%*-f-' I UVBftHli BM»®* , t6 I T i v r a r i a G A B R I EL 1 RUA EDGAR BORGES, 40 | ( EM FRENTE A LOTÉRIA ESTADUAL) í FONE: 226-7750 " ‘ V = FORTALEZA - í / ‘ ■' y & J í:i Coordenação: Prof. Mário Guimarães Ferrl e Prof. Antônio Brito da Cunha do Instituto de Biocléncias da Universidade de Sáo Paulo d- $1^33% o i n o i g? BIBLIOTECA CENTRAI j ÍUFC n*. i r t i / O f I g j j L CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP ' Lemos, Carlos Alberto Cerqueira, 1925- L576a Arquitetura brasileira / Carlos A. C. Lemos. — São Paulo : Melhoramentos : Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. (Arte e cultura) Bibliografia. 1. Arquitetura - Brasil I. Título. II. Série. 79-0510 CDD-720.981 índice para catálogo sistemático: EDIÇÕES MELHORAMENTOS 1." Brasil : Arquitetura .720.981 EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SUMÁRIO Obra publicada com a colaboração da Apresentação ................................................................................. 7 Panorama geral ............................................................ g UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO A arquitetura européia no litoral da colónia ........................ 27 A arquitetura paulista dos primeiros séculos ...................... 58 0 caso do barroco mineiro ....................................... 76 0 neoclássico e o ecletismo ..................................................... 103 Os tempos recentes .................................................................... 1'29 Reitor: Prof. Dr. Waldyr Muniz Oliva EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri Comissão Editorial: Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri (Ins tituto de Biociências). Membros: Prof. Dr. Anto- nio Brito da Cunha (Instituto de Biociências), Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (Faculdade de Medicina), Prof. Dr. Pérsio de Souza Santos (Escola Politécnica) e Prof. Dr. Roque Spencer Maciel de Barros (Faculdade de Educação). © 1979 Comp Melhoramentos de São Paulo. Indústrias de Papel Caixa Postal 8120. São Paulo Lx-VIII-1979 Nos pedidos telegráficos basta citar o cód 7-02-02-010 rtNHCKtO AO UVKO, UMA MAUZAÇXO MBHOtAMENTOS APRESENTAÇÃO A arquitetura brasileira ainda apresenta determinados aspectos,.- como concepção e situação históricas, que não foram de todo estuda dos. Este livro ó uma contribuição inovadora para a questão. É um trabalho original, a partir do enfoque histórico e utilitário, isto é, sobre I uma arquitetura brasileira produzida pelas várias gerações em suces sivos processos de aculturação, dimensionados estes pelo isolamento social, pela distância, pela variedade étnica dos participantes e pelos recursos locais em termos de economia e material disponível. Duas premissas maiores fundamentam o estudo: a definição de ar quitetura como "toda e qualquer intervenção no meio ambiente crian do novos espaços" (com determinada intenção plástica para atender a necessidades imediatas) e a caracterlstica de "partido" dessa ar quitetura, isto ó, a "consequência formal derivada de uma série de condicionantes ou de determinantes", tais como a técnica construtiva segundo os recursos humanos e materiais locais, o clima, condições físicas e topográficas, programa das necessidades de usos e costumes populares, condições financeiras, etc. Nessa complexa visão do pro blema residem as intenções do autor para novos caminhos de abor dagem do tema da arquitetura brasileira. Os estilos transplantados da Europa, por isso, quase sempre, ser viram para "recriações", fenômeno bem caracterizado, por exemplo, segundo o autor, na arte paulista da decoração de retábulos e na far tura de pormenores de marcenaria aplicada à construção civil. Desse modo sugere que, tanto na arquitetura brasileira como na sua com- plementação decorativa, se acha o ponto alto da nossa história como significado de manifestação nacionalista. Esses "momentos" seriam três: a arquitetura paulista do ciclo bandeirista; o barroco mineiro que teve como criador o mulato, simbolizado no Aleijadinho, e a arquite tura contemporânea. Profusamente ilustradas, estas páginas mostram um panorama ge ral da nossa arquitetura, tanto a popular como a oficial, esta