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Cadernos de Seminário: neuroses e depressão - Lições I à V PDF

59 Pages·2004·24.514 MB·Portuguese
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Preview Cadernos de Seminário: neuroses e depressão - Lições I à V

q p á É Instituto de Psiquiatria ab fa À a P O deCampinas O Ã Ç C HOSPITAL IRMÃOS PENTEADO N I I T C N E A T PROGRAMA DE TRANSTORNOS AFETIVOS A S S E CADERNO DO SEMINÁRIO: | E NEUROSES E DEPRESSÃO A T O R LIÇÕES IAV. Re M CA O A R E E ARA e . j E : E , É T T C E T E T T S E E T MAURO MENDES DIAS E E 22 EDIÇÃO | E AGRADECIMENTOS DO AUTOR Às psicanalistas Cristina Helena Guimarães Sartori e Marta Togni Ferreira, pelo trabalho de revisão primeira dos textos do Seminário. À Profa. Dra. Maria Rita Salzano Moraes pelo trabalho de revisão e estabelecimento do texto, em curso. À Equipe Técnica do Instituto de Psiquiatria do Hospital Irmãos Penteado, de Campinas, pela solidariedade. Ao Hospital Irmãos Penteado, pelo espaço. Ao Pedro, pela aposta. INTRODUÇÃO O texto agora publicado é a transcrição do Seminário: NEUROSES E DEPRESSÃO, cujo término será em novembro próximo, ao final de 2003. Ele está sendo realizado no Instituto de Psiquiatria de Campinas, que o promove. Achei melhor manter o caráter oral da fala, sem pretender aplicar uma maior linearidade ao discurso. Muitas vezes, tal como na fala, a questão é explicada mais de uma vez. De outro lado, como se trata de um Seminário no qual fui desenvolvendo aos poucos as idéias, algumas passagens irão ser superadas, aparecendo melhor explicadas mais adiante. No decorrer desse Seminário, pude compartilhar com uma série de colegas que contribuíram comigo através de discussões férteis. O texto que segue ao final é uma comunicação que realizei sobre o tema, e que de certa maneira condensava uma boa parte das idéias desenvolvidas nesses cinco Seminários agora publicados. Mauro Mendes Dias APRESENTAÇÃO Há uma história a ser contada. Uma história que nasce antes do Instituto de Psiquiatria de Campinas e agora chega à publicação deste caderno. Essa história teve início quando trabalhávamos a reforma do Hospital Tibiriçá, que passava por um processo de co-gestão com a Prefeitura Municipal de Campinas. Após a intervenção no hospital, que culminou em um processo de desospitalização de pacientes crônicos, inauguração de moradias extra-hospitalares, oficinas de trabalho, abertura de leitos femininos para internação em crise e humanização da assistência, passamos a questionar nossa própria clínica e modelo assistencial. Imbuídos dos ideais da reforma psiquiátrica nos deparávamos, naquela época, com os limites da própria clínica psiquiátrica. Clínica no sentido de prática. Avaliação, diagnóstico, conduta e seguimento. O diagnóstico psiquiátrico e a conduta medicamentosa, apesar de cada vez mais refinados e passíveis de replicação, não eram suficientes para a condução da maioria dos casos. Assim como toda a ideologia da reforma, que preconizava o atendimento humanizado, o acolhimento, a assistência descentralizada, baseada no ambulatório e nos serviços substitutivos à internação, próximos à residência do usuário, tampouco nos auxiliava nas questões do dia a dia, ou seja, da clínica propriamente dita. Foi nessa situação em que, resolvidas as necessidades básicas para uma assistência humanizada, tivemos um primeiro contato com o Mauro e foi feito um convite. Esse convite, também um desafio, era para introduzirmos a clínica psicanalítica em uma instituição em transformação, através da supervisão de casos e do trabalho em equipe. O que foi aceito. A escuta e a supervisão realizadas pelo Mauro funcionaram como um farol iluminando novos caminhos a serem trilhados na clínica diária. Os resultados eram sentidos já no dia, ou no dia seguinte à supervisão. Naqueles casos em que a equipe sentia-se impotente com suas intervenções, praticamente desistindo de investir mais no sujeito, os efeitos eram mais evidentes. A esperança renovada dos profissionais, a intervenção realizada na busca de um sentido apontado, resultava na saída da crise. Aisso cnhamávamos "clínica ampliada”. Alargamento dos limites da clínica psiquiátrica e também dos ideais da