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Aptidão física e actividade física em populações Africanas PDF

28 Pages·2007·1.1 MB·Portuguese
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Aptidão física e actividade física em populações Africanas: Uma revisão da literatura Leonardo Nhantumbo1,3 1Faculdade de Ciências de Educação Física e Desporto Sílvio Saranga1,3 Universidade Pedagógica André Seabra2 Moçambique José Maia2 2Faculdade de Desporto António Prista1,3 Universidade do Porto Portugal https://doi.org/10.5628/rpcd.06.03.373 3Laboratório de Fisiologia do Exercício DCD — Universidade Eduardo Mondlane Maputo Moçambique RESUMO ABSTRACT O estabelecimento de relações entre a aptidão física e saúde a Physical Fitness and Physical Activity in Africa. State of the Art partir de uma óptica epidemiológica deriva, de entre outras razões, do incremento conspícuo do sedentarismo que se The established link between physical fitness and health is based on observa nos países industrializado e que se apresenta associado epidemiological evidence about sedentary lifestyles associated with mul- a uma multiplicidade de factores de condições mórbidas. Em tiple factors of morbid conditions. In Africa, survival activities África, face à predominância de actividades de sobrevivência o demanding a lot of energy expenditure and moderate to high levels of sedentarismo e suas comorbilidades não se afiguram como physical fitness are not correlated with sedentary and its co-morbidi- prioridade ou matéria de relevo. Contudo, as preocupações em ties. Due to this major reason, no special attention was given to the torno da aptidão física neste continente, ainda que de panora- relationship between fitness and health. Yet, there has been an ma distinto, são pertinentes face a crescente urbanização das increased interest and research about physical fitness of African chil- sociedades Africanas tem concorrido para o incremento dos dren and adolescents due to the fact the urbanization is increasing in níveis de hipocinésia, o que começa a inquietar as autoridades small to big African cities, and its potentiality in reducing physical sanitárias. A presente revisão da literatura foi realizada com o activity levels. Such a fact is becoming a concern of health authorities. propósito de minorar a escassez e dispersão da pesquisa em The present literature review was conducted with the aim of synthesis- populações Africanas. Recorrendo à consulta de bases disponí- ing the available information. Based on a data base search, we selected veis, foram seleccionados todos os artigos que versassem estu- all indexed papers with Africa, physical activity and physical fitness. dos realizados em África com indexação aptidão física e activi- From this search, two main issues are at hand: (1) a discussion about dade física. Dos estudos revistos emerge (1) uma inquietação the clear anthropobiological meaning of physical fitness and physical em torno do alcance antropobiológico da expressão da aptidão activity patterns of African population of different ages, ethnicity, and física e dos padrões de actividade física das populações africa- socio-economic strata with a special emphasis on environmental stress, nas de diferentes idades, grupos étnicos e estratos sócio-econó- nutritional status and infection; (2) the fact that physical fitness micos, designadamente da influência stressambiental, do estado assessment and normalizing criteria to height are based on reference nutricional e das infecções parasitárias na variabilidade da sua data from developed countries that pose cross-cultural validity prob- expressão e (2) o facto da avaliação da aptidão física e dos cri- lems. térios de normalização estatural se basearem em valores de referência construídos a partir de amostras de países desenvol- Key-words:physical fitness, physical activity, Africa, public health, vidos emprestarem a este processo problemas de transculturali- epidemiology. dade, têm ultimamente suscitado polémica e investigação sobre a sua validade. Palavras-Chave:aptidão física, actividade física, África, saúde pública, epidemiologia. Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 373 Leonardo Nhantumbo, Sílvio Saranga, André Seabra, José Maia, António Prista INTRODUÇÃO res. Originalmente, a pesquisa relativa à aptidão O incremento galopante do sedentarismo da socieda- parecia confinada ao efeito da estatura na perfor- de moderna industrializada tem conduzido à sua mance corporal, já que apresentando-se as crianças associação a factores de risco de um complexo espec- africanas geralmente mais baixas e mais magras rela- tro de condições mórbidas, bem como ao estabeleci- tivamente às crianças americanas e europeias, have- mento de relações entre aptidão física e saúde, funda- ria todo o interesse em estabelecer o seu efeito na mentalmente a partir de uma óptica epidemiológica. performance motora. A influência do meio ambiente É assim que, nos países desenvolvidos, as consequên- no tamanho e no físico foram já estudadas há cerca cias marcadamente nefastas do sedentarismo têm de trinta e sete anos por Hiernaux(35)através de uma condicionado uma parte substancial da atenção de revisão de dados referentes a mais de quatrocentas epidemiologistas da actividade física, não só em etnias habitantes da região de África Sub-Sahariana, torno da inactividade física e da sua associação a fac- tendo constatado que valores estaturais elevados tores mórbidos, como também, e sobretudo, da apro- estavam associados a um clima seco e quente com priação da aptidão física na sua relação com a saúde altas variações sazonais; a estatura baixa associava- (12, 13, 50). É pois nesta perspectiva de saúde que as se a uma temperatura húmida e constante, enquanto Ciências do Desporto têm conhecido, nas últimas que a massa corporal revelava uma afinidade com décadas, um crescimento substancial da investigação. humidade e uma relação negativa com a altitude. Sendo África um continente onde a maior parte da Desde então que o olhar sobre a aptidão física em população vive fundamentalmente na base de activi- África tem percorrido, tímida e dispersamente, dades de subsistência, e porque desprovido de meios outros campos de visão, que no entanto se confinam e condições eficazes de monitorização e controlo de maioritariamente em torno de fenómenos associados calamidades, como as secas e cheias cíclicas, o proble- à estatura, como seja da influência do aporte nutri- ma do sedentarismo e suas comorbilidades não cons- cional e das insuficiências higinénico-sanitárias. Por titui prioridade ou assunto de realce. Obviamente, os outro lado, o facto da avaliação da aptidão física e serviços de saúde em África continuam a ser confron- critérios de normalização estatural se basearem em tados com a busca de soluções de problemas deriva- valores de referência construídos a partir de estudos dos de constrangimentos nutricionais e de endemias realizados em países desenvolvidos, empresta a este infecto-contagiosas. É assim que o estudo da capaci- processo problemas de transculturalidade que têm dade funcional das populações Africanas se tem ultimamente suscitado polémica e investigação sobre desenrolado de forma escassa e dispersa. a sua validade. Há contudo a considerar que nos países não desen- Do exposto, e dada a complexidade da realidade con- volvidos, como é o caso da maioria dos países de textual Africana, emerge a ideia de que as manifesta- África, a eficiência em realizar trabalho é determi- ções de aptidão física em África adquirem complexi- nante, o que torna a capacidade funcional de um dades de descrição e interpretação distintas das que grupo populacional um elemento essencial para a caracterizam o mundo industrializado, conferindo ao sua capacidade produtiva(14, 51, 61). É desta forma que, seu estudo em África desafios singulares. as preocupações com a aptidão física em Africa, se O presente trabalho surge da necessidade de congre- bem que de perspectiva distinta, não deixam de se gar a informação disponível na literatura sobre a apresentar como pertinentes. Mais, a crescente urba- investigação em aptidão física em África de forma a nização das sociedades Africanas tem evoluído para contribuir para a sistematização dos problemas con- o crescimento do sedentarismo que começa a preo- ceptuais, metodológicos e de interpretação. A partir cupar as autoridades sanitárias. da revisão dos estudos realizados em África sobre a O reconhecimento da influência da pressão ambien- aptidão física, espera-se com a presente revisão, não tal sobre a expressão da aptidão física tem favorecido apenas disponibilizar na forma de artigo a informa- o interesse pelos estudos em África, já que persistem ção sobre a temática, mas também contribuir para neste continente condições “ecológicas” singulares uma melhor estruturação da pesquisa sobre a apti- de pesquisa e já difíceis de encontrar noutros luga- dão física em África. 