última no geral preparada no Reino mais aqui se alterando por influxo dos "partidos". Dois comportamentos, portanto, ante a realidade histórica e social da colónia, duas arquiteturas, a do litoral e a do interior, a por tuguesa ou ibérica aclimatada e a brasileira nascida da recriação. PANORAMA GERAL Este livro pretende ser um retrato o mais fiel possível da arquite tura brasileira produzida pelas nossas várias gerações em sucessivos ■'“processos dè aculturação, onde contaram muito as enormes dis tâncias entre as sociedades nascidas aqui e ali, o grande isolamento de algumas delas e, naturalmente, a variedade étnica dos partícipes da nacionalidade que, dentrò da grandeza territorial, quase que con tinental, apresenta aspectos diferenciados de jargo interesse aos estudiosos, principalmente nesse campo da antropologia cultural .ligado ao modo de morar, de construir casas, de programar edifícios, de fazer cidades. Pois então, o enfoque pretendido neste texto é esse ligado à construção propriamente dita, à sua razão de ser, como ela é usada ou usufruída, ou como é feita. Para essa abordagem desejada, nada mais útil que a definição de arquitetura formulada de modo a nos guiar com mão segura pelos meandros variados desses caminhos da construção somada à cria ção. Arquitetura seria então, toda e qualquerJntervençãç no meio ambiente'criando novos espaços, quase sempre__com determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas, ou a expec- tativas programadas e caracterizada por aquilo que chamamos de partido. Partido seria uma consequência formal derivada'de "'uma série de condicionantes ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção sugerida. Os principais determinantes, ou condiciona- i dores, do partido seriam: a. A_técnica construtiva, segundo os recursos locais, tanto humanos, como materiais, que inclui aquela intenção plástica, às vezes, subor dinada aos estilos arquitetônicos. b. O clima. c. As condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém. d. O programa das necessidades, segundo os usos, costumes popula res ou conveniências do empreendedor. e. As condições financeiras do empreendedor dentro do quadro eco nómico da sociedade. f. A legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras da funcionalidade. i .Esse rol de determinantes, para exata compreensão da problemá- ~V tica e serena análise crítica do bem cultural arquitetônico, exige uma - intérdisciplinaridade que sozinhos não iremos enfrentar satisfatoria mente, pois nossa condição de mero arquiteto impede-nos grandes vôos e' modestamente reconhecemos que estamos pura e simples mente sugerindo caminhos novos de abordagem de um tema, até hoje esquecido em sua totalidade, por todos aqueles realmente cre denciados. Enfim, estamos convictos que essa enfoque proposto atra vés dos determinantes dos partidos arquitetônicos, exige trabalho 9 de fôlego e que deverá ser encarado com proveito somente por uma determinantes nunca se alteraram. Em São Paulo, vemos o partido equipe de técnicos, planejadores e cientistas sociais extremamente bandeirista da casa rural permanecer praticamente o mesmo durantp afinada com a realidade nacional. E dos especialistas envolvidos tal trezentos anos, desaparecendo só com'a avalancha de gente e dl- vez aquele com importante responsabilidade nos trabalhos fosse o * nheiro provocada pelo café e nesse tempo todo, somente as altera crítico de arte, não tanto na discussão daquela referida "intenção ções nos pormenores dos acabamentos e nos dimensionamentos: plástica", que poderia ser simplesmente encarado como o desejo de as janelas pequenas e gradeadas, de vergas retas,, aos poucos foram se "fazer bonito", ou de se atender à tradição vernácula, cuja orienta crescendo, aumentando suas luzes e assumindo feições novas onde ção natural era a perfeita identificação ao conjunto, isto é, de se cons as padieiras se alteavam em galantes curvaturas. As colunas dos truir harmonizando-se a contento, dentro do "gosto" do povo, os ele alpendres, de toscos esteios chanfrados, passaram a ter até seção mentos de composição arquitetônica, mas na crítica dos estilos ar circular de diâmetros variáveis sugerindo as correções ópticas dos tísticos