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ArtHUr DUNCK OLIVEIrA PDF

498 Pages·2012·20.16 MB·Portuguese
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Anais do Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão- CONPEEX (2012) 512 - 526 A CONCEPÇÃO DE POLÍTICA DA ESQUIZOANÁLISE NA OBRA DE DELEUZE E GUATTARI Orientando Arthur Dunck Oliveira Prof. Dr. Domenico Uhng Hur Introdução: A Psicologia Social consiste, na contemporaneidade, em uma dispersão de correntes teóricas distintas, revelando emergências de novas tendências que abrange a Psicologia como um todo. Com a crise do paradigma dominante da ciência (SANTOS, 2009), de caráter cientificista, experimental e mecanicista, emergiram novos paradigmas na ciência e, consequentemente, reverberou na Psicologia Social. Por que, então, dentre toda a perspectiva emergente, escolher a Esquizoanálise para referenciar uma Psicologia Social que analise a política? A Esquizoanálise faz parte do paradigma emergente e se caracteriza como uma teoria crítica dos acontecimentos contemporâneos, das instituições e das formas tradicionais de fazer política. Por acontecimentos contemporâneos, podemos contemplar as manifestações do “maio de 68”; os movimentos que procuram autogestão social e lutas populares independentes e críticos de partidos políticos, também como das formas burocratizadas de organização; as lutas contra ditaduras, tais como a brasileira como também as que instauraram no mundo árabe; as reivindicações e lutas por direitos na questão da diversidade sexual. A partir da crítica social e política de Deleuze e Guattari (1976), entendemos que a Esquizoanálise é um campo de saber indissociável da intervenção política e de uma leitura das relações sociais. Consideramos também que toda intervenção no social reflete um posicionamento claro e definido e, logo, a Esquizoanálise não assume neutralidade no âmbito político. Assim, pois, a Psicologia Social referenciada pela Esquizoanálise é um outro campo de saber que atua na esfera social buscando novas reflexões e práticas. A Esquizoanálise se diferencia de campos clássicos de referência para a psicologia, como o marxismo e a psicanálise. No que se refere ao marxismo tradicional, utiliza-se das obras de Marx, tal como “O Capital”, mas confere críticas na sua apropriação. Certas críticas se fazem às noções tais como a de ideologia, de classe social, da dialética. Questões como: nessa perspectiva põe-se a luta de classe como o motor da história? Ou mesmo: a ideologia encobre uma verdade que seria hegemônica? A Esquizoanálise também se diferencia da Psicanálise. Agora o inconsciente não funcionaria como uma representação teatral, mas sim como uma fábrica, uma usina intensiva (DELEUZE & GUATTARI, 1995). Porém, seria a 512 Capa Índice Esquizoanálise uma Psicanálise com novos significantes ou traria outros operadores conceituais e outra concepção de homem? Com as perspectivas que permeiam a Psicologia Social referenciada, então, pela Esquizoanálise, um novo campo emerge – antes de tudo, político -, se constitui e se constrói, um campo considerado ainda marginal (HUR, 2010). Consideramos que seja uma nova produção na perspectiva contemporânea da Psicologia Social, que visa novas reflexões e práticas. Objetivos: A partir desse ponto de vista, o objetivo geral desse projeto é investigar a concepção de política da Esquizoanálise na obra de Deleuze e Guattari. Buscamos então investigar qual é a crítica social e política trabalhada nessa obra, se diferenciado da tradição marxista acumulada até então, sem negá-la, e contemplando outro caminho de compreensão e leitura da realidade contemporânea. Para ilustrar esse diferencial pretendemos usar do seu referencial para analisar acontecimentos políticos na sociedade, tal como as manifestações populares que ficaram conhecidas em Goiás como “Fora Marconi”. Como objetivos específicos, pesquisamos: a relação da concepção de política da Esquizoanálise na obra de Deleuze e Guattari nas questões da prática política autogestionada (HUR, 2010) e dos processos organizativos políticos; a noção de militância nas possíveis ações transformadoras a partir da prática política autogestionada; e em específico as manifestações populares conhecidas como “Forma Marconi”. Entendemos que buscar tais objetivos implica na noção de autogestão que leva em consideração a pluralidade das lutas políticas, a auto-organização, as subjetividades, a potência desejante, etc., indo além da tradicional luta de classes em que o partido deveria ser o aparelho de luta privilegiado da revolução (HUR, 2010). Esse é um dos motivos de escolhermos, a priori, as manifestações “Fora Marconi”. Metodologia: Como procedimento e meio de realizar a pesquisa, realizamos uma revisão bibliográfica, que teve a finalidade de se aprofundar na investigação dos objetivos declarados, através da leitura e da entrega quinzenal de um fichamento, referente aos objetivos do projeto, do material pesquisado: a cada 15 (quinze) dias, realizamos a leitura de um capítulo escolhido, junto ao orientador, sobre determinado livro ou volume com entrega de um material textual, no tocante à concepção de política, ao orientador. 