374 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 Aptidão física e actividade física em populações Africanas ESTUDOS DESCRITIVOS E COMPARATIVOS trados com crianças e jovens Belgas revelaram supe- Uma parte considerável dos estudos publicados rioridade dos belgas nos testes em que a influência sobre a aptidão física em África consiste na descrição da maturação e/ou da altura é determinante. Ao ajus- do padrão da aptidão em função do sexo e idade e na tar os valores àquelas duas variáveis, o autor consta- sobreposição dos valores às normas e dados publica- tou que as diferenças deixavam de existir e, em dos com populações do mundo industrializado. alguns caso, se invertiam, tornando a estatura um Estes estudos utilizam exclusivamente baterias de elemento decisivo na explicação das diferenças. testes criadas em países desenvolvidos. Prista(51)estudou 593 crianças e jovens de Maputo, Utilizando a bateria da AAHPERD(1), Elnashir e Moçambique, tendo aplicado um conjunto de testes Mayhew(22)avaliaram um total de 710 crianças egíp- retirados das baterias de AAHPERD(1)e EUROFIT(23). cias de ambos os sexos (rapazes, n = 399; raparigas, A amostra integrou rapazes e raparigas dos 8 aos 15 n = 311) com idades compreendidas entre os 9 e os anos e os resultados revelaram um perfil idêntico de 18 anos. Relativamente às normas americanas, as aptidão física ao que é encontrado nos demais estu- crianças egípcias apresentaram resultados mais bai- dos, isto é, os rapazes são mais capazes em tarefas xos em quase todos os testes, com excepção do teste de força e resistência, enquanto que as raparigas evi- de força de braços até aos 14 anos nos rapazes, e no denciaram maiores índices de flexibilidade. Contudo, teste de tempo de suspensão na barra nas raparigas, as diferenças entre rapazes e raparigas em algumas mas apenas no intervalo etário dos 9-11 anos. Os tarefas foram inferiores ao que é normalmente autores especulam que os resultados encontrados encontrado nos estudos. Por outro lado, os resulta- podem ser explicados pela menor estatura, os baixos dos sobrepostos às normas da AAHPERDe estudos níveis de actividade física, a insuficiência nutricional, com Europeus revelaram performances marcadamen- bem como razões culturais, porém não é apresentada te superiores dos Africanos, não apenas em tarefas qualquer evidência que sustente estas afirmações. onde a massa muscular absoluta é determinante, No Zaire, Ghesquiere et al.(31)administraram a bate- como também em termos de resistência cardiorespi- ria do EUROFITem crianças e jovens da floresta Ituri ratória, agilidade e flexibilidade. Nesse estudo, o e relacionaram os seus resultados com valores de autor demonstrou que os níveis de actividade física crianças e jovens europeias. A generalidade dos da população estudada, ligada a tarefas de sobrevi- resultados encontrados deu a indicação de que os vência e jogos activos ao ar livre poderiam explicar europeus tinham, em termos absolutos, melhores os bons níveis de performance encontrados. valores nos testes de força de resistência abdominal, Ainda em Moçambique, num estudo realizado por força de braços e agilidade, porém inferiores nos tes- Muria et al.(43)com o propósito de testar, em popu- tes de equilíbrio, batimento de placas, impulsão lações Africanas, os critérios sugeridos pela bateria horizontal sem corrida preparatória, flexibilidade e da Prudential Fitnessgram,foram avaliadas 547 crian- tempo de suspensão na barra. Perante este quadro ças e jovens dos 8 aos 11 anos de idade de ambos os de resultados, e com base no conhecimento da rela- sexos. Os resultados evidenciaram uma elevada pro- ção deste conjunto de testes com a composição cor- porção de sujeitos que ultrapassa o limite de aptidão poral, os autores concluíram que os europeus eram física associada à saúde, para além da presença de melhores somente naqueles testes em que a maior valores percentuais superiores a 50% de crianças de estatura lhes conferia vantagem, atribuindo à uma ambos os sexos com valores iguais e/ou superiores mais elevada actividade física habitual a performance aos critérios adoptadas pelo Fitnessgram. dos africanos. Faye et al.