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Capital Humano PDF

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CAPITAL HUMANO Autores: Flávio Cunha James Heckman 1. INTRODUÇÃO Recentes estudos sobre o desenvolvimento humano mostram que as pessoas são diferentes em várias habilidades, e que estas habilidades explicam uma grande parte da variação interpessoal no sucesso econômico e social, diversidade que se manifesta na mais tenra idade. A família desempenha um papel crucial na formação dessas habilidades, pois fornece tanto os genes quanto o meio ambiente com os quais tais habilidades são determinadas. Algumas famílias não conseguem criar ambientes propícios e isso tem resultados nefastos para os seus filhos. No entanto, vários estudos mostram que é possível compensar parcialmente os ambientes adversos se investimentos de alta qualidade forem feitos suficientemente cedo na vida da criança. O objetivo deste artigo é resumir uma volumosa literatura para orientar a formulação de políticas públicas no Brasil. As recentes pesquisas empíricas têm melhorado substancialmente a nossa compreensão do modo como as competências e habilidades são formadas ao longo do ciclo da vida. O início da literatura em economia (Becker, 1964) introduziu o capital humano como uma explicação alternativa para a capacidade geneticamente determinada para explicar a distribuição de renda e outras medidas de sucesso socioecônomico. Diante do volume de conhecimento gerado por pesquisas recentes, entendemos que o capital humano é o resultado de competências adquiridas e competências geneticamente determinadas. Ao contrário do que é geralmente assumido pela literatura em economia, a formação de habilidades é um processo dinâmico. Com a base de dados norte-americana National Longitudinal Survey of the Youth (NLSY), podemos acompanhar o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças desde a infância até a adolescência. Acompanhando Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil 11 as mesmas crianças através de entrevistas, durante vários anos, é possível comparar o desenvolvimento daquelas de famílias ricas com as de famílias mais carentes. Como podemos ver na Figura 1, a diferença de desenvolvimento cognitivo entre as crianças mais ricas (quartil de maior renda) e as mais pobres (quartil de menor renda) é de quase 25 percentis. Esta é uma diferença enorme, que explica, em larga medida, que uma criança de família com maiores recursos será mais propensa a frequentar uma universidade do que aquela criança de família mais carente. Entretanto, é importante notar que grande parte da diferença entre essas crianças já está presente aos seis anos de idade. O mesmo ocorre em relação ao desenvolvimento emocional, como podemos ver na Figura 2. Figura 1 Figura 2 12 Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil As competências adquiridas em uma etapa do ciclo de vida afetam a aprendizagem na próxima fase da vida. Como ressaltado nos recentes estudos sobre o desenvolvimento infantil (Shonkoff e Phillips, 2000), diferentes habilidades são formadas e moldadas em diferentes fases do ciclo da vida. A evidência empírica nos ensina que quando as oportunidades de formação dessas habilidades são perdidas, a reabilitação pode ser onerosa e a plena reabilitação proibitivamente custosa (Cameron, 2004; Knudsen et al., 2006; Knudsen, 2004). Estes resultados salientam a necessidade de que os cientistas sociais e os formuladores de políticas públicas tenham uma visão abrangente da formação de habilidades ao longo da vida. A seguir, apresentamos uma discussão sobre a teoria do investimento em capital humano ao longo da infância e da adolescência. Na terceira seção, temos um resumo da literatura sobre o impacto dos investimentos na infância na produção de capital humano. Na Seção 4, a evidência sobre o impacto dos investimentos durante a adolescência, e, finalmente, as considerações finais. Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil 13 2. A PRODUÇÃO DE CAPITAL HUMANO Apresentamos, em uma forma resumida, a teoria introduzida por Cunha e Heckman (2007) sobre a produção de capital humano em diferentes estágios da infância. Para simplificar, a nossa análise parte de um modelo com dois períodos de infância, que são denotados pelo index t , t = {1,2} . O capital humano desta pessoa quando adulta h é produzido durante a infância através de investimentos I feitos pela família em t cada período t . A função de produção que liga investimentos I à habilidade h é: t 1 h = [γ(I)ϕ + (1- γ) (I) ϕ] ϕ (1) 1 2 O parâmetro γ, γ ∈[0,1], é chamado de multiplicador. Ele nos informa a importância relativa do investimento que ocorre na fase mais tenra da infância para a produção de capital humano. Por exemplo, se γ = 1 , então