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Artigo PRINCIPAIS DEFEITOS EM QUEIJO MINAS ARTESANAL PDF

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108 SOBRAL, D. et al. Artigo DOI: 10.14295/2238-6416.v72i2.600 PRINCIPAIS DEFEITOS EM QUEIJO MINAS ARTESANAL: UMA REVISÃO Major defects in artisanal Minas cheese: a review Denise Sobral1*, Renata Golin Bueno Costa1, Junio César Jacinto de Paula1, Vanessa Aglaê Martins Teodoro2, Gisela de Magalhães Machado Moreira1, Maximiliano Soares Pinto3 RESUMO A preferência do consumidor por queijos artesanais de leite cru vem crescen- do continuamente devido à sua intensidade e variação de sabor se comparado ao queijo de leite pasteurizado. O desenvolvimento do sabor e aroma no queijo de leite cru é regido principalmente pela variada microbiota endógena existente e enzimas naturais do leite. O clima, a altitude, a pastagem nativa e outras características regionais permitem que o queijo Minas artesanal tenha um sabor típico e único. No entanto, a maioria dos queijos artesanais são fabricados de maneira rudimentar, seguindo tecnologias utilizadas pelos seus antepassados e este fato pode propiciar o aparecimento de defeitos, que acarretam perdas econômicas aos produtores. Grande parte dos defeitos pode ter origem na qualidade do leite destinado à fabricação, assim como na qualidade e quantidade dos ingredientes utilizados, técnicas de fabricação e maturação que podem aumentar o número de falhas. Nesta revisão, serão abordados os principais defeitos que surgem especificamente nos queijos artesanais, assim como suas origens, prevenção e reparação. Palavras-chave: fermentação, contaminação, estufamento, qualidade. ABSTRACT The consumer’s preference for artisanal raw milk cheeses has been growing 1 Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Rua Tenente Luiz de Freitas, 116, bairro Santa Terezinha, 36045-560, Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil. 3 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Montes Claros, MG, Brasil. * Autor para correspondência. Recebido / Received: 08/08/2017 Aprovado / Approved: 06/11/2017 Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão 109 steadily, because of its taste intensity and variation compared to pasteurized cheese. The development of flavor and aroma in raw milk cheese is governed mainly by diversified endogenous microbiota and naturals milk enzymes. The weather, altitude, native pasture and others regional characteristics allow the artisanal Minas cheese to have a typical and unique flavor. However, most of artisanal cheeses are manufactured in a rudimentary way, following technologies used by their ancestor, and this fact can cause defects in cheeses, thus resulting in economic losses for producers. Many defects may be originated from the quality of milk for manufacture, as well as quality and quantity of the ingredients used, manufacturing and ripening procedures. In this review will be presented the major defects that arise specifically in artisanal cheeses, as well as their origins, prevention and repair. Keywords: fermentation; contamination; blowing; quality. INTRODUÇÃO aumento da temperatura de coagulação, den- tre outros. Portanto, cabe ao artesão ou quei- O queijo Minas artesanal é um dos mais jeiro responsável pela produção adequar a antigos e tradicionais do Brasil. O estado de técnica de fabricação aos diferentes tipos de Minas Gerais é o maior produtor de queijos leite recebidos ao longo do ano e às tem pe- artesanais do país, reconhecidos pela sua im- raturas e condições ambientais da fabrica- portância cultural, histórica, social e econô- ção e maturação para obter queijos em perfeito mi ca (SOBRAL, 2012). Nos últimos anos, estado. no ta-se maior preocupação em melhorar a Muitos produtores já fazem tais modi- qua lidade dos queijos artesanais mineiros, ficações empiricamente, com o respaldo de de vido ao aumento do número de treinamen- suas experiências na prática do dia a dia, como tos de produtores, as melhorias na estrutura por exemplo, o aumento da dose de pingo no física das queijarias, a regulamentação da