reforma. Infelizmente, essa parceria que iniciava-se foi frustrada por outras diretrizes políticas, que resultaram no fechamento do Hospital Tibiriçá. Mas essa é outra história. O interesse pelo trabalho em equipe, por um serviço que pudesse oferecer algo mais que o trabalho de consultório e pela psicanálise permaneceu. A oportunidade surgiu quando o grupo, que já pensava algo em INDÍCE conjunto, me convidou a participar do Serviço de Psiquiatria do Hospital Irmãos Penteado. Essa também é outra história. Hoje oferecemos um serviço de Rápido Agendamento no ambulatório, com consultas agendadas em no máximo uma semana (convênios e particulares) e atendemos a interconsultas de todas as especialidades médicas do hospital (pacientes internados e ambulatoriais). A partir do Serviço de Psiquiatria do Irmãos Penteado foi criado o Instituto de Psiquiatria de Campinas, com sede própria, onde funcionam nossos programas de assistência. Somos hoje 24 profissionais (psiquiatras, psicólogos, terapêutas ocupacionais, acompanhantes Semirário | terapêuticos, nutricionista e clínico geral) que trabalhamos em equipes e atendemos nos programas de Transtornos Afetivos, Alimentares, Seminário Il Ansiosos, Adolescência, Dependência Química, Idosos e Psicoses. Felizmente, desta vez, a história se repetiu. Antes no setor público, agora no suplementar da saúde, tivemos Seminário III nova oportunidade da reatar a parceria com o Mauro. Parece-nos que a consistência do trabalho em andamento vem Seminário IV adquirindo cada vez maior peso e nossa responsabilidade aumenta. Os seminários sobre Neuroses e Depressão trazem elaborações Seminário V originais, em muito têm contribuído para o nosso aprimoramento profissional, além de nos estimular a continuar estudando essa área, A Posição do Sujeito na depressão: onde o conhecimento parece estar sempre em construção. Uma Abordagem Psicanalitica Além dos seminários quinzenais, as supervisões de caso fundamentam a coesão do trabalho da equipe que atende aos transtornos afetivos do IPCAMP. Infelizmente para o setor público, que não soube dar continuidade à essa oportunidade e felizmente para nós e nossos pacientes, essa parceria se renova e mantemos o vivo interesse em que permaneça. A letra escrita é nossa testemunha. Pedro P.L. Pôssas Diretor Técnico IPCAMP fundamental, aspecto este relativo à posição do sujeito, sem o qual não do sujeito, vai nos permitir também situar qual é o significado da é possível uma aproximação ao tema da depressão de outra maneira depressão em nossos dias, pois aí ocorre algo curioso. Estamos que não através do saberes oficiais que se ocupam dela. vivendo em uma época na qual este conceito, "Depressão", faz parte do Dessa forma, haveremos de retornar também áquilo que é a cotidiano, do que se ouve no dia a dia, fazendo com que alguns afetos própria descoberta freudiana do inconsciente. Porque essa descoberta básicos não sejam mais mencionados. Hoje em dia não se fica mais não implica em outra coisa que não seja depurar, acentuar, teorizar a triste, fica-se imediatamente deprimido. E é notável a quantidade de forma pela qual cada sujeito lida com o inconsciente. A descoberta pessoas deprimidas que existem, depois que a depressão ocupou esse freudiana se dá junto a um sujeito com um ensinamento bastante lugar no qual ela encobre alguns afetos que produzem mal-estar e extensivo na relação com o inconsciente, que é o sujeito histérico. É daí embaraços. que Freud vai, pela primeira vez, buscar essa forma diferenciada O sujeito, hoje em dia, não deixa de fazer alguma coisa apenas através da qual um sujeito responde ao inconsciente. porque se sente incapaz ou aquém das condições de realizar uma tarefa E preciso poder dizer o que é que se entende por "inconsciente", que lhe está sendo exigida. Ele não tem mais falta de condição, tem “posição do sujeito” e também o que se entende por "sujeito". A princípio depressão. Então, ao invés de reconhecer a falta de condição para é uma maneira de realizar ou conquistar algum objetivo, a depressão vem como rótulo que apresentar o campo de problemas com os quais nós vamos nos esconde, que escamoteia a falta de empenho para realizar alguma haver durante este ano. tarefa