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As Fronteiras da Epistomologia PDF

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Que é e como se produz o conheci- mento? Esta dupla interrogação tem sido um tema central e constante para o pensamentof ilosófico. Por isso, é também o assunto deste livro. AS FRON'LEIRASD A EPIS'IEMOLOGIA Numa abordagem preliminar, o autor procura demonstrar como raciona- lidade e historicidade podem ser consi- deradas categorias que definem as pró" prias condições de possibilidade de iodo conhecimento e, em especial, da- quele produzido pela moderna investi- gação científica. Contra o modo cc» mum de conceber o conhecimento uni- camente como produto da raciona- lidade, este estudo afirma que é preciso considerar também suá historicidade. Deste modo, tanto o processo de cria- ção do novo, bem como o resultado concreto desse processo, são descritos a partir da conjugação de racionalidade e historicidade. Somente assim tornam- se possíveis a interpretação, os enuncia- L dos, a teoria. Aceitando a tese que afirma a GilosoHia como conversação e diálogo, a argu- mentaçãoq ue se produz ao estudar a racionalidade e a historicidade do cc- nhecimento toma como interlocutores os principais epistemólogosd e nossa época. Posições filosóficasd istintas como as defendidas por Popper e Laka- tos, Kuhn e Feyerabend, Toulmin e Pug- nam, além de Rorty, Habermas e Apel, dentre outras, constituem o núcleo cear trai deste livro. Como resultado do encontro de posi- ções nem sempre bem afinadas - e, por vezes, abertamente antagónicas - têm- se o delineamento de uma crítica à epis- temologia e a construção de uma prc'- posta para seu alargamento e supera- çao Guiado pela esperança de ampliar o debate sobre a questão da raciona- lidade e pretendendo repor a questão da historicidade, através da descrição e análise das contribuições filosóficas produzidas nas últimas décadas no âm- Luiz Carlos Bombassaro AS FRONTEIRAS DA EPISTEMOLOGIA Como se produz o conhecimento Dados Intemacionais de Catalogação na Publicação(CIP) (CâmaraB rasileirad o Uwo, SP, Brasil) Bombassaro. Luiz Cardos. As frontdras da episternaloga: uma introduçãoa o problema da racionalidadee da historicidaded o conhecimento/ Luiz Carlos 2â Edição Bombassaro. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1992. Bibliografia t 1. Conhecimento - Teoria 2. Hemlenêutica 1.T ítulo. 11T. itulo Uma introdução ao problema da racionalidadee da historicidaded o ( conhecimento 92-2332 CDD-121 Ç V t Índices para catálogo sistemático: 1. Epistemologia e historicidade : Filosofia 121 2. Epistemologia e racionalidade : Filosofia 121 3. Historicidade : Epistemologia : Filosofia 121 Petr6polis 4. Racionalidade : Epistemo\ogia : Filosofia 121 19m © 1992, Editora Vozes Ltda Rua Frei Luas, IOO 25689-900 Petrópolis,R J Brasil Copídesque; Carlos Sampaio Díagramação: Daniel Sant'Anna e Rosane Guedes ISBN 85-326-0856-6 Pa ra Zelita . porque quem ama nunca sabe o que ama ". (De um poema de F. Pessoa) %n%z=' Sumário Apresentação, 9 l O CONTEXTO, COMO INTRODUÇÃO, 13 1. Conhecimento, racionalidadee historicidade, 13 2. Saber e conhecer, 19 3. Duas tendências epistemológicas, 25 3.1. A tendência analítica, 26 3.2. A tendência histórica, 31 11- RACIONALIDADE E HISTORICIDADE NA EPIS'lEMOLOGIA CONT'EMPORÂNEA, 37 4. Epistemologia e racionalidade, 41 4.1. A concepção criterial da racionalidade, 48 l 4.2. A concepção não-criteriald a racionalidade, 57 l ( 4.3. Racionalidade como aceitabilidade racional, 65 5. Epistemologia e historicidade, 75 l 5.1. A persistência da tradição e o surgimento do novo, 93 ( t 5.2. A interação de filosofia da ciência e história da ciência, 102 ( < 11-1 UMA PROPOSTA, COMO CONCLUSÃO, 113 \. 