ebook img

Brasil, nova classe média ou novas formas de superexploração da classe trabalhadora PDF

22 Pages·0.24 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Brasil, nova classe média ou novas formas de superexploração da classe trabalhadora

DEBATE DEBATE 169 BRASIL:NOVACLASSEMÉDIAOUNOVASFORMASDESUPEREXPLORAÇÃODA CLASSETRABALHADORA? BRAZIL:NEWMIDDLECLASSORNEWWAYSOFOVEREXPLOITINGTHEWORKINGCLASS? 1 MathiasSeibelLuce Resumo Combasenacategoriadasuperexploração Abstract Basedontheworkforceoverexploitation daforçadetrabalho,formuladanoâmbitodateoria category, formulated in the context of the Marxist marxistadadependência,apresentamosumacríticaà Theory of Dependence, we critiquethe thesis that tesedequeoBrasilestariasetornando‘paísdeclasse Brazilisbecoming'amiddleclassnation'andstate média’esustentamosqueumcontingentesubstancial thatasubstantialcontingentofwhathasbeennamed dentreoquevemsendonomeadode‘novaclassemé- the'newmiddleclass'is,infact,oneofworkers–and dia’consiste,naverdade,detrabalhadores–esuas theirfamilies–livinginoverexploitationconditions. famílias–vivendoemcondiçõesdesuperexploração. Thearticleisdividedintothreesections.Inthefirst, O texto encontra-se dividido em três seções. Na wequestionedthebasicassumptionsofthe‘Brazil,a primeira, questionamos os pressupostos básicos da middleclassnation’thesis.Inthesecond,weexplain teseBrasil,paísdeclassemédia.Nasegunda,expo- the fundamentals of the overexploitation category mososfundamentosdacategoriadasuperexploração and show how it increased in Brazilian capitalism edemonstramosseuincrementonasrelaçõesdepro- productionrelationsinthe2000s.Inthethird,we duçãodocapitalismobrasileironadécadade2000.Na showedhowtheaccesstheworkingpopulationhas terceira,demonstramoscomooacessodapopulação hadtoconsumedurablegoodsinrecenttimes,before trabalhadoraaoconsumodebensduráveisnoperío- theascenttothesupposed'newmiddleclass,'isare- dorecente,antesqueaascensãodeumasuposta‘no- newedtypeofoverexploitation.Finally,wehighlight vaclassemédia’,configuraumaformarenovadade thelinksbetweentheBrazilianworkingclass'labor superexploração.Porfim,salientamososnexosentre conditions,health,andrightsandthetrendsinworld ascondiçõesdetrabalho,saúdeedireitosdaclasse capitalism, questioningthe false neoliberalismand trabalhadoranoBrasileastendênciasdocapitalismo neodevelopmentalismdilemmainthecurrentdebate mundial,questionandoofalsodilemaneoliberalismo andputtingtherealdilemmaintermsoftheeman- eneodesenvolvimentismonodebateatualecolocan- cipation of the working class against the despotic doarealdisjuntivadopontodevistadaemancipação powerofcapital. daclassetrabalhadoraemrelaçãoaopoderdespótico Keywords overexploitationoflabor;MarxistTheory docapital. of Dependence; working class status; development Palavras-chave superexploraçãodaforçadetrabalho; modelsinBrazil. teoria marxista da dependência; situação da classe trabalhadora;modelosdedesenvolvimentonoBrasil. Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 170 MathiasSeibelLuce Novaclassemédia? Uma afirmação que tem sido repetida à exaustão pela grande mídia, pela propagandadogovernoepelossetoresacadêmicosidentificadoscomodis- curso oficial é o lugar-comum Brasil, país de classe média. Segundo essa visão,aeconomiabrasileirateriasetornadoadeum‘paísdeclassemédia’, hajavistaquenoúltimoperíodo35,7%dapopulaçãoascenderamàfaixa de renda intermediária na classificação por estratos de A a E, ampliando para 53% da população (104 milhões) os brasileiros pertencentes à assim chamada‘classemédia’.Aestapertencem,dizemosepígonos,todoindiví- duoquevivecomrendapercapitafamiliarentreR$291,00eR$1.019,00, oquesignificaumarendafamiliarmédiaentreR$1.164,00eR$4.076,00, ou entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00, para mencionar o critério de um dos principaisideólogosdasupostaascensãodeumanovaclassemédia: novaclassemédiafoioapelidoquedemosàclasseC(...)Chamarapessoadeclasse Csoavadepreciativo,piordoqueclasseAouB(...)Novaclassemédiadáosen- tidopositivoeprospectivodaquelequerealizou–econtinuaarealizar–osonho desubirnavida(Neri,2011,p.18). Em informe publicitário do governo federal, veiculado em dezembro de2010,2sepodialer:“Estánosnúmeros.Estánodiaadiadosbrasileiros. EstamosvivendooBrasildetodos.35,7milhõesdebrasileirossubiramde classe social e 27,9 milhões superaram a pobreza”. Que ideia o discurso oficialquertransmitir?Adequequase36milhõesdeindivíduosnãoper- tenceriammaisàcondiçãodetrabalhadoresprecarizados.Seriamclassemé- dia. Seriam trabalhadores com condições de trabalho e de vida dignas. E seriamtambémempreendedores.Donosdoseupróprionegócio.Graçasàs políticaseconômicasesociaisdosoitoanosdegovernoLula,continuadas pelo governo Dilma, de 37% da população do país (66 milhões) a classe média teria ultrapassado a casa dos 50% (104 milhões). Frente a números como estes, cabe ter presente o que escreveu Marx (1985, p. 271): “toda ciênciaseriasupérfluaseaformademanifestação[aaparência]eaessência dascoisascoincidissemimediatamente”. Umprimeiroconjuntodequestionamentosénecessáriopararefutarca- racterizaçãomistificadoradarealidadecomoaquesetememtela.Primeiro, talabordagemcolocaemummesmoestratoindivíduoscomrendimentofa- miliarmensaltãodissímilecomoavariaçãoentreR$1.200eR$5.174–uma disparidadede430%entreopisoeoteto!Segundo,incluinadenominação de classe média um universo de milhões de famílias cujos rendimentos sequeralcançamosaláriomínimonecessáriodoDepartamentoIntersindi- Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 Brasil:novaclassemédiaounovasformasdesuperexploraçãodaclassetrabalhadora? 171 caldeEstatísticaeEstudosSocioeconômicos(DIEESE).Terceiro,carecede rigoraoapresentaroatributopotencialdeconsumo3–utilizadoparacom- provar supostamente a sustentabilidade da ascensão à condição de classe médiarepresentadapeloconsumodebensduráveis–,ignorandotrêsele- mentos determinantes: o endividamento das famílias, o aumento do des- gaste da força de trabalho para poder acessar tais valores de uso, o bara- teamentodeváriosdessesprodutos,antesbenssuntuários,equepassaram à condição de bens de consumo necessário, alterando o elemento histó- rico-moral do valor da força de trabalho, embora sem que a remuneração recebidatenhaacompanhadooaumentodovalordaforçadetrabalhonesse seu componente. Quarto, nubla o verdadeiro significado de classe social, aoseateràdefiniçãodeestratosderendaepotencialdeconsumo.Éoque tornalícitaafirmaçãotãoesdrúxulacomo:“anovaclassemédiatambéméa classedominante,dopontodevistaeconômico,poisjáconcentra46,6%do poderdecompradosbrasileirosem2011,superandoasclassesAeB,estas com45,6%dototaldopoderdecompra”(Neri,2011,p.29).Eprocurajus- tificá-ladesdeoprincípio,descartandoaanálisedeclassesocialapartirdo antagonismocapital-trabalho: ossociólogospodemrelaxar,poisnãoestamosfalandodeclassessociais(opera- riado,burguesia,capitalistasetc.),masdeestratoseconômicos.Leia-sedinheiro