que lhe concerne em sua particularidade. Se, para abordar a depressão, é preciso nos valer das neuroses - A depressão não é, portanto, um quadro clínico que se apresenta pois é a partir das neuroses que se apreende a posição do sujeito, ou apenas dentro de uma certa novidade, ela traz novos sintomas para seja, a forma pela qual cada sujeito responde, lida com o inconsciente, - aquilo em que se insiste com tanta veemência: a necessidade de se se coloco este ponto de determinação para a abordagem da depressão, depurar os novos tipos clínicos da atualidade. E um erro pensar que a é porque parto do princípio, alinhado à prática psicanalítica, de que há depressão é um fenômeno da atualidade. Ainda que sua proliferação inconsciente no sujeito depressivo. Pode parecer um pouco irrelevante tenha ganhado mais destaque nos últimos anos, ela não é um fenômeno dar destaque a isto, mas percebemos que não é assim, quando que se restringe à vida moderna. observamos o tipo de escopo abrangente de cuidados que a depressão Abordar as neuroses para poder explicitar o problema da ooo encontra em nossos dias, levando muitos profissionais à tomarem como depressão pela psicanálise nos confronta imediatamente com algumas totalmente desnecessária a consideração da subjetividade do sujeito dificuldades, pois a depressão não é considerada um tipo clínico no o depressivo. A partir deste ponto, sentem-se inteiramente à vontade para campo psicanalítico, o que não impede que aí seja abordada. A tradição tratar o sujeito depressivo como se fosse tão somente um organismo psicanalítica confere, de maneira extensa, uma distinção em três tipos biológico, para o qual as intervenções medicamentosas seriam o de estruturas, que são as Neuroses, as Psicoses e as Perversões. No EE necessário. Este é um aspecto que vamos precisar, pois a própria campo das Psicoses estão incluídos a Esquizofrenia e outros diferentes maneira pela qual está apresentado o alinhamento da depressão com quadros clínicos. E necessário que isto seja destacado, porque as neuroses em uma relação com a posição do sujeito, já revela que devemos distinguir aquilo que é chamado de depressão no campo minha posição não compartilha desse ponto de vista, de que não exista médico ou psiquiátrico, e aquilo que é chamado de depressão no campo inconsciente no sujeito depressivo, ainda que seja muito difícil psicanalítico. Seria uma apropriação bastante descuidada tratar o apreender como ele aí se manifesta. mesmo termo utilizado nesses dois campos, como se se tratasse do Se faço questão de chamar a atenção sobre a necessidade de mesmo conceito. poder conservar a abordagem dos fenômenos inconscientes no Um dos problemas que me parece necessário ser indicado desde tratamento do sujeito depressivo é também porque, diferentemente do o princípio é o fato de a depressão estar hoje incluída nos Distúrbios do que muitos imaginam, ele busca o tratamento psicanalítico, a ajuda Humor, de acordo com as classificações do DSM-IV. Se um quadro psicoterapêutica. Alguns desses sujeitos, à revelia das orientações clínico faz parte dos Distúrbios do Humor, isto não significa que ele medicamentosas, percebem que existe alguma coisa além daquilo que encontra correspondência em Psicanálise no campo do afeto, porque está sendo tratado. um dos pontos que nós vamos destacar é que o humor não é um afeto. Alinhar ainda neuroses com depressão, destacando essa posição Aquilo que é chamado "humor" pela psiquiatria não tem sinônimo na 10 1 Psicanálise como afeto, porque para utilizar o conceito de afeto em mais eminente através das possibilidades que seu próprio quadro Psicanálise é preciso considerar a noção de "inconsciente", e para clínico realiza pelo mecanismo de conversão. Os conflitos psíquicos na utilizar o conceito de "humor" não é necessário. Se tratarmos de fazer histeria vão encontrar sempre um correspondente no corpo do sujeito. uma pesquisa, que não precisa ser exaustiva, veremos que nos Uma histérica, quando está muito preocupada, sente dor de cabeça. Se primeiros textos de Freud, os chamados metapsicológicos, em que determinado problema está ocupando demais sua mente, aquilo faz procura decantar a forma de funcionamento do