inverno. Nos meses mais frios, a tempera- produção e também a elevação no número tu ra do leite no momento da coagulação é de pesquisas e financiamentos por parte dos mais baixa, devido à troca de calor com o órgãos de fomento, com o intuito de aprimo- am biente. Sendo assim, muitos produtores rar os conhecimentos sobre este assunto e au mentam a dose de pingo no inverno, para possibilitar a fabricação de queijos mais se- que ocorra aumento na acidez titulável, per- guros e de qualidade superior. mitindo melhores condições de coagulação Na fabricação dos queijos artesanais a e dessoragem da massa, compensando a prevenção e correção dos defeitos são mais tem peratura mais baixa. O aumento da dose difíceis se comparadas aos queijos de leite de pingo também aumenta o número de bac- pas teurizado. Isso ocorre, pois nos queijos térias endógenas, contribuindo, assim, com a artesanais a matéria-prima principal, ou se- fermentação que também poderia ser preju- ja, o leite, não pode ser padronizada como dicada pelo abaixamento de temperatura. acon tece na indústria. O leite não apresenta Todavia, ainda existem obstáculos na pa drão físico-químico constante e pode va riar produção destes queijos que geram produtos ainda mais com as diferentes estações do ano. de baixa qualidade e com elevado número Também não são permitidas outras eta pas de defeitos, acarretando perdas econômicas que padronizam o produto, como a pasteu- para o produtor. Sendo assim, neste trabalho rização, o acréscimo de fermento industrial, o foram catalogados os principais defeitos que Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 110 SOBRAL, D. et al. aparecem nos queijos Minas artesanais, suas coalhada fica menos firme; diminuição da possíveis causas, prevenção e correção. atividade das bactérias láticas; no corte ocor- rem maiores perdas de caseína e gordura no REFERENCIAL TEÓRICO soro (queda no rendimento); diminuição de sinerese dos grãos e obtenção de queijos mais Problemas relacionados à qualidade do leite úmidos (COELHO et al., 2014). Todas estas mudanças podem dimi- Leite de vacas com mastite nuir o rendimento de fabricação e também po dem alterar o sabor dos queijos artesanais, A mastite é um processo inflamatório devido à inibição das bactérias láticas presen- da glândula mamária causada pelos mais tes no leite e no pingo e, consequentemente, variados agentes. Os mais comuns são as mudanças no complexo enzimático que atua bactérias dos gêneros estreptococos e esta- na maturação do queijo (McSWEENEY, filococos, além das bactérias do grupo coli­ 2007). formes (EMBRAPA ...., 2017). É preciso trabalhar continuamente na A contagem de células somáticas (CCS) prevenção e no controle de mastite, pois do leite pode indicar condições de sanidade constitui uma enfermidade que pode sur gir do rebanho assim como o sistema de higiene repentinamente, por se tratar de uma doença pelo qual o leite foi obtido e manuseado. de manejo. Para se fazer uma prevenção Quando a CCS é elevada pode ser indicativo adequada, é preciso considerar todo o contro- da presença de patógenos causadores da le zootécnico da propriedade. O diagnósti co mastite no úbere, responsáveis pela redução da mastite clínica é realizado pela obser- da produção de leite e da diminuição do va ção de alterações no leite, pelo teste da rendimento no processamento de queijos ca neca de fundo escuro e pelos sinais da (CASTRO et al., 2014). in flamação como a presença de dor, edema O aumento da CCS tem sido associado no úbere e modificação das características a alterações nas características físico-quími- da secreção do leite. Para o diagnóstico da cas do leite que podem indiretamente inter- forma subclínica da mastite, dois testes são ferir na fabricação de queijos. Sendo assim, de grande importância: o California Mastitis nota-se em casos de vacas com mastite di- Test (CMT) e a CCS (EMBRAPA ...., 2017). mi nuição da concentração de alguns com- Quan do os índices desta doença se elevam, po nentes do leite como caseína, gordura, sig ni fica que uma ou mais ações dentro do cál cio, fósforo, lactose e aumento dos ácidos manejo estão