6. Entre hemlenêutica e epistemologia,1 13 S t l Referências e notas, 122 Ç ( Bibliografia, 139 ( l ( a r Apresentação Neste livro apresentamos uma questão central para o pensa- mento contemporâneo: a questão da racionalidadee da historici- dade do conhecimento. Nossa investigação parte da pergunta pela possibilidade de considerar racionalidade e historicidade como categoriasq ue definem a condição própria do conhecimento. No entanto, nossa pergunta leva-nos a reconhecer que a episte- mologia, enquanto disciplina filosóficaq ue trata do conhecimento, tem considerado racionalidade e historicidade categorias cujas ligação e conjugação mostram-se problemáticas, pois parecem referir-se a âmbitos específicos. O estudo da maneira como essa questão foi tratada pelos próprios epistemólogos mostra que a discussão em torno da racionalidade e da historicidade do conho cimento utá situada nas fronteiras da epistemologia. Não podendo responder à questão, a epistemologian ecessita, ela mesma, en- frentar seus próprios limites. Neste sentido, a racionalidade e a historicidade deixam de ser um problema exclusivo da episte- mologia e passam a reclamar uma investigação filosófica mais ampla. O reconhecimento desta situação faz com que seja neces- sário ultrapassar a maneira mais comum de resolver a questão, quase sempre vinculada a uma disciplina específica - neste caso a epistemologia -, para adotar um procedimento transdisciplinar. Como resultadop rovisóriod o nosso estudo,c oncluímosq ue a- questão da racionalidade e da historicidade do conhecimento somente poderá ser compreendida com a efetivação deste proce- dimento. O percurso que realizamos para o desenvolvimento da nossa questão está apresentado nas três partes principais deste livro. Na primeira parte, considerada como introdução, delimitámos o con- 9 texto no qual se situa a questão. Aqui procuramos descrever o é muito mais uma abertura de perspectiva do que, propriamente, horizonte a partir do qual poderíamos afirmar que racionalidade e uma solução definitivap ara a questão que investigamos. historicidade sáo categorias auto-referentes quando tomamos o A incompletude deste estudo não é só evidente. Ela é também conhecimento como objeto de investigação. Nossa descrição mos- desejada. Acreditamos que o trabalho teórico realizado até o tra também que para a epistemologia, enquanto disciplina especí momento tenha servido, pelo menos, para estabelecero traveja- fica que trata do conhecimento, esta é uma questão problemática, mento de uma possível reflexão futura na qual possa ser discutida principalmente se levam)os em conta duas tendências, a tendência uma nova teoria da investigação, onde racionalidade e historicidade analítica e a tendência histórica, para as quais racionalidade e - apesar de constituírem-se elementos distintos sejam convide historicidade não constituem categorias que possam ser coaduna- radar condições de possibilidade de todo conhecimento. das Certa vez, Stephen Toulmin afimlou: "Cada um de nós pensa Na segunda parte, que consideramos a mais decisiva para seus próprios pensamentos, porém os conceitos nós os parti- compreender os limitesd a epistemologia no tocante ao tratamento lhamos com os outros". Nesta perspectiva, a realização deste da questão da conjugação entre racionalidade e historicidade, estudo não teria sido possível sem o constante diálogo com aqueles apresentamos a argumentação central deste estudo. Por isso, que pacientemente ouviram minhas dúvidas e souberam com- dividimos esta parte em dois capítulos. No capítulo 4 tratamos de preender que a relevância da questão investigada ultrapassa, em reconstruir o debate contemporâneo em torno da questão da muito, as contribuições aqui apresentadas. racionalidade,t endo presente as análisesa presentadasp or Hilary Quero agradecer, especialmente ao Prof. Ernildo J. Stein, não Putname m seu livroR edson, Truta and /íistory. No capítulo5 somente pela orientação no desenvolvimento deste estudo, mas discutimos a questão da historicidade, tematizando a importância principalmente pela ampliação dos horizontes teóricos, resultado da tradição para o conhecimento e mostrando como as tentativas de minha participação em suas aulas instigantes e nas proveitosas mais recentes de compreender a questão pretendem ultrapassar conversas informais . as distinções entre o nível normativo(metodológico) e o nível Gostaria de agradecer também as valiosas observações feitas descritivo(histórico). Com a argumentação produzida nesta parte pelos