de a natureza dos problemas que suJ"citrJm .e discutem se revestir de uma pertinlncia transcendente à época em que foram redigidas e oferecer U11'la viva fonte de meditação para quem pretenda qttestionar-.re sobre os valores da sociedade em que se insere. Foi, aliás, este último aspecto aqt1ele que acima de tudo nos determinou a empreender a tradução das Car tas: a persNaSào de que a leitura de Séneca pode ser nos dias de hoje de uma utilidade prática evidente como pre cioso auxiliar no entendimento da natureza humana e na determinação das valares da existência. Por esta razão a Introdução que vai seguir-se não constitui de forma alguma um estudo da filosofia ertóica em geral, nem do pemamento de Séneca em particular: existem publicadas excelentes obras num e noutro âmbito para as qtk'is. na bibliografia, remetef'emos o leitor intereuado. Trata-se tão só de uma chamada de atenção pa1-a algum pontos que nos parece de importância conhecer previamente antes de iniciar a leitura das Cartas. Por isso 111.esmo evitá mos aqui todo o aparato erudito: informações biográfiças, apoio bibliográfico, referências textuais, conriderações filo sóficas. Toda essa matéria. surgirá, quando tal for perti nente, nas nota! que acompanham a tradução. A nossa Introdução, em ruma, para mantermos o quadro sene quiano do texto, será apenas uma "Carta ao Leitor das Cartas a Ludlio "l O destinatário das Episrulae deve a sua imortalidade à amizade que o uniu a Séneca, a quem se deve prati camente tudo o que sabemos sobre ele. Aparentemente, Lucílio, de seu nome completo Gaío Lucílio Júnior, era natural de Pompeios, na c:ampânia, VI a célebre cidade arrasada pela erupção do Vesúvio no ano 79 da nona era. Em dois passos das Epistulae Séneca refere a Stk4 passagem pela cidade, e em ambos os casos ucreve: a tua querida cidade de Pompeios. O argu-rnento não é imperioso, mas é altamente plausível que o filósofo use tal expressão por Pompeias ser a terra natal de Lucilio, ou, pelo menos, por este lhe estar associado por algum motivo muito particular. Não é conhecida a data do seu nascimento, que, no entanto, não havia de andar muito longe da de Séneca. Em 26,7 Séneca dirige-se ao amigo dizendo-lhe: tu és mais novo do que eu) mas em 35,2 diz que as idades de ambos não distatiam muito U'fna da outra. Socialmente Lucílio pertencia à classe dos cavaleiros (equites), não por nascimento, mas certamente porque as suas activiáades, o zelo posto nas missões confiadas, as ami zades de algum aristocrata (o próprio Séneca?) levaram o imperador a distingui-lo com a sua promoção a eques. Pelo menos é o que pode deduzir-se de um passo em que Séneca diz que foi a indústria de údlio que lhe conseguiu a nomeação para a classe equestre. O certo é que Lucüio, graças ao seu talento e diligên cia, con.reguiu tornar-se uma personagem de certo desta que na sociedade romana, para o que de alguma forma teria contribuído a sua aaividade literária, como adiante veremos. As esperanças de I..Mcüio poder continuar a Jazer carreira não seriam exíguas, como certamente não o seriam as probabilidades de o comeguir. Tanto assim é que, quando Séneca, num momento decisivo da sua vida - quando o fii6sofo se entrega ao otium, à contemplação fiJosófica, à produção literária - o aconselha energicamente a não se deixar enredar nas malhas doJ compromissos sociais e pollticos e, pelo contrário, o exorta a seguir o seu exemplo VII e a dedicar-se a tempo inteiro à filosofia, LNcílio opõe resistência, uma resistência tenaz que Séneca combate com não menor tenacidade numa INta que, aliás, acabaria por vencer. No período em que se situa a correspondência entre Séneca e LNcüio encontrava-se este a desempenhar o cargo de procuraror imperial na Sidlia, cargo que podemos supor ter sido o culminar da carreira, uma vez que as tiltimas ca-rtas de Séneca dão a entender que LN&ilio decidira finalmente seguir os conselhos do seu mestre e amigo e entrar também ele na vida do otium Do resto da vida de LJJcltio nada mais se sabe; ignora-se igualmente a data da .rua morte, embora seja plausível pensar que de alguma forma ele possa ter sido envol1Jido na mesma desgraça em que Séneca incomm. Para além destes pormenores de carácter biográfico, devem.os também a Séneca um entusiástico elogio dar i>ir tt«Íes morais demonrtradas por /.JJcüio numa /are histórica (o s principados de Cailgtda e de Claúdio, a.r intrigas que grarsavam na corte deste último, sobretudo nos tempos de Memdina, etc.) altamente propícia a todar a.r /ortn4I de cor rupção e baixeza moral. Aliás, só assim se explica que Séneca tenha tomado a decisão de encarregar-se da direc ção espiritual de Ludlio. Séneca era altamente exigente na escolha dos reus disdpulos, só aceitando encarregar-se da orientação moral de alguém em quem reconhecesse por indícios seguros uma vocação filorófica inata. LNcüio pos suía, a julgar pelo que nos diz Séneca, essa vot:afào, possuía um carácter firme e corajoso, insensível à bajulação, wõ se deixando impressionar pelo.r perigos da "policia poll tica" dos ptfncipes, em suma tinha uma tendência natural pa·ra a prática da uirtus, apenas carecendo de um guia firme e capaz que desenvolvesse e tro11Xerse à supeefkie as vm potencialtdades latentes. Esse guia era mesmo tanto mais necessário quanto Llcltio, ao f/1'8 parece, iniciara a prepa ração filosófica pela via do