propriamente ditos, perceptíveis no quadro arquitetônico em intercolúnios gregos. E em quase todo o Brasil, também, na arqui- estudo, pois através de sua exata compreensão ó que poderemos tetbra urbana, vemos sempre os mesmos partidos definidos pelos" equacionar filiações, influências, épocas e entender a mecânica, ou a grandes telhados de duas águas, as cumeeiras paralelas às ruas, pelas dinâmica, de certas recriações. E, assim, o crítico poderá justificar e paredes grossas de pedra e cal ou de taipa de pilão serem, confor r explicar-nos a razão de ser, por exemplo, do partido adotado nas igre me a época, ataviadas desta ou daquela maneira. Pelo século XIX jas barrocas mineiras do final do século XVIII, distinguindo-ó dó es- afora, até o começo do seguinte, vemos casas de mesma planta, i quema dos templos litorâneos, meros representantes da arquitetura de mesmo número de janelas numa mesma simetria, em qualquer _ portuguesa no Brasil, o que, evidentemente, não lhes diminui o mé cidade, serem tachadas de "coloniais", ou de neoclássicas, ou de rito artístico. Ao mesmo tempo, em contrapartida, também podemos ecléticas, devido tão-somente à origem de suas ornamentações apos perceber que essa importância da interpretação crítica dos estilos ta à estrutura comum. O mesmo enxergamos na arquitetura de ti pode ser minimizada quando verificamos que, às vezes, eles não pas jolos deste século, que mostra já casas isoladas, ou geminadas em sam de mera roupagem aposta à obra arquitetônica segundo a moda grupos, com seus jardins laterais e até mesmo fronteiros, sendo re vigente, não influindo na concepção espacial, no volume, enfim, no conhecidas ou como chalés franceses, óu como vilas italianas, ou partido. Foi o que aconteceu, por exemplo, na época do "art-nouveau", então moradas "art-nouveau" ou neocoloniais. Todas, porém^ com em que a maioria das casas possuía janelas com vidros lapidados, os mesmos porões, mesmas dependências, mesmos agenciamentos portas, estuques em relevo, maçanetas, painéis, luminárias, tudo e mesmos problemas. Enfim, em grande número de casos, o cami dentro do estilo novo, mas totalmente desvinculado de constru nho que busca na identificação dos estilos a compreensão da arqui ção, que continuava a tradicional, dentro da solução antiga definida tetura não é suficiente ao entendimento de nosso vasto e diferen péla alvenaria de tijolos trazidos há muito pelos imigrantes. Foram ciado quadro das construções porque, antes de tudo, houve defasa- raros os exemplos ortodoxos elaborados por arquitetos eruditos inten gens nas adoções das correntes artísticas e certo descaso aos novos cionados em conseguir a continuidade espacial ritmada pela suces critérios de composição sempre encarados como moda passageira são de superfícies e linhas curvas, como convinha ao estilo "art- ou irrelevantes na organização dos partidos arquitetônicos. E, por nouveau". Arquitetos de fora, perfeitamente integrados na nova lin isso, os estilos aqui chegados serviram, muitas vezes desvinculados guagem, arquitetos conscientes da orientação teórica do novo estilo de toda a sua razão de ser nestas plagas isoladas, de mote a novas situado como uma reação ao ecletismo e estruturado numa deter possibilidades de composição artística. Serviram como sugestão minada gramática, cujas leis foram simplesmente ignoradas pelos de novos processos de criação e, por isso, chamados também de construtores do povo, que passaram candidamente a colocar aqui e recriações. É na história da arte paulista que encontramos talvez o ali em suas obras tradicionais ornamentos "art-nouveau" comprados melhor exemplo dessa "recriação", principalmente na decoração dos nas lojas dos importadores de materiais de construção. Aliás, essa retábulos e na fatura de pormenores de marcenaria aplicada à cons mera aplicação dos ornatos sobre um arcabouço convencional não trução civil. E-nos muito difícil imaginar um mameluco, sem refina passou de uma atitude participante de uma sistemática já bastante mento algum, preocupado com a problemática barroca e suas im velha e cremos que normal, dentro de nossa condição de colónia. plicações com o Concílio de Trento ou com o absolutismo dos go Aqui as idéias e modas