todo o capital humano é produto do investimento durante o primeiro período da infância. quando γ = 0, nada que se produz de capital humano decorre de investimentos na primeira infância. O parâmetro ϕ, ϕ ∈(-∞,1] nos informa a proporção necessária de investimentos no primeiro e segundo períodos da infância para produzir capital humano. Em outras palavras, ϕ determina a elasticidade de substituição entre I 1 e I. Por exemplo, quando ϕ → -∞, então para produzir uma 2 unidade de capital humano h é necessário uma unidade de investimento I e uma unidade de investimento I . Ou seja, 1 2 ambos devem ocorrer na mesma proporção. Neste caso, diríamos que a elasticidade de substituição entre I e I é zero 1 2 pois não é possível substituir um pelo outro. Por outro lado, quando ϕ = 1, pode-se usar apenas I , ou apenas I, ou até 1 2 mesmo uma combinação de I e I para se produzir h. Neste 1 2 caso, dizemos que a elasticidade de substituição é infinita. Admita que a família tenha uma quantidade de recursos R para investir na criança. A questão é: Como repartir esses recursos entre I e I? Para responder, admita-se que ambos os 1 2 investimentos são compostos pelos mesmos tipos de produtos, digamos livros. Suponha que o preço dos livros seja p. A família pode comprar livros agora e pagar p por cada livro, ou pode depositar p em uma poupança e resgatar (1+r)p no futuro quando for comprar livros para o investimento I. Isto quer dizer 2 14 Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil p que o valor presente do livro no período t = 2 é . Dessa 1 + r maneira, a restrição orçamentária é dada pela equação: p I + p I = R 1 1 + r 2 Como discutido em Cunha e Heckman (2007), quando ϕ ∈(-∞,1) a proporção ótima entre investimentos I e I é dada pela fórmula: 1 2 1 I1 = γ 1 - ϕ I (1 - γ) (1 + r) 2 (2) I 1 A equação (2) nos informa que a proporção I deve ser maior 2 quanto mais importante for o investimentIo na determinção 1 do capital humano, que é capturado pelo parâmetro γ. Ela também nos diz que quanto mais barato o investimento I for 2 em relação ao investimento I (i.e., quanto mais alta for a taxa 1 I de juros r ), então menor deve ser a proporção 1 . Finalmente, I esta proporção deve ser mais próxima de um q2uanto menor for o parâmetro da elasticidade de substituição entre os investimentos. Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil 15 3. OS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE CAPITAL HUMANO NA PRIMEIRA INFâNCIA Já existe pesquisa abrangente sobre diversos programas de intervenção para idade pré-escolar voltados para crianças desfavorecidas.1 Nesses programas foram coletados dados detalhados que permitiram mensurar os seus custos e benefícios. Os programas analisados variam tanto em termos da idade da criança no início da intervenção, quanto na idade na época da saída. Geralmente, o desempenho das crianças na escola melhora em termos de aproveitamento, nas notas escolares e no menor índice de repetição. Infelizmente, muitas das avaliações desses programas não seguem as crianças na adolescência ou vida adulta. As intervenções que começam na mais tenra idade produzem os maiores efeitos. quatro programas possuem avaliação de impactos de longo prazo. Três deles são direcionados para crianças consideradas de alto risco e vindas de famílias desfavorecidas. O primeiro é a Pré-Escola Perry, que é um programa diário de duas horas e meia, durante o ano acadêmico, no estado de Michigan, nos EUA. O segundo é o “Abecedarian”, um programa de horário integral, durante os 12 meses do ano, no estado da Carolina do Norte. O terceiro também é um programa em tempo integral, durante o ano acadêmico, nas Ilhas Maurício, e foi oferecido para todas as crianças, carentes e as mais favorecidas. O quarto programa é o Centro de Pais e Filhos de Chicago, um programa diário de três horas, durante o ano acadêmico, no estado de Illinois, nos EUA. Ao contrário dos demais programas, este é implementado em uma grande escala e atende às comunidades carentes de Chicago. i) O Programa Perry O projeto Pré-Escola Perry é um programa educacional que foi implementado em Ypsilanti, Michigan, nos EUA. O tratamento constou de aulas diárias durante o ano escolar, suplementado com uma visita semanal à casa do aluno pelo 1 Veja Cunha et al. (2006). 