sendo executadas de forma ina- graxos livres de cadeia curta e das ativida- de qua da (EMBRAPA ...., 2017). des proteolítica e lipolítica (COELHO et al., 2014). Resíduos de antibióticos A mastite também pode aumentar a concentração da lactoferrina, da lacto pero- xidase e da plasmina, enzimas antimicro- A principal fonte de resíduos de anti- bia nas que podem inibir a multiplicação dos bióticos em leite é originada do manejo microrganismos da cultura láctea e, assim, inadequado de drogas no controle da masti te interferir nas condições da formação da ou de outra doença infecciosa. A causa mais coalhada (COELHO et al., 2014). frequente é o uso indiscriminado de dro gas No queijo, as consequências do leite veterinárias, sem controle de um médico vete- com altas CCS são: aumento no tempo de rinário e sem respeitar o período de carência coagulação (devido à mudança do pH); a (ARAÚJO et al., 2015). Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão 111 O principal problema causado pelos mentativo indesejável das bactérias do gru po re síduos de antibióticos no leite para a fabri- coliforme ou de leveduras que fermentam a cação de queijos artesanais é a inibição das lactose com produção de gás. Neste processo, bactérias láticas presentes no leite cru e no são formadas pequenas e numerosas olha- pin go, alterando todo o processo fermenta- du ras indesejáveis nos queijos, comprome- tivo. A inibição das bactérias láticas causa ten do sua aparência e o seu sabor (Figura 1) uma série de defeitos no queijo como: a massa (McSWEENEY, 2007). do queijo não enxuga, não dá ponto, pois não há produção de acidez dentro do grão; a massa não adquire porosidade e retém mais soro; o queijo não dessora bem; o queijo não atinge pH desejado; aumenta o risco de formação de gás por coliforme que resistem mais ao an ti biótico do que as bactérias láticas e en- contram alto teor de lactose não fermentada. Outra característica importante é que o quei jo pode ficar úmido e sem sabor, não maturan­ Figura 1 – Queijo artesanal apresentando o do adequadamente. defeito de estufamento precoce Para controlar este tipo de defeito, de- ve-se realizar o monitoramento do uso de Algumas bactérias do grupo coliformes produtos veterinários, sem uso indiscrimi- são indicadoras de contaminação fecal e, se as nado e respeitando os períodos de carência e contagens são altas, podem indicar a presença condições de uso de acordo com cada fabri- potencial de agentes patogênicos. Este defeito cante e tipo de antibiótico. Algumas medidas é chamado estufamento precoce, pois aparece devem ser adotadas para evitar resíduos de nas primeiras horas da fabricação do queijo, antibióticos no leite como: a implantação muitas vezes ainda no tanque de fabricação de programa de controle de mastite baseado ou na salga (McSWEENEY, 2007). em medidas preventivas, buscando reduzir a Os principais compostos produzidos por ocor rência de mastite no rebanho e desta for- bactérias do grupo coliforme são: ácido láti- ma, reduzir o uso de tratamentos; identificar co, ácido acético, etanol, CO, H. A produção 2 2 todos os animais em tratamento e ordenhá-los de gás começa a se tornar visível quando a separadamente e descartar o leite; respei tar contagem de microrganismos atinge valores estritamente o período de carência dos me- de aproximadamente 100 a 400 coliformes/g dicamentos; evitar o uso de antibióticos em de queijo (McSWEENEY, 2007). Nos quei- doses ou esquemas de tratamento não reco- jos artesanais, como não existe a etapa de mendados pelo médico veterinário e instruir pasteurização do leite, este defeito pode ocor- funcionários e ordenhadores sobre o correto rer com mais frequência. uso de antibióticos nos animais em lactação Em um estudo realizado por Perin e (SANTOS, 2000). colaboradores (2017), foi constatado em algu- mas amostras de queijo coletados nas re giões Problemas relacionados à fermentação do Serro, Canastra, Serra do Salitre, Araxá e Campo das Vertentes um alto núme ro do Estufamento precoce gru po coliformes que podem estar associa dos a problemas de higiene. Sobral et al. (2017) O estufamento