chegavam sem maiores explicações, os orna vernantes no momento em que estivesse lavrando a madeira des tos eram simplesmente transpostos, já definidos, cristalizados e tinada a um altar de qualquer capela roceira. Nada estaria passando eram encarados pelo povo, até certo ponto, como simples acessórios pela sua cabeça além do desejo de organizar uma obra que fosse su de sua arquitetura imutável em seus partidos básicos, porque suas ficientemente bonita à glória de Deus, do Deus que acabara de co- 10 11 nhecer através dos jesuítas e que sempre era ligado a um ritual re ligioso apoiado numa parafernália toda criada segundo uma lin guagem plástica que o catecúmeno destas terras distantes passou a associar indissoluvelmente com o culto divino. Não lhe poderia ocor rer outra maneira de expressão plástica, é muito natural. Mas, o fato é que também, nessa ocasião, simplesmente tomou conhecimento só de poucas palavras de um longo discurso, cuja totalidade e cujo significado infegral lhe eram desconhecidos. E com esse reduzido elemento semântico organizou, com inesperada sintaxe, uma nova linguagem, um dialeto artístico facilmente reconhecível como deri vado do universo barroco europeu, mas regido por regras criadas por ele mesmo no seu isolamento de Piratininga. Dessa liberdade de expressão, a partir de uma temática barroca que, por sua vez já era decorrente de uma clara manifestação contrária à comportada arqui tetura e à contida decoração renascentista ou maneirista, sempre li gadas à tentativa de, através de muros contínuos, jogar com elemen tos estruturais autónomos de outras épocas, como as colunas das ordens gregas, somente poderia derivar uma arte realmente popular São Miguel Paulista. Grade de comunhão da Igreja de São Miguel. Século porque independente de qualquer policiamento erudito e, nesse ponto, XVII. 1622 louve-se o alheamento do jesuíta ou gabe-se a sua impotência em Foto: Custam Neves da Rocha Filho Arquivo FAU-USP. contrariar tal recriação mameluca. A verdade é que São Paulo possui, embora hoje pequeno, valiosíssimo acervo pioneiramente analisado por Lúcio Costa, que achou na decoração plateresca dos retábulos devem ser estudadas à luz daquelas seis determinantes principais jesuítas do nosso primeiro século o modelo logo identificável dos arroladas linhas atrás. É o que tentaremos sintetizar a seguir, em pou retábulos seiscentistas bandeirantes, onde Aracy Amaral também cas palavras, visando a fornecer um panorama geral de nossa arqui achou, através da expressa mão-de-obra indígena, comprometimen tetura, tanto da popular como da oficial, inclusive a religiosa. A ar tos com a arte hispano-americana^ quitetura erudita, aparentemente, estava independente das condições A nosso ver, essa arte paulista, tanto a sua arquitetura como sua do meio colonial porque, via de regra, vinha projetada do Reino, ou era complementação decorativa, constitui um ponto alto na nossa his riscada aqui mesmo por profissionais portugueses que tentavam, tória — um dos "momentos" de manifestação nacionalista e, por a viva força, seguir as determinações, os regulamentos legais e a isso, merecedor de nossa maior atenção. Aliás, seria bom que, desde própria tradição do país de origem. Mas, comparando desenhos an já, a gente identificasse os grandes momentos de nossa arquitetura, tigos, principalmente aqueles enviados pelo governo ultramarino, onde se pudesse perceber um processo de criação nacional que com as obras realizadas, percebemos, aqui e ali, desvios do plano significasse a existência de uma cultura realmente brasileira. A original, alterações na modinatura, devido, principalmente, a modifica nosso ver, esses momentos são três: essa arquitetura paulista do ciclo ções na composição dos ornatos, dos perfis das molduras e na própria bandeirista; o barroco mineiro que teve como autor o mulato simbo escala das envasaduras. E, daí essa ajquitetura digamos apátrida, lizado pelo Aleijadinho e a arquitetura contemporânea, ainda à es porque portuguesa na origem, mas amolecida num certo relaxamento pera de melhores definições, mas já possuidora de certas qualidades que demonstradora ã incompetência do mestre, ora a carência de que a identificam bem dentro do