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Arendt contra Freud PDF

16 Pages·2015·0.51 MB·Portuguese
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Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal Arendt versus Freud: the banality of evil versus the radical evil Anchyses Jobim Lopes Resumo Arendt e a polêmica sobre o conceito de banalidade do mal. A genealogia desse conceito a par- tir de Sócrates e Sto. Agostinho. Freud e o conceito de pulsão de morte interpretado como ra- dicalidade do mal. A genealogia desse conceito a partir dos atomistas gregos e do romantismo alemão. O romantismo alemão como fonte comum ao pensamento freudiano e ao nazismo. O amor de si como origem do mal radical segundo Kant. Amor de si e narcisismo. Palavras-chave: Banalidade do mal, Radicalidade do mal, Dualismo, Romantismo, Pulsão de morte, Amor de si, Narcisismo. Estou lendo Shaw - divertido. [...] Isto para ajudar-me superar um verdadeiro choque: dei uma olhada no ‘Behaviorismo’ de Watson. Ninguém pode de verdade ler aquilo. Comparado com ele, Freud é um pensador profundo, não, um gênio, Deus ele mesmo. Carta de Hannah Arendt a seu marido Heinrich Blücher. 8 de junho de 1941 Introdução: descobrir como ancorar e aportar, indo das Freud e Arendt, duas Linhas cidades costeiras a exploração das terras do que só se encontram no infinito interior. Se o inconsciente – o unbewusst – A clínica possibilitou a Freud ir além da cor- do romantismo alemão, e de sua expressão rente filosófica alemã que, ao longo do século em filosofia, já era aceitos, ancorar e ir em di- XIX, já tateava e escrevia sobre o inconscien- reção ao interior deve-se as descobertas freu- te: Schelling, Schopenhauer, von Hartmann, dianas na clínica: os sintomas, a resistência, a Nietzsche. Contudo, esses filósofos tinham transferência, a repetição. O que parecia uma o ofício de escrever e lecionar, sem dúvida ilha era um gigantesco continente e da clíni- eram grandes observadores da natureza e ca individual Freud aos poucos partiu para do comportamento humanos, mas os des- desbravá-lo também por uma ótica do social. creviam como viajantes que só olham de um Da clínica Freud passou à antropologia, à re- navio a costa, sem jamais desembarcar em ligião e até mesmo ao estudo do ser humano um porto. Foi a clínica que permitiu a Freud na polis – a política. Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 15 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal Nascida duas gerações depois de Freud, por seu filho mais ilustre, Immanuel Kant, outra grande pensadora do século XX fez nascido nela cerca de cento e oitenta anos da política e do estudo do homem enquanto antes. Arendt ingressou nas prestigiosas uni- ser político sua morada principal: Hannah versidades de Marburg e Heidelberg, sob a Arendt. Apesar de ao longo da vida rodeada orientação de Martin Heidegger e de Karl de pensadores e artistas em graus variados Jaspers. Com o advento do nazismo perdeu afeitos à psicanálise, Arendt sempre lhe teve a cidadania alemã e emigrou para a França. ojeriza. Não tanto que se preocupasse em Emigrante sem passaporte participou ativa- combater as ideias de Freud. Nem mesmo mente do movimento sionista. Com o início criticá-las. Judia de língua alemã, idolatran- da Segunda Guerra Mundial, devido à sua do a literatura germânica, obrigada ao exílio origem alemã e na qualidade de “inimiga pelo nazismo, nunca mais retornando a mo- estrangeira”, foi encarcerada pelos próprios rar em sua terra natal, agnóstica ou até mes- franceses em um campo de prisioneiros, de mo ateia, sem querer conscientemente (mas onde fugiu. Hannah Arendt sarcasticamen- no inconsciente talvez querendo) divulgar te referiu-se ao episódio como fruto de “um ideias que provocaram forte, para não dizer novo tipo de ser humano criado pela história violenta, resistência, o que levou a ser ataca- contemporânea, que é colocado em campos da em termos pessoais. São muitas as ana- de concentração pelos inimigos e em cam- logias com a biografia de Freud. Mas Freud pos de internação pelos amigos” (citado por e Arendt produziram suas obras como se YOUNG-BRUEHL, 1982, p. 152, tradução tivessem vivido em mundos paralelos, cada do autor). qual em um deles onde o outro nunca tivesse Depois de várias peripécias acabou indo existido. juntamente com seu segundo marido para os Seria uma ofensa a ambos pensadores re- Estados Unidos em 1941. Residiu em Nova duzir as ideias de um às do outro. Vamos ten- York até seu falecimento em 1975. Passava tar percorrer alguns trechos desses dois ca- temporadas lecionando em importantes uni- minhos paralelos. Que como todas as linhas versidades, como Berkeley e Chicago, sendo paralelas só se encontram no