inconsciente, ele nos com que a sua cabeça comece a doer. Se não tem condição de deixar de ensina, o tempo todo, que o inconsciente, nas neuroses, funciona responder a determinado apelo, promovido para que ela responda, é segundo um método de divisão. capaz de desenvolver um tipo de problema de locomoção, para o que ocorre quando o recalque opera sobre determinada simbolicamente afirmar a sua impossibilidade de estar à altura da experiência do sujeito que não pode ser vivida em sua extensão? Ocorre resposta que dela é esperada. uma divisão. A idéia é recalcada e o afeto é liberado. Isto significa que a Nós não vamos encontrar manifestações semelhantes na noção de afeto não pode prescindir da sua ligação com a idéia, e, por neurose obsessiva. Não vamos encontrar manifestações no corpo. sua vez, de seu enlaçamento necessário com o inconsciente. Jamais se poderia dizer que a neurose obsessiva é uma figura do corpo. Alguns cuidados se fazem necessários, porque se não se Ao contrário, a neurose obsessiva pouco se expressa no corpo, a não encontra equivalência entre o conceito de "humor" em Psiquiatria e o ser nos seus casos mais agravados, em termos da retenção conceito de "afeto" em Psicanálise, a possibilidade de integrar a esfincteriana. Mas a retenção esfincteriana não se dá a ver como a depressão na psicanálise deverá ser feita de uma forma inteiramente depressão. Quando eu digo que a depressão se dá a ver, é porque é distinta, pois essa transposição não se dá de maneira tão imediata. Este possível recolher, através de alguns signos que se apresentam é um dos pontos relativos ao humor e ao afeto que são pouco refletidos, particularmente no rosto do sujeito e na postura corporal, que ali se mas fundamentais, caso se queira realizar uma abordagem localizou alguma coisa que retirou sua vitalidade. psicanalítica à altura das questões que a depressão e as neuroses nos Se a depressão é uma figura do corpo, então ela deverá nos levar colocam. a pesquisar sobre sua genealogia, sua estruturação, sobre esse Qual é, então, o estatuto da depressão no campo psicanalítico, se momento em que o ser falante se constitui como um corpo. Esse éo eu digo que ela não é uma neurose? O que é que significa a depressão? momento da constituição do sujeito falante chamado "fase do espelho”, Depressão em Psicanálise refere-se a uma posição do sujeito. É que ocorre entre os seis e dezoito meses de idade, exatamente o um determinado tipo de resposta que o sujeito dá ao inconsciente, isto é, período em que o sujeito constrói essa imagem de si mesmo, ou seja, diz respeito fundamentalmente ao lipo de relação que o sujeito constrói seu corpo próprio, distinguindo sua imagem da imagem do estabelece com o Outro. Trata-se de uma posição na qual esse lugar, - outro. no qual o sujeito se coloca diante do Outro através da depressão - se A depressão também nos coloca sobre um ponto de interrogação manifesta, fica exacerbado. O que é esse lugar que o sujeito deprimido muito notável, que fez com que um dos biógrafos de Freud, seu médico ocupa? Será que isso é uma defesa, como muitos psicanalistas particular, que se chamava Max Schur....(troca de lado da procuram situara depressão? fita)....forçando as coisas um pouco ao gosto que ele sempre teve. Ele 1 Como entender, então, as chamadas Depressões Endógenas, se procura dizer que a depressão foi aquilo que permitiu a Freud criar a não encontramos nenhum tipo correspondente de defesa, para Psicanálise. Há aí um aspecto curioso que envolve a depressão e a vida conservar esse termo, com consequências tão profundas e de Freud. Nas primeiras correspondências que nós temos possibilidade desastrosas? de pesquisar, que são do período da correspondência entre Freud e Há um fator que distingue a posição do sujeito deprimido, muito Fliess, existem muitas cartas de Freud dirigidas ao seu amigo, seu bem falado, muito bem nomeado, por um psicanalista que se chama correspondente científico e intelectual da época, antes da publicação da Pierre Fédida. Para este autor a depressão é uma figura do corpo, Interpretação dos Sonhos, nas quais ele se refere várias vezes ao seu querendo com isso afirmar que é algo que se escreve no corpo do estado