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ataques indiscriminados em conflitos armados não internacionais PDF

29 Pages·2015·0.35 MB·Portuguese
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ATAQUES INDISCRIMINADOS EM CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS: UMA ANÁLISE JURÍDICA** Frank Dumas de Abreu Marinho* RESUMO Este artigo objetivou identificar as regras do Direito Internacional Humanitário (DIH) que proíbem os ataques indiscriminados, em conflitos armados não internacionais. A partir do campo de aplicação do DIH, pode se conceituar o conflito armado não internacional (CANI). Foi necessário identificar os fatores indicativos de CANI, ensejando a discussão sobre os ataques indiscriminados. Fez-se, então, a análise das regras do DIH que proíbem esses ataques, concluindo que o art. 3º comum às Convenções e o II Protocolo Adicional às Convenções, ambos aplicáveis aos conflitos internos, não dispõem sobre essa vedação, mas que o direito costumeiro proíbe, diante dessa lacuna, os ataques indiscriminados. Palavras-Chave: Direito Internacional Humanitário. Conflitos armados não internacionais. Ataques indiscriminados. Direito costumeiro. RÉSUMÉ Cet article a eu l’objectif d’identifier les règles du Droit International Humanitaire (DIH) qui interdisent les attaques sans discrimination, dans les conflits armés non internationaux. Dès le champ d'application du DIH, on a pu conceptualiser le conflit armé non international (CANI). Il était nécessaire d'identifier les éléments matériels du CANI et son environnement dans la guerre, permettant la discussion des attaques sans discrimination. Puis on a fait une analyse des règles du DIH qui interdisent ces attaques-ci, concluant que l'article 3 commun aux Conventions et le Protocole II additionnel aux Conventions, tous les deux applicables aux conflits internes, ne prévoient pas cet interdiction, mais que le droit coutumier interdit, en face de cet écart, les attaques sans discrimination. Mots-Clés: Droit International Humanitaire. Conflits armés non internationaux. Attaques sans discrimination. Droit coutumier. 1 INTRODUÇÃO * Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho; Ex-Instrutor de DIH da Escola de Comando e Estado- Maior da Aeronáutica; e Professor visitante do Curso de Mestrado da Universidade da Força Aérea. Na segunda década do século XXI, observa-se no mundo a ocorrência de diversos conflitos armados, com destaque para os conflitos de índole não internacional ou conflitos internos denotando uma tendência dos enfrentamentos bélicos modernos, enredados em guerras assimétricas que possuem ambiente operacional geralmente urbano, sem a existência de um campo de batalha clássico, onde as partes contendoras entrechocavam-se. Não foi outra a abordagem do Expert Meeting – Explosive Weapons in Populated Areas: Humanitarian, Legal, Technical and Military Aspects (EXPERT..., 2015) – , promovido pelo Comitê Internacional da Crua Vermelha (CICV) em 2015, para debater os desafios e as oportunidades potenciais na escolha dos meios e métodos de guerra, com vista a minimizar os danos colaterais, quando um legítimo alvo é atacado em área povoada. Sob o olhar atento da mídia internacional, ataques dirigidos contra concentrações urbanas são revelados quase diariamente, principalmente no Oriente Médio. Independentemente do fato motivador ou deflagrador (casus belli), Síria, Iraque e Iêmen são países afundados em guerras, que expõem aspectos das hostilidades, provocadores de perplexidade na opinião pública internacional: as baixas excessivas de civis nas áreas conflagradas. Notadamente, ocorridas em regiões densamente povoadas, essas perdas de vidas humanas decorrem, supostamente, de ataques proibidos, que a lei internacional denominou como indiscriminados. Enquanto este trabalho é desenvolvido, a mídia internacional divulga a realização de um bombardeio contra um hospital dos Médicos sem fronteiras, ocorrido no dia 3 de outubro de 2015, em Kunduz, no norte do Afeganistão, acarretando a morte de pelo menos 19 pessoas (ONU..., 2015). Diante de fenômenos dessa natureza, com o qual a comunidade internacional defronta-se, restou uma inquietação que levou a um problema teórico-jurídico: quais são as regras do Direito Internacional Humanitário que proíbem os ataques indiscriminados, nos conflitos armados não internacionais? Para responder a essa indagação este artigo cuidou, na seção 2, do conceito de Direito Internacional Humanitário (DIH) e de outros aspectos importantes para edificação dos pilares jurídicos que foram articulados, em especial o campo de aplicação do direito. 