nobolso,queseria,segundooseconomistas,apartemaissensíveldaanatomia humana(Neri,2011,p.29). Na contramão dessa perspectiva, nosso pressuposto considera que a partemaissensíveldaanatomiahumanaéacondiçãodeserquetrabalhae que,nasociedaderegidapelarelação-capital,temasuacorporeidadeviva, asuaforçadetrabalho,submetidaaovalor-capital,oqualétrabalhomorto, riquezaapropriadasobreabasedaexploraçãodotrabalhovivo,quegerao valor,sendoodinheiro,porsuavez,formaouexpressãomonetáriadovalor. A seguir, passaremos à exposição da categoria da superexploração da forçadetrabalhoecomoestaseverificanoBrasildaúltimadécada,através dassuasdiferentesformas. Acategoriasuperexploraçãodaforçadetrabalho AcategoriadasuperexploraçãodaforçadetrabalhofoielaboradaporRuy Mauro Marini para dar conta de explicar o fundamento da dependência comomodalidadesuigenerisdocapitalismo.Elapodeserentendidacomo umaviolaçãodovalordaforçadetrabalho,sejaporqueaforçadetrabalho Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 172 MathiasSeibelLuce épagaabaixodoseuvalor,sejaporqueéconsumidapelocapitalalémdas condições normais, levando ao esgotamento prematuro da força vital do trabalhador(Marini,2005[1973];2000[1978];Osorio,1975;2009;noprelo).4 Nacondiçãodesuperexploração,ocapitalseapropriadofundodeconsumo e/oudofundodevidadotrabalhador.Asuperexploraçãosepodedarme- diantequatroformasoumodalidades:aremuneraçãodaforçadetrabalho porbaixodoseuvalor(conversãodofundodeconsumodotrabalhadorem fundodeacumulaçãodocapital);oprolongamentodajornadaimplicandoo desgasteprematurodacorporeidadefísico-psíquicadotrabalhador;oau- mento da intensidade do trabalho provocando as mesmas consequências, com a apropriação de anos futuros de vida e trabalho do trabalhador; e, finalmente,oaumentodovalordaforçadetrabalhosemseracompanhado peloaumentodaremuneração.5 Naprimeiraenaúltimaforma,ocapitalatentacontraofundodecon- sumodotrabalhador.Nasduasoutras,contraofundodevida.Istoremete àquestãodovalordaforçadetrabalhoeàsespecificidadesdocapitalismo dependente,quelevaramMariniapensarnanecessidadedeumanovacate- goriaparadarcontadeexplicá-lo.AgrandedescobertadeMarx,escreveu EngelsnoprefácioaoLivroIIdeOcapital,foidemonstrarquenãoéotra- balho que é vendido como mercadoria, mas a força de trabalho, e como e porqueotrabalhoconstituivalor.Superandoateoriaricardiana,Marxdeu aconhecerque,mesmosendoaforçadetrabalhopagapeloseuvalor,havia exploração(Engels,1983).Poroutrolado,Marxnãodesconheciaapossibi- lidadedeocapitalremuneraraforçadetrabalhoabaixodoseuvaloroude consumi-laalémdascondiçõesnormais:“autilizaçãodeminhaforçadetra- balhoeaespoliaçãodelasãoduascoisastotalmentediferentes”(Marx,1983, p. 189).6 No entanto, essa colocação não ocupou sua atenção de maneira mais detida em O capital, dado o nível de abstração que presidia seu ra- ciocínioali.Orecém-expostoéoquejustificaoprocedimentodeMarinide criarumanovacategoriadeanálisenoâmbitodomarxismo:“éoconceito desuperexploraçãojustamenteoquevemapreencheressevazioteóricona análisedaexploraçãocapitalista”7(Osorio,1975, p.7,traduçãonossa).De acordocomOsorio,odesdobramentoulteriordacategoriadasuperexplo- raçãodesenvolvidaporMarinipassapelareflexãoemtornodofatodequea forçadetrabalhopossuiumvalordiárioeumvalortotal8eque,nocapitalismo dependente,ambostendemaserviolados,transgredidos,demaneirasiste- mática,comomecanismopraticadonaseconomiassubmetidasaoimperia- lismoparacompensarastransferênciasdevalorquesãoapropriadasporeste último.Examinarcomosedãoascondiçõesdeexploraçãoesuperexplora- çãoemcadamomentohistóricopassaaser,portanto,umprocedimentoteó- ricopossívelenecessárioparaacríticadessatendênciaestruturalquemarca asrelaçõesdeproduçãoemeconomiasdependentes,comoéocasodoBrasil. Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 Brasil:novaclassemédiaounovasformasdesuperexploraçãodaclassetrabalhadora? 173 Pagamentodaforçadetrabalhoabaixodoseuvalor Nahistóriadasociedadecapitalista,oestabelecimentodeumvalornormal daforçadetrabalhofoiduplamenteumdesdobramentodalógicainternado capitaledosconflitosentreosantagonistashistóricoscapitaletrabalho.O própriofatodeocapitalseconfrontarcomotrabalhoemdoismomentos, primeirocomooprodutordovalor,depoiscomoconsumidor,levouaque a burguesia, a partir de determinada conjuntura histórica, tivessse de re- conhecer um certo patamar como o valor normal da jornada de trabalho, comaregulamentaçãodolimitedajornadadetrabalho,alegislaçãosobre saláriomínimoeoutroselementosdosdireitoslaboraisquepassaramaex- pressarascondiçõesparaqueostrabalhadoresreproduzissemnormalmente suaforçadetrabalho,suasprópriascondiçõesdevidaeasdesuafamília. Afinal,ocapitalpassavaarequererqueostrabalhadorescomparecessemna segundafasedacirculação,noprocessoderealizaçãodocapital(Osorio,no prelo).Aomesmotempo,foramnecessáriasduraslutas(movimentocartista, greves,fundaçãodaAssociaçãoInternacionaldosTrabalhadoresetc.)para quefosseestabelecidaumajornadanormaldetrabalhoeumaremuneração mínimacondizente. Comotodasascategoriasnomarxismo,ovalordaforçadetrabalhoéuma categoriahistóricaerelacional.SenoséculoXIXumajornadade10horasfora otetoquefigurounalegislaçãolimitandoaduraçãodajornadaconquistada em1847naInglaterra,em1919arecém-criadaOrganizaçãoInternacionaldo Trabalho(OIT)estabeleciaemsuaprimeiraconvençãoqueajornadanormal deveriaserde48horassemanaise8horasdiárias,patamaremtornodoqual ajornadanormaldetrabalhotendeuaseestabilizaraolongodoséculoXX. Paralelamente,umconjuntodeatributospassouacomporaremuneraçãodo trabalhadorcomocontrapartenecessáriaparaqueaforçadetrabalhofosse pagapeloseuvalor(saláriomínimo,fériasremuneradas,13.ºsalárioetc.). NoBrasil,umparâmetroparaavaliararemuneraçãodaforçadetrabalho emcondiçõespróximasdoseuvaloréosaláriomínimonecessário(SMN). Calculado a partir de 1970 pelo DIEESE, em séries históricas retroativas a 1940,oSMNtomaemconsideraçãonãoapenasosaláriomínimolegalnocom- parativocomainflação,masosalárioquedeveriaexpressaraquantianeces- sáriapara“cobrirosgastoscommoradia,alimentação,educação,saúde,lazer, vestuário,higiene,transporteeprevidênciasocial”.Ouseja,aquantidade devaloresdeusonecessáriaparaaforçadetrabalhosereproduziremcon- diçõesnormais,chegandoassima“umaestimativadequantodeveriasero saláriomínimoparaatenderàdeterminaçãoconstitucional”(DIEESE,2009). ParacalcularoSMN,oDIEESEproduzolevantamentodopreçomédio dos 13 produtos alimentares que constam do decreto-lei n. 399/1938 e nas quantidades especificadas por este. Após, é calculado o gasto mensal Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 174 MathiasSeibelLuce agregadodecadaumdosprodutos.Considerandoaunidadefamiliartípica comocompostaemmédiapordoisadultoseduascriançaseoconsumode umacriançacomooequivalenteàmetadedeumadulto,multiplica-sepor três o preço mensal da cesta básica do DIEESE e o resultado é novamente multiplicado,agorapelopesodainflaçãonaporcentagemqueaalimentação representaentreosgastosessenciaisdeumafamílianoroldosdemaisitens avaliadospeloÍndicedoCustodeVida(ICV)equeentramtambémnacesta