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As origens do caráter na criança: os prelúdios do sentimento na personalidade PDF

257 Pages·1971·9.798 MB·Portuguese
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AS ORIGENS СЮ CAR ATER NA CRIANÇA HENRI WALLON difusão européia do livro H E N R I W A L L O N AS ORIGENS DO CARÁTER NA CRIANÇA Os Preludios do Sentimento de Personalidade Tradução de Pedro da Silva Dantas DIFUSÃO EUROPÉIA DO LIVRO Rua Bento Freitas, 362 — 6.° Rua Marques de Itu, 79 SAo PAULO 1971 Copyright by Presses Universitaires ãe France, Paris Direitos exclusivos para a lingua portuguesa: Difusão Européia do Livro, São Paulo P R Ó L O G O As três partes componentes dêste livro constituem a re­ produção de três estudos vindos à luz do seguinte modo: o primeiro, na Revue de Cours et Conférences, em 1930, repre­ sentado por sete artigos; o segundo e o terceiro, publicados no Journal de Psychologie (novembro-dezembro de 1931 e de 1932). Além disso, tais partes nada mais são do que o resultado de cursos proferidos na Sorbonne durante os períodos de 1929-30 e 1930-31. O texto passou apenas por discretos retoques quanto à forma e foi subdividido em capítulos. Algumas notas, sim­ ples referências ou notas explicativas, três capítulos, ou seja: êste prólogo, a conclusão da primeira parte e as conclusões gerais, constituíram as achegas dêste volume. A reunião em volume de artigos ou coleção de trabalhos escritos, a princípio com a intenção de terem, mais ou menos, vida própria, apresenta vantagens e inconveniências. Em ge­ ral, revelam-se as primeiras na sua maior diversidade de con­ cepções e na maior facilidade para o tratamento de cada tema de modo atual. As inconveniências talvez residam, de um lado, na falta de unidade e na dispersão e, do outro, nas repetições ou redundâncias. A unidade dêste livro deve-se, contudo, à harmonia das idéias que nêle se contêm. Todavia, a unidade da apresentação poderá encontrar uma garantia no fato de que a ordem em que tais idéias foram aqui desenvolvidas, lembra, mais ou menos, a unidade conceituai dos cursos dos quais foram extraídas. Quanto ao risco de repetições, o remédio teria sido recorrer a cortes e supressões: êste recurso não nos pareceu possível. Por certo, em sua composição, as três partes do livro apresen­ tam uma espécie de paralelismo. O retomo às fontes primá- 5 rias da vida psíquica representa o marco inicial de cada urna delas. Abeirando-se, muito embora nas mesmas manifestações, recorre cada uma de modo diferente a essas origens primeiras. De certo modo, e ao mesmo tempo, damos ênfase à substân­ cia comum de onde procedem as diferentes realizações da vida psíquica aqui estudadas, e às delimitações e diferenciações pre- cocíssimas por elas suscitadas. Para maior evidência dessas manifestações, o melhor seria estudar cada uma delas em seu momento preciso. Pois bem, qual é a utilidade desta reedição? Antes de tudo, vale a pena informar que se esgotaram os diversos núme­ ros da Revus des Corns et Conférences, onde surgiram os arti­ gos relativos à primeira seção desta obra. Além do mais, muitas das idéias nêles ventiladas, ou anteriormente, em L’Enfant turbulent, tais como: a distinção entre emoção e automatismo, a grande capacidade das emoções para criar associações condi­ cionais, as relações do mêdo com o equilíbrio (1), retomadas depois, umas e outras, por alguns autores, fizeram-me parecer oportuno lembrar, no seu conjunto, os fatos e as concepções que me induziram a semelhantes interpretações, as quais sem­ pre se insinuaram como sua melhor demonstração. Finalmente, o enfeixe dêstes três estudos, lançados separadamente, realiza um nôvo conjunto. Pois, êles não se limitam a se justapor: completam-se mutuamente. E não só no sentido da incidência de cada uma dessas idéias em um dos três grandes aspectos alcançados pelas realizações psíquicas da criança durante os três primeiros anos, mas também pelo fato de revelarem os encadeamentos e concordâncias surgidas entre aquelas reali­ zações. Poder-se-á comprovar, com freqüência, nesta obra, a ten­ dência a não estudar os fatos em série fechada, mas, antes, a encará-los em vários dos diferentes conjuntos dos quais podem participar. Por exemplo, o conjunto cronológico dos três pri­ meiros anos, — conteúdo primacial dêste volume — é, aliás, estudado em suas relações com as origens do caráter. Nós o (1) Quanto a esta última — as relações do mêdo com o equilibrio, — foi o assunto discutido no mesmo ano, 1925, por nós em "L’Enfant turbulent” e por J. B. Watson, Ped. Sem., ХХХЛ, p. 328-348 e 349-371. 