513 Capa Índice Debruçamo-nos, então, principalmente sobre os dois tomos da obra Capitalismo e Esquizofrenia, O Anti-Édipo (DELEUZE & GUATTARI, 1976) e os Mil Platôs (DELEUZE & GUATTARI, 1995a, 1995b, 1996, 1997a, 1997b), que representa o eixo temático da nossa revisão bibliográfica. Após o primeiro momento de revisão bibliográfica, realizamos uma análise de um fenômeno social concreto com as categorias de análises elencadas por nossa revisão bibiográfica. Realizamos uma observação de tipo etnográfica (IÑÍGUEZ, 1995) do movimento social “Fora Marconi” para refletirmos que características portam esse acontecimento. Discussão teórica: Para discutir a teoria esquizoanalítica abordaremos algumas questões centrais na teoria, como a relação entre sujeito e desejo, a concepção de máquinas desejantes, corpo sem órgãos e a política. Deleuze e Guattari trabalham com a noção de que a subjetividade é produtora, uma vez que o desejo é o seu motor . Desejo é produzir, tanto no campo material como no campo psíquico: “Sente algo, produz algo, e é capaz de fazer teoria disso” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, p. 11). O sentir e produzir estão interligados, é uma prática monista e materialista. Portanto, o desejo é produção, como toda produção é desejante. Os autores, ao discutir o processo, inserem o registro e o consumo na produção, sem distinção da Natureza e Indústria e sem fins ou metas – mas a efetuação. É só a produção que interessa, como processo, pois só a produção tem base material e concreta. Produzir a produção (a indústria), bem como produzir ao mesmo tempo o registro e o consumo denota um papel ativo. Por isso a natureza e o homem convergem no mesmo processo produtivo, o qual a diferenciação cabe somente no idealismo. Não há diferenciação do plano psíquico do plano social, sendo os dois planos materiais e concretos através da categoria desejo. Os autores colocam que as máquinas desejantes funcionam como em um regime associativo, são elas binárias, ao passo que uma máquina opera o fluxo e a outra corta o fluxo, “cada máquina-órgão interpreta o mundo inteiro segundo seu próprio fluxo” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, pág. 16). Uma síntese produtiva – produção de produção -, que tem uma forma que conecta uma máquina a outra máquina, sempre linear e ligando duas grandezas (forma binária). O desejo acopla fluxo e objeto, essa é sua tarefa e sua produção. Com isso, os autores explicam que toda continuação de fluxo supõe um objeto fragmentado e que todo objeto supõe a continuidade de um fluxo. Um fluxo é recortado em uma máquina e tem 514 Capa Índice continuidade a outro objeto parcial (nunca total). O fluxo tem objeto, o desejo acopla tal objeto fragmentado ao fluxo. Outra forma dessa síntese (objeto parcial-fluxo) é o produto- produzir, a primeira síntese do processo: produção de produção. Por isso os autores vêem no esquizofrênico o produtor universal, não se tratando de distinguir o produto do produzir (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Nessa lógica, o homem é tão somente seu objeto produto – produzir-se, consumir-se e registrar-se. O termo francês “bricouler” é, para os autores, a máquina como condição do homem: a possibilidade de sempre realizar novos acoplamentos. São máquinas ligadas a outras máquinas, desvio de fluxo de um conjunto funcional para outro. Fluxo é o caminho do desejo por entre seus objetos. A produção desejante é o fluxo do sentir, do produzir e do teorizar sobre alguma coisa ou outra. Assim, sentir, produzir e teorizar sobre dado fato diz de uma subjetividade intrinsecamente atravessada pela esfera concreta da vida. Portanto, a subjetividade é determinada, em última instância, pela política. Uma subjetividade produz uma política que advém de uma relação entre sentir, produzir e teorizar que não está reduzia em âmbito individual. Posicionando contra a triangulação reduzida de que Édipo faz às maquinas desejantes, os autores mostram que o Édipo tradicional da Psicanálise é somente uma força