deconsumodoSMN.Combasenesseresultado,produz-seasériehistórica apreçoscorrentesdoanoemconsideração,buscandotraçaraevoluçãodo poder de compra do salário mínimo legal em relação à quantidade e aos tiposdevaloresdeusoreconhecidoscomonecessáriosparaumtrabalhador sustentarasipróprioeasuafamília. ObservandoasériedoSMNnacomparaçãocomosaláriomínimolegal, verifica-se uma tendência histórica de queda abrindo uma fissura entre o primeiro e o último. Na Tabela 1, tomando 1940 como ano-base, temos o índicedoSMNparaoperíodo1940-2007. Tabela1 Brasil.Saláriomínimonecessário.Sériehistórica.1940=100 Ano Númeroíndice Ano Númeroíndice Ano Númeroíndice Ano Númeroíndice 1940 100,00 1957 125,12 1974 55,58 1991 30,99 1941 91,15 1958 108,85 1975 58,05 1992 26,59 1942 81,83 1959 121,85 1976 57,67 1993 29,96 1943 73,98 1960 102,32 1977 60,10 1994 25,29 1944 84,86 1961 113,77 1978 61,92 1995 25,02 1945 68,38 1962 103,87 1979 62,52 1996 25,42 1946 60,00 1963 91,31 1980 63,02 1997 25,82 1947 45,84 1964 94,35 1981 64,62 1998 27,08 1948 47,82 1965 90,98 1982 67,35 1999 27,19 1949 43,03 1966 77,56 1983 57,23 2000 27,96 1950 40,64 1967 73,37 1984 53,08 2001 30,27 1951 37,53 1968 71,80 1985 54,31 2002 30,88 1952 100,76 1969 69,16 1986 51,37 2003 31,32 1953 82,99 1970 70,32 1987 37,03 2004 32,49 1954 100,87 1971 67,29 1988 38,99 2005 34,99 1955 113,28 1972 66,09 1989 41,52 2006 40,44 1956 115,08 1973 60,56 1990 29,67 2007 42,59 Nota:ano-base=1940. Fonte:CalculadoemnúmerosíndiceapartirdeCepal,PNUDeOIT(2008),comdadosdeDIEESE. Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 Brasil:novaclassemédiaounovasformasdesuperexploraçãodaclassetrabalhadora? 175 Osanos1957a1959correspondemaoperíododepicodoSMN,quando esteestevecercade20%acimadopoderdecompraoriginalerepresentando quatrovezesopoderdecompraqueassumiriaosaláriolegalpraticadoem 2002.9Em2011,osaláriomínimocorrenteapresentavamenosdametadedo poderdecompranacomparaçãocomoanodesuacriação.Essaanáliseco- lidecomaaparênciadequehaveriaocorridorecordenoaumentodosalário mínimoreal,comoafirmaodiscursooficial.Istoocorreporque,paraateo- ria hegemônica, salário real significa poder de compra do salário nominal (oresultadodadivisãodosalárionominalpeloíndicegeraldepreços).Na Tabela 2, temos o reajuste do salário mínimo oficial praticado nos anos 2003-2010. Tabela2 Reajustedosalário-mínimooficial.2003-2010 Período SaláriomínimoR$ Reajustenominal% INPC% Aumentoreal% Abrilde2002 200,00 Abrilde2003 240,00 20,0 18,54 1,23 Abrilde2004 260,00 8,33 7,06 1,19 Abrilde2005 300,00 15,36 6,61 8,23 Abrilde2006 350,00 16,67 3,21 13,04 Abrilde2007 380,00 8,57 3,30 5,10 Marçode2008 415,00 9,21 4,98 4,03 Fevereirode2009 465,00 12,05 5,92 5,79 Janeirode2010 510,00 9,68 3,45 6,02 Totalperíodo - 155,00 65,93 53,67 Fonte:DIEESE(2010,p.3). Aindaquereconheçamosqueopoderdecompradosaláriomíni- morealnosentidohegemônico(osalárionominalmaisreajustesem relaçãoàinflaçãodoperíodo)tenhaapresentadomelhorarelativanos anosLulaeDilmanacomparaçãocomosanos1990,adiscussãonão poderestringir-seaoterrenosuperficialdacomparaçãosaláriomíni- mooficialeinflação.Seformosmaisafundoeentendermos,conforme ateoriamarxistadadependência(TMD),quesaláriorealsignificaa relaçãodosaláriocomovalordaforçadetrabalho,veremoscomoopro- paladoaumentorecordedosaláriomínimoestevelongederecuperar Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 176 MathiasSeibelLuce asperdasanteriores,comosevêaoconfrontarmososíndicesdoreajustedo