infinito. a primeira mulher nomeada professora na universidade de Princeton. Mas seu nome Uma pensadora tão banal é frequentemente associado à não menos que ameaçou à direita e à esquerda famosa Nova Escola de Pesquisa Social de Hannah Arendt nasceu em 1906, perto de Nova York. Trabalhou também como jor- Hanover, no norte da Alemanha, filha única nalista e publicou vários livros e inúmeros de um casal judeu não religioso originário artigos. Contudo, recusava ser classificada de Königsberg,1 cidade a qual retornou aos como ‘filósofa’ e também se distanciava do três anos em virtude da doença de seu pai, termo “filosofia política”; preferia que suas que veio a falecer quando ela tinha sete anos. publicações fossem classificadas dentro da Cidade perdida no mar Báltico, conhecida “teoria política”. Sua primeira obra famosa As origens do totalitarismo (2012) dissecou as ti- ranias do século XX, inclusive o stalinismo, o que a colocou em choque contra as correntes 1. Talvez a melhor introdução à biografia e às ideias de dos marxismos oficiais e dos patrulhamen- Arendt, bem como a controvérsia sobre o julgamento de tos ideológicos. Fato que também ocorreu no Eichmann e a banalidade do mal, seja Hannah Arendt, filme teuto-francês de 2012, dirigido por Margarethe von Trotta. Brasil em relação às ideias de Arendt e pes- Conforme pesquisamos, o filme fundamenta-se, quase soalmente vivenciado pelo autor deste texto. todo, na melhor e mais profunda biografia de Arendt, a de Como descreve o autodenominado filósofo Young-Bruhel (1982) e em trechos diretamente tirados de Eichmann em Jerusalém (ARENDT, 2013). lacaniano Zizek (2002), marxista confesso: 16 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal [...] se em um colóquio de Estudos Culturais a causa dos totalitarismos, de tantas guerras, nos anos 70, alguém era inocentemente culminando nas ideologias justificadoras das indagado, “Não é a sua linha de argumentação duas guerras mundiais e nos extermínios do parecida com a de Arendt?”, era um sinal século XX. Essa ojeriza aos nacionalismos seguro de que este alguém estava em grandes fazia com que Arendt declarasse publica- apuros (ZIZEK, 2002, p. 2, tradução do autor). mente não amar nenhum povo, nem o judeu, embora sempre afirmasse a importância sua Hannah Arendt teve pouco contato e ne- identidade judaica e tivesse sido participan- nhuma afinidade com a psicanálise. Em seus te ativa do movimento sionista. Afirmação textos publicados há muito poucas menções, contra os nacionalismos que deixava implí- todas elas muito breves, vagas e negativas. cita que seu amor era pela humanidade e pe- Alusões que se contam nos dedos de uma las pessoas e, poeta amadora que era e que mão. Também nunca se preocupou em es- passou a vida escrevendo poemas a si mesma crever contra ou contestando a psicanálise. A e apenas aos mais próximos, em entrevista única semelhança com Freud deu-se apenas contava que no final só ficara o idioma: no hábito europeu de adorar escrever car- tas. Dos vários volumes de correspondência [...] sei de cor, em alemão, um bom número publicada que pesquisamos, apenas em uma de poemas alemães, que de certa maneira carta há o duvidoso elogio a Freud, citado na estão presentes no mais profundo da minha epígrafe acima. Mas, como também aconte- memória. [...] De qualquer forma não foi a ce com o fundador da psicanálise, sempre há língua alemã que enlouqueceu! E, depois, o risco de que algum texto ou carta inédita ninguém pode substituir a língua materna surgir com novas informações. Enquanto (ARENDT, 1993, p. 134). isso não acontece, tudo se passa como se Arendt tivesse vivido seus sessenta e nove Resistência pessoal anos – convivendo com filósofos, poetas e de Arendt à psicanálise? escritores famosos – em um universo para- Ora a psicanálise e o inconsciente freudia- lelo onde o saber criado por Freud jamais no são tributários, senão um dos ápices, do tivesse existido. O que torna sua leitura um romantismo alemão na filosofia. Linhagem ótimo refrigerante, um alívio contra o habi- que vai de Hegel e Schelling, passando por tual cansaço de se ler a repetição psicanalíti- Schopenhauer e Eduard von Hartmann, ca do mesmo, rebuscada pela jargonofasia e chegando a Nietzsche. Uma leitura superfi- por torções teóricas quase delirantes. cial sem dúvida pode colocar o inconscien- Hannah Arendt, de passagem, criti- te freudiano como simples continuação do ca a psicanálise pela confusão que, em sua irracionalismo e do triunfo da vontade pre- opinião, era feita entre as esferas pública e conizados pelos três últimos pensadores ger- privada. Preocupação em parte originada mânicos citados. É uma ideia grotesca e nada pelas perseguições políticas presenciadas