(25)numa pesquisa realizada sobre uma Ainda no Zaire, Nkiama(46)encontrou resultados amostra de 700 de rapazes e raparigas Senegalesas, idênticos com a aplicação da mesma bateria EUROFIT com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos numa população escolar de ambos os sexos, com ida- de idade, estudaram a dinâmica da expressão de des compreendidas entre os 6 e os 20 anos. Sendo algumas capacidades físicas em função da idade e do uma população mais baixa e magra, os seus valores género, nomeadamente velocidade, coordenação, da aptidão física sobrepostos aos resultados encon- potência, flexibilidade e equilíbrio. Os rapazes obti- Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 375 Leonardo Nhantumbo, Sílvio Saranga, André Seabra, José Maia, António Prista veram melhores resultados que as raparigas nos tes- nacionais, a média das dimensões corporais é consis- tes de velocidade e potência, enquanto que estas evi- tentemente inferior nas crianças e jovens denciaram melhores performances nos testes de fle- Africanas(17, 24, 40, 46, 58). Assumindo que o desvio da xibilidade e de equilíbrio. Verificou-se ainda uma taxa normal de crescimento de uma criança pode redução pronunciada seguida de um decréscimo nos reflectir os efeitos de condições deficientes de nutri- níveis de prestação nos testes de velocidade e potên- ção e/ou a presença de doenças infecciosas, critérios cia nas raparigas, contrariamente ao que se verificou antropométricos foram adoptados como indicadores nos rapazes, em que à excepção da flexibilidade, os do estado nutricional, constituindo uma prática níveis de aptidão física permaneceram estáveis, reve- comum em saúde pública e em estudos epidemioló- lando em alguns casos aumentos significativos. gicos(67, 68, 69). No intuito de explicar o dimorfismo sexual, Maia et Tem sido polémica a classificação da normalidade em al.(38)avaliaram o efeito na aptidão física, da matura- populações de países não desenvolvidos a partir de ção biológica, do tamanho do corpo, do estatuto normas construídas em estudos realizados com crian- sócio-económico e da percentagem de gordura, em ças e jovens de países desenvolvidos(28, 32, 39). Embora 2503 crianças e jovens de ambos os sexos (rapazes, se reconheça a influência desfavorável da malnutrição n=1199; raparigas, n=1304) provenientes de várias no crescimento infantil e juvenil, a classificação do regiões da cidade de Maputo, com idades que varia- estado nutricional duma criança a partir da posição vam entre os 8 e os 17 anos. A aptidão física foi ava- percentílica que esta ocupa em relação a outros pode liada através de nove provas provenientes das bate- não ser suficiente(14, 53, 58). Desta forma, a procura do rias do EUROFIT, Prudential Fitnessgrame AAHPERD. significado da menor estatura de uma população rela- O estudo confirmou o efeito determinante da idade e tivamente a outra tem constituído uma preocupação. género mesmo depois de controlado o efeito da Dado que a prontidão física para o desempenho da massa corporal, estágio maturacional e estatuto vida é determinante, a influência da menor estatura sócio-económico. descrita para os Africanos, em especial crianças e Em resumo, os escassos estudos descritivos e compa- jovens, tem vindo a ser alvo de estudo. rativos realizados em África confirmam a existência A investigação realizada neste âmbito, e em contexto de um dimorfismo sexual e etário, idêntico, em ter- africano, abrange crianças em idade pré-escolar, em mos de padrão, ao já estabelecido para os países do idade escolar, jovens e adultos jovens. Contudo, os chamado mundo desenvolvido. Os rapazes são mais estudos realizados com crianças em idade pré-esco- capazes em eventos de força e resistência, enquanto lar são bastante diminutos. Neste espaço etário exis- que as raparigas sobressaem no teste de flexibilidade. tem três trabalhos disponíveis na literatura, sendo É evidente uma melhoria dos níveis de aptidão física um realizado na Nigéria por Toriola e Igbokwe(65)e em função da idade. Por outro lado, as crianças e outros dois no Senegal por Bénéfice(4, 5). O estudo de jovens africanos apresentam valores de estatura e Toriola e Igbokwe realizado em 341 crianças de peso inferiores aos valores normativos, e não obstan- ambos os sexos em idade pré-escolar (3 aos 5 anos) te esse facto, à excepção dos testes em que a maior e pretendia comparar a sua performance motora em estatura constitui vantagem, apresentam melhores função do género e da idade cronológica. Os resulta- níveis de aptidão física nos demais testes em relação dos evidenciaram uma tendência bastante linear de às crianças e jovens americanas e europeias. incremento dos níveis de performance dos grupos em função da idade, à excepção das raparigas nas APTIDÃO FÍSICA, ALOMETRIA E ESTADO NUTRICIONAL provas de equilíbrio e corrida. Em todos os grupos É consensual que, relativamente às populações dos etários, os rapazes obtiveram melhores resultados países desenvolvidos, o crescimento em África se que as raparigas em quatro dos seis testes motores processa de forma mais lenta seguindo um padrão de que a bateria utilizada era composta. Foi assim comum com algumas variações locais dependendo possível verificar que já na infância as diferenças na das circunstâncias sociais, estado nutricional e grau performance motora em função do género e da idade de urbanização(14, 24). Relativamente às normas inter- cronológica eram evidentes. 