16 Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil professor. Todas as professoras eram treinadas e certificadas para exercer a educação elementar e de primeira infância.3 O estudo consiste em cinco coortes que entraram no programa durante o período de 1961 a 1965. Durante esses anos, 123 crianças participaram do programa, sendo 58 no grupo de tratamento e 65 no de controle. As crianças do grupo de tratamento estavam matriculadas na Escola Perry desde os três anos de idade por um período de dois anos. As crianças eram negras e provenientes de famílias muito desfavorecidas, o que reflete a realidade da população de Ypsilanti. Elas foram localizadas através de uma pesquisa com as famílias que eram de alguma maneira associadas à escola local, assim como de indicação de pessoas da comunidade e de um levantamento feito porta a porta. As crianças do grupo de risco foram identificadas através de um teste de inteligência e de um índice de status socioeconômico.4 O nível de desenvolvimento socioeconômico foi calculado por uma combinação linear com três componentes: a ocupação dos pais, o nível educacional dos pais e o número de cômodos por pessoa residente na casa da família.5 As crianças provenientes de famílias com um nível socioeconômico acima de certo grau (fixado antes da execução do programa) foram excluídas do estudo. Sobraram, então, 123 crianças negras. Dessas, 58 crianças foram selecionadas aleatoriamente para receber o tratamento. As demais, 65 crianças, foram alocadas ao grupo de controle, o que providenciou aos pesquisadores uma referência adequada para avaliar os efeitos do programa pré-escolar. O custo do programa, em dólares de 2006, foi por volta de dez mil dólares por criança participante.6 O programa coletou dados detalhados das crianças, tanto no grupo de controle quanto no de tratamento, anualmente dos três aos 15 anos, assim como aos 19, 27 e 40 anos de idade. 2 O ano escolar tem duração de 30 semanas, começando em outubro e terminando em maio. 3 Schweinhart et al. (1993) argumentam que a certificação dos professores é um componente importante para o êxito do Perry. 4 O nível de inteligência, ou desenvolvimento cognitivo, foi medido pelo teste de Stanford-Binet, que tem média 100 e desvio padrão 15. 5 O número de cômodos per capita é uma variável que aproxima a riqueza da família. 6 É importante ressaltar que a maior parte desse custo é de mão de obra, que é relativamente mais cara nos EUA do que no Brasil. Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil 17 Durante o período do experimento, cada classe de pré-escola tinha entre 20 e 25 alunos com três ou quatro anos de idade. A primeira coorte foi admitida com crianças de quatro anos de idade e que receberam apenas um ano de tratamento. A última coorte recebeu o tratamento junto com um grupo de crianças de três anos de idade que não faz parte do estudo. As aulas ocorriam todos os dias da semana por 2,5 horas por dia durante o ano escolar. Dez professoras ocuparam as quatro vagas de ensino necessárias, ao longo do estudo, resultando em uma média criança-professor na razão de 5,7 para o período de duração do programa. Todas já tinham sido professoras em escolas públicas. Durante o programa, as professoras visitavam a casa das crianças uma vez por semana por 1 hora e meia. O propósito da visita era para envolver as mães no processo educacional de seus filhos e para que estas também implementassem o currículo em casa.7 Para incentivar a participação das mães, as professoras também ajudavam com quaisquer outros problemas familiares. Por exemplo, muitos professores ensinavam os pais a obter ajuda governamental caso a criança ou alguma outra pessoa na família precisasse de algum tratamento médico. Ocasionalmente, essas visitas eram substituídas por passeios instrutivos, como uma ida ao zoológico. O programa desenvolveu um currículo piagetiano de aprendizado ativo, que é centrado em jogos e brincadeiras baseados em soluções de problemas e guiados por perguntas indiretas.8 As crianças são incentivadas a planejar, executar e refletir sobre as suas próprias atividades. Os tópicos no currículo eram baseados em fatores-chave de desenvolvimento cognitivo relacionados ao planejamento, expressão e compreensão. Esses fatores foram organizados em dez categorias tais como “representação criativa”, “classificação” (reconhecimento de similaridades e diferenças), “números” e “tempo”. Esses princípios educacionais foram baseados nos tipos de perguntas indiretas feitas pelas professoras. Por 7 Schweinhart et al. (1993). 8 Um exemplo de pergunta direta é “Você tem um bom relacionamento com o seu pai?”. A mesma pergunta pode ser feita indiretamente da seguinte forma: “Por favor, diga-me como é o seu relacionamento com o seu pai”. As perguntas diretas incentivam uma resposta curta e simples. As perguntas indiretas incentivam uma resposta mais elaborada, utilizando todo o conhecimento da pessoa que está respondendo. Além disso, as perguntas indiretas tendem a ser menos sugestivas do que as perguntas diretas. Schweinhart et al. (1993). 