epicurismo. Ora é bem conhe cido como as duas co"entes fitos6ficas - epicurirmo e ertoicismo - são a perfeita antitese uma da outra, opondo-se como o poritivo e o negativo de um mesmo retrato. Todavia tal como se verifica no exemplo sugerido, se muitas são as diferenf4s, muitas são igualmente as semelhanças entre as dtNJs poJ·ições: consequentemente Séneca, numa prática co""1Jte entre os estóicos, utiliza nas sua.r primeiras cartas todo mn arsenal de máximas e refle xões extraídos da obra de E,picuro, que, naturalmente, inter preta depois em sentido estóico, e assim, gradtlaimente, vai aproximando L#cllio das posições características da Escola. A par de notáveis qualidades morais, não era UJdJio destituído de qualidades inteleauais apreciáveis. Ao inte resse pela formação filosófica juntava ele a inc/in"fào para a literatura, que praticava com méritos, parece, assinalá veis. A sua obra pereceu quase por inteiro, apenas dele restando como certo alguns versos isolados citados por Séneca em termos elogiosos. Para além destes fragmentos indubitáveis, há quem lhe tenha querido atribuir algumas obras subsistentes, no todo ou em parle, e C#ja autoria permanece desconhecida. É o caso do conhecido poema Aetna Sabemos por Séneca (79,5) que LMdlio escreveu ( ou estava escrevendo quando Séneca lhe dirigiu esta carta) um poema sobre o vulcão da Sidlia, mas nada indica que o poema de Ludlio e o Aetna conservado sejam um e o mermo texto. Aliás, no mesmo passo da carta 79 Séneca menciona o facto de o tema de Etna já ter tentado a musa de três escritores da envergadNra de Vergílio, Ovídio e Cornélia Severo, e fá-lo para sublinhar o mérito de IX Lucílio em ir tratar por sua vez um tema já de1envolvido por aqueleI poetas. De resto, Lm:llio parece que pretende ria eJ"tudar o Etna de um ponto de vista cientifico, na sequência de intereIIeJ' por tema.r de ordem fisica bem atestados pelo facto d.e Séneca lhe dedicar a sua obra "Questões Naturais" (Naturales Quaestiones). Também tem havido quem pretenda p6r no crédito de b«Jiio, como escritor, olltras obras: um fragmento épico centrado sobre a batalha de Áctio, que modernamente se costuma atribuir a um poeta amigo de Ovídio, Gaio Rabi-rio; e não faltou quem qui.reue ver nele o autor da pretexta Oaauia Natu,ralmente que estas tentativas de a110/umar a obra consen.ada de útdlio não têm qualquer fundamento 1 s6lido. Por isso será mais prudente limitarmo-nos a acei tar como produção seguramente luciliana apenas os verios que dele cita Séneca, a pessoa decerto mais abalizada para conhecer a totalidade da wa obra. As Epistulae morales ad Luciliwn não devem ser con sideradas como uma obra exclusivamente filosófica, uma correspondência fictícia dirigida a um destinatário fictício apenas para fugir à técnica da exposição teórica, em suma, um artifício meramente literário. É certo que a forma lite rária da epistola teórica (filosófica ou não) tinha preceden tes na literatura antiga, e quanto ao que fosJ"e uma cor respondência real entre amigos e familiares, centrada sobre a troca de informações pontuais podemos ter um<' ideia pela leitura da carta VII de Platão ou pelos vários volu mes da co"espondência de Cícero. As cartas de Séneca situam-se, digamos, a meio caminho entre o primeiro e o .regundo dos tipos de cartas referidos: .rão uma co"e.rpon dência real entre dois amigos em que, na quase totalidade do.r casos, são desenvolvidos por Séneca diversos proble mas de indo/e filosófica. X As cartas a Ludlio não foram as únicas que Séneca escreveu e publicou. Diversas fontes, entre elas o próprio Séneca, dão-nos conta de muitas outras carla.f dmgidar a outror dertinatárior. Todas elas se perderam. Em contra partida conserva-se uma colecção de pretensamente C<Jrlil.f trocadaJ entre Séneca e S. Paulo, decerto devida ao facto de Séneca ser bastar vezes citado com apreço por diversos Padres da Igreja, que no filósofo viam um justificado pre cursor das doutrinaJ cristãs. Se é certo que as cartas datam da última fase da vida de Séneca, o conhecimento com Ludlio já vinha sem dúvilkl de longe, e de longe vinha também a intenção de Séneca converter o amigo à doutrina estóica. Podemos rUf}or que o ensino ministrado a Lucílio se processou durante alg,,m tempo apenaJ por via oral. Mas ludlio, na prosrectlfão da sua carreira pública veio a ser destacado para a Sicilia, e a partir desse momento a direcção erpiritual ró poderia con #nuar por meio da escrita. O afastamento fisico dos dois amigos foi assim a motivação imediata para a produção das cartas. Que as EpisruJae siio uma correspondência inequl voca e não uma mera forma literária pode ser compro vado por uma inúmera série de pormenores, de que apenas daremos uma diminuta exemplificação. Abundam nelas notações conc,-etas, tais como as frequentes fórmulas com que Séneca acusa a recepção das cartas de Lucllio ou se refere ao p,-azer que experimenta ao lê-las; não menor vezer também alude à insistência de ludlio em que a troca de epútolas reja mais frequente; numa outra carta Séneca limita-re a dizer que recebeu uma obra ucrita por Lucílio e que rererva para outra oportunidade pronun ciar-re rnbre os seus méritor; noutra, nega-re a ercrever cartar rimplesmente circunstanciais, como fazem muitor que re limitam cerimonioramente a falar do tempo. XI

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