quadro da linguagem universal da "meiõsTõífòUescaso muito "compreensível nos trópicos tão longe de moderna tecnologia da construção. tudo, onde, principalmênte, não se precisava dar muitas satisfações. Mas, recordando aquela definição de arquitetura, vemos que não Apátrida porque também não chegava a ser bem brasileira. No lito só os "momentos" nacionalistas como também os outros repre ral, sempre foi assim. Muitas obras importantes, palácios governa sentados pela arquitetura européia transplantada para os trópicos mentais, grandes igrejas ou conjuntos conventuais tinham suas estiveram sujeitos ao conjunto de determinantes do partido imposto obras se arrastando anos e anos e sofrendo sempre as intervenções pela condição ambiental brasileira. Seja a arquitetura verdadeiramente de arquitetos e engenheiros portugueses — tanto profissionais liga brasileira, seja a arquitetura ibérica, ou européia adaptada, todas dos às ordens religiosas como aqueles militares que. além de trata- 13 da tradição dos povos isolados. Dois comportamentos, duas arqui teturas, a do litoral e a do interior. A portuguesa aclimatada e a bra sileira nascida da recriação. A arquitetura do litoral firmou-se nas construções de pedra e cal tendo tentado, no começo, outras técnicas construtivas. Tomé de Sousa mesmo, nos seus primeiros estabelecimentos em Salvador, bem que experimentou a taipa de pilão, técnica barata e de bom ren dimento. Luís Dias, pedreiro e mestre de obras, enviado a Salvador em 1549 para trabalhar nas fortificações da Bahie, em carta de 15 de agosto de 1551, relata os trabalhos que teve na conservação de muralha de terra socada que ruiu com as chuvaradas fortes: ... "húa envernada tamanha que nos derribou parte dos que feito tínhamos"... porque os muros, achava ele, eram muito altos para a técnica da taipa mas que, se fossem rebocados com cal por dentro e por fora, durariam ainda por muito e muitos anos. Esse mesmo mestre noutra passagem da carta sugere a possibilidade de construções definitivas Cananéia. Igreja de São João Batista. de pedra e cal, certamente mais caras. Nessa técnica já fizera obras Desenho feito pelo Engenheiro Militar José Custódio de Sâ e Faria, ao viajar importantes em Salvador, como a "cadeya muito boa e bem acabada pelo litoral paulista em 1776. com casa daudiencia e camara em syma, e na Ribeira de Goes casa Foto: Arquivo Itamarati. Ministério das Relações Exteriores. de fazêda e alfãdegas e almazês e ferrarias, tudo de pedra e baro revocadas de cal e telhadas com telha"... Logo, logo, todos os cons rem das fortificações da costa, nas horas vagas, tratavam de riscar trutores perceberam que a taipa altamente erodível e que as madei cidades e de erguer templos e mosteiros. E no Nordeste ainda temos ras sempre sujeitas à ação dos insetos xilófágos não podiam ser os a enumerar as dezenas de reconstruções em cima dos escombros materiais básicos de uma arquitetura feita no litoral quente e úmido. deixados pelo invasor holandês. Da atuação dessa gente de fora Principalmente no litoral norte. A pedra surgiu imediatamente como resultava essa arquitetura que, talvez injustamente, temos chamado o material ideal — ela chegou mesmo a vir já lavrada de Portugal, de apátrida e que, na verdade, mostra as experiências e gostos suces como lastro dos navios, constituindo uma espécie de frete de retorno. sivos de algumas gerações de padres e funcionários alheios ao povo Foi usada a pedra lavrada e a pedra irregular argamassada com barro propriamente dito. Alheios, principalmente porque de curta permanên ou cal dentro de formas como se fossem taipais. Talvez a cal tenha cia nos locais de trabalho, sendo sempre transferidos daqui para sido importada no começo, mas logo se percebeu a utilidade dos acolá. Vemos' Frias de Mesquita, por exemplo, engenheiro militar sambaquis, as "ostreiras" tão bem descritas por Frei Gaspar da Ma muito gabado por uns e criticado por outros, um dia no Maranhão, dre de Deus em suas "Memórias para a História da Capitania de São noutro em Natal e, depois, no Rio, fazendo o mosteiro dos benediti Vicente", onde narra a origem desses depósitos pré-históricos, de t nos. Vemos Sá e Faria, no século seguinte, atravessando por toda a