precoce é processo fer- também encontraram contagens de colifor- Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 112 SOBRAL, D. et al. mes totais e termolerantes acima do permitido Estufamento tardio pela legislação (MINAS GERAIS, 2008) em amostras de queijos Minas artesanais co- Os queijos artesanais com estufamen to mer cializados no mercado central de Belo tardio apresentam trincas internas (Figura 2), Horizonte, MG. Estes estudos comprovam podendo apresentar áreas descoradas e ma- que há necessidade de uma medida corretiva cias, odor e sabor anormais, principalmente para este defeito nas queijarias. sabor de ranço. Estas alterações são resultan- A produção de queijo Minas artesa- tes do processo fermentativo indesejável, por nal em verões chuvosos, ou seja, quando, meio da fermentação do lactato e da glicose há maior solubilização de matéria orgânica, presentes no queijo, por bactérias do gênero so mada às temperaturas mais elevadas, fa- Clostridium spp, principalmente as espécies vo re ce a proliferação de microrganismos no Clostridium tyrobutyricum, C. butyricum e C. ambiente, principalmente no solo. Neste pe- sporogenes. A partir do lactato são formados río do há maior dificuldade para o produ tor os compostos: ácido butírico, ácido acético, em pra ticar corretamente os procedi mentos CO , H , enquanto da glicose são forma dos: 2 2 de higiene e os riscos de contaminação são ácido acético, ácido butírico, etanol, butanol, maiores. Tais efeitos explicam parte das varia- acetona, CO , H (BRÄNDLE et al., 2016). 2 2 ções nas contagens de coliformes nos queijos O defeito é chamado estufamento tar- em diferentes épocas do ano (FIGUEIREDO dio, pois demora um tempo maior para se et al., 2015). manifestar em relação ao estufamento pre- A contaminação do leite e do queijo coce, ou seja, se manifesta no período de por estes microrganismos pode ter origem na 10 dias até oito semanas após a fabricação falta de higiene do ordenhador ou da pes soa do queijo, podendo aparecer na câmara de responsável por fabricar o queijo (vis to que ma turação, no ponto de venda ou na casa do os queijos artesanais são muito mani pulados), consumidor (BRÄNDLE et al., 2016). nas más condições de limpeza e sa nitização Para evitar este defeito nos queijos das instalações e equipamen tos, e na utiliza- de ve-se utilizar leite de boa qualidade micro- ção de água contaminada, ou se ja, con dições biológica, uma vez que boa parte dos esporos precárias de higiene pratica das nas dife- de Clostridium spp. são provenientes do solo, rentes fases de obtenção do leite, fabri ca ção da poeira e do ambiente em geral. No entan to, e comercialização do queijo (McSWEENEY, muitas vezes a contaminação não pode ser 2007). completamente evitada. Queijos com baixo teor de sal, menor teor de umidade e com a Figura 2 – Queijos Minas artesanais apresentando trincas internas típicas de estufamento tardio Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão 113 casca mais firme são mais susceptíveis ao di ferentes: salgado na superfície e sem sal surgimento de estufamento tardio. Queijo no miolo. O queijo maturado, por sua vez, embalados a vácuo e com embalagens plás- sofre desidratação quando o processo de ticas impermeáveis e queijos com pH mais cura é feito sem embalagem. Nesses casos, elevado também possuem maior probabili da- é comum haver uma concentração do teor de de de apresentarem este defeito (BRÄNDLE sal (SOBRAL, 2012). et al., 2016). O excesso de sal também é utilizado Um dos procedimentos adotados para para mascarar sabores indesejáveis como o reduzir a contagem bacteriana e o número de “sabor de curral” e melhorar o gosto de quei- esporos de clostrídios no queijo é não utili - jos amargos, ácidos ou rançosos (BEMFEITO zar o leite das vacas alimentadas com sila- et al., 2016), problemas que podem surgir em gem para a fabricação de queijos (BRÄNDLE função da baixa qualidade do leite. et al., 2016). No inverno, devido ao maior teor de gordura do leite, o dessoramento dos queijos Problemas relacionados ao sabor ocorre mais lentamente, o que também exi- ge maior tempo de cura. Para