deprimido. sujeito. A depressão não é alguma coisa passível de ser escamoteada, Este aspecto não será negligenciado em nosso trabalho porque, porque ela se escreve, diferentemente de algumas neuroses. Existe afinal de contas, depois que Freud escreve a Interpretação dos Sonhos, uma neurose, a neurose histérica, que se escreve no corpo de maneira a menção à depressão desaparece. Só vai reaparecer muito tempo 12 13 aquele que o escuta que é preciso se deter e não intervir para que o mais tarde, mas não com o signo do afeto depressivo. O que poderia nos sujeito depressivo seja energizado, para que reaja, para que seja feliz, levar a nos interrogar sobre esse tipo de relação, pois o biógrafo de pois, afinal de contas, se há tanta coisa boa na vida, tanto filme bom Freud não deixa de ter razão quando marca o papel decisivo da passando na televisão, por que vai ficar assim, deprimido? O sujeito depressão junto à constituição do saber analítico. depressivo convida a esse tipo de intervenção. Ou seja, ele interroga Iremos tratar este fato da vida de Freud fazendo menção a aquele que o escuta no tipo de posição que mantém com o projeto de algumas cartas em que este afeto depressivo pode ser recolhido. felicidade. Haveremos de nos perguntar por que é exatamente a partir do momento Se há alguma coisa de inteiramente fracassada no tratamento do em que Freud funda a Psicanálise que se dá o desaparecimento da sujeito deprimido, é estimulá-lo, mostrar que ele tem condição, mostrar menção ao afeto depressivo. Nós temos aí um duplo fator a ser que ele tem possibilidade, e que, afinal de contas, não precisa ficar analisado: Primeiro, a fundação de um campo, a descoberta de algo assim. Isso não muda absolutamente nada. E perda de tempo. Aliás, novo; e depois, a descoberta desse algo novo e a fundação de um novo não só é perda de tempo, porque nunca se perde só tempo, se produz campo, indicado através dos sonhos. dano com isso. O sujeito fica mais refratário a falar o que acontece com Tem grande importância o fato de que a Interpretação dos Sonhos, ele, pois se for para escutar isto de um terapeuta ou de um psicanalista, que deu origem à fundação do campo psicanalítico, à fundação do saber analítico, tenha sido o lugar em que Freud realizou a auto-análise de ele pode muito bem se dirigir a uma orientação religiosa, que provavelmente vai ter mais eficácia do que esse tipo de discurso. vários de seus sonhos. Ou seja, há ali, na Interpretação dos Sonhos, um Esse ponto também é convergente com a economia das trabalho empenhado do próprio Freud em se dirigir a nós, seus leitores, neuroses. Se há um ponto convergente na posição daquele que escuta, com o objetivo de ser interpretado. Coisa que ele não encontrava na junto às neuroses e junto à depressão, é que é preciso ter prudência e época da amizade com Fliess. Ele escrevia para Fliess, mas nunca limitação com esse voto de felicidade, com esse projeto de felicidade. recebia uma interpretação. Ele só recebia um determinado tipo de Isso se aplica tanto às neuroses quanto à depressão: junto ao sujeito, estímulo ou a necessidade de correção. Era uma conversação epistolar não se trata de reanimá-lo, de mostrar como é interessante e gostoso científica. viver. O sujeito deprimido nos causa um determinado tipo de mal estar Na Interpretação dos Sonhos a questão é outra, ele se dirige a muito pouco admitido, porque vem mostrar o fracasso, a nulidade, o nós, que somos seus leitores. Ou seja, aquele que o escuta está em um vazio, dos projetos de felicidade. Ele interroga a relação de cada um lugar diferente do lugar de Fliess. Ele está escrevendo, está se detendo com a felicidade. O seu abatimento diante das diferentes possibilidades sobre os próprios sonhos, mas não está recebendo o tipo de orientação que lhe são oferecidas coloca em questão, coloca em crítica o fato de que recebia de Fliess. Isso significa que a posição dele na Interpretação muitos sujeitos se devotarem a sustentar sua vida em torno de alguma dos Sonhos mudou. Ele não está se dirigindo mais para a mesma felicidade passageira. pessoa. Aliás, é só porque ele não se dirige mais para a mesma pessoa Este é um aspecto que nos leva, - quando não estamos que ele