professores Jayme Paviani, Thomas Kesselring e Delamar atingimos as próprias fronteiras da epistemologia, pois mostramos Dutra, que tiveram a paciência de ler, no todo ou em parte, o texto que somente através dela não é possível compreender como racionalidade e historicidade constituem duas dimensões que não que ora apresentamos. podem ser consideradas separadamente. Com isso, somos levados Finalmente, /ast but not least, não fossem o constante apoio a admitir que a epistemologia é necessária mas não suficiente para e a inesgotável compreensão de Zelita, certamente este estudo não tratrar da questão, o que torna premente a necessidade de ultra- teria sido possível. passar os limites da epistemologia se quisermos responder de modo satisfatório às nossas expectativas iniciais. Finalmente, na terceira parte, tendo chegado a essa conclusão provisória, servindo-nos das reflexões de Kart-Otto Apel e Richard Rorty, apontamos para a possibilidaded e complementaçãoe ntre istemologia e hem)enêutica como uma saída interdisciplinar viável, através da qual poderia ser tratada a questão da conjugação entre racionalidade e historicidade. Neste sentido, nossa conclusão 10 11 - 0 CONTEXTO, COMO INTRODUÇÃO 1 l Conhecimento, racionalidade e historicidade Desde que existe, o homem tem partilhadoa quiloq ue o constitui. Convivendo com os outros, condição imprescindívelp ara sua própha sobrevivência, enquanto se distingue por aquilo que Ihe é particular e específico, caracteriza-se também pelas some Ihanças, pelo que possuí em comum com os outros homens. Paradoxalmente, igual na desigualdade, marcado ainda pela ne- cessária condição de relacionar-se consigo próprio e com a natu- reza que o cerca e da qual é parte, o homem forma o mundo, cria a humanidade. E, neste ato fom)ativo de construção do mundo, que se manifesta como linguagem, revela-se a dimensão comuni- cacional inerente às ações pelas quais o homem estabelece sua relação com aquilo que ele próprio constrói. Esta dimensão comu- nicacional mostra aquilo que o homem mais radicalmente partilha, aquilo que o constitui: sua racionalidade e sua historicidade: Racionalidadee historicidade devem ser consideradas a base do propriamente humano, o bastidor sobre o qual se configura tudo que diz respeito ao homem, dos seus desejos às suas realizações. Dizer do homem que é racional significa assumir a posição clássica, e hoje quase trivial, para o pensamento ocidental. Para Aristóteles, o homem é um animal dotado de um tipo peculiar de alma, a alma racional, que o capacita a poder dizer o mundos. Ou, como interpreta Martin Heidegger, ao definir o que é próprio do homem com a expressão da-sela: o da-sem, isto é, o ser do homem, caracteriza-sec omo zõop logos eksonl o ser vivo cujo modo de ser é essencialmente detemlinado pela possibilidade da 13 linguagem3. Por que é um animal racional, um animal que possui Por isso, podemos afirmar que, além de racional, o homem é rogos, o homem pode interpretar, enunciar, argumentar e abstrair. também essencialmente um ser histórico, constituído pela histori- cidade Graças a essa possibilidade, ele deseja, por natureza, conhecer Assim, dizer do homem que ele é racional, marcado origínariamenr Durante largo tempo, a filosofia tem tratado de modo dualista te pela racionalidade, é o mesmo que atribuir-lhea capacidade de e unilateral a questão da racionalidade e da historicidade. De um poder dar razões, de poder argumentar discursivamente. lado, ela tem procurado salientara racionalidade, identificandoo Embora se tenha tornado lugar-comum, a posição que distin- homem como um "ser racional" ou como "ser espiritual". Por gue o homem das outras formas de vida continua ser aquela que outro lado, ela mesma tem acentuado a historicidade do homem. afimla ter somente o homem adquirido a capacidade de ser insistindon uma definiçãoq ue privilegiasses eu caráterd e ser razoável. Mesmo que duvidemos da validade desta capacidade histórico e social'. Esta filosofia dualista tem levado a conceber de exclusivamente humana, haja vista as contínuas manifestações que modo antagónico não somente o racional e o histórico, mas