repressora, mas que diversas máquinas coexistem, trabalhando juntas, num “ruído ininterrupto de máquinas” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, p. 12). Por isso, Deleuze e Guattari elegem o “esquizo” (esquizofrênico) como figura opositora ao Édipo. Para eles, o Édipo reduz as outras máquinas, reduz ao campo das relações familiares às identificações nos processos políticos e organizativos. Um exemplo disso seria que a submissão que militantes se sujeitam aos líderes autoritários advém da relação pai-filho dentro das relações de ambivalência do processo edipiano. Deleuze e Guattari defendem assim uma psiquiatria materialista, a qual se define por “introduzir o desejo no mecanismo e introduzir a produção no desejo” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, p. 39). O debate é entre se ter uma concepção materialista ou idealista da compreensão da esquizofrenia, bem como a crítica ao Édipo da psicanálise nesse sentido. Na esquizofrenia, o delírio funciona na qualificação do registro que recolhe o processo de produção das máquinas desejantes. Para os autores, as explicações da esquizofrenia estão marcadas por formas idealistas, que encontram na relação entre as pulsões e os sintomas, entre os símbolo e o simbolizado, uma relação ou causal, ou de compreensão ou de expressão (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Reiteram que a grande descoberta da psicanálise é a 515 Capa Índice produção desejante, as produções do inconsciente. Mas o Édipo seria um idealismo, que colocaria no lugar da produção, da fábrica, uma representação, um teatro. Uma concepção materialista da esquizofrenia, para os autores, vai de confronto com a concepção de desejo enquanto falta, o fantasma da psicanálise. A distinção entre objeto real e objeto criado pelo desejo, uma realidade psíquica (em oposição à realidade material) do desejo e que insistiria em definir o desejo pelo objeto que lhe falta. Para dizer da realidade do desejo, o desejo que produz, ele seria um conjunto de sínteses passivas. Essas sínteses conectam os objetos parciais, os fluxos e os corpos – que tem funcionamento de unidades de produção. Nada falta ao desejo como objeto, mas é o sujeito – um sujeito fixo – que falta ao desejo. Sempre próximo das condições objetivas de existência unindo-se a elas, seguindo-as, deslocando-se com elas, o desejo é parasitado, como bem coloca os autores, pela necessidade ou falta, contraproduzidas no real, arrumadas, vacuolizadas no real, natural ou social: os pobres não tem necessidade a não ser das coisas que lhe são tiradas. A falta nunca é primeira, é contraproduzida pelas instâncias antiprodutivas que se apropria das forças produtivas; é alojada, vacuolizada e propagada de acordo a organização de uma produção determinada (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Os autores o descobrem com Antonin Artaud e com o instinto de morte da Psicanálise a antiprodução, e com isso podemos adotar como a origem do corpo sem órgãos como um corpo pleno. Só com o corpo pleno se desliza o puro fluido em estado livre e sem cortes. “As máquinas desejantes fazem do corpo um organismo, mas no seio de sua própria produção o corpo sofre por estar organizado, por não ter outra ou nenhuma organização” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, pág. 20). Surge um conflito entre as máquinas desejantes e o corpo sem órgãos. O corpo sem órgãos atua, então, em uma repulsão às máquinas desejantes, pois é a atividade daquele que torna a este as coisas insuportáveis – é o corpo pleno que sofre e que é estrangulado pela ação organizadora das máquinas desejantes. Nesse conflito, se origina a máquina paranóica: ação invasiva das máquinas desejantes sobre o corpo sem órgãos e a reação repulsiva deste, que identifica as máquinas desejantes em seu conjunto um aparelho de perseguição (DELEUZE & GUATTARI, 1976). É a oposição do processo de produção e a parada improdutiva do corpo sem órgãos que resulta na máquina paranóica, que inscreve uma mutação nas máquinas desejantes. Na relação estabelecida entre produção desejante e produção social, os autores explicam, com contribuições marxianas, a apropriação das forças produtivas pela antiprodução. O paralelo feito pelos autores entre o antagonismo capital-trabalho e corpo sem 516 Capa Índice órgãos-máquinas desejantes, dá lugar para pensar os aspectos políticos na relação da esfera do desejo e do social, mas não mais como autônomas – é o mesmo processo produtivo. Esse paralelo: o capital se apropria das forças produtivas, como o trabalho, e não se contenta somente em se opor ao