pode escrever a Interpretação dos Sonhos e elaborar o que ali suficientemente alertados e nos tornamos solidários ao sujeito elaborou. deprimido, - a tentar dissolver mais rapidamente esse tipo de incômodo Quando digo que nós temos um duplo problema, estou que nos provoca e nos denuncia em relação ao nosso projeto de questionando se a criação de alguma coisa, a descoberta de algo novo, felicidade ou ao nosso projeto de vida. Parte expressiva da pode ter um efeito terapêutico para a depressão. Afinal de contas, essa solidariedade que existe voltada ao sujeito deprimido tem como objetivo história do próprio Freud nos autoriza a introduzir esta ifterrogação. silenciar, abafar, anular, fazer desaparecer rapidamente essa falência Isso vai nos conduzir a um outro tipo de problemática, que me dos nossos projetos de felicidade. parece fundamental para o tratamento do sujeito depressivo. Se há Isto coloca aqui um termo tão importante quanto aquilo que se alguma coisa de ensinante no tratamento do sujeito depressivo para entende sobre o que seja uma cura num tratamento, pois se a aqueles que o escutam, para aqueles que tratam dele, é a suspensão de depressão é a colocação em cena da negação da felicidade, a algumas esperanças. Nesta suspensão, o sujeito depressivo interroga o realização da negação da felicidade, - essa negação entendida aí como lugar daquele que o escuta. O sujeito depressivo, no qual sua uma impossibilidade, - então teremos que nos interrogar sobre o que problemática não tem como não se inscrever, - seja em sua postura significaria ultrapassar a depressão. Será que haveria essa corporal, seja em sua face, na qual isto é tão pregnante, - ensina para 15 14 possibilidade de ultrapassar a depressão”? De perfurar a depressão? De Em contrapartida, o sujeito deprimido também precisa ser curar a depressão? Ou será que a depressão, ao fazer-nos confrontar entendido como um efeito da civilização científica. De maneira breve, com esse projeto de felicidade, de adaptação, não vem colocar vou dizer a vocês que a civilização científica, que a ciência é uma forma exatamente uma questão nova, que é um termo de impossibilidade na de negação do gozo. À ciência exime o sujeito, desresponsabiliza-o de cura? sua própria subjetividade. Se ele quer fazer alguma coisa com Uma vez que homologamos os conceitos de cura, de felicidade e eficiência, mas não tem disposição, deve tomar determinado de realização, e a depressão coloca desde o início uma impossibilidade medicamento. Se ele está sem sono porque ele está preocupado e de o sujeito frequentar esse conjunto de termos, então teremos que amanhã de manhã tem que trabalhar, então que ele tome determinada repensar o que é o conceito de cura. E mais ainda: repensar se este medicação para que amanhã de manhã esteja disposto. conceito de cura não precisa, a partir da depressão, incluir um elemento Em nenhum momento se pergunta ao sujeito o que o está levando de impossibilidade de realizar-se de maneira exaustiva. Com isso já a perder o sono. A civilização científica não tem essa preocupação. A estou antecipando que existem depressões incuráveis, O que não é a forma pela qual se prescreve a medicação para o sujeito deprimido tem mesma coisa que dizer "depressões intratáveis", Pode haver grande importância para um psicanalista. Isto porque na civilização tratamento, mas pode não haver cura. científica, que é a nossa, supõe-se, de maneira delirante como age a Se a depressão é uma figura do corpo, como bem o exprime Pierre ciência, que o objeto "remédio", uma vez prescrito, haverá de cumprir, Fédida, a nossa diferença com esta afirmação val ser exatamente no parcial ou totalmente, os efeitos terapêuticos para os quais ele está que se refere ao conceito de corpo. Porque quando se refere a "corpo", indicado. A idéia de que o remédio pode fazer agirem os efeitos para os ele o está tomando como algo que se dá a ver, ou seja, a corporeidade quais está indicado é encontrada nesse tipo de atitude da ciência como propriamente dita. E quando nós trabalharmos essa idéia de que a negação do gozo. Por que? Porque aquele que toma um remédio, não o depressão é uma figura do corpo, O corpo aqui não será tratado como faz