consideramos "irracionais" - como, por exemplo, a guerra -- também o teórico e o prático, operando uma cesura da qual nasce sabemos que, pelo menos em parte, também a essas manifes- a identificaçãod o racionalc om o teóricoe do históricoc om o tações podem ser atribuídas razões. Portanto, antes mesmo de prático. Assim, a filosofia produziu um estereótipo que se tornou qualquer enunciação, de qualquer manifestação linguística, o ho- a base para a fundamentação de outros dualismos. tais como mem já se encontra na racionalidade, pois ela o constitui. objetivo e subjetivo, fato e valor, corpo e mente etc., instaurando tradições distintas, não só no que tange às concepções antropoló- Se, por um lado, tomamos a caracterização do homem como um ser racional, podendo justifica-laa partir da definição aristo- gicas mas, principalmente, para a epistemologia. Esta concepção dualista, além de ter criado inúmeras dificuldades para entender as télica, por outro lado, podemos encontrar no mesmo Aristóteles outra dimensão fundamental para definir o humano: aquela que se próprias ações humanas, devido à demasiada ênfase na distinção mostra reveladora de sua historicidade. Na Po/ítíca. o filósofo entre o racional e o histórico, tornou-se por sí mesma uma justificativa do antagonismo entre a racionalidade e a historicidade. escreve: "0 homem é por natureza um animal social". E, logo a Deste modo, passou-se a considerar ora unicamente o racional. seguir, para mostrar a especificidade desse animal social, acrescen- ora unicamente o histórico. Essa atitude filosófica faz resultar uma ta que só o homemt em o dom da fala'. Na conjugaçãod e hipertrofia ou da racionalidade ou da historicidade, o que, por si sociabilidade e linguagem podemos encontrar elementos que ca- só, toma difícil a compreensão da racionalidade e da historicidade racterizama condição de historicidadep rópria do homem. Reco- nhecendo-se constituinte e integrante, formador do mundo, o como dimensões que se conjugam, que se auto-referem, quando se trata de dizer algo do homem9 homem dá-se conta de sua coexistência. Enquanto se descobre racional, um ser de linguagem, toma consciência de que necessita Para nosso estudo esta é uma questão fundamental. Tanto a conviver com o que o cerca, especialmentec om os outros. Isso racionalidade quanto a historicidade devem ser tomadas como indica que, além de unicamente racional, o homem é também um categorias que não se pode considerar separadamente. Mas como ser histórico. Convivendo consigo mesmo, com os outros e com poderia ser demonstrada esta conjugação? Qual o topos no qual a natureza, forTnandoe partilhando o mundo, o homem sempre racionalidade e historicidade operam conjuntamente? Em outras age de uma detém)incida maneira, cria padrões de comportamen- palavras: existe alguma atividade humana reveladora da presença to, crenças e valores que, ao serem objetivados, constituem a inseparável da racionalidade e da historicidade como dimensões cultura. Deste modo, o homem nasce marcado não só pela que caracterizam o propriamente humano? racionalidade mas tamt)ém pela historicidade, que se manifesta A resposta a essas questões poderia ser encontrada ao analisar como praxis, como o conjunto das ações que ele realiza no tempo. a multiplicidaded e ações que o homem realiza. Entretanto, é 14 15 anunciado, buscamos aqui relacionar a questão da racionalidade e impossível sustentar que uma análise da questão da racionalidade da historicidade com o conhecimento. Por isso, o tratamento da e da historicidade possa ser lwada a efeito partindo-se da totalidade questão deverá obedecer aos próprios limites que esta decisão das ações humanas particulares.A multiplicidaded as ações nos impõe. Uma vez que para nós a questão da racionalidades e tem indica que a questão pode ser tratada de diversos modos. Contudo, +, mostrado relevante no tocante à sua relação com o conhecimento, para o propósito que aqui se estabelece, a questão da conjugação impõe-se uma tarefa preliminar para podermos encaminhar me- da racionalidade e da historicidade deverá ser situada tendo pre- lhor nossa reflexão. Neste