18 Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil exemplo, “Me conte o que você fez. Descreva-me como você fez isto”.9 O currículo foi aperfeiçoado ao longo do programa e culminou com a aplicação sistemática de princípios de instrução que eram essencialmente fundamentados na teoria de Piaget. Isto fez com que todas as atividades acontecessem dentro de uma rotina diária estruturada para ajudar as crianças a desenvolverem um senso de responsabilidade e a desfrutar oportunidades para independência. ii) O Programa Abecedarian O projeto Abecedarian recrutou 111 crianças nascidas entre 1972 e 1977, vindas de 109 famílias que tiveram uma elevada nota no índice de alto risco.10 As famílias foram matriculadas e a intervenção começou poucos meses após o nascimento. A seleção dos participantes teve como base mais as características das famílias do que as das crianças, como no programa Perry. Praticamente todas as crianças eram negras, seus pais tinham baixos níveis de escolaridade, renda, capacidade cognitiva e níveis elevados de comportamento patológico. As crianças foram testadas para detectar se havia retardamento mental. Setenta e seis por cento das crianças viviam com somente um dos pais ou eram criadas pelos avós. A idade das mães neste grupo era em média inferior a vinte anos, com dez anos de escolaridade e qI de 85, ou seja, um desvio-padrão abaixo da média de desenvolvimento cognitivo normal para a idade da mãe. Foram formados quatro grupos de cerca de 28 crianças cada. quando os bebês completaram seis semanas de idade, eles foram distribuídos aleatoriamente entre o grupo de intervenção pré-escolar e o grupo de controle. A idade média de entrada foi de 4,4 meses. Aos cinco anos de idade, exatamente quando estavam prestes a entrar no jardim de infância, todas as crianças foram novamente distribuídas entre os grupos de tratamento e o de controle. Esta fase durou até as crianças completarem oito anos de idade. Ao final havia quatro diferentes grupos: crianças que não sofreram nenhuma intervenção, crianças que sofreram 9 Schweinhart et al. (1993). 10 Para construir o índice de alto risco foram ponderadas a escolaridade do pai e da mãe, a renda da família, a ausência paterna, a existência ou não de um apoio familiar para a mãe, indicação de problemas acadêmicos sofridos pelos irmãos da criança, o uso de benefícios da seguridade social e o baixo nível de QI dos pais. Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil 19 uma intervenção quando elas eram muito jovens, crianças que sofreram intervenção a partir dos cinco anos de idade e aquelas que receberam o tratamento durante toda a sua infância. As crianças foram acompanhadas até os 21 anos de idade.11 O Programa Abecedarian usou o mesmo currículo do Programa Perry e por essa razão não iremos repetir os seus detalhes. No entanto, o Abecedarian foi um programa mais intenso do que o Perry: ele foi conduzido em tempo integral, durante os 12 meses do ano. Na fase inicial existia um professor para cada três crianças, mas este número cresceu para uma razão de 6:1 com a continuação do programa. Por funcionar em tempo integral durante todo o ano, o custo per capita do Abecedarian foi de US$ 15.125 em dólares de 2006. Durante os três primeiros anos do ensino primário, um professor fazia visitas regulares às casas das crianças envolvidas para reunir-se com os pais e ajudá-los na prestação suplementar de atividades educativas em casa. Ele fornecia um currículo de atividades individualmente planejado e adaptado para cada criança e também servia como ligação entre os professores regulares e a família, interagindo com estes a cada duas semanas. Ele também ajudava a lidar com outras questões que poderiam melhorar a capacidade da família de cuidar da criança, tais como encontrar emprego, navegar pela burocracia das agências de serviços sociais e transportar as crianças para consultas e compromissos. Grande parte das crianças do grupo de controle foi matriculada em creches e pré-escolas que existiam na comunidade. Dessa maneira, podem-se interpretar os impactos do Programa Abecedarian em relação à opção existente na época, que era a matrícula em creches. Como veremos adiante, as crianças nas creches não se desenvolveram tanto quanto aquelas que foram parte do programa de primeira infância. As diferenças nos resultados são muito grandes e podem ser explicadas por quatro razões que não são mutuamente exclusivas: (1) os professores nos programas de primeira infância recebiam treinamento intenso; (2) a razão criança-professor era baixa; (3) a estrutura curricular deu uma rotina de ensino estruturada que permitiu às crianças desenvolverem-se plenamente; (4) 11 Os bebês no grupo de controle receberam uma fórmula de leite em pó fortificada com ferro e tantas fraldas quanto necessárias, como incentivo para garantir sua participação. 20 Academia Brasileira de Ciências – Aprendizagem Infantil

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