2 Na seção seguinte, estudou-se o conflito armado não internacional, focalizando, entre outros vieses, o procedimento de classificação dos conflitos armados não internacionais (CANI) e o seu ambiente operacional. Sendo possível identificar um CANI, passou-se ao exame dos ataques indiscriminados. Inicialmente, pela abordagem dos princípios reitores do DIH, para entender-se o fundamento das normas proibitivas. Por fim, fez a análise das fontes do DIH para identificar aquelas que vedam a prática de ataques indiscriminados em contendas internas. 2 DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO Diz Peytrignet (1996) que dissertar sobre o direito humanitário conduz a inevitável referência às guerras, à violência armada e aos enfrentamentos diversos, fenômenos que marcam a história da humanidade e representam uma expressão da natureza do ser humano, nas relações entre grupos sociais organizados, povos e nações. Entretanto, afirma que a história universal gerou inúmeros esforços e tentativas para criar limitações ao uso da força e para proteger o ser humano, reduzindo os sofrimentos advindos da guerra, bem como evitando danos e perdas humanas e materiais inúteis. Nesse contexto, o DIH, também chamado de Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA)1, surge, nas palavras de Swinarski (1997), como um conjunto de normas internacionais, de caráter convencional ou costumeiro, dedicado por razões humanitárias, durante os conflitos armados de índole internacional ou não internacional, a limitar o direito dos beligerantes de escolher livremente meios e métodos empregados na guerra e a proteger as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados pelo conflito. Essa concepção expressa estruturas importantes do regramento dos conflitos armados: as fontes de direito, o âmbito de aplicação, a finalidade, os direitos dos contendores e as proteções das pessoas envolvidas. 1 Pictet (1986 apud Mello, 1997, p. 143) afirma que a denominação de Direito Internacional Humanitário foi adotada pela maioria da doutrina, mas reconhece a Organização das Nações Unidas prefere usar a de direito dos conflitos armados. 3 2.1 Fontes de convencionais de DIH O DIH deriva das convenções firmadas pelos Estados Partes e dos usos e costumes da guerra. Em síntese, pode-se dizer que o direito convencional divide-se em direito de Genebra, direito de Haia e direito de Nova York. O direito de Genebra consagra as regras protetoras das vítimas da guerra. O direito de Haia, as relativas aos meios e métodos de guerra (à própria condução da guerra). Já o direito de Nova York aparece, em decorrência da evolução da codificação do DIH, com algumas iniciativas das Nações Unidas em matéria de direitos humanos, aplicáveis em conflitos armados, e com a adoção de convenções relacionadas à limitação ou à proibição de certas armas convencionais (PEYTRIGNET, 1996). O direito de Genebra, formado primariamente pelos tratados celebrados em 1949, denominados Convenções de Genebra (I, II, III e IV), tem como escopo a melhoria da sorte dos feridos e enfermos dos exércitos em campanha; a melhoria da sorte dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas no mar; o tratamento dos prisioneiros de guerra; e a proteção dos civis em tempo de guerra. Acrescenta-se, ainda, o desenvolvimento dessa matéria trazido pelos dois Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções. O primeiro ocupa-se da proteção das vítimas nos conflitos armados internacionais e o segundo, nos não internacionais (MELLO, 1997). O direito de Haia compreende as convenções de 19072. O direito de Nova York resta consolidado pela Convenção de 19803 sobre a proibição ou a limitação do emprego de certas armas convencionais que podem ser consideradas excessivamente lesivas ou geradoras