sentido, e procurando elucidar parcial- sente uma ação humana peculiar e específica: o conhecer. É no mente as questões formuladas anteriormente, devemos em conhecer -- processo pelo qual o homem compreende o mundo - primeiro lugar buscar respostas para a seguinte pergunta: o que e no conhecimento - conjunto de enunciados(normalizados ou não) podemos chamar "racional"? sobre esse mundo - que pode ser demonstradaa presença Numa passagem particularmente esclarecedora para essa inseparável das categorias apresentadas acima. Com esse passo, questão, em sua 7'heorie des Kommuníkatfuen /-lande/ns, Jur- se esclarece o objetivo geral deste trabalho, que nada mais é além de uma reflexão sobre o conhecimento, partindo do l?!essuposto gen Habemlas escreve: de que nele se conjugam racionalidade e historicidade 'Quando usamos a expressão 'racional' supomos uma estreita Como afirmamos anteriomlente, a racionalidade é um predi- relação entre racionalidade e saber. Nosso saber possui uma cado que se costuma atribuir ao homem. Dkíamos também que a estrutura proposicional: as opiniões podem ser apresentadas racionalidade é um dos elementos que constituem o homem, que sob a forma de enunciados (...). Se procuramos sujeitos o tornam capaz de dar razões e argumentar discursivamente. Mas, gramaticais que possam completar o predicado 'racional', nessas declarações pode ser percebida a provisoriedade com a qual desde já, apresentam-se dois candidatos. Pessoas, que dis se trata a questão. Na verdade o que significamt ais afirmações'? põem de saber e expressões simbólicas, ações linguísticase O que realmente se diz quando se prédica do homem a raciona- não linguísticas,c omunicativase não comunicativas,q ue en- lidade? Definir "racional" e "racionalidade" como a capacidade de carnam o saber, podem ser mais ou menos 'racionais'. Pode- dar razões será o mesmo? Será que esta estratégia não reduz o mos definir racionais homens e mulheres, crianças e adultos, conceito de racionalidade a uma habilidade ling(místicoau compor ministros e motoristas de õnibus, mas não peixes, arbustos, 12 tamental? E, se for o caso, será que esta redução não deixa escapar montanhas, estudas ou cadeiras.. algo que a circularidade da definição não alcança? Além.disso, qual O texto de Habermas arremessa-nosa o centro mesmo da a garantia que nos permite afirmar que a racionalidade é um questão. Ultrapassando as distinções clássicas entre saber e opini- atributo exclusivamenteh umano? Serão racionais as inúmeras ão, e incorporando as contribuições filosóficas da análise da atitudes que o homem toma, escolhendo, por exemplo, certos linguagem, Habemlas afirma de modo decisivo a existência de uma meios para atingir detemlínados fins? Não seria possível perguntar relação intrínseca entre racionalidade e conhecimento. Para ele, se o próprio mundo é racional? Ou, em tom provocativo, se não todo conhecimento é portador de racionalidade, porque está pode haver racionalidade também nos outros animais? estruturado proposicionalmente. O conhecimento, desde sua ori- Evidentemente não se poderá aqui elaborar nenhuma resposta t gem, mostra-se como uma ação e um produto racional, pois o conclusiva para as perguntas acima, pois elas foram proferidas com homem ao produzir enunciados sobre a realidade faz uso do o intuito de expor a dimensão que a questão da racionalidade conhecimento disponível, ao preço de somente poder usá-lo se o alcança. Entretanto, na medida em que essa demasiada amplitue organizar em proposições. Deste modo, não somente as proposi- pode fazer perder de vista o limited a nossa reflexão, ao mesmo ções, que se mostram plenas de sentido,c arregadas de signifi- tempo reclama um ponto de partida. Neste sentido, como já foi !6 17 enunciados, sistematizadoso u não, que o homem produz e do qual cação, podem ser consideradas racionais, mas também o homem, fomlador das expressões linguísticas,e le mesmo, que dispõe do necessita, não só para comunicar-se mas também para sobreviver. Neste sentido, ele constituia quilo que se pode chamar, na expres- conhecimento, deve ser considerado racional. são de Alfred