monstrando rara intuição. costa e ternriinando seus dias trabalhando em Buenos Aires. Cremos Durante séculos, os muros contínuos de alvenaria de pedra, pedra que a essa gente devemos uma certa unidade no panorama arquite dos costões, dos recifes, do fundo dos rios, de pedras soltas dos mor tônico do litoral e, também, as lições, os exemplos, os modelos deixa ros, caracterizavam as construções da marinha que sempre possuíam, dos ao povo, sempre atento e responsávèl, dentro de seu pequeno então, as paredes formando as "caixas de pedra" que, depois, eram universo caracterizado pela pobreza, por empréstimos e soluções cobertas pelo vasto telhado de duas águas. Às vezes, pilares, tam reelaboradas a partir das novidades. Daí, também, a uniformidade da bém de pedra, dentro desse retângulo formado pelas paredes mes ; % arquitetura popular que, sempre, bem ou mal, acompanhou dentro tras, para suportar os dormentes dos soalhos dos sobrados. E sobre das possibilidades os modismos da arquitetura erudita. Assim cami esses soalhos, como se fosse hoje, observada a simetria das janelas, nharam as construções do litoral, ao contrário daquelas do planalto a planta livre com paredes divisórias de taipa de mão, de "gaiola". distante e isolado, como já vimos. Dois comportamentos: a evolução As primeiras áreas interioranas a serem devassadas sistematica gradual e, sempre dentro das lições intermitentes dos engenheiros mente foram as do Sul a partir da fundação de São Paulo, em 1554. de fora, a estagnação, ou fixação ou persistências culturais dentro E até o final do século XVIII, toda a região mineira já estava ponti- I ! 14 í 15 Ihada de vilas e arraiais, assim como Goiás, Mato Grosso e Paraná pressa principalmente na fragmentação das casas de morada, quando apresentavam também núcleos urbanos de certa categoria. Todos já as cozinhas eram inapelavelmente separadas e localizadas nos quin interligados por precária, porém vasta rede viária balizada por esta tais. Acomodação sempre mais dirigida pelo bom senso e pelo arguto belecimentos rurais, sesmarias e enormes latifúndios que, aos poucos, poder de observação, predicados próprios da coletividade pequena foram sendo fragmentados em fazendas. Nesse mundo aberto pelo que, por si só, tem que se ajeitar com os próprios recursos. Predica bandeirante de Piratininga imperou a taipa de pilão, mais tarde subs dos que, aos poucos, foram desaparecendo à medida que surgiam os tituída pela pedra somente em alguns pontos esparsos de Minas Ge benefícios da tecnologia moderna, condicionando todos a acreditar rais. 0 império bandeirante foi o império da taipa, da terra socada, da com otimismo em sua proteção, embora só alguns a eles tivessem construção barata e firme. A "teipa" bandeirante firmou-se como sím acesso. Daí o desguarnecimento das construções modernas e a sua bolo de um povo por razões lógicas dentro da ecologia.' No planalto, indiferença aos rigores do clima. Neste ponto é impossível a gente nõs‘Campos de Piratininga, não havia pedra à vista e nem cal. As esquecer as observações do arquiteto americano Jarqes Marston 'opções para as primeiras construções, abandonados os tejupares rús Fitch, professor da Universidade da Colúmbia, que nos ensina a veri ticos dos índios, necessariamente teriam que apelar para obras de car-. ficar como, aos poucos, os arquitetos e construtores foram se esque pintaria próprias das estruturas autónomas de madeira ou para muros cendo das milenares regras de acomodação às condições locais para "contínuos^è adobe, tijolo òu taipa de pilão. Como correram as coisas irem se entregando, talvez em busca de novos formalismos, às novas naqueles tempos pioneiros da instalação não sabemos bem — o certo técnicas bruscamente empregadas sem terem sido longamente testa é que os mais velhos documentos só se referem a casas de taipa e as das. A partir da Revolução Industrial as novas soluções vieram de rol crónicas jesuíticas a um padre taipeiro, Afonso Brás, o primeiro arqui dão não dando tempo a experimentos conclusivos. Aos tijolos lamina teto paulistano. E ao lado dessa taipa, tradição árabe via sul de Por dos, às grandes placas de vidro plano, às estruturas metálicas al tugal, a taipa de sebe, ou