ebook img

As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de Anton ... PDF

33 Pages·2014·0.88 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de Anton ...

As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de Anton Lavey e na versão ao mestre com carinho Salma Ferraz SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros FERRAZ, S. As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de Anton Lavey e na versão ao mestre com carinho. In MAGALHÃES, ACM., et al., orgs. O demoníaco na literatura [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2012. pp. 15-46. ISBN 978-85-7879-188-9. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. 15 As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de Anton Lavey e na versão ao mestre com carinho Salma Ferraz (UFSC)1 Conforme Harold Bloom em sua obra Angústia da Influência, “nenhum poeta desde Adão e Satanás fala uma linguagem livre da lavrada de seus precursores” (2002, p. 74). Mikhail Bakhtin (1895-1975), teórico linguista russo, defende a ideia de que toda a escritura é leitura de um corpus literário anterior e entende o “texto como absorção e réplica a um outro texto...” (apud KRISTEVA, 1974, p. 67, negrito nosso), ou seja, a escritura é entendida como releitura de um corpus literário anterior. O conceito clássico de intertextualidade foi escrito por Julia Kristeva em sua obra Introdução à Semanálise: […] segundo a qual a palavra literária não é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de super- fícies textuais, um diálogo de diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da personagem), do contexto cultural atual ou anterior. [...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de subjetividade, 1 É Professora Associada de Literatura Portuguesa da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua na Pós-graduação com a linha de Pesquisa Teopoética - Os Estudos Comparados entre Teologia e Literatura, membro da ALALITE - Associação Latino Americana de Literatura e Teologia, líder do NUTEL - Núcleo de Estudos Comparados entre Teologia e Literatura sediado na UFSC. É autora de diversos livros de teoria e ficção. Florianópolis, Brasil, 2010. E-mail: [email protected]. Home Page: http://teopoetica.sites.ufsc.br/salmaferraz.php 16 instala-se a intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla” (1974, p. 62 -64, negrito nosso). Os textos se relacionam entre si, como um verdadeiro mosaico de citações, um caleidoscópio, na qual textos se misturam a outros tex- tos oriundos de mil lugares e culturas diferentes. O leitor deve ter competência para manejar esse caleidoscópio e descobrir a origem, a intersecção, a contaminação deles. O intertexto pode ocorrer por meio de epígrafes, paráfrases, citações, paródias, pastiches etc. A tradição é retomada, exaltada, relativizada e, por vezes, até negada. É isto que acontece com um dos textos bíblicos mais conhecidos do ocidente: As Bem-aventuranças. As Bem-aventuranças proclamadas por Jesus no Sermão da Montanha e relatadas no Evangelho de Mateus 5, são, de certa forma, um espécie de contraponto aos Dez Mandamentos recebidos por Moisés no Monte Sinai, relatado no Livro do Êxodo 20:1-17. Os Dez Mandamentos foram proclamados por YHWH, um Deus tribal do panteão cananeu que com o tempo, com a história e política da reforma do Rei de Judá - Josias (639-586) - um nobre sucessor de Moisés, Josué e Davi, na versão teo- lógica do deuteronomista, transforma-se num deus nacional. A partir de Jesus, filho de YHWH do hebraico יהוה, um judeu que viveu e atuou na periferia do poder, portanto, um judeu marginal, na feliz colocação de John P. Meier em seu livro Um Judeu Marginal, surge um movi- mento que incomoda os romanos, com Paulo chega a Roma e com o Cristianismo alcança o mundo. Jesus, que não conheceu a palavra Cristo do grego Χριστός - Khristós, instituiu um movimento radical de amor ao próximo o que poderíamos denominar de Jesuísmo. J. B. Libânio