apenas com o objetivo de se curar. Se fosse apenas para se curar, alguma coisa que se dá a ver por inteiro. Esta vai ser uma diferença por que os sujeitos esqueceriam de tomar a medicação? Por que o significativa com relação a essa definição, ainda que apropriada, de sujeito haveria de, além de tomar a medicação, começar a pensar na Pierre Fédida. forma como vai agire o que vai fazer quando estiver melhor? Sendo essa figura do corpo, a depressão deverá colocar alguns Por isso, antes de ser um agente terapêutico, a medicação é, aos problemas para pensarmos a nossa atualidade. Porque? Porque nós olhos de um psicanalista, um objeto que participa da economia estamos começando a trabalhar o problema da depressão e das subjetiva. Isto significa que ela faz disparar uma relação do sujeito com neuroses em um momento preciso da história, O século XXI. E o que esse objeto de forma que aquele que está tomando a medicação passa acontece no século XXI, que faz com que a depressão não possa ser a significar-se a partir dela. Esse "significar-se” não é só pensar no dia interrogada sem que se faça menção áquilo que a modela? Aquilo que a em que vai ficar bom, "significar-se" é a maneira como ele se vê, como modela é uma discursividade presente na atualidade, para a qual ele será, o que vai poder fazer quando estiver bom, é a construção da convergem o capitalismo e a ciência. sua subjetividade que se realiza paralelamente a essa relação Vou procurar mostrar porque é preciso entender a depressão na estabelecida com o objeto. atualidade através do capitalismo e da ciência. Existe uma ênfase Se é necessário considerar isso, é necessário então considerar bastante acentuada para que o sujeito deprimido saia da depressão a também que essa menção ao sujeito deprimido, na época da civilização qualquer custo, em uma época de triunfo do capitalismo e da ciência. científica, não pode prescindir de uma análise, ainda que sumária, como Por que? Porque o sujeito deprimido é anticonsumista. Não há nenhum será a análise desenvolvida aqui, sobre o tipo de discurso que nos efeito fascinatório dos apelos do capitalismo, que tenha eficácia junto ao articula a nível da economia de gozo. Uma coisa é a ciência como sujeito deprimido. A começar por seu olhar abatido, ele não tem supressão do gozo, outra coisa é o capitalismo, que eu defino agora libidinização suficiente para se encantar, para se envolver com algum para vocês como uma economia de gozo, seguindo os ensinamentos de objeto que seja oferecido ao seu olhar e ao seu consumo. A depressão Jacques Lacan. pode ser entendida como uma posição do sujeito que faz barreira ao O que significa o capitalismo como uma economia de gozo, e qual consumo. Por isto existe tanta medicação para que o sujeito deixe de ser a importância disso para a posição do sujeito deprimido? Lembro a deprimido. vocês, brevemente, que a economia capitalista segue alterações 16 17 ciclotímicas, segue a variação da mania com a depressão. Ora ela está abatimento pode ser tão grande, que muitas vezes ele sequer vê, é em alta, ora ela está em baixa. Esta é a lei mesma de funcionamento das tomado por um vazio, não vê nada. Ele está olhando para um ponto, e é bolsas de valores e da economia do dólar. Todo dia vocês vêm, o dólar capaz de ficar ali naquele ponto sem olhar nada. Não está enxergando subiu, o dólar abaixou. A bolsa fechou em alta, a bolsa fechou em baixa. nada que está à sua frente. Por que isto tem plena importância para a A economia capitalista é regulada ciclotimicamente. maneira segundo a qual se acolhe a presença do paciente deprimido Não é tão estranho assim que no interior delas exista um sujeito, numa análise? E qual a relação que isto tem com o capitalismo, que eu também chamado sujeito deprimido, que tem variações tão sensíveis mencionava antes? quanto aquelas da economia de mercado. Ou seja, o sujeito deprimido A chamada economia de mercado funciona exatamente por uma não pode ser pensado fora de uma relação de determinação com esse libidinização da mercadoria. Foi o que Karl Marx chamou de "o fetiche da discurso que o promove enquanto subjetividade e que está apto à mercadoria”. O fetiche da mercadoria é a transformação do mercado