de pau-a-pique, própria dos peritos carpintei tamente racionalizadas, ao concreto armado, à eletrónica já deste ros portugueses que chegaram à perfeição técnica na arquitetura na século e a uma série grande de invenções sucedeu uma arquitetura val. No planalto, a madeira de lei bichava menos ou demorava muito imposta ao povo sem que ele tivesse opções regionais, ou regionali para ser presa do cupim. Daí, também, o progresso dessas constru záveis, dentro do grande mostruário internacionalizado, mercê das ções "de barrotes" que sempre aparecem secundando as construções facilidades de comunicação. Ao contrário da arquitetura tradicional, nobres de taipa de pilão. Sempre se desejou a construção firme daquela vernácula lentamente cristalizada na consciência popular, que sugerisse a eternidade e, talvez,~'pòr isso é que a construção ló a arquitetura moderna quase que caiu do céu pegando todos de sur gica do índio foi desprezada pela classe dominante, já que era algo presa. É claro que os bons arquitetos amparados por boas verbas e precária e própria de um povo seminômade. Coube ao_ pobre, no Bra grandes disponibilidades sempre fazem a arquitetura de qualidade, sil, a perpetuação da técnica indígena, aliada a soluções européias, que é inacessível ao povo, especialmente à classe média ávida de > * nos mocambos de palha do Nordeste — mocambos que demonstram, participar dos benefícios da nova tecnologia, mas desprovida de re ■ rio entanto, falta de recursos e não uma determinação conservacio- cursos suficientes para tanto, e, por isso, copiando exterioridades in nista apoiada em razões ecológicas ligadas antes de tudo às con suficientes a um mínimo de conforto. Hoje, mora-se mal, e sob vários dições climáticas. Sempre que se pode, foge-se da tradição e da lição aspectos, o pobre dos mocambos de palha, dos ranchos de pau-a- indígena. É claro que, nesse ponto, realmente, a cultura dominante pique cobertos de sapé. mora melhor que o remediado das cidades. ibérica agiu com firmeza exigindo que todos morassem à européia, Hoje se descuida dos isolamentos térmicos, abusa-se dos panos envi mas, com o tempo, instintivamente, o povo foi selecionando partidos draçados logo anulados por cortinas pesadas, por persianas, agra de além-mar condizentes com o habitat, erguendo casas quase que vando-se o agravado. As ventilações, sempre precárias. O progresso sem paredes no Amazonas, casas envolvidas por alpendres no sertão foi mais teórico que prático, porque os benefícios do ar condicionado, do Nordeste, nos canaviais da bacia do Paraíba do Sul, casas de va das calefações, dos aquecimentos, dos controles eletrónicos, das randas gostosas nas montanhas mineiras, alpendres reentrantes na células fotelétricas, e de todo equipamento eletrodoméstico na ver casa bandeirista, sempre procurando empiricamente a solução ideal dade não é acessível a todos. Nossos bairros burgueses estão aí ple em relação aos climas quentes e extremamente úmidos no Norte, nos de casas incompletas e pretensiosas, inacabadas sem que se sai quentes e secos no Nordeste, em outros lugares alternando calor e ba disso, ostentando certa vaidosa "atualização" à vida moderna frio, dias quentes com noites frescas e até mesmo gélidas, como em que, na verdade, não rendeu nada em matéria de conforto ambiental. São Paulo. Percebe-se nesse grande panorama arquitetônico nacional Agora é que compreendemos porque ainda não podemos eleger nossa uma tentativa sistemática de acomodação aos rigores do clima, ex- arquitetura contemporânea como o "momento" alto de nossa história 16 17 artística.. Enquanto nas construções oficiais, Brasília está aí como paradigma, nos edifícios de uso coletivo, temos vários motivos para orgulharmo-nos de nossas definições arquitetônicas surgidas a partir do projeto do Ministério da Educação, no Rio, e inspiradas no fun cionalismo de Le Corbusier, não vemos ainda como defender a tota lidade de nossa produção particular. Se o sistema construtivo é um dos principais condicionantes do par tido arquitetônico, o programa das necessidades é o maior determi nante do tempo de uso do edifício e o responsável pela sua conserva ção e pela sua integridade. Realmente, isso é correto, porque enquanto