afirma que O termo Cristianismo não se origina de Jesus, mas de Cristo. Não é o camponês e artesão Jesus que viveu na Palestina no primeiro século de nossa era que criou um movimento e o propagou pelas regiões circunvizinhas. Não nasceu um jesuanismo. [...] O Cristianismo é a forma histórica que o movi- mento de Jesus assumiu. (2008, p. 16) 17 O autor ainda firma que o Cristianismo foi a reinterpretação do Jesus da Palestina, feita pelos seus seguidores após a sua morte, com isto “o movimento de Jesus deixa a Palestina e se espalha pelo mundo.” (LIBÂNIO, 2008, p. 48). Aventamos a hipótese de que talvez pudesse ter existido um Jesuísmo baseado no Jesus palestinense sem o Cristianismo, mas o Cristianismo não existiria sem aquele. O Evangelho de João, capí- tulo 1:1, define este Jesus nazareno que vivia às margens da sociedade, com os párias e pecadores como o filho de Deus: “No princípio era o Verbo e o verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.” Sobre o sucesso absoluto de YHVH, o Deus tribal cananeu, o Senhor dos Exércitos, Guerra Junqueira (1850-1923) no controvertido Prefácio à Segunda Edição de A Velhice do Padre Eterno, afirma polemicamente: Fig. 1. A velhice do Padre Eterno I Qual é o homem civilizado do nosso tempo que deseje ir para o Céu de Jeová, de asas brancas nas costas, desferir uma harpa ou tanger uma citara, à roda do trono do Senhor, na beatitude eterna, per omnia secula seculorum [...]. 18 Do Horeb, do Gólgota e do Vaticano, trilogia espantosa, que fizeste? [...] A acusação ai está. Agora, a defesa. Morreu o Padre Eterno? Não. Apesar de contar seis mil anos de idade e de ter já feito, à cautela, dois Testamentos, esse velho Sr. Deus dos Exércitos está ainda muito bem disposto a enterrar-nos a nós todos e aos nos- sos descendentes, durante esta meia dúzia de séculos mais chegados. Tem catorze fôlegos este demónio deste Deus. Quantos colegas dele em divindade, que vie- ram depois, não dormem já esquecidos e extintos no grande campo-santo da mitologia, onde estão enterradas com eles no eterno silêncio as mais belas e supremas aspirações da consciência humana! Confesso-o. Causa-me horror o Deus sanguino- lento e fúnebre que separou o homem da Natureza, – que disse ao filho: Cospe em tua mãe! No entanto, reconheço-o, de todos os Deuses exis- tentes é Jeová quem ocupa ainda no Céu Largo das Religiões o mais belo e sumptuoso dos palá- cios. Brama e Buda vivem menos mal, mas no fim de contas são dois criados de servir da Rússia e da Inglaterra e portanto de Jeová, – Pai e Filho. Quem diria que este truculento Sr. Padre Eterno, um pobre Deus semita, desprote- gido e bárbaro, um Deus de 4ª ou 5ª classe, havia de fazer uma carreira tão longa e tão brilhante! Ele, que conhecera Júpiter Todo- Poderoso, dominando o Olimpo e trovejando lá de cima: – «O universo sou eu!» – quando havia de supor que o grande Deus helénico morreria tão depressa, deixando-lhe o seu Versalhes sabrenatural, dum luxo quimérico, para ele instalar a sua corte desgrenhada e mística, de profetas selvagens e de anacoretas cavernosos, calcando uma face de luar e de olhos azuis, húmidos de esperança, fitos na última lágrima da noite – que é a primeira estrela da manhã! 19 Teve sorte o velhote! Ele, que habitou lá em cima uma vetusta trapeira desconhecida e infecta, achar- se de repente nas Tulherias dos Deuses, no Olimpo! Que delícia! O Criador selvagem, o Átila furibundo, castrado e piolhoso, ver-se de surpresa no luxo res- plandecente da Grécia de Alexandre e da Roma dos Césares! Job em casa de Lúculo! Ezequiel à mesa de Vitélio! Ah, na primeira noite em que o Deus dos Exércitos dormiu na cama de Júpiter – Sardanápalo, ele achou naturalmente bem preferível as molezas lúbricas da Assíria e da Pérsia aos areais flamejantes do seu deserto, aos basaltos calcinados da sua reco- zida Palestina! Civilizou-se. Ao deitar-se, era ainda um bárbaro; quando se levantou, era já um corrupto. Nessa