compensar Queijos salgados esse atraso na maturação e no dessoramento e continuar produzindo no ritmo exigido O excesso de sal, além de não ser uma pelo mercado, alguns produtores usam uma prática saudável, pode interferir na matura- quantidade maior de sal, o que pode gerar ção do queijo, pois inibe a microbiota dese- queijos mais salgados e mais amargos. jável que faz com que os queijos artesanais tenham o sabor característico. Gosto amargo Em estudos realizados em queijos ar- tesanais de Minas Gerais (FERRAZ et al., O gosto amargo é um problema que 2016; SOBRAL, 2012; TEODORO, 2012), é aparece em alguns tipos de queijos e vem comum a variação do teor de sal em quei jos sendo encontrado com frequência nos quei- da mesma procedência. Isso ocorre devido à jos artesanais. Na maior parte dos casos, este falta de padronização da quantidade de sal defeito é resultado do acúmulo de peptídeos utilizada no queijo. Sabe-se que a salga dos hidrofóbicos e amargos, formados durante a queijos artesanais é feita, na maior parte das fabricação e maturação dos queijos, devido vezes, sem uma medida exata da quantida de a uma proteólise primária e secundária dese- de sal empregada, que pode gerar queijos quilibrada (FALLICO et al., 2005). Tais mais salgados que outros, mesmo se tratando pep tídeos são derivados particularmente da de um mesmo lote. hidrólise ocorrida a partir da região C-ter- A salga dos queijos artesanais é feita a minal hidrofóbica da β­caseína durante a seco, ou seja, aplica­se sal grosso ou refina­ pro teólise (McSWEENEY, 2007; PAULA do na casca dos queijos por um período de et al., 2017). Este desequilíbrio pode surgir 6 a 8 horas. Cumprido esse tempo, faz-se devido a motivos diversos e, por isso, é um a viragem do queijo, aplica-se sal na outra dos mais complexos defeitos de se resolver e face e o queijo fica salgando por mais um de identificar o agente causador (O GOSTO..., período. Após a salga, os queijos são lava dos 1992). para retirar o excesso. Nos casos em que o Normalmente os peptídeos amargos queijo é consumido ainda fresco, sem que produzidos são naturalmente degradados a te nha havido tempo suficiente para a difusão compostos não amargos por peptidases mi- do sal, é possível ter percepções de gosto cro bianas e contrabalançam a sua produção, Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 114 SOBRAL, D. et al. evitando um excessivo acúmulo no queijo e quimosina, o que pode causar o gosto amar- aparecimento do gosto amargo. No entanto, go e tornar este defeito mais comum em quando há uma proteólise desordenada, este queijos maturados. Em um estudo realizado equilíbrio de formação/degradação é que- por Bemfeito e colaboradores (2016), foi brado e o defeito pode acontecer (FALLICO observada grande variação no tempo de coa- et al., 2005). Quando a concentração de pep- gulação do leite durante a fabricação de tídeos amargos alcança ou excede o limi te dos queijos Minas artesanais da região da mínimo detectável pelo ser humano (tam- Canastra. Os autores concluíram que não bém conhecido como threshold) devido à ha via padronização da quantidade de coa lho su perprodução ou a degradação inadequada usada pelos produtores, comprovando que o destes compostos, o indesejável gosto amar- excesso de coalho pode ser também uma cau- go é perce bido no queijo pelos consumidores sa do aparecimento do gosto amargo. (FALLICO et al., 2005). Queijos com teores de sal e de umida de Em geral, os peptídeos amargos forma- extremos (ou muito elevados ou muito baixos) dos na proteólise primária são degradados tendem a apresentar o defeito. A solução por enzimas presentes no queijo, durante a está em equilibrar estes teores nos queijos proteólise secundária e o gosto tente a de- artesanais, desde que o queijo ainda mantenha saparecer. No entanto, quando na proteólise suas características. O excesso de sal e queijos primária ocorre excesso da atividade das muito secos tendem a apresentar uma menor en zimas do coagulante (retidas na massa du- proteólise secundária devido à redução da ran te a fabricação do queijo) ou quando a atividade enzimática da microbiota