em economia capitalista. Nós, que vivemos no capitalismo, estamos aptos a mercado do olhar. Compra-se através da libidinização que se promove aceitar essa variabilidade do chamado humor. Ora em cima, ora em alta, nos sujeitos pela competência visual, mas, mais além, pelos sonhos que ora em baixa. Este é um dos aspectos, a economia capitalista exige ser desperta. Ninguém compra um objeto apenas porque está exposto na pensada. Mas há algo do capitalismo, como a economia de gozo, que vitrine, mas porque ele traz consigo uma mensagem. Ele desperta um tem extrema importância para a depressão, e vai incidir em última sonho. Ele está associado a uma imagem, a um determinado tipo de instância na forma pela qual se orienta o sujeito nas sessões. Eu digo pessoa, a uma determinada idealização de homem, a um determinado “se orienta" no sentido mais básico. tipo de idealização de mulher. E a fetichização da mercadoria: Compre Convida-se a deitar? Ou convida-se a sentar? Por que? isso, porque você vai ser de determinada forma. O fetiche é o que A economia capitalista é regulada por uma promoção de gozo, na garante a unidade do ser. qual se situa a sociedade em que vivemos, e já não estou mais em O sujeito deprimido está impossibilitado de exercer esta ação. Ele qualquer tipo de território que colocaria em discussão capitalismo, não responde ao encanto do fetiche da mercadoria e coloca um socialismo, solução para o capitalismo, revolução socialista para problema sério para o mundo capitalista Não é à toa que existem tantas melhorar o capitalismo. Quero indicar, com esse termo "economia de pesquisas no mundo todo dedicadas à depressão tentando inclusive gozo", que existem determinadas zonas do corpo que serão encontrar suas causas genéticas. É porque a depressão é um problema privilegiadas na sociedade em que vivemos, notadamente o olhar e a econômico, em última instância. voz. Vamos nos deter aqui no olhar, porque é mais facilmente arcade Troca defita........ apreensível. As pessoas deprimidas não têm vontade de comprar. A depressão Estamos aí recheados de Big Brother e outras atrações na é, verdadeiramente, um problema social, neste sentido. Se o sujeito televisão, em que este convite ao olhar é promovido de todas as formas. deprimido não responde a este apelo do objeto fetiche da mercadoria, Vocês podem notar que quando eu digo "olhar", isso cria uma distinção ou seja, a este caráter fascinatório da mercadoria, então é sinal que seu decisiva com a capacidade de enxergar. Porque o olhar não é a olhar não está imantado pelo mesmo tipo de libidinização, de competência de enxergar. O olhar é um olho sexualizado, é a sexualização, como se encontra o do neurótico. sexualização da visão. E é porque ele é a sexualização da visão, que se Quando Freud fez os primeiros convites para que seus pacientes olha sempre para mais além de onde se enxerga. Quando se está deitassem, por que ele o fez? Porque falar com alguém sentado ou olhando para uma pessoa na paquera, por exemplo, o olhar atua de deitado não significa a mesma coisa. Jacques Lacan já havia lembrado: forma muito esclarecedora. No jogo da paquera um está olhando para o Qual a importância de falar deitado? Porque é a posição na qual se faz outro, mas está vendo mais além. Não está ali apenas olhando para amor. O leito evoca a posição amorosa, a relação amorosa. A saber se é bonitinho. Está olhando e está "maquinando" como é que vai importância disso é que o sujeito no amor se sente mais à vontade para ser depois. Então, olha-se mais além daquilo que se vê. falar de si, que é exatamente o que é esperado dele na situação Temos aí um ponto que é bastante importante na economia da analítica. E quando o sujeito está olhando para um outro, ele continua constituição do corpo próprio do sujeito deprimido. Porque se há uma falando de si? Ele continua falando de si, mas necessariamente zona que está abafada e paralisada no sujeito deprimido, é justamente o regulado pelas reações que ele vê sendo despertadas no outro. olhar. Não há libidinização do olhar. O sujeito vê. Ele não olha. O Os sujeitos deprimidos não apresentam este tipo de libidinização 18 19

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