agradável para os admiradores de Freud que na Europa e nos Estados Unidos, em nome sua obra inicialmente se insira em uma ge- da religião, etnia ou meros gostos pessoais. nealogia filosófica na qual se postule que, a Esferas que julgava também essencial serem semelhança da famosa frase de que ‘a neuro- separadas, por sua formação no Iluminismo se é, por assim dizer, o negativo da perversão’, e nas ideias universalistas de seu conterrâneo se diga que ‘a psicanálise é, por assim dizer, o Kant. Também Arendt, com muitos outros, negativo do nazismo’. julgava o romantismo do século XIX uma Contudo, poucos podem ser lembrados das principais raízes dos nacionalismos desse como fonte de um pensamento tão crítico século e do seguinte. E desses nacionalismos desestabilizador a qualquer poder tirânico, Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 17 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal quanto o pai da psicanálise, embora Freud tura inicialmente subversiva, a meros apên- fosse um homem muito conservador em seus dices da psiquiatria e da psicologia enquanto gostos artísticos, literários e políticos, como ideologias do saber e poder oficiais. fica bem claro em o Mal-estar na civilização Até mesmo o uso do conhecimento psi- (1930), muito mais próximo ao rigor na edu- canalítico como técnica de manipulação de cação do que ao liberalismo. Mas sua mania massa e de propaganda, a serviço de objeti- de explicar o até então inexplicável por meio vos nada éticos, uso que bem pode ser ca- de raciocínios que julgava científicos e confir- racterizado como totalitário, ocorreu sob máveis, levando a racionalidade à compreen- a égide de um sobrinho do próprio Freud, são do inconsciente, bem como sua acerba filho de sua irmã com o irmão de sua espo- crítica a religião o colocava pessoalmente sa, Edward Bernays (1891-1995). Teve esse como um herdeiro do Iluminismo – logo Bernays a fama de ser em solo americano o próximo a Kant. Freud tinha ojeriza movi- pioneiro do uso das teorias de seu tio para mentos de vanguarda – como o Surrealismo, inaugurar da marquetagem na eleição de por exemplo. Provavelmente a leitura super- presidentes (Calvin Coolidge, 1924) e, entre ficial que Arendt fez da obra freudiana fazia muitos livros sobre propaganda, escreveu um com que identificasse a psicanálise como com o gracioso subtítulo de Como manipular uma mais uma das correntes irracionalistas a opinião na democracia (BERNAYS, 2008). oriunda do romantismo, perigosa pela pos- Lembremos que também na década de 20 sibilidade de ser utilizada totalitariamente. do século XX surgiu o primeiro tirano que Nada mais distante dos objetivos pessoais de utilizou os modernos meio de comunicação Freud, cuja vida metódica, obsessiva mesmo, para assumir e manter o poder: Mussolini. dedica à família e ao trabalho, nada tinha a Em seguida um de seus grandes admirado- ver com a biografia de autores românticos res: Joseph Goebbels, nomeado oficialmente como Byron, ou que enlouqueceram como Ministro da propaganda do Terceiro Reich. Nietzsche. Bernays também se especializou na publici- Deve-se, contudo, lembrar que Arendt dade de cigarros e foi o pioneiro da propa- tinha idade para ser neta de Freud. O freu- ganda subliminar. dismo com o qual tomou contato era já uma instituição sólida, e não a do romantismo O julgamento revolucionário de suas primeiras décadas. que seria engraçado não fosse trágico A psicanálise com a qual tomou contato Falando de propaganda, o julgamento de hipertrofiara a noção de pulsão de morte, Adolf Eichmann tornou-se famoso evento conceito que, como será visto abaixo, era a da mídia por vários motivos. Tratava-se de mais moderna variante do de radicalidade um dos muitos nazistas graúdos que fugi- do mal. ram da Europa ao final da guerra, que assim Exilada da Europa, a vertente psicanalíti- como muitos outros conseguira um refúgio ca com a qual passou a tomar contato foi a da seguro na América do Sul, com o beneplá- psicologia do ego, que – com inúmeras hon- cito do governo e da igreja católica europeia rosas exceções – imperava em solo america- e local. Mas, ao contrário desses outros, sua no durante os trinta e cinco anos em que lá tranquilidade foi brutalmente rompida por viveu. Sem dúvida não apenas lá que muitos seu sequestro pelo serviço secreto israelen- seguidores da psicanálise foram mais realis- se em 1960 e levado para ser julgado em tas que o rei, normatizando a subjetividade Israel. Desde a divulgação espetacular do e a sexualidade humana, criando ortodoxias rapto, passando pelo protesto do governo que mais se parecem com religiões, reduzin- Argentino na ONU, indo à divulgação televi- do a conhecimento psicanalítico, de sua pos- siva de seu