trabalho, mas atribui a si próprio a causa da produção; o corpo sem órgãos se assenta sobre a produção, se torna a superfície de registro de todo o processo de produção, de modo que as máquinas desejantes parecem emanar dele (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Assim, após a máquina paranóica, surge a máquina miraculante. O corpo pleno, sendo o socius (a parada improdutiva da produção social) ou o corpo sem órgãos, se estabelece na produção e se produz com seus próprios meios. O capital se reproduz a si próprio no registro da mais-valia, na superfície encantada de inscrição. Penso que tudo indica que como o corpo sem órgãos reproduz no seu “feitiço miraculante” é através da síntese disjuntiva, ou a produção de registro. É nessa síntese que a conexões produtivas passam das máquinas desejantes ao corpo sem órgãos (corpo pleno), submetidas a outra lei que expressa uma distribuição do improdutivo, como nas disjunções do capital. São as disjunções que registram a produção no corpo sem órgãos e no socius, recobrindo as conexões produtivas. Entendemos que as disjunções estão a favor do corpo sem órgãos, da maneira que uma separação das máquinas esteja a favor de uma lógica que é do corpo sem órgãos; o primeiro “ou então” escolhe entre as conexões permutáveis, sendo que o segundo “ou” marca escolhas diferentes e possíveis de permutação que retornam ao mesmo, deslizando na superfície do corpo sem órgãos. É com essa síntese disjuntiva que os autores trazem a diferença de trabalho quanto a energia na síntese de produção e energia na síntese de registro: ”libido é o ‘trabalho’ conectivo da produção desejante, devemos dizer que uma parte dessa energia se transforma em energia de inscrição disjuntiva (Numen)” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, p. 26). A produção desejante não é senão uma produção histórica. É próprio do socius dar código e significado ao desejo, bem como as angústias, os medos e o fluxos descodificados. Dessa maneira, para os autores, o capitalismo se rege na apropriação dos fluxos descodificados a qual destitui os códigos por uma axiomática das quantidades abstratas em forma de moeda. No capitalismo, o que não havia significado e código social passa a ter uma quantidade abstrata (DELEUZE & GUATTARI, 1976). O capitalismo é nada mais ou menos que uma máquina social e se sobressaiu como que estivesse sempre a se instaurar nos rumos da história. Sua máquina se instaura nos fluxos descodificados de outras máquinas sociais precedentes (máquina selvagem e máquina bárbara). 517 Capa Índice Adentrando a máquina social selvagem, os autores abordam uma unidade primitiva de produção e de desejo: a terra. A terra é tanto objeto do trabalho quanto de uma unidade indivisível, de uma produção e de um elemento antiprodutivo que se apropria das forças produtivas como seu pressuposto divino ou natural. A Terra condiciona a apropriação e a utilização comuns do solo, uma superfície que registra os objetos, os meios e as forças de trabalho. Nela se distribuem os agentes e os produtos. É na Terra que se inscreve o processo de produção. Então, a máquina territorial seria a primeira forma de socius, a máquina da inscrição primitiva – megamáquina (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Os autores esclarecem a perspectiva de que a sociedade não é um meio de troca a qual seria essencial circular e fazer circular a vida, mas marcar e ser marcado – um socius de inscrição - “só há circulação quando a inscrição exige ou permite” (DELEUZE & GUATTARI, 1976, pág. 189). Em tal sentido, o procedimento da máquina territorial primitiva é o investimento coletivo de órgãos. Só há codificação do fluxo quando há os órgãos capazes de produzi-lo e corta-lo, cercados e instituídos como objetos parciais distribuídos e fixados no socius. Por isso que, para os autores, as unidades nunca são as pessoas ou o privado, mas as conexões, disjunções e conjunções de órgãos. É então o investimento coletivo de órgãos que liga o desejo e o socius, a produção desejante com a produção social. O termo investimento coletivo de órgãos pode ser de importância fundamental para o entendimento de uma psicologia social, que diz da subjetividade e da objetividade na perspectiva do desejo e do socius inscritor. Isso, no tocante ao procedimento das produções, no desejo e no social. A análise de Deleuze e Guattari da moderna sociedade é de que nela se faz uma “privatização de órgãos”: ser colocado fora do campo social, quando se tornam abstratos os fluxos decodificados. E o primeiro órgão é o ânus. É, pois, ele que dá o seu modelo de privatização, ao