lática, lá- ativi dade das peptidases é insuficiente para tica, podendo contribuir para o acúmulo de se degradar peptídeos amargos formados, o peptídeos amargos nos queijos (FALLICO defeito pode surgir (McSWEENEY, 2007). et al., 2005). A escolha do tipo de coalho/coagulante Por outro lado, queijos pouco salgados e dose utilizada são importantes para evitar e com alto teor de umidade tendem a ocasio- este defeito. Os coagulantes vegetais e de nar uma superprodução destes peptídeos, ori gem fúngica podem causar o amargor. sendo a atividade das peptidases incapazes Coalhos com maior proporção de pepsina, de degradá-los, causando seu acúmulo na muito utiliza dos na produção dos queijos massa e gerando o defeito de gosto amargo (O artesanais, também tendem a aumentar este GOSTO..., 1992). Em queijos com alto teor defeito, devido à formação de peptídeos de umidade e baixo teor de gordura o defei- amargos pela ação inespecífica da pepsina. to pode ser mais evidente, devido à redução Doses de coalho acima das recomendadas do número de peptídeos hidrofóbicos na pelo fabricante também podem provocar o fase gordurosa do queijo. Já em queijos com amargor, devido ao maior acúmulo desta baixo teor de sal ocorre o enfraquecimento enzima na massa de queijo. O ideal é utilizar das interações hidrofóbicas entre as caseí nas a dose de coalho/coagulante recomendada o que facilita a ação do coagulante nestas pelo fabricante. Além disso, o leite com regiões, particularmente na região C-terminal, acidez mais elevada, retém mais coagulante resultando na produção excessiva de peptí- na massa, o que pode aumentar a chance de deos hidrofóbicos (PAULA et al., 2017). aparecer este defeito (PAULA et al., 2017). Na fabricação dos queijos Minas ar- Sabor de ranço tesanais, é comum a utilização de coalho com alto teor de pepsina, que é uma enzima A lipólise é um evento bioquímico que mais proteolítica e menos específica que a ocorre durante a maturação e pode contribuir Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão 115 gerando sabores desejáveis ou indesejáveis o ácido hexanóico possui sabor pungente, nos queijos. Quando a lipólise proporciona ca racterístico de queijo maturado por mofos sabores indesejáveis, é popularmente chamada azuis e o ácido octanóico pode gerarsabor de rancidez. A degradação da gordura duran- de cera, sabão, ranço e frutado. O limite de te a fabricação de queijos, que causa defeitos concentração e percepção dos AGL podem de sabor, pode ocorrer por meio da rancidez contribuir positivamente ou negativamente hidrolítica ou rancidez oxidativa (COLLINS para o aroma do queijo (COLLINS et al., et al., 2003). 2003). O ranço oxidativo ocorre devido à oxi- Em um estudo do perfil sensorial dos dação dos ácidos graxos insaturados com queijos Minas artesanais produzidos na re- formação de peróxidos, óxidos, aldeídos e gião da Canastra (BEMFEITO et al., 2016), o ce tonas. As reações de oxidação podem ser sabor de ranço foi percebido em algumas das influenciadas por diversos fatores, sendo os amostras, mas não foi dominante. Os auto- principais o calor e a luz (COLLINS et al., res deste estudo acreditam que o sabor de 2003). Os ácidos graxos poliinsaturados ranço muitas vezes é mascarado pelo excesso dos queijos são especialmente propensos à de sal do queijo, o que torna este defeito me- oxi dação, o que leva à formação de vários nos perceptível. al deí dos insaturados que são fortemente Para evitar defeitos de racidez em quei- aro matizados e podem resultar no sabor de jos, recomenda-se trabalhar com leite de ranço. No entanto, a oxidação lipídica não boa qualidade microbiológica, obtido por ocorre de forma significativa em queijos, uma higiene adequada durante a ordenha provavel mente devido ao seu baixo potencial (GIGANTE, 2004). Outro fator que causa redox (250 mV) e a presença de antioxidantes problemas de rancidez no leite e no queijo naturais (por exemplo, vitamina E), não sendo é o excesso de bombeamento ou turbulên cia um evento de grande preocupação (COLLINS no leite. Nos queijos artesanais, apesar da et al., 2003). não utilização de bombeamento