de efeitos indiscriminados. Vinculados a este tratado, vários protocolos foram anexados, regendo o uso de determinados armamentos. O Protocolo I, por exemplo, proíbe a utilização de armas cujos fragmentos não sejam detectados por 2 Sobre o tema Mello (1997) entende que o advento dos protocolos de 1977 fez desaparecer a distinção entre o direito de Genebra e o de Haia, pois o primeiro protocolo regulamentou a guerrilha e os meios e métodos de combate que eram versados pelo direito de Haia. Nesse sentido, também argumenta Peytrignet (1996), ao asseverar que a quase totalidade das disposições das convenções de Haia incorporaram-se ao direito de Genebra, mediante adaptação e modernização, e encontram-se no I Protocolo Adicional às Convenções. 3 Cabe lembrar que Peytrignet (1996) destaca que outras iniciativas das Nações Unidas contribuíram para a formação do direito de Nova York. Nessa linha, Bierrenbach (2011, p. 95) informa que “[...] com o final da guerra fria, o CSNU passou incluir em sua agenda temas relativos ao DIH. Aprovou resoluções sobre a proteção de civis em conflitos armados, de crianças em conflitos armados, e sobre mulheres, paz e segurança”. Swinarski (1997) dá destaque à Resolução 2444 (XXIII), intitulada Respeito aos Direitos Humanos em Período de Conflito Armado, pois marcou o interesse das Nações Unidas sobre o assunto. 4 radiografia. Tais anexações conferem a essa convenção o status de umbrela agreement (MELLO, 1997). 2.2 Fontes costumeiras de DIH O costume internacional é uma prova de prática geral aceita como direito, nos termos do art. 38, alínea b do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE). A leitura feita por Silva e Accioly (2002) desse dispositivo legal indica que o direito costumeiro apresenta-se como uma fonte jurídica. Da mesma forma entende Bugnion (2007), que completa dizendo que tal fonte presta-se à criação de normas regentes das relações dos sujeitos na ordem internacional, principalmente, das relações entre os Estados. Nessa linha de raciocínio, os usos e os costumes de guerra surgem como fonte do DIH, uma vez que possuem eficácia jurídica própria, consoante a lição de Peytrignet (1996) que consigna a substância consuetudinária do direito humanitário, válida, de acordo com a Corte Internacional de Justiça, até para os Estados que não signatários de determinadas convenções. Logo, se o DIH funciona como uma regulação da conduta de guerra e um regramento de proteção às vítimas de guerra, nas palavras de Swinarski (1997). Depreende-se que o direito internacional consuetudinário rege essas condições independentemente de formalidade convencional. A denominada cláusula Martens, ínsita na Convenção de Haia de 1907, indica, também, a normatividade jurídica das regras consuetudinárias ou costumeiras, ao preconizar que, na ausência de regulação das práticas relacionadas aos meandros dos conflitos armados, as populações e os beligerantes permanecem sob a garantia e o regime dos princípios dos Direito das Gentes preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública. Significa dizer, segundo Bierrenbach (2011, p. 89), que “[...] nem tudo o que não era proibido era permitido. Em casos de lacunas legais, deveria prevalecer o princípio da humanidade4”. 4 Na introdução do seu manual sobre condução das hostilidades, o CIVC (2001) propugna que os tratados, que regem a condução das hostilidades, e o direito consuetudinário internacional, que obriga a todos os Estados, estão fundados em dois princípios relacionados entre si: o de necessidade militar e o de humanidade, que, juntos, significam que são apenas permitidas ações necessárias para derrotar o inimigo e que estão proibidas às que causam sofrimentos ou perdas supérfluas. 