Schutz e Thomas Luckmann, de "acervo de conhe- Temos, então, que se pode predicar racionalidade não somen- cimento":'. Este acervo, resultadod a praxis do homem, deve ser te do homem, mas também da sua ação particulard e produzir validado e partilhado objetiva e intersubjetivamente. Por isso, o enunciados. Isto significa afirmar que não podemos perguntar conhecimento não pode ser entendido somente como um modo somente pela possibilidaded e considerar racionais os enunciador de captar a existência e a verdade de algo. Ele é, antes, uma ação que o homem produz. Devemos ter presente também o horizonte que se vincula não somente ao individual mas também ao coletivo. sobre o qual o homem mesmo pode produzir os enunciados. Ou seja, devemos levar em conta o solo árido no qual se instauram 2. Saber e conhecer não só a racionalidade das expressões simbólicas mas também a própria constitutividaded o ser humano. Para compreender melhor as dimensões racional e histórica Mas, levando em consideração a contribuição de Habermas, do conhecimento convém fazer, inicialmente, algumas distinções que relação existe entre racionalidade e historicidade, quando se fundamentais. Neste sentido, é preciso distinguir dois conceitos trata de perguntar pelo conhecimento?E ssa questão, que à pri- epistêmicos que, embora a linguagem cotidiana não se aperceba, meira vista soa vaga, está centrada num dos mais importantes manifestam sentidos muito diversos. Trata-se dos verbos "saber debates realizados pela filosofia, pelo menos nas últimas décadas. e "conhecer", aqui considerados, não somente verbos da língua Um exame da historiografia da epistemologia, por exemplo, deixa gem corrente, mas conceitos epistêmicos centrais para a investi- entreverq ue a racionalidadee a historicidadpea ssarama ser gação filosófica'. Essa diferença epistêmica, manifestada no consideradas categorias filosóficas centrais para a análise da ques- próprio uso lingtiístícod e cada um dos verbos, tem sido ampla- tão do conhecimento. No entanto, a mesma historiografia não mente estudada principalmente pela filosofia da linguagem: revela um acordo quanto à interpretação destas duas categorias. Pode-se usar o verbo"saber" em diversos contextos e de Marcante na epistemologia moderna tem sido o fato de considerar modos também diversos. Cotidianamente, o verbo "saber" pode o conhecimento exclusivamented o ponto de vista da raciona- ser usado para indicar a presença de sabor. Deste modo, pode-se lidade,e squecendo-sdee revelars ua historicidadeo, u salientar dizer que detemlinado prato "sabe a...", ou que "sabe bem sofnente seus aspectos históricos, não importando se racionais ou Assim, afirma-se, por exemplo, que este prato tem sabor, que ê na.a o13 agradável ao paladar etc. Este sentido primário do verbo "saber Ao tratar da questão do conhecimento deve-se ter presente, referindc-se às sensações(olfativas ou gustativas), pouco tem de em pümeiro lugar, que ele é uma atívidade intelectual na qual o relevante para o assunto aqui tratado' homem procura compreender e explicar o mundo que o constitui Na históriad a filosofiad, e Platãoà filosofiad a análised a e o cerca. Enquanto atividade intelectual,o conhecimento consiste linguagem, "saber" foi entendido como "ter por verdadeiro" num processo efetivo de radicação do homem no mundo. Por isso, Platão, aceitando a teoria de Pannênides, distinguia entre saber sem conhecimenton ão pode haver mundo. Nesta perspectiva, o jepistemel e opinião(coxa) afirmando que o "saber" é uma opinião conhecimento não pode ser, ele mesmo, compreendido somente verdadeira, sempre acompanhada de uma explicação e por um como resultadod e operações mentais, nem pode ser explicado pensamentof undados. Também Kant contrapôs a opinião e a fé somente a partir de uma análise lógico-semântica. Em segundo ao saber'. Para Kant, a opinião é um ter por verdadeiro com uma lugar, além de ser uma atividade intelectual,o conhecimento é fundamentação insuficiente, tanto subjetiva como objetivamente, também o resultado concreto desta atívidade, um conjunto de 18 19

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