mecânico do O ranço hidrolítico ocorre de forma mais leite, pode ocorrer turbulência do leite en- frequente na formação de sabores in de sejáveis tre o processo de ordenha e passagem deste no queijo. Este defeito acontece de vido à leite para a bombona ou recipiente onde ação das lipases (provenientes do leite ou de ocorre rá a coagulação e assim ocorrer rom- microrganismos) na gordura do queijo, com pimento dos glóbulos. O glóbulo de gordu ra liberação de ácidos graxos li vres de cadeia fica mais suscepítvel ao ataque das lipa ses curta (butírico, caproico, capríli co, cáprico). quando é rompido e, assim, aumenta as Estes ácidos graxos livres (AGL) forma- chances de ocorrer o saborde ranço no quei- dos durante a lipólise são importantes pre- jo, por isso deve ser evitado. curso res de reações catabólicas, produzem compos tos voláteis e contribuem para o sa- Problemas de contaminação bor (COLLINS et al., 2003). Ácidos graxos livres (AGL) de cadeia longa (> 12 átomos Ácaros de carbono) desempenham um papel me nor no sabor do queijo devido ao seu elevado Os ácaros mais comuns que infectam limiar de percepção. Já os AGL de cadeia a superfície dos queijos são as espécies curta e intermediária (C4: 0-C12: 0) têm Acarus siro, Acarus farris, Acarus immobilis, maior percepção e cada um dá uma nota de Tyrophagus putrescentiae, Tyrophagus sabor característica.O ácido butanóico, por longior, Tyrophagus neiswanderi, Tyrophagus exemplo, contribui com o sabor de ranço, palmarum, e Tyrolichus casei. Os queijos Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 116 SOBRAL, D. et al. infectados por ácaros apresentam orifícios Minas artesanais e pesquisas devem ser rea- ou túneis formados na casca e também pos- lizadas com este propósito. suem uma característica peculiar e visível a Apesar das vantagens de se maturar olho nu que é presença de uma poeira fina na quei jos com ácaros, a sua presença nos quei- superfície dos queijos (Figura 5), devido ao jos pode causar reações alérgicas e proble- acúmulo de dejetos e ácaros mortos no queijo mas gastrointestinais em algumas pessoas. (CARVALHO et al, 2017). A presença dos ácaros é mais comum em Para alguns, a presença de ácaros pode queijos secos, duros e de longa maturação. O ser considerada um defeito, no entanto, hoje ambien te mais favorável para o crescimento em dia alguns consumidores apreciam queijos de ácaros é um ambiente seco, com baixa umi- contaminados por ácaros e acreditam que a dade rela tiva do ar na camara de maturação presença dos ácaros influenciam positiva­ (FURTADO, 2017). mente o sabor e o aroma dos queijos. Com Depois de infectada por ácaros, a de- a ascensão do queijo artesanal no Brasil e a sin fecção da câmara de maturação é dificil introdução de diferentes técnicas de matu- de ser resolvida, portanto, aconselha-se pre- ração, produtores brasileiros iniciaram, tam- ve nir para que este tipo de contaminação não bém, a realização da maturação de queijos na apareça. Para isso, deve-se manter a tempe- presença de ácaros, com o objetivo de con- ratura e umidade relativa do ar (URA) da câ- fe rir um sabor característico como os queijos mara adequados, realizar a inspeção regu lar fabricados em outros países (CARVALHO dos queijos e das prateleiras de maturação, et al, 2017). no sentido de verificar a presença dos áca ros, Em um estudo realizado com queijo virar regularmente os queijos, não deixar parmesão no Brasil (CARVALHO et al, 2017) pedaços de queijos nas câmaras por longos foram encontrados ácaros identificados como perío dos e fazer limpeza regular destas câ- Tyrophagus putrescentiae. Segundo este maras e prateleiras (FURTADO, 2017). estudo, esta espécie está presente em diversas regiões do mundo, podendo ser encontrada na Fungos filamentosos poeira doméstica ou em grãos armazenados, assim como em outros alimentos estocados. Os mofos por si só não são agentes pato- No entanto, ainda não existem estudos sufi­ gênicos veiculados por alimentos, no en tan- cientes de identificação de ácaros nos queijos to, seus metabólicos secundários conhecidos Figura 5 – Presença de ácaros na superfície do queijo