a construção pretende ser eterna, o programa varia com muita faci lidade através das gerações, devido a mudanças no quadro das neces sidades em função das novas condições de vida. Rapidamente, pode mos relembrar algumas ocorrências ligadas a essa questão dos pro gramas, focalizando três aspectos: o das moradias pelo Brasil afora; o das igrejas e dos edifícios públicos em geral. Quanto aos programas das casas de morada brasileiras, já de come ço, temos que apresentar certas dúvidas e certas suposições relati Salvador. Catedral Basílica (antigo Colégio dos Jesuítas). Século XVII. Detalhe vas às primeiras habitações devido a total falta de informações e da sacristia, excepcional por suas proporções e ornamentação. Arcaz com in míngua de iconografia elucidadora. No que diz respeito à casa ban- crustações de tartaruga e pinturas sobre cobre. Foto: Gustavo Neves da Rocha Filho. Arquivo: FAU-USP. deirista, então, o mistério é quase total, pois, na verdade, não sabemos com precisão como seria o comportamento "intra muros" da família mameluca, cuja organização, com certeza não seria exatamente aque Realmente, o programa de necessidades da casà brasileira mudou la cristã e branca de Portugal. Certamente, a mãe índia de filhos ma muito nos quatrocentos e cinquenta anos da história de nossa civi melucos não iria gerir uma casa, ou complexo habitacional, como se lização material. Antes, predominavam as dependências de serviço, fosse branca de além-mar. Os inventários estão aí arrolando, bem ou principalmente as destinadas ao beneficiamento de gêneros alimentí mal, quase que todos os componentes dos programas da morada ban cios, formando um complexo fracionado de "casas": casa de cozer, deirante, principalmente daquela roceira, mas não explicitam o exato casa de farinha, casa do moinho, casa dos tachos, enfim, cozinhas es relacionamento entre eles e como se refletiam no partido. Certa vez, parsas sob telheiros, em puxados, embaixo das árvores, restando para chegamos mesmo a escrever que os restos atuais das casas bandei- a morada principal a função de guardar valores e proteger as mu V . ristas não passam de esfinges semidecifradas e isso ainda é uma lheres, como certa vez lembrou Gilberto Freyre. Com o tempo, as de verdade. Uma coisa, porém, podemos perceber: o isolamento do pendências de serviço foram se aglutinando e se reduzindo em área planalto deve ter facilitado a fixação de certos usos, costumes e ne construída, à medida em que os gêneros começaram a ser compra cessidades familiares que influíram na perpetuação do partido antigo dos já beneficiados e, hoje, com as comidas semiprontas, ou mesmo por três séculos, pelo menos, como veremos. .Mas, emj;elaçjo^ao_toclo já cozidas e congeladas, o conjunto copa-cozinha, percentualmente, brasileiro^ podemos dizer que foi principalmente no século XIX que pouco significa no corpo residencial. Hoje, há realmente vantagem houve alterações básicas nos programas habitacionais, devido à in- da área de lazer, onde a televisão e os outros aparelhos de som predo fíuênciã"3S_Cõrfé Tio Rio; às facilidades de comunicação com o es minam, chegando mesmo a transformar de dia os dormitórios em es í trangeiro, ao'conhecimento facilitado de novos usos, novos equipa túdios musicais dos jovens filhos que ouvem com exclusividade aquilo mentos, ao dinheiro trazido pelo café e, finalmente, à abolição da es que querem. í cravatura. As casas brasileiras podem mesmo ser classificadas, quanto Graças à permanente satisfação dos seus programas imutáveis é ao seu funcionamento, em anteriores e posteriores à escravatura, pois que as igrejas se conservaram íntegras dentro das cidades em trans o negro, como disse Lúcio Costa, era esgoto, ventilador, monta-carga, formação. Somente agora, com certas alterações na liturgia e com ■ l enfim, motor que punha em funcionamento a casa sem instalações a extrema valorização de terrenos centrais nas cidades em processo sanitárias e de íngremes escadas de sobrados sucessivos, de janelas de metropolização é que se nota a necessidade de alterações nos par pesadas de guilhotina, que sinhazinha alguma conseguia levantar. tidos religiosos, que chegam até a prever igrejas reconstruídas no 18 19 _ 16*:'