julgamento Eichmann tornou-se 18 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal grande fenômeno mundial de mídia. Arendt alguém tinha de fazer aquilo (ARENDT, solicitou a prestigiosa revista The New Yorker 2013, p. 312). para ir como repórter. Escreveu cinco artigos publicados pela revista e posteriormente re- O que primeiro chama a atenção no rela- unidos em livro. Ao contrário do que Arendt to de Arendt, é que Eichmann não possuía jamais esperaria, seus escritos ficaram tão ou nenhuma das características dos vilões de mais famosos que o julgamento. televisão ou cinema. Não tinha tiques, ma- Eichmann (1906-1962) fora tenente co- nias, excentricidades, tudo o que tanta cor ronel da famigerada SS (de Schutzstaffel, ‘es- dá aos antagonistas dos heróis e super-he- quadrões de proteção’ ou ‘corpos de defesa’, róis. Nada o caracterizava como um típico organização paramilitar do partido nazista). gênio do mal. Muito menos se parecia com Eficiente organizador havia sido o responsá- um chefão do crime: nem arrogância, nem vel pelo gerenciamento e logística da depor- onipotência. Nem mesmo com algo ultra- tação de milhões de pessoas para os campos passado, como o Mefistófeles do Fausto, ti- de extermínio onde foram mortos. Estima- nha semelhança. se que entre cinco e meio a seis milhões de pessoas tenham morrido, em sua esmagado- O problema com Eichmann era exatamente ra maioria judias, além de ciganos, eslova- que muitos eram como ele, e muitos não cos, doentes mentais, homossexuais e outras eram nem pervertidos, nem sádicos, mas impurezas da raça segundo o credo nazista. eram e ainda são terrível e assustadoramente Em sua defesa Eichmann argumentava que normais. [...] essa normalidade era muito não possuiu nenhum papel na formulação mais apavorante do que todas as atrocidades da política de extermínio. Apenas obedecia a juntas (ARENDT, 2013, p. 299). ordens de um governo legitimamente cons- tituído. Sua função operacional era coletar De fato, Eichmann na época saiu incólu- informações, depois recolher e organizar o me dos exames psiquiátricos e psicológicos transporte ferroviário daqueles indicados aos quais foi submetido, tanto quanto hoje pelos dados obtidos. Uma operação enorme sairia ileso da avalição pelos critérios de uma da qual prestava, por meio de tabelas e grá- CID ou DSM. Isto posto, é claro que hoje ficos, minuciosas contas a seus superiores. passaria com facilidade nos demais itens de Jamais matara pessoalmente alguém. Muito uma bateria de testes para seleção profissio- menos fora responsável pelos métodos de nal em uma multinacional. extermínio ou pelas condições nos campos Eichmann rodeava-se de frases feitas, slo- de concentração. Não era de sua alçada, na gans e chavões. Imagens prontas e acabadas qual, diga-se, era eficientíssimo. Como acu- que se antepunham entre ele e a percepção sado desculpava-se: das consequências de seus atos no mundo. Possuía uma total incapacidade para enten- [...] com base de no fato de ter agido não como der um ponto de vista diferente. Seu ‘oficia- homem, mas como mero funcionário cujas lês’ era uma forma de linguagem que o im- funções podiam ter sido facilmente realizadas pedia de se colocar na pele do outro. Outra por outrem, isso equivale a um criminoso que carência sua segundo Arendt era uma abso- apontasse para as estatísticas do crime – que luta falta de imaginação. Se não se pode brin- determinou que tantos crimes por dia fossem car com a realidade, ela possui algum valor cometidos em tal e tal lugar – e que só fez afetivo? “Essa distância da realidade e esse o que era estatisticamente esperado, que foi desapego podem gerar mais devastação mais um mero acidente ele ter feito o que fez e não devastação que todos os maus instintos jun- outra pessoa, uma vez que, no fim das contas, tos [...]” (ARENDT, 2013, p. 311) Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 19 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal O uso externo da linguagem por Eichmann dos os pressupostos das ideias de avanço da refletia o que Arendt analisou em seu uso civilização, tão acalentadas pelo iluminismo interno. Se considerarmos o pensamento e pela ideologia de progresso burguesa dos como o diálogo silencioso com nós mesmos, séculos XIX e XX. segundo Arendt, a partir das práticas de Sócrates e Platão, diálogo que se dobra sobre E se é verdade que nos estágios finais do a percepção que temos de nós mesmos e nos totalitarismo surge um mal absoluto (absoluto faz auto-observar – re-flexão – Eichmann porque não pode ser atribuído a motivos era incapaz de pensar. Esse diálogo interior, humanamente compreensíveis), também é que no passado remoto foi incorporado a verdade que sem ele nunca poderíamos