primeira noite de Olimpo, Jeová não pregou olho, decerto. Era natural. O Deus de Jerusalém, castrado, feroz, porco, cheirando a alho, um Deus cujo reino, na geografia celeste, tinha as dimensões do principado de Mónaco, encontra-se subitamente no trono de Júpiter, César todo dominador de tudo quanto exis- tia – porque tudo fora feito por ele! (2012, p. 1-7) O que Guerra Junqueira revive com sua crítica ácida e panfletária, já estava presente no Herege Mor Marcião de Sínope (85-160), talvez o mais brilhante herege do cristianismo primitivo, que ao definir o seu Cânon, simplesmente não aceitava o Velho Testamento, porque conside- rava o YHWH muito violento e sanguinário. Para Marcião eram dois deuses completamente diferentes, não havia nenhuma evolução de um Deus guerreiro, O Senhor dos Exércitos, para um Deus Bom, encarnado na figura de Jesus, O Filho do Homem. A partir desta postura do arqui -herege Marcião a Igreja foi forçada a definir o seu cânon. É Jack Miles na Introdução do seu livro Deus, uma Biografia, quem afirma: “É estra- nho dizer isso, mas Deus não é nenhum santo.” (1997, p. 17). Marcião morreu como herege ao defender esta tese. Interessante constatarmos que José Saramago (1922-2010) o Nobel de Literatura de 1998, tam- bém não aceitava esta evolução. Basta lermos O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991) e Caim (2009). Sem sombra de dúvidas, na obra inteira de 20 Saramago, especificamente nestes dois romances o alvo é YHWY. Se no Evangelho segundo Jesus Cristo, mata definitivamente Deus, em Caim, o autor português crema as cinzas do Senhor das Guerras do Judaísmo. Guerra Junqueira faz de seu livro um libelo denunciando as mazelas da Igreja Católica. É um anticlericalista ferrenho. Vale a pena observa- mos a ilustração acima. da capa publicada pela Edições Europa América. O Vaticano é transformado num picadeiro, quase um circo romano e Jesus aparece ali quase como uma palhaço mor observando a banda de clérigos, extasiada, passar. Observemos abaixo mais uma ilustração deste livro. A ilustração abaixo diz tudo: Cruz e Espada, juntas no domínio do mundo. Fig. 2. A Velhice co Padre Eterno II É YHWH, quem no Monte Sinai, dá a Moisés os Dez Mandamentos, um decálogo duro de cumprir, que apresenta mais negati- vas ou uma infinidade de nãos. É o próprio decálogo do não, conforme grifamos no texto abaixo: 21 Os Dez Mandamentos - Êxodo 20. 1 a 17 Fig. 3. Os Dez Mandamentos 1 - Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. 2 - Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; por- que eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos. 3 - Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão. 4 - Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou. 5 - Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolon- guem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá. 22 6 - Não matarás. 7 - Não adulterarás. 8 - Não furtarás. 9 - Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. 10 - Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo. São exatos dez não, é própria aliança do não, das proibições. Quão difícil é para os simples mortais viverem debaixo da Lei, mas Dura lex sed lex. O Deus Guerreiro dos judeus não conhecia a letra de música de Caetano Veloso É Proibido Proibir: E eu digo não/E eu digo não ao não/ eu digo É!/ Proibido proibir! Observemos agora As Bem-aventuranças, contidas no Sermão da Montanha, relatadas no Evangelho Segundo São Mateus 5:1-48, na Versão da Bíblia realizada por João Ferreira de Almeida: Fig. 4. Sermão da Montanha 23 E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; Bem-aventurados os mansos, porque eles herda- rão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de jus- tiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuria- rem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós. Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa.

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.