5 O sentido da cláusula Martens foi reproduzido, mais recentemente, nas Convenções de Genebra de 1949 (MELLO, 1997), nos seus protocolos adicionais e na convenção sobre certas armas convencionais de 1980 (PEYTRIGNET (1996), consagrando a força jurídica que é inerente às normas costumeiras, nos seguintes termos: Nos casos não previstos pelo presente Protocolo ou por outros acordos internacionais, os civis e os combatentes ficarão sob a proteção e a autoridade dos princípios de direito internacional, tal como resulta do costume estabelecido, dos princípios humanitários e das exigências da consciência pública. (CICV, 1998). Nesse contexto, Mello reforça a ideia fazendo um alerta (1997, p. 147): [...] este dispositivo hoje é de um certo modo redundante, vez a prática internacional considera as normas aí consagradas como costumeiras, ou ainda, de jus cogens, significando que elas existem e continuarão a existir independente de norma convencional”. No julgamento perpetrado, no Tribunal Penal para ex-Iugoslávia, em face de Stanislav Galić, o direito internacional consuetudinário serviu para preencher as lacunas5 ensejadas pelos tratados internacionais de DIH (UNITED NATIONS, 2006)6. Indubitavelmente, fica evidenciada a eficácia jurídica dos costumes nessa matéria. Dado o exposto, o CICV, em razão de mandato conferido pela XXVI Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, empreendeu estudo para realizar o levantamento das práticas de guerra, com o intuito de identificar a composição do denominado Direito Internacional Humanitário Costumeiro7 (DIHC). Vale dizer que se buscou pormenorizar os usos e os costumes de guerra, que cumprem a função de reger a condução das hostilidades e de proteger as vítimas dos conflitos. Entende Kellenberger (2006) que o citado trabalho é uma fotografia tão rigorosa quanto possível do DIHC, haja vista as circunstâncias: de regular juridicamente as partes em conflitos armados, mesmo aquelas que abstiveram de celebrar certas convenções; de responder às necessidades de proteção, relacionadas aos conflitos 5 Sobre as lacunas do direito convencional, Bugnion (2007, p. 8) explica que “En ce qui concerne le droit des conflits armés, on constate cependant qu’il existe souvent un abîme entre les besoins de protection qu’engendrent certains conflits et les dispositions conventionnelles qui visent à protéger les victimes de ces mêmes conflits. C’est dans ce sens-là seulement que nous parlons de lacunes en droit des conflits armés” 6 “This is because in most cases, treaty provisions will only provide for the prohibition of a certain conduct, not for its criminalisation, or the treaty provision itself will not sufficiently define the elements of the prohibition they criminalise and customary international law must be looked at for the definition of those elements” (UNITED NATIONS, 2006, P. 38). 7 Une étude du droit international humanitaire coutumier peut aussi être utile pour réduire les incertitudes et les ambiguïtés potentielles inhérentes à la nature même du droit international coutumier (HENCKAERTS; DOSWALD-BECK, 2006) 6 armados não internacionais que foram minimamente regulamentados; e, por fim, de contribuir para a interpretação dos tratados. Já foi dito que costume internacional é a prática aceita como direito. O trabalho, acima mencionado, feito por Henckaerts e Doswald-beck (2006) foi concebido com o pressuposto de que a existência do DIHC exige dois elementos: a prática8 dos Estados e a opinio juris, ou seja, a convicção de que essa prática (proibida ou autorizada) decorre de uma regra jurídica. 2.3 Âmbito de aplicação do DIH O DIH tem sua eficácia jurídica acionada quando, se somente se, houver deflagração de um conflito armado, seja de índole internacional, seja de caráter não internacional, conforme depreende-se das Convenções de Genebra e de seus protocolos adicionais (CICV, 1992). Em síntese, segundo os comentários, feitos pelo Comité international de la Croix- Rouge (CICR), ao artigo 2º comum às Convenções de Genebra de 1949, um conflito armado internacional (CAI) decorre de qualquer controvérsia entre dois Estados que leve à intervenção das forças armadas, mesmo que uma das Partes negue a existência do estado de guerra, não importando a duração do conflito ou quanta mortandade ocorra (CICR, 1952). Outra abordagem conceitual, mais recente, preconiza que um CAI existe sempre que houver recurso à força armada entre Estados9, nos termos da decisão do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia (TPII), no caso Tadic, conforme mencionado pelo CICV (2008) que destaca que essa definição vem sendo adotada por outros organismos internacionais. 