ter nós, e que hoje se atualiza no diálogo com conhecido a natureza realmente radical do outros, torna-se muito mais importante que mal. [...] O surgimento de um mal radical qualquer conceito formal ou operacional de antes ignorado põe fim à noção de gradual inteligência, pois é uma das coisas que nos desenvolvimento e transformação de valores torna humanos. E como sua própria carreira (ARENDT, 2012, p. 13 e 589). no Terceiro Reich demonstrava, Eichmann não era privado de capacidade política nem A única explicação plausível para Arendt de talento operacional, nem da capacidade em sua formação filosófica era a da radica- de resolver problemas logísticos comple- lidade do mal segundo Kant. Esse conceito xos. Pelo contrário, nos doze meses finais da fora defendido pelo filósofo em um livro guerra, em que o caos instaurou-se por toda pouco lido pelos pensadores até o século a Europa, ele superava dificuldades materiais XX, A religião nos limites da simples razão cada vez maiores para manter funcionando a (KANT, s.d.), mas que na época da publica- máquina de transporte ao extermínio. Como ção fora muito bem lido pelos censores do descreve Arendt: estado e resultou numa ordem direta do Rei da Prússia, que proibia o filósofo de publicar Ele não era burro. Foi pura irreflexão – algo novamente textos sobre religião. Kant havia de maneira alguma idêntico à burrice – que percebido que o mal podia ter origem não o predispôs a se tornar um dos grandes nos instintos da natureza ou em uma mo- criminosos desta época. E se isso é ‘banal’ tivação demoníaca. Nesses dois casos o ser e até engraçado, se nem com a maior boa humano não seria responsável por seus atos, vontade do mundo se pode extrair qualquer e também iria contra a ideia religiosa de que profundidade diabólica ou demoníaca de o homem no início fora criado bom. O mal Eichmann, isto está longe de se chamar lugar teria origem no uso perverso das faculdades comum [...] (ARENDT, 2013, p. 311). racionais cuja própria liberdade de escolha torna o ser humano como tal. Seria radical Genealogia da banalidade do mal por ter sua raiz no mau uso da própria razão, Em 1943 Arendt já se encontrava em Nova o que destoa bastante da visão otimista do York quando começaram a chegar as primei- iluminismo do século XVIII. ras informações sobre a existência e do que Arendt associou o mal radical kantiano estava acontecendo nos campos de extermí- não apenas aos campos de concentração, nio, em especial em Auschwitz. As notícias eles seriam a consequência lógica da base eram assombrosas, tanto pelo gigantismo de sustentação do governo nazista. Vimos do massacre, quanto pela completa falta de como usou o conceito em As origens do to- propósito militar em uma nação que deveria talitarismo (ARENDT, 2012). Mas a ideia estar canalizando todas as suas forças para a lhe trazia profundo desconforto por causa luta numa guerra total. Caíam por terra to- de sua linhagem filosófica, sua confiança no 20 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal iluminismo e sua defesa na positividade da ainda restem traços provavelmente originá- política. Além disso, os tortuosos raciocí- rios da figura histórica, Sócrates na maioria nios kantianos para justificar o uso perverso das vezes tornou-se um mero artifício para da liberdade e da razão pouco defendiam a que Platão expusesse suas próprias opiniões e ideia de um mal radical de que fosse parte da teorias. Uma das características principais do natureza humana. Ver de perto um grande platonismo era a separação entre este mundo criminoso nazista permitiu a Arendt rever o aqui, material e corruptível, em oposição a conceito kantiano de radicalidade do mal em outro, eterno, espiritual e perfeito. Foi a pró- seu oposto: a banalidade do mal. pria Arendt em Religião e política (ARENDT, A expressão “banalidade do mal” é na 1993, p. 134-135) quem chamou a atenção realidade a herdeira de uma longa tradição de como, na famosa Alegoria da caverna. Ao filosófica da qual Arendt foi a mais recen- ilustrar a separação dos dois mundos, Platão te pensadora famosa. O termo possui em traça o esboço de como este mundo aqui é a Sócrates (470-399 a.C.) seu mais antigo re- antecâmara do futuro inferno cristão. presentante, provavelmente seu fundador. O platonismo e o neoplatonismo tiveram Para Sócrates o ser humano não errava por em Agostinho de Hipona (356-430) seu pri- uma maldade intrínseca, por um desejo ou meiro e maior expoente na era cristã. Antes prazer de realizar o mal pelo mal, mas por de se converter ao cristianismo, o que só fez ignorância. Vários dos diálogos de Platão próximo dos trinta anos, Sto. Agostinho era mencionam esse conceito. Citemos uma fala adepto do maniqueísmo. Pouco se