376 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 Aptidão física e actividade física em populações Africanas Nos estudos realizados no Senegal por Bénéfice pre- pos nutricionais desapareceram na performance tendia-se descrever o crescimento somático e o motora, ainda que tenham persistido em alguns tes- desenvolvimento da capacidade de trabalho em 88 tes coordenativos. Os autores concluíram que a má crianças rurais saudáveis dos 3 aos 6 anos de ambos nutrição per se, conjugada com a pequenez das os sexos e avaliar o impacto do seu estado nutricio- dimensões corporais, atraso no crescimento e condi- nal na resposta cardiovascular ao exercício bem ções precárias são factores que afectam negativamen- como a relação entre o crescimento, funcionalidade e te a performance motora e coordenativa de crianças performance motora. Para além das medidas antro- em áreas em vias de desenvolvimento no mundo, e pométricas, foram administrados os testes de 20 que as diferenças encontradas entre os grupos nutri- metros de corrida, impulsão horizontal sem corrida cionais na performance motora e coordenativa eram preparatória, força de preensão e arremesso de bola fundamentalmente explicadas pelas diferenças no e um teste de degrau adaptado para crianças em tamanho. idade pré-escolar. Os resultados confirmaram rácios Socorrendo-se da equação alométrica fundamental de peso e altura e pregas de adiposidade abaixo das Corlett(16)investigou, em 240 crianças de ambos os medianas dos valores de referência da OMS e valores sexos dos 7 aos 12 anos de idade (120 de cada géne- de aptidão física em todos os testes inferiores aos ro), os efeitos das variáveis dimensionais nas provas encontrados em europeus. Contudo, depois de nor- de força estática, impulsão vertical e longitudinal e malizado para o tamanho corporal, as diferenças na prova de corrida. As diferenças encontradas entre entre as crianças senegaleses e europeias diminuí- os expoentes dimensionais teóricos e empíricos da ram de forma relevante. Para além das questões alo- amostra revelaram ausência do pressuposto de simi- métricas, o autor considerou que a influência cultu- laridade geométrica, a qual era, segundo o autor, ral na performance dos testes poderia explicar algu- explicada pela ausência de variação substancial na ma desvantagem das crianças africanas, nomeada- composição corporal. Por outro lado, os resultados mente índices motivacionais e de agressividade para sugeriram, de forma algo explícita, a presença de a competição mais baixos que as europeias. diferenças manipulativas na realização dos testes, Bénéfice et al.(9), num outro estudo realizado com facto que parece constituir a substância interpretati- 139 rapazes e raparigas comparou a coordenação e a va do dimorfismo sexual que os resultados do estu- performance motoras de crianças Senegalesas com do revelaram. diferentes histórias nutricionais e determinou a As questões alométricas ligadas à expressão diferen- influência das dimensões corporais na variância da cial da aptidão física, também foram investigadas por coordenação e performance motoras. Para o efeito, Prista et al.(55), num estudo realizado em 593 crian- foram utilizados os critérios antropométricos para ças moçambicanas de ambos os sexos, com idades classificação nutricional para dividir a amostra em 3 compreendidas entre os 8 e os 15 anos (rapazes, n = grupos nomeadamente, um grupo com história clíni- 276; raparigas, n = 317). Para além do peso e da ca de algum estado de depressão nutricional, um estatura, foram avaliadas a força abdominal e de segundo com história de desnutrição severa e um preensão, a agilidade e a resistência cárdio-respirató- terceiro considerado nutricionalmente normal. Além ria. Constituía propósito do estudo, verificar se os das variáveis somáticas os sujeitos realizaram 6 tes- expoentes alométricos eram equivalentes aos postu- tes de coordenação motora e 5 testes motores. No lados pela teoria dimensional, por forma a tornar cômputo geral, o grupo de crianças bem nutridas equilibrada a comparação da performance entre os obteve melhores performances na maioria dos testes sexos. Os valores empíricos encontrados não confir- comparativamente aos grupos com problemas nutri- maram os da teoria dimensional, o que pareceu tra- cionais. As dimensões corporais explicaram uma sig- duzir aspectos peculiares do crescimento linear e nificativa parte da variância da