6 т delimitamos em função dêsse conjunto mais amplo. Não obstante, outros ainda intervirão no decorrer destes capítulos: tais como, os do comportamento histórico da espécie humana, os do comportamento animal, os das gêneses e das regressões funcionais, os dos ciclos psicofisiológicos etc. Contudo, o domínio próprio da psicologia da criança pa­ rece suficientemente vasto para atender aos mais ambiciosos. Afigura-se-nos difícil, no presente, alguém percorrer semelhante domínio na sua totalidade, razão pela qual seus exploradores não cessarão de lhes estender os limites. A pretensão, porém, de se fixar intimamente em um dêsses marcos, culminaria ape­ nas com a redação de inventários, enumerações cronológicas e simples descrições. Isso, por certo, seria um alvo jamais atingido. A colheita de fatos jamais é puramente mecânica; possui sempre um sig nificado mais ou menos explícito. O fato em si não existe; é sempre regularmente modelado por aquêle que o verifica. Res­ ponde, desta maneira, mais a decalques e rotinas que à indi- vidualização clarividente de traços fornecidos pela experiência. Na realidade, um fato revela interesse na medida em que é determinado, e só o será pelas relações com alguma coisa que o sobrepuja, ou seja, com um conjunto o qual, de alguma forma, possa ser incorporado. Ê, pois, um conjunto de fisio­ nomia e definição peculiares e que, pelos seus elementos com­ ponentes, se liga a outros conjuntos mais elementares. Disto resulta que, confrontar um fato com todos os sistemas a êle relacionados, significa não sòmente tratá-lo consoante sua natu­ reza, mas também considerar como melhor observador aquêle que souber utilizar o maior número de sistemas, de modo sucessivo, a fim de o individualizar e de o explicar. A psicologia, certamente, constitui um dos domínios onde a excessiva divisão estanque dos fatos estudados acarreta in­ conveniências. Com efeito, à medida que seu objeto mais se distancia das condições elementares, — isto é, daquelas geral­ mente qualificadas de materiais, — para ingressar na apreciação dos conjuntos de qualificação mais particular, a ignorância reinante correntemente, no estudo dêstes últimos, o amputa de suas condições determinantes. Semelhante posição repre­ sentaria, por exemplo, o desconhecimento, por exemplo, da unidade indissolúvel entre a criança e o adulto, entre o homem 7 e a sociedade. E, não obstante, a espécie não pode encontrar sua razão de ser senão no tipo adulto e a criança tende para o adulto como o sistema para o equilíbrio. Da mesma forma, cindir o homem da sociedade, opor, como aliás é freqüente, о indivíduo à sociedade, significa lhe descortinar o cérebro. Pois se o desenvolvimento e a configuração de seus hemisférios ce­ rebrais constituem, por assim dizer, os elementos que segura­ mente estabelecem a distinção entre a espécie humana e as espécies vizinhas, êsse desenvolvimento e essa configuração devem-se ao aparecimento de campos corticais; a exemplo da linguagem, a implicar a presença da sociedade, como os pul­ mões de uma espécie aérea supõem a existência da atmosfera. Para o homem da sociedade é uma necessidade, uma rea­ lidade orgânica. Não significa dizer que esteja tôda organizada no seu organismo; da mesma forma inexiste nos centros de linguagem, um sistema qualquer de língua falada antes de sua aprendizagem. A ação se faz em sentido contrário. Da socie­ dade o indivíduo recebe suas determinações; são para êle um complemento necessário; propende também para a vida social como para o estado de equilíbrio. Obviamente, seria supérfluo o acréscimo da inexistência de sociedades sem os indivíduos que a compusessem, nem tampouco sociedades humanas sem o homem e a sua organização psicofisiológica. Temos aí um aspecto da questão do qual o psicólogo não tem aplicações úteis a extrair, constituindo o indivíduo o objeto de seu estudo. Dificuldades surgem em razão dos conjuntos naturais nos quais a vida psíquica se inscreve não terem sido levados em consideração. Por certo aí reside a origem de oposições, como as do mecanismo e as da finalidade, diante dos quais tanto ruído se tem feito pois, afinal de contas, tudo não passa, tal­ vez, de um banal artefato. Decapitar um sistema de suas con­ dições de equilíbrio, através de um corte, significa admitir-se nos fragmentos um princípio íntimo que os leva a evoluir do interior, por uma espécie de autocriação. Entretanto, qual é o sistema entre os mais elementares, entre os entregues, co­ nmínente, às leis mecânicas da matéria, no qual a mesma ope­ ração não provocaria conseqüências semelhantes? Nos fatos do desenvolvimento humano, como também nos fenômenos vitais, por certo, intervém uma dificuldade que tal­ vez não lhes seja especial, sendo porém aí mais aparente: refe- 8 rimo-nos à extensão das etapas ao se encaminharem para o estado de equilíbrio. Vistos numa espécie de câmara lenta tendem a se fragmentar em momentos ou realidades distintas. Tais etapas se justapõem em períodos ou em estados estáticos. Entre elas inexiste verdadeira continuidade. A duração, o tem­ po lhes são exteriores. O tempo na explicação das coisas assume uma noção abstrata, um absoluto, um simples veículo sem participação real (2). A finalidade, provàvelmente, representa a desforra dêsse tempo absoluto, por sua vez