sabe des- de Sócrates no Protágoras, talvez o último sa seita gnóstica, também derivada do cris- dos diálogos platônicos da sua primeira fase tianismo, e que pouco depois foi extermina- de escritos, os ditos diálogos socráticos, por da pelo catolicismo. Fundada por um pro- serem considerados uma tentativa do autor feta persa chamado Manichaeus ou Manés, ateniense em deixar para a posteridade um pregava um cristianismo dualista, em que retrato do Sócrates histórico: existiriam dois deuses. O maniqueísmo pregava uma elaborada cosmologia dualista Ceder a si mesmo nada mais é senão que descrevia o mundo como um conflito ignorância, e controlar a si mesmo nada entre um deus bom e espiritual da luz, e ou- mais senão sabedoria [...] ninguém busca tro do mal, ligado à matéria e a escuridão. voluntariamente o mal ou o que considera Agostinho abandonou conscientemente como tal. Aparentemente agir assim não é essa crença em parte devido à influência de da natureza humana, a saber, desejar buscar Platão e Plotino, em parte devido à influên- aquilo que se tem como mau de preferência cia a de Sócrates. O conceito de um deus ao bom (PLATÃO, 2014, p. 315). que não fosse único e absoluto – onisciente, onipotente, onipresente – era incompatível Arendt em seus escritos não só utiliza com o monoteísmo. profusamente de citações dos diálogos pla- Em termos filosóficos, acreditar no deus tônicos, quanto a própria figura de Sócrates, do mal maniqueísta equivalia a conceder ao a qual intimamente desenvolve no que des- mal um estatuto ontológico igual ao deus creve como sendo a transformação de “uma do bem. Por isso, escreve Agostinho nas figura histórica em um modelo [...] um tipo Confissões, sua primeira grande obra: ideal” (ARENDT, 2004, p. 236-237). Tendo Platão abandonado a primeira fase [...] Logo, privado de todo bem é o nada de seus diálogos, a socrática, em uma segun- absoluto. De onde se segue que, enquanto as da fase, conhecida como platônica, passou a coisas existem elas são boas. Portanto, tudo expor suas próprias ideias. Embora aqui e ali que existe é bom; e o mal [...] não é uma Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 21 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal substância, porque fosse uma substância seria de popular de hoje. Ou, como diria Melanie um bem. (SANTO AGOSTINHO, s.d., p. 130) Klein, utilizando tanto de mecanismos es- quizo paranoides. Sempre é mais cômoda a Em vez do erro por ignorância, termo crendice infantilizante de um demônio tão evocado por Sócrates e que é um moralmen- poderoso quanto deus. te neutro, Agostinho utiliza um termo mais Entretanto, o conceito de mal como erro, carregado, bastante contemporâneo nosso – ou como derivado de um nada, de que o mal perversão – para justificar a falha humana. não possuía substancialidade ontológica, era Mas a perversão, apesar de culpabilizar seu muito precioso para Arendt. Quando jovem, agente, apenas corrompe uma vontade pri- defendera sua tese de doutorado com o título meira e boa, não possuindo existência real: O amor e Santo Agostinho (ARENDT, 1996). Mas não era somente por suas raízes filosó- Procurei o que era a maldade e não encontrei ficas, mas porque a ideia de um mal radical uma substância, mas sim uma perversão da poderia implicar uma visão negativa da ati- vontade desviada da substância suprema [...] vidade política. Uma visão que justificasse o e tendendo para as coisas baixas: vontade totalitarismo, como defensor do povo contra que derrama suas entranhas e se levanta com o mal, e não sendo o próprio totalitarismo intumescência (SANTO AGOSTINHO, 1997, como causado pelo mal. Depois do abando- p. 158). no da ideia de radicalidade, sintetiza roman- ticamente a pensadora em uma de suas mais Infelizmente, apesar de já associada à ideia conhecidas citações: cristã de pecado, a noção mais benevolente do mal como ontologicamente inexistente Realmente, minha opinião é a de que o não perdurou na obra agostiniana nem na mal nunca é “radical”, é apenas extremo e igreja oficial. Nas Confissões entre o homem não possui profundidade nem dimensão e deus há um diálogo direto, semelhante ao demoníaca. Ele pode crescer demais e do judaísmo mais popular, e nenhuma fun- deteriorar o mundo inteiro, precisamente ção para a instituição religiosa. O Bispo de por que se espalha como um fungo na Hipona levou um bom percurso, até escrever superfície. Ele é “desafiante-do-pensamento”, sua maior e mais conhecida obra – A cidade como eu disse, porque o pensamento tenta de Deus – na qual justificasse a necessidade alcançar alguma profundidade, chegar às dos dízimos e o controle das interpretações raízes, e o momento em que se ocupa do pelas leituras oficiais dos textos sagrados. mal