mesmo tempo em que o dinheiro dá a expressão do novo estado de abstração dos fluxos. A ordem lógica para os autores é a seguinte: se substitui os fluxos codificados pela quantidade abstrata; desinvestimento dos órgãos coletivos e conformidade com o modelo do ânus; constitui-se pessoas privadas como centros individuais de órgãos e funções derivadas da quantidade abstrata. A sublimação é anal. Na medida em que o ânus entra em jogo elevado e desinvestido, e em que a libido devém quantidade abstrata, se produz pessoas globais e eus específicos, e que servirão senão de medida para essas mesmas quantidades abstratas (DELEUZE & GUATTARI, 1976). Deleuze e Guattari discutem uma maquinaria social posterior à territorial primitiva, que é a formação imperial despótica. Nela, há a substituição da terra pelo vetor da captura, em 518 Capa Índice que há uma sobrecodificação dos fluxos sociais a partir dos desejos do déspota. A figura do soberano, o Império, torna-se lei, culminando na constituição do Estado e da dominação de uns sobre outros. O terceiro, e atual, tipo de funcionamento, é regido pela axiomática do capital. O capitalismo surge como uma axiomática que desterritorializa os antigos códigos sociais (a axiomática substitui o código): Recapitulemos; a máquina territorial primitiva consistia em codificar os fluxos sobre o corpo pleno da terra, a máquina imperial consistia em sobrecodificar os fluxos sobre o corpo pleno do déspota e do Urstaat e na máquina moderna capitalista há um outro processo, o de descodificar os fluxos sobre o corpo pleno do capital dinheiro. Ou seja, o capitalismo procede por uma operação inversa ao socius; enquanto as outras formações sociais tinham primazia pela codificação, o Capitalismo opera pela descodificação dos fluxos territorializados, por isso que pode ser dito que é o negativo da sociedade (HUR, 2009, p.112). Dessa forma, constatamos que há uma relação direta entre subjetividade, desejo e processos políticos. Em toda obra esquizoanalítica a política aparece como algo intrínseco às relações intersubjetivas. Tanto que a política é ao mesmo tempo macropolítica e micropolítica (DELEUZE, GUATTARI, 1996). A macropolítica corresponde à política dos grandes conjuntos, dos espaços sociais molares, a política instituída, já a micropolítica a uma microfísica do poder, à política do cotidiano, à “questão de uma analítica das formações do desejo no campo social” (GUATTARI, 1986, p.127). A micropolítica instaura uma atuação instituinte em múltiplas dimensões, não apenas nas tradicionais Instituições políticas: Não se trata apenas de simplesmente descrever os objetos sociais preexistentes, mas de engajar uma luta política contra todas as máquinas do poder dominante, quer se trate do poder do Estado burguês, do poder dos burocratas de toda natureza, do poder escolar, do poder familiar, do poder falocrático no casal e mesmo do poder repressivo do super-ego sobre o indivíduo (GUATTARI, 1974, p.44). De tal forma, que compreendemos que na Esquizoanálise há uma expansão do conceito de política, que o aproxima também a uma tarefa ética: de desterritorialização dos conjuntos sociais opressores, tanto do ponto de vista social, como desejante. Portanto, compreende-se política na Esquizoanálise como: As relações de forças e desejantes que se estabelecem em diferentes esferas do campo social, que visam atuar na configuração de poderes instituída e que resultam na gestão da vida e na produção de subjetividades, podendo ter distintos graus de organização. Consideramos que a prática política não está restrita à participação nas organizações políticas instituídas, mas sim difusa em distintos campos da vida, em que aparece o exercício das relações de poder na expressão e no gerenciamento da vida de um coletivo e até de apenas uma pessoa. (...) Falar em prática política é criar um determinado regime de visibilidade, um ângulo de visualização, sobre como atuam as relações de 519 Capa Índice poder nas relações sociais e de como produzem e reproduzem realidades e modos de subjetivação. Por isso podemos falar em políticas do cotidiano, políticas da subjetividade e até em políticas do corpo (HUR, 2012, p.12/3). Observação Participante das manifestações “Fora Marconi”: Neste tópico discutiremos um acontecimento social para pensar sobre como a perspectiva esquizoanalítica pode contribuir na leitura desse fenômenos. Citaremos passagens das manifestações populares conhecidas como “Fora Marconi”. Foram uma série de manifestações feitas por jovens, muitos deles estudantes, que foram organizadas nas redes sociais da internet. Inicialmente