investida de um papel destinado a explicar aquilo que, estáticamente, é inexplicável. Papel autônomo e absoluto, pois não há medida comum com os de­ mais fatores convocados para a explicação das coisas. Por conseguinte a oposição do mecanismo e da finalidade, dentro dos nossos sistemas de conhecimento, seria a conseqüência da dissociação, operada por tateios, do pensamento nas toma­ das com o real, diverso e mutável entre as coisas possíveis de fixação em imagens ou em conceitos estáticos pelo pensamento e o tempo. Como as coisas que se encontram em processo de transformação contínua foram separadas do seu devir ficou êste substituído por uma simples sucessão. Mas em compen­ sação o devir aparece como existente em sí mesmo e como dotado do poder de autocriação, ou seja, o de criar, em defini­ tivo, as coisas. Antinomia entre a realidade do ser e aquilo que déle nos é cognoscível. O pensamento, mediante sua ilusão constante, atribui à natureza das coisas as discordancias devidas à imperfeição dos seus processos. Ao se tornar evidente o desacordo entre tais processos e as exigências do conhecimento, os mesmos são sem­ pre revogáveis. É o exemplo que a física está em via de nos oferecer ao operar a revisão dos seus princípios. Nossa época, talvez em todos os domínios do conheci­ mento, nos levanta problemas a exigirem revisão, em tudo se- (2) Frédéric Rauh tivera a percuciente intuição da insufi­ ciência aue apresenta essa atitude em psicologia, ao se esforçar para definir os estados de “tendência”. Suas definições, entre­ tanto, são puramente verbais. Faltaram os fatos a êste precur­ sor. Ainda hoje, é preciso reuni-los, isto é, antes de tudo reco­ nhecê-los e os conceber. Ver: "De le méthoãe dans la psycholo- gie des sentiments”, Paris, Alcan, 1899. 9 melhante às distinções antigas ou categorias. No campo da psicologia isso se demonstra pela insatisfação de tantos espí­ ritos, levando-os a incursionar nas áreas da metafísica. Ora, o pouco oferecido pela análise dessas especulações, representa exatamente as noções do dever criador e da participação dos conjuntos onde o homem, ao se adentrar em si mesmo, deveria descobrir as razões da existência. Escoimados dos impulsos místicos, são, precisamente, aquêles pata os quais vimos que nos orientam as necessidades da pesquisa científica. Todavia onde a metafísica, enamorada pelo absoluto e pela imobilidade, opõe o ser ao conhecimento, a ciência essencialmente relativista se aplica à tessitura de novas relações entre todos os sistemas; nestes se reparte nossa experiência das coisas e da vida, a fundi-los, cada vez mais uns nos outros e, segundo a exigência de unificação para o conhecimento, apontada por essa obra, teremos de reformular ou abolir as antigas distinções ou cate­ gorias intelectuais, as quais, por certo, viriam se opor a essa colocação relativista. Fazer estas constatações não significa apresentar uma solução. Sem embargo, a física dispondo de métodos rigorosos e já com um acêrvo de resultados bem mais controlados que as ciências biológicas e, sobretudo, psicológicas, constitui um exemplo de como são extremas as dificuldades apresentadas numa revisão dessa ordem. Tal consideração não implica no delineamento de um programa de pesquisas; pretende apenas indicar uma dire­ ção e responder aos que, num trabalho dêsse porte, se vissem seduzidos a realçar “digressões”. 10 I n t r o d u ç ã o O PROBLEMA DO CARÁTER Os métodos da psicologia tradicional, cujas pesquisas são ainda muito tateantes, revelam-se insuficientes ao estudo da psi­ cologia do caráter, embora para esta a da criança possa oferecer uma decisiva contribuição. Durante muito tempo o estudo sistemático do caráter con­ sistiu em decompô-lo na soma de qualidades ou propriedades prováveis e aptos a defini-lo. Submetê-lo a essa análise signifi­ caria tomá-lo em estado puro, como um conjunto estável, por assim dizer acabado. Os elementos, para os quais tende a análise, representam noções inteligíveis cuja fórmula verbal, de­ verá ser assaz corrente e consagrada a fim de responder, em cada consciência, a um julgamento aceitável ou a um motivo plausível. Os julgamentos relacionam-se, necessariamente, ao uso ou à moral, em geral aceita; a casuística social ou a de gru­ pos, mais ou menos particulares e restrito se baseia nos moti­ vos costumeiros dêsses julgamentos. Em definitivo, o caráter se reduz aos têrmos dependentes, muito menos do que é in­ trínseco ao indivíduo, do que da opinião. De algum modo, o indivíduo e a opinião constituem dois pólos opostos. A opinião em face dos indivíduos representa um papel de regulação, de constrangimento; corresponde po­ rém à conveniência de ordem social; depende de fatôres indi­ cadores da estrutura, das tendências de uma determinada so­ ciedade ou de um grupo social. Sob pena de se marginalizar, o indivíduo deve ajustar-se à opinião, subordinar-se às suas 11

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