8 Segundo a metodologia empreendida pelo estudo, as práticas dos Estados foram observadas nos atos verbais (manuais militares, legislação nacional, jurisprudência nacional, doutrina militar, manifestações diplomáticas, assessoramentos jurídicos oficiais etc.) e nos atos materiais (comportamento no campo de batalha, emprego de certas armas e o tratamento concedido às categorias de pessoas envolvidas no conflito) (HENCKAERTS; DOSWALD-BECK, 2006). 9 Há que se recordar que no Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra estão incluídos, na categoria de CAI, os conflitos armados em que os povos lutam contra a dominação colonial, a ocupação estrangeira e os regimes raciais, no exercício do direito dos povos à autodeterminação (CICV, 1998). 7 Já um CANI10, nos termos conclusivos do CICV (2008, p. 6, grifo do autor), resta assim definido: Conflitos armados não internacionais são confrontos armados prolongados que ocorrem entre forças armadas governamentais e forças de um ou mais grupos armados, ou entre esses grupos, que surjam no território de um Estado [parte das Convenções de Genebra]. Os confrontos armados devem atingir um patamar mínimo de intensidade e as partes envolvidas no conflito devem apresentar um mínimo de organização. Dessa feita, o âmbito de aplicação do DIH será somente durante CAI ou CANI. 3. CONFLITO ARMADO NÃO INTERNACIONAL A acepção dada a este conflito, consoante o art. 3º comum às Convenções de Genebra e o seu Protocolo II adicional (GPII), traz algumas questões jurídicas interessantes, que serão discutidas na seção 5. Nesta oportunidade, serão estudados os elementos materiais que caracterizam o CANI, propiciando a classificação adequada do conflito perante o DIH. 3.1 Primazia do fato Um aspecto relevante que carece de discussão refere-se à classificação de um conflito armado, pois da sua revelação depende a aplicação de determinado sistema de proteção específico do DIH. A classificação de um estado de beligerância, segundo Swinarski (1997), na comunidade internacional, pode ser implementada de três modos distintos: pelas Partes em conflito; pelos órgãos da comunidade internacional (Organização das Nações Unidas, por exemplo); e pelo CICV. Contudo, afirma que esses modelos não são consistentes pelas razões as seguir. No tocante ao primeiro modo, evidenciou-se, no conflito do Atlântico Sul, que as Partes (Argentina e Reino Unido) não conseguiram classificá-lo oficialmente. Um dos motivos para tal indecisão residia nas relações dos contendores, individualmente, com os Estados Unidos, no âmbito do sistema de pactos e de alianças internacionais e, por conseguinte, nas obrigações de assistência correlatas. 10 As referências jurídicas sobre CANI encontram-se no 2º artigo comum à Convenções de Genebra e no 1º artigo do Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra. 8 Já o entendimento sobre a classificação encarregada aos órgãos da comunidade internacional, também, convergiria aos problemas análogos àqueles concernentes aos pactos e às alianças internacionais, redundando em paralisia do processo. E por fim, a neutralidade inerente ao CICV torna-o incompatível com essa atividade, haja vista o caráter eminentemente político da qualificação de um conflito armado para comunidade internacional. Logo, conclui o autor, que, ante o viés político subjacente aos três procedimentos, prepondera o estado de fato11 para determinar o âmbito de aplicabilidade do DIH (CAI ou CANI). Quanto ao exame do estado de fato, há precedente no TPII como lecionou Koutroulis (2014), em aula ministrada no Centre d'Etude de Droit Militaire et de Droit de la Guerre, quando analisou a situação na Líbia (de 15 fevereiro a 10 março de 2011) e na Síria (de 18 março de 2011 a 27 de maio de 2012), à luz dos fatores indicativos12 estabelecidos pela jurisprudência daquele tribunal, expostos a seguir13. Primeiro, as partes em conflito devem ter um mínimo de organização. Essa característica compreende: a existência de um quartel general; a existência de uma estrutura hierárquica; a transmissão de ordens militares; a existência de teatro de operações definidos; a capacidade de adquirir, transportar e distribuir as armas; a resistência aos ataques