foi um evento publicado na rede social “Facebook”, mas que ganhou em pouco tempo grande crescimento e notoriedade em Goiás. Isso devido ao fato da operação da Polícia Federal “Monte Carlo”, a qual revelou uma trama de negociações e cumplicidades de vários políticos e parte da cúpula da secretaria de segurança do Estado de Goiás com o empresário Carlinhos Cachoeira. O movimento ganhou repercussão na sociedade goiana medida em que conseguiu atingir um grande número de pessoas a ir para as ruas principais de Goiânia-Goiás. O mote das manifestações consistia, essencialmente, em tirar Marconi Perillo do poder do governo do estado de Goiás, devido à corrupção. A seguir estão os relatos sobre a observação participante no interior da terceira e da quarta manifestações. Terceira manifestação popular “Fora Marconi”: Cheguei à manifestação por volta das onze horas da manhã, ao passo que ela já tinha começado às dez. Quando eu cheguei, ela estava já passando ao lado da “Praça A”, virando em uma rua em sentido de ir para a rua principal, a 24 de outubro. Enquanto eu aproximava por trás da manifestação, outras pessoas (maioria delas jovens) também se aproximavam como eu, chegando ao mesmo momento. A manifestação tinha um carro de som, que logo depois fiquei sabendo que fora alugado pelo coletivo de professores “Mobilização dos Professores de Goiás”. As falas do carro de som foram abarcadas por algumas vozes diferenciadas, mas, de maneira geral, duas delas eram as que mais apareciam. Eu identifiquei mais tarde tais vozes a de um professor do coletivo e outra de um rapaz a qual eu não pude identificar ainda. Esse rapaz estava de cara pintada e com a camisa do MBCC (Movimento Brasil Contra a Corrupção). Esse movimento se denomina “novos caras pintadas”. 520 Capa Índice Estimava-se entre 400 a 500 pessoas na manifestação. Foi, com certeza, um número consideravelmente pequeno perto das duas primeiras. Porém, nessa teve a presença de grupos da esquerda política organizada presentes, partidos de esquerda unidos em um comitê sindical e popular contra a corrupção. Tais grupos não foram hostilizados, ao menos o que pude ver e saber, como nas duas primeiras. Lá encontrei conhecidos, colegas e amigos; companheiros de partido, amigos e colegas de curso e de centro acadêmico. A manifestação foi puxada e centralizada, em certo grau e medida, pelo carro de som. Identifiquei alguns grupos anarquistas na frente levando cartazes. Nos espaços vazios que iam se formando no corpo da manifestação, algumas pessoas levantavam palavras de ordem. As palavras de ordem mais frequentes foram “Ei, Goiás, Marconi nunca mais!”, “Marconi, bicheiro, devolve meu dinheiro!”, “Quem não pula é marconista!”. A manifestação teve trajeto na Rua 24, onde o carro de som parou e ali se seguiram algumas falas. Nesse espaço, teve fala dos setores da esquerda política, a qual destacou a unidade do movimento contra o Marconi. Nesse instante final, teve um conflito entre o rapaz do MBCC e um anarquista. O conflito aconteceu, de acordo com o relato do anarquista, devido a esse ter manifestado ser contrário às atitudes pacíficas, despertando a indignação do cara do MBCC. Ainda antes do final, alguns ativistas estavam distribuindo panfletos com “poesia contra a corrupção”, e pude perceber que muitos continuavam o trajeto, mas também liam. No final, fiquei sabendo por um conhecido que, a respeito do incidente da segunda manifestação (abordagem policial com repressão), a garota responsável por pintar o policial com tinta falou ao microfone, explicando que quem tivesse achado ruim ou tivesse reprovado o que ela tinha feito, que fosse falar com ela, que fosse tirar satisfação com ela pessoalmente, fazendo alusão à repercussão que teve via internet e boatos. Quarta manifestação popular “Fora Marconi”: Cheguei à manifestação por volta de 10h45 e ela estava na região do coreto da Praça Cívica, bloqueando a rua com carro de som. Nesse lugar, um grupo que beirava 50 pessoas formou um espaço circular a qual pessoas fariam falas no centro, utilizando o microfone do carro de som. No momento em que cheguei, havia uma voz de um senhor falando. Peguei sua fala no fim, mas o que entendi é que ele chamou a atenção para vários setores da população se organizar, tais como as categorias de professores, estudantes, bem como setores dos bairros e 521 Capa Índice

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Psicologia Social referenciada pela Esquizoanálise é um outro campo de Clonal propagation of orchids by means of tissue culture: A manual. In:.
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