e na câmara de maturação Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017 Principais defeitos em queijo Minas artesanal: uma revisão 117 como micotoxinas possuem efeitos toxi- o crescimento é limitado pela quantidade de cológicos agudos ou crônicos (BECKER- oxigênio residual. Os níveis de oxigênio po- ALGERI et al., 2016; BENKERROUM, 2016; dem determinar as espécies de fungos encontra- ZACARCHENCO et al., 2011). das. Os fungos mais comuns encontrados em As micotoxinas são substâncias tóxi- queijos embalados a vácuo são Penicillium cas que preocupam a saúde pública devido spp. (especialmente P. commune, um fungo aos efeitos graves que podem causar nos azul) e C1adosporium spp. (especialmente seres humanos tais como carcinogenicidade, C. cladosporioides, um fungo preto). Outros genotoxicidade/teratogenicidade, mutage- bolores encontrados em diferentes queijos são nicidade, nefrotoxicidade, hepatotoxicidade, Aspergillus, Fusarium, Mucor, Scopulariopsis imunotoxicidade, além de outros fatores de- e Verticillium (ZACARCHENCO et al., 2011). bilitantes (BENKERROUM, 2016). Uma vez A pasteurização do leite (72 ºC por 15 que a micotoxina é produzida no alimento, a segundos) é suficiente para inativar fungos e sua descontaminação é um processo difí cil seus esporos do leite cru, no entanto, algumas ou impossível de ser alcançado, devido a sua espécies produzem ascósporos resistentes ao resistência aos tratamentos utilizados para sua tratamento térmico e conseguem sobreviver inativação (BECKER-ALGERI et al., 2016; a tratamentos de 90 ºC por 5 minutos, como BENKERROUM, 2016). é o caso do fungo Byssochlamys fulva. Es- Em um estudo realizado por BECKER- tir pes desta espécie podem ser encontra das ALGERI e colaboradores (2016) foi de- no leite e pode, possivelmente, produzir monstrado que há registros de ocorrência de micotoxinas no queijo fabricado incluindo a micotoxinas em queijos do Brasil e outros byssotoxina A, ácido bissoclâmico, patulina, países como Grécia, Líbia, Paquistão, dentre verrucu logênio, fischerina e eupenifeldina outros. (BENKERROUM, 2016). Na fabricação de algumas variedades A presença de fungos filamentosos é de queijos, tanto industriais quanto artesa- aceitável ou mesmo necessária em queijos nais, o crescimento de fungos filamentosos especiais fabricados a partir de leite cru e pode fa zer parte da microbiota desejável com Denominação Origem Protegida (PDO) como é o caso dos mofos brancos (Penicillium em todo o mundo e podem ser necessárias camemberti) em queijos como o Camembert para os queijos artesanais brasileiros, depois e o Brie e os fungos azuis (Penicillium de estudos que comprovem que não oferecem roqueforti) em queijos como o Gorgonzola e risco a saúde pública. Nestes queijos, os fun- o Roquefort (ZACARCHENCO et al., 2011). gos estão envolvidos na maturação e podem Em alguns casos o crescimento de fungos ter origem na microbiota do leite cru, am- filamentosos pode ser indesejável e indicati vo biente de maturação, como é o caso do queijo de contaminação. Roquefort, ou pode ser adicionado ao leite Os esporos de fungos filamentosos como culturas adjuntas quando o queijo é do ambiente necessitam de oxigênio para fabricado utilizando leite pasteurizado. Estes crescimento e esporulação, crescem na casca fungos desempenham um papel fundamen- de queijos expostos ao ar e não se espera seu tal no desenvolvimento do sabor e da textura desenvolvimento em queijos embalados a destas variedades de queijo (BENKERROUM, vácuo (ZACARCHENCO et al., 2011). No 2016). entanto, em algumas situações, os fungos Em um estudo realizado na região do podem crescer em bolsas de ar existentes entre Serro (CARDOSO et al., 2015), quatorze es- a embalagem e a superfície do queijo, porém pé cies de fungos foram obtidas a partir de Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 72, n. 2, p. 108-120, abr/jun, 2017

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2, p. 108-120, abr/jun, 2017. Artigo. DOI: 10.14295/2238-6416.v72i2.600. PRINCIPAIS DEFEITOS EM QUEIJO MINAS ARTESANAL: UMA REVISÃO.
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