Olá, Viajante!
Esta é a introdução e um guia das duas cartas de Mary Shelley
presentes no envelope. Aqui, pretendo contextualizar e explicar alguns
dos detalhes apresentados nas cartas.
A primeira carta foi escrita em 1815, de Mary Shelley para o poeta
Percy Bysshe Shelley, seu futuro marido. Nela, após se lamentar
da distância entre ela e Percy, Mary menciona Clara (ou Clare, como
visto na segunda carta). Clara é ninguém menos que a irmã de Mary
Shelley, a causadora de grande parte das polêmicas que giraram em
torno da vida da escritora. Na época em que essa carta foi escrita
ainda não moravam juntas, como viria a ser o caso pouco tempo depois.
No quarto parágrafo da carta, Mary menciona três nomes: Arganaz,
Pecksie e Maie. São, de certo modo, apelidos carinhosos atribuídos
à própria Mary Shelley, às vezes por ela mesma, às vezes por Percy.
Porém um deles, Pecksie, nessa parte da carta é usado em outro sentido.
Pecksie vem de um livro intitulado, em tradução livre, Histórias
fabulosas para instrução de crianças a respeito do cuidado com os
animais (1786), de Sarah Trimmer. No livro, Pecsie — ou Pecksy — é
um tordo que se destaca devido à sua natureza doce e serena, ao que
Mary atribui ao comportamento: “não é muito Pecksie da sua parte”;
isso leva a crer que era um termo costumeiro entre os dois, sugerindo
talvez que ambos se mantinham vigilantes para agir sempre de uma
maneira pecksiana, por assim dizer.
Outro apelido mencionado, “Arganaz” (em inglês, Dormouse), também
possui uma história interessante. Refere-se a um pequeno roedor,
e é provavelmente atribuído à Mary por sua timidez. Ele fez uma aparição
curiosa no poema mais famoso de Percy B. Shelley, Ozymandias.
Na assinatura desse poema aparece um pseudônimo de Percy, “Glirastes”,
cuja origem fora descoberta em 1948. É uma junção do sufixo
grego “erastes”, que significa “amante de”, e o latim Gliridae,
o termo científico para a família do Arganaz, formando desse modo
“Amante de Arganaz”. O nome foi uma piada interna e uma demonstração
da afeição de Shelley por Mary.
Na segunda carta, de 1816, escrita alguns meses depois da primeira,
Mary inicia chamando seu marido de “doce elfo”; “elfo” é o
apelido dado que ela deu para Percy. Nessa carta ela menciona sua
grande obra Frankenstein, ainda em seus períodos iniciais de escrita,
e a presença de seu filho William, nascido em 1816, os “olhos
azuis”; mais tarde, ele receberia o apelido carinhoso de “Willmouse”
e, como o pai, “Dormouse”. Ao fim, acrescentamos uma rara assinatura
de Mary Shelley, na qual se lê “Dormouse” (Arganaz) com o desenho de
um “ratinho” ao lado do nome, simbolizando o apelido.