saláriomínimolegalcomasériehistóricadosaláriomínimodoDIEESE(salá- riomínimonecessário).Aindaéraroencontrarmosanálisesquedesvelem essefundamento.10 Hoje em torno de R$ 2.617,00 (outubro de 2012), o SMN equivale a maisdequatrovezesosaláriomínimovigentedeR$622,00.11Seosalário nãoalcançaaquantiasuficienteparaotrabalhadorreporodesgastedesua forçadetrabalho,estaremosdiantedasuperexploração.Istosignificaquea forçadetrabalhoestásendoremuneradaabaixodoseuvalor.Umaobjeção quepoderiaserfeitaàafirmaçãoanterioréqueosaláriomínimopraticado tomariacomoreferênciaaremuneraçãomínimaparaumadultodafamília sesustentarequehojetantoohomemcomoamulhertrabalhamemtroca desalário,aopassoqueàépocadaimplementaçãodalegislaçãodosalário mínimo (década de 1940) – que o DIEESE utiliza como parâmetro para o SMN–omaistípicoeraqueapenasohomemexercessetrabalhoassalariado. Ora,talafirmação,antesquedeporcontraoargumentopornósutilizado, reforça-o. O fato de hoje, em muitas famílias da classe trabalhadora bra- sileira, nem o salário do marido e da esposa somados alcançarem o pata- marconsideradocomoremuneraçãonormalevidenciaoquantoatendência observadaexpressaumaviolaçãodovalordaforçadetrabalho. SegundodadosdaPesquisaNacionalporAmostradeDomicílio(PNAD), de 2011, do total dos trabalhadores brasileiros ocupados, 23,6% recebem até1saláriomínimo;22,4%,de1a2saláriosmínimos;e9,0%,de2a3salá- riosmínimos.Somandoessastrêsfaixasderendimentodotrabalho,consta- ta-seque55%dapopulaçãotrabalhadorarecebeaté3saláriosmínimos.12 Considerando que o salário mínimo fixado para o ano de 2011 foi de R$ 545,00equeoSMNemdezembrode2011equivaliaaR$2.329,00apreços de então, mais da metade dos trabalhadores brasileiros recebiam remune- raçãoentre4,27e1,42vezesabaixodoSMN.Estipulandocomomédiados doisprimeirossegmentosmencionadosaremuneraçãode1saláriomínimo emeio,45%receberamsalário2,85vezesinferioraoSMN.Esseéumdado maisfidedignoqueosimplescálculodorendimentomédiomensaldocon- juntodaspessoasocupadas,quetendeaencobrirosbaixosníveisderemu- neraçãoaoincluirnaestatísticaacomposiçãocomossaláriosmaiselevados. Secruzarmosessesdadoscomodageraçãodeempregosformaisnadé- cada de 2000 no país, dos quais 95% são de até 1 salário mínimo e meio (Pochmann,2012,p.19),istoé,atéR$933,00apreçoscorrentes,veremos que tanto o reajuste do salário mínimo como a criação de empregos com carteira assinada não apontam no sentido de uma alteração das precárias condiçõesdevidaetrabalho. Aseguir,examinaremoscomo,mesmoqueaforçadetrabalhofossepaga peloseuvalor,existemmecanismosquepermitemaocapitalapropriar-sedo Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 Brasil:novaclassemédiaounovasformasdesuperexploraçãodaclassetrabalhadora? 177 fundodevidadotrabalhador,tornandoaindamaiscomplexaenecessáriaa tarefadacríticaradicaledaslutaspelaemancipaçãodotrabalhodopoder despóticodocapital. Prolongamentodajornadadetrabalho Entre2003e2009,emmédia40%dostrabalhadoresbrasileiroscumpriram jornadassemanaisacimade44h,istoé,superioresàjornadanormaldetra- balho.Nasregiõesmetropolitanas,25,5%tiveramjornadassemanaisde49h oumais(Luce,2012).Seolimiardajornadanormaldetrabalhoestásendo ultrapassado,éporqueestamosdiantedecondiçõesdesuperexploraçãome- dianteprolongamentodajornadadetrabalho,implicandoqueocapitalse apropriedeanosdevidafuturosdotrabalhador.NaTabela3,temososdados dosassalariadosquetrabalharamacimadajornadalegalporsetordaecono- mia,naRegiãoMetropolitanadeSãoPaulo. Tabela3 