não há nada. Essa é sua “banalidade”. E, finalmente, o maniqueísmo tão cons- Apenas o bem tem profundidade e pode ser cientemente rejeitado por Agostinho retor- radical (ARENDT, 1996 citada por YOUNG- nou em toda sua força, no que podemos in- BRUEHL, 1982, p. 369, tradução do autor). terpretar como um brutal retorno do recalca- do. Como poderia ser previsto pela metáfora Genealogia da radicalidade do mal sexual contida na última citação, Agostinho Muitas religiões são dualistas. Há um ou mais aprofundou a noção platônica deste mundo deuses do bem e um ou mais deuses do mal. como material e corruptível, associando-lhe Ambos os lados com igual força e poder. A a ideia de carne, pecado e sexo como origem mais famosa entre essas crenças talvez tenha de todo mal. Com todo seu talento literário sido o zoroastrismo. Antiga religião persa e erudição, o fez em um grau que, na práti- fundada pelo profeta Zaratustra, a quem os ca recriou a noção de um deus do mal tão gregos antigos chamavam de Zoroastro, e poderoso quanto o do bem. Compreende-se cujo antigo nome voltou a tornar-se tão fa- o maniqueísmo tão evidente na religiosida- moso pelo livro de Nietzsche. A concepção 22 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal mais simplificada do zoroastrismo é a de que A partir do século XIX, tanto pela influên- admite a existência de duas divindades, as cia de Hegel e Nietzsche, quanto pela redes- quais representam o Bem (Aúra-Masda) e coberta de muitos fragmentos de textos da o Mal (Arimã). Da luta entre essas divinda- Antiguidade, os pré-socráticos foram reva- des, no final, sairia vencedora a divindade do lorizados. No século XX passaram a ser tão Bem. ou mais importantes que os clássicos Platão Por uma interpretação a partir da psica- e Aristóteles. Heidegger, por exemplo, escre- nálise de Melanie Klein, o dualismo e o já veu várias reflexões sobre os pré-socráticos. mencionado maniqueísmo seriam reflexos E Freud, em uma carta de 1º de novembro de da psique infantil mais precoce de sua majes- 1906, indica ao editor Hugo Heller sua lista tade o bebê, que divide todas as percepções dos dez bons livros, na qual inclui Os pen- em dois extremos sem misturas: muito boas sadores gregos, de Theodor Gomperz. Freud e muito ruins. A tão famosa posição esqui- escreve que sua indicação não são obras-pri- zo-paranoide, onde esquizo se refere à cisão mas ou clássicos da literatura, mas livros com em dois polos opostos, e paranoide o expelir que “nos relacionamos do mesmo modo que todo o ruim, mas que termina por retornar e com bons amigos, aos quais devemos algo perseguir. Só com o amadurecimento psíqui- de nosso conhecimento da vida e nossa con- co e físico o bebê passaria a ver que, sua rea- cepção de mundo [...]” (ROUANET, 2003, p. lidade interna e seu mundo externo, não são 12). A obra de Gomperz, em três volumes, tão extremados. Tudo e todos são feitos de tem o primeiro dedicado aos pensadores mais ou menos. O que não é uma visão tão pré-socráticos. grandiosa de si e do mundo, logo um olhar Explicações psicanalíticas à parte e reva- mais realista, mas muito mais modesto, cuja lorização contemporânea dos pré-socráticos, aceitação implica em seu próprio nome: po- outra das origens do pensamento atual, bem sição depressiva. mais próxima no tempo, foi o romantismo. Já na Grécia antiga grande parte do pensa- Movimento artístico, filosófico e político que mento se desprendera da religião. Aconteceu se inicia no final do século XVIII e possui seu o início da filosofia. Cerca de século e meio ápice no século XIX. Caracterizou-se como após o início do movimento pré-socráti- perspectiva contrária ao racionalismo e ao co, viveu um de seus mais famosos nomes, iluminismo. Distinguiu-se por toda uma vi- Empédocles (490-430), conhecido por ser são de mundo centrada no indivíduo. Os au- o criador da teoria cosmogônica dos quatro tores românticos voltaram-se cada vez mais elementos que constituiriam todo o cosmos: para si mesmos, retratando o drama huma- terra, água, ar e fogo. Ele também propôs no, amores trágicos, ideais utópicos e desejos duas causas, chamadas por ele de Amor (phi- de escapismo. Se o século XVIII fora marca- lia) e Discórdia (neikos) que atuariam como do pela objetividade e pela razão, o início do forças que, unindo ou desunindo esses qua- século XIX seria marcado pelo lirismo, pela tro elementos, tanto podem formar tudo que subjetividade, pela emoção e pelo eu. À pri- existe quanto separar tudo num quase caos meira vista, parecem-nos aos ligados à área de partículas. O termo discórdia também é psi e às artes uma corrente muito simpática. traduzido como revolta ou como ódio. As Sedutora até demais, talvez. concepções de Empédocles continuaram