inimigos; e a realização de ofensivas bem-sucedidas. Por fim, o nível mínimo de intensidade das hostilidades caracteriza-se pela escalada das ofensivas armadas; pela gravidade dos ataques; pela propagação de confrontos sobre um território, num dado período; pelo reforço dos efetivos das forças opostas; e pelo fato de o conflito ter sido objeto de uma análise ou resolução de 11 “[...] é oportuno partir-se de um estado de fato para determinar esse âmbito, porque segundo os atuais procedimentos de classificação nos quais deveriam ser levados em conta, em primeiro lugar, os elementos jurídicos, levam-se em consideração sobretudo elementos políticos, tornando-os inoperantes. E se chegarmos à conclusão de que são os fatos que constituem a situação de conflito armado internacional, seja qual for a classificação dada, por razões políticas, a este fato, e se postularmos que o conjunto do direito internacional humanitário em vigor é aplicável nesse caso[...] ” (SWNARSKI, 1998, p. 34-35, grifo nosso). 12 Neste artigo, usa-se o termo elementos materiais como homologo a fatores indicativos. 13 Na aula em comento, não foram apresentados critérios para a qualificação da duração prolongada de um conflito, mas infere-se da decisão do TPII que este caráter deve ser identificado pelas circunstâncias do fato, conforme se segue: “(...) Les combats entre les diverses entités au sein de l'ex-Yougoslavie ont commencé en 1991, se sont poursuivis durant l'été 1992 quand les crimes présumés auraient été commis et continuent à ce jour. En dépit de divers accords provisoires de cessez-lefeu, aucune conclusion générale de la paix n'a mis un terme aux opérations militaires dans la région. Ces hostilités excèdent les critères d'intensité applicables aux conflits armés tant internes qu'internationaux. On a observé un conflit prolongé, sur une grande échelle, entre les forces armées de différents Etats et entre des forces gouvernementales et des groupes de rebelles organisés” (UNITED NATIONS, 1995, grifo nosso). 9 organismos internacionais, Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) ou Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). 3.2 Distúrbios e tensões internos As hostilidades de um CANI atingem um nível mínimo de intensidade (patamar mínimo). Algumas situações interiores aos Estados possuem, em certa medida, um grau de instabilidade, mas não demonstram um índice de violência suficiente para caracterizar um conflito armado. Tais circunstâncias são conhecidas como distúrbios interiores e tensões internas. Swinasrki (1997) argumenta que uma situação de distúrbio interior (ou interno) ocorre quando num Estado existe um conflito que apresente certa gravidade ou duração e que implique atos de violência, porém, sem caracterizar uma contenda armada. As manifestações relevantes desses fenômenos podem apresentar-se na forma de rebeliões; lutas entre grupos mais ou menos organizados; ou confrontos entre esses grupos e as autoridades constituídas. Nesses casos, comenta que se observa o recurso a numerosas forças policiais, inclusive, às forças armadas, para o restabelecimento da ordem, redundando num grande número de vítimas. No tocante às tensões internas, ressalta ainda que estão num nível inferior de violência em relação aos distúrbios interiores. Tal entendimento é compartilhado por Vité (2009), que vê as tensões internas como circunstâncias de menos violência, tais quais: prisões em massa, elevado número de detidos políticos, prática de tortura, desaparecimento forçado e perda das garantias fundamentais14. A importância de identificar os fatores indicativos de cada situação, para, então, defini-la adequadamente, deve-se à necessidade de respeitar o regime jurídico de aplicação ao caso concreto15. Logo, não se deve confundir distúrbios e tensões internos com CANI. 14 Swinarski (1998, p. 63) adverte que “(...) a situação de tensões internas pode apresentar todas as características ao mesmo tempo; mas é suficiente que apresente apenas uma delas para que possa ser classificada com tal”. 15 No GPII, prescreve-se que não se aplica o protocolo nos casos de tensão e distúrbios internos (CICV, 1998). 10

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