Assalariadosquetrabalhammaisdoqueajornadalegal(1)porsetordaeconomia.RegiãoMetropolitana deSãoPaulo(%) Ano Indústria Comércio Serviços(2) 1990 34,8 49,9 32,2 1991 38,3 53,6 33,5 1992 36,7 53,0 34,3 1993 38,7 55,3 32,6 1994 39,8 54,4 33,2 1995 42,5 55,2 35,8 1996 41,4 55,2 36,8 1997 42,2 56,0 37,3 1998 37,9 57,5 36,5 1999 40,7 59,1 38,2 2000 44,4 61,1 39,5 2001 43,4 59,2 38,2 2002 44,1 62,2 38,8 2003 43,2 60,6 39,2 2004 42,4 59,1 38,0 2005 38,8 56,6 36,5 2006 36,7 55,0 35,2 Nota:(1)Apartirdenovembrode1988,ajornadalegalpassoude48para44horas.(2)Excluiserviçosdomésticos. Fonte:Marques,CapelaseHuertasNeto(2010,p.223),comdadosdePesquisadeEmpregoeDesemprego(PED). Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013 178 MathiasSeibelLuce Emtodosossetores,nacomparação1990-2006,seelevouopercentualde trabalhadoresquetêmdesesubmeterajornadassuperioresàjornadalegal. A leve queda observada após os anos de pico na duração da jornada – os quaisregistraram44,4hparaaindústria,em2000;60,6hparaocomércio, em2003;39,2hparaosserviços,em2003–nãofezcomquefosserecupera- doopatamardasjornadasexistentesem1990.Enocomércioenosserviços houveelevaçãode12%e10%,respectivamente,entre1990e2006,sendo quenocomérciochegouaestar20%maiselevadanoanodepicodasérie históricaconsiderada(oanode2003).Arealidadepodeserdejornadasinclu- siveaindamaisextensas.Asestatísticasarespeitodaduraçãodajornadade trabalho registram a jornada do trabalhador em sua ocupação principal. Mas, segundo a PNAD 2008 (apud Prieb, 2011), 4,2 milhões de trabalha- doresdeclararamprecisarexercerdoisoumaisempregosparasobreviver, númeroquetendeasermaior,considerandoosnão-declarados. Queimplicaçõestemofatodequeemramoscomocomérciocercade60% dostrabalhadorestrabalhamalémdolimitedajornadanormalsemanal?E quenosetordeserviços,ondeseconcentrouageraçãodeempregosformais naúltimadécada,38%cumpremjornadasacimadaduraçãonormal?Opro- longamentodajornadadetrabalhoporanosreiterados,medianteousosiste- máticodehorasextras,atingeummomentoque,mesmocomopagamento deremuneraçãoadicionalpelashorastrabalhadasalémdajornadanormal, umamaiorquantiadevaloresdeusonãobastaráparareporodesgastede suacorporeidadeviva.Ocapitalestaráseapropriandodofundodevidado trabalhador(Osorio,1975;2009;noprelo). Como expressão superestrutural da superexploração nas duas formas vistasatéaqui,podemosmencionaralgumasmedidasadotadaspeloEstado sancionandoaviolaçãodovalordaforçadetrabalho:(1)bancodehoras;13 (2)aberturadocomércioaosdomingos;(3)flexibilizaçãodaCLTautorizando a venda de 1/3 das férias; (4) flexibilização da CLT, mediante portaria do MinistériodoTrabalhoeEmprego(MTE),facultandonegociarreduçãode 50%dohoráriodealmoço. Nostermosdaportariade20demaiode2010,doMTE,publicadaao finaldosegundomandatodogovernoLula,ficapermitidaareduçãopelame- tadedohoráriodealmoçodostrabalhadores,de1h,estabelecidopelaCLT, quando houver acordo entre sindicato e entidade patronal. Tal medida é umaamaisdentreasquevêmseperfilandonosentidodeumaflexibiliza- çãodascondiçõesdetrabalhoparaproveitodocapital,comoforaodecre- to-lein.1535,de1977,queliberouavendade1/3dasférias,etantasoutras levadasacabonosanos1990e2000.Dopontodevistadocapital,reduzir osporosdajornada–sejaajornadadiária,sejaajornadaanual–demodo aexigirdotrabalhadormaiordispêndiodesuaforçavivasemincorrerem custos adicionais para contratação de novos empregados consiste de um Trab.Educ.Saúde,RiodeJaneiro,v.11n.1,p.169-190,jan./abr.2013

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.