Uma característica menos retratada do através dos atomistas gregos – Leucipo e romantismo é ter sido uma das raízes do na- Demócrito – indo deles a Epicuro, que com cionalismo europeu e, por tabela, difundido sua escola perpassaram todo o pensamento em todo o mundo. As particularidades e as de Alexandria e de Roma antigas. Trata-se de diferenças culturais foram exacerbadas até um dualismo filosófico e não mais religioso. o exotismo. Em oposição ao século XVIII, o Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014 23 Arendt contra Freud: a banalidade do mal contra a radicalidade do mal século das luzes, a Idade Média, melhor de- Iluminismo, como Fichte e Schelling, até finida como idade das trevas, foi idealizada seu ápice no pensamento de Schopenhauer pelo romantismo como quase uma época de e Nietzsche, para o qual “a vontade de poder ouro. Completamente ao oposto de todas as não é nem um ser, nem um devir, é um pa- evidências históricas do que realmente ocor- thos” (NIETZSCHE, s.d., p. 260). reu no período medieval: obscurantismo, A força das paixões, do eu, do irracio- fanatismo, enorme atraso material e de redu- nal, não se revelou apenas através dos heróis ção tanto numérica da população quanto de bastante dúbios de grandes escritores, como sua vida média a não mais de trinta anos. Stendhal, mas também pela criação de vi- A exaltação das características culturais lões supremos. Já em Goethe, Mefistófeles é e de suas mitificadas raízes medievais mos- personagem tão ou mais interessante do que trou-se muito útil como ideologia de opor Fausto. Mas até então, o demoníaco, o mal cada nação como dona de uma herança ini- radical, tentava o homem, mas era ele mesmo gualável, como sendo superior a sua vizinha. inumano: entidades sobrenaturais gregas, Logo justificada toda agressão bélica por que demônios cristãos ou até o próprio maligno em pessoa como Mefistófeles. No século do [...] a própria instituição do Estado [...] podia romantismo surgem ícones contemporâneos agora ser interpretada pelos românticos como o monstro de Frankenstein, Drácula, como a nebulosa representação de uma “alma capitão Nemo. O primeiro foi construído de nacional”, que pelo próprio fato de existir, partes de seres humanos, mas não atingiu devia estar além e acima da lei (ARENDT, essa condição como indivíduo, o segundo 2012, p. 324). renegou sua humanidade tornando-se fi- sicamente um monstro provido de desme- Um passo além e origens apenas linguís- dido poder de sedução, o terceiro manteve ticas ou de tradições particulares, tornaram- sua humanidade biológica, mas renegou seu se homogeneizadoras e o que parecia ser o pertencimento a espécie humana, dedican- reconhecimento de diferenças passou a ser do-lhe ódio eterno, protótipo do cientista sua negação. Mais um passo, o que era cul- louco que deseja escravizar ou destruir a hu- tural passou a ser confundido com o étnico. manidade. Bastou um sopro de darwinismo completa- Desde então o mal radical passou a ser mente mal interpretado em relação às ideias caracterizado por vilões – humanos ou do próprio Darwin e o étnico foi deturpado quase, humanos – geniais, singularíssimos em teoria de superioridade racial. O que era e apaixonados por sua própria perversão. uma teoria de história dos idiomas foi detur- Vilões quase sempre muito mais interessan- pado em racismo. Do estudo das origens e tes que os mocinhos. Nada a ver com a per- dos idiomas indo-arianos, surgiu o delírio sonalidade sem nenhum charme, do normo- de uma imagem de raça ariana pura. É com- pata, que só obedecia a ordens sem refletir preensível que Arendt (2012) tantas vezes em suas consequências; do intelectualmente critique o romantismo em As origens do to- medíocre, mas eficiente burocrata, que não talitarismo. conseguia pensar além do repetir de chavões: O romantismo exacerbou a força das Eichmann. Não era um vilão de cinema ou paixões acentuando seu caráter desmedido televisão. Não era um anti-herói que pudes- e irracional. Exaltação que não ficou nem se ser idolatrado por neonazistas. “Apesar de poderia ter se restrito à arte, onde produ- todos os esforços da promotoria, todo mun- ziu algumas das maiores conquistas huma- do percebia que este homem não era um nas. Perpassou a maior parte da filosofia ‘monstro’, mas era difícil não desconfiar que no século XIX. Desde autores herdeiros do fosse um palhaço” (ARENDT, 2013, p. 67). 24 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 42 | p. 15–30 | Dezembro/2014

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nha semelhança. O problema com FREUD, S. Correspondência de amor e outras cartas. FREUD, S. The economic problem of masochism.
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