aptidão motora, ponderal das crianças e jovens de Moçambique. tendo sido a altura a revelar-se como melhor predi- Benéfice e Malina(7)pesquisaram a relação entre as tor. Todavia, depois de remover o efeito da idade e características antropométricas e a performance do tamanho corporal, as diferenças entre os três gru- motora, bem como a influência relativa das dimen- Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 377 Leonardo Nhantumbo, Sílvio Saranga, André Seabra, José Maia, António Prista sões e composição corporais na variabilidade da per- Dois estudos realizados em Moçambique revelam formance motora em 348 crianças, classificadas uma inquietação em torno da generalização dos cri- como moderadamente subnutridas e com idades térios antropométricos de classificação nutricional e compreendidas entre os 5 e os 13 anos. As medidas alertam para a necessidade de validação transcultural compreenderam peso, altura, perímetros, pregas de dos mesmos(53, 58). No primeiro estudo foi utilizada a adiposidade, velocidade, arremesso de bola, impul- aptidão física, medida por um conjunto de testes da são horizontal sem corrida preparatória e força de bateria da AAHPERD(1)e EUROFIT(23), e a actividade preensão. A altura e o peso explicaram 30-50% da física habitual, medida por questionário. As medidas variância na performance das crianças com menos de foram realizadas em 316 crianças e jovens em idade 10 anos, enquanto que nas com mais de 10 anos, o escolar da Cidade de Maputo, as quais foram poste- riormente classificadas nutricionalmente de acordo peso explicou cerca de 10-25% da variância. Por com as normas da OMS(48). Não obstante, e de acor- outro lado, os indicadores da composição corporal do com os critérios referenciados 46.2% da amostra revelaram uma limitada contribuição na variância da ter demonstrado algum sinal de malnutrição, a apti- performance motora. Contudo, foi possível observar dão física só se diferenciou nas tarefas em que a que a gordura corporal afectava negativamente a per- massa muscular era determinante. No caso da activi- formance motora das raparigas com idade superior a dade física, nenhum efeito do estatuto nutricional 10 anos. Os autores consideraram que os resultados pôde ser observado. Foi assim constatado que as não permitiam esclarecer a associação entre o estado diferenças entre os grupos só se revelavam quando a de “stunted”e “wasted” e a relativamente reduzida estatura corporal determinava a performance. performance nos testes, sublinhando, como em Na continuidade deste estudo, Prista et al.(58)repeti- outros trabalhos, a ausência de controlo sobre o ram o procedimento com uma amostra substancial- determinismo cultural na prestação dos testes. mente maior (n = 2316), ampliando o escalão etário Pieterse et al.(49)estudaram a influência do tamanho (6-18 anos) e introduzindo, para além da aptidão corporal na capacidade de produção de força em física e actividade física, variáveis do fórum clínico. indivíduos adultos investigando a associação entre o Os critérios de classificação nutricional foram actua- estatuto nutricional e a força de preensão em 828 lizados de acordo com a OMS(69). Pretendiam os refugiados Ruandeses adultos de ambos os sexos e autores testar com mais robustez a validade dos cri- com idades compreendidas entre os 50 e os 92 anos. térios para a população escolar de Maputo. Não obs- As variáveis avaliadas consistiram no peso, altura, tante o número considerável de variáveis, não foi, de perímetro braquial, prega adiposa tricipital e dina- novo, possível encontrar relevância nos critérios que mometria manual. Os resultados revelaram valores classificam subnutrição, embora os autores tenham médios de força de preensão dos homens mais eleva- constatado validade nos valores de corte para defini- dos em relação às mulheres (30.3±6.7 Kg vs ção de sobrepeso e obesidade. 22.3±5.1 Kg; p<0.001), e uma tendência de dimi- Pode-se assim dizer que a pesquisa em torno da nuição ao longo da idade. A força de preensão aptidão física e estatura em África tem dado uma manual correlacionou-se positivamente com o índice importante contribuição no esclarecimento da rele- de massa corporal (homens, r = 0.26; mulheres, r = vância do tamanho corporal para a performance, e 0.16) e com o perímetro braquial (homens, r = 0.41; através da classificação nutricional, do estado de mulheres, r = 0.26). O índice de massa corporal saúde. Não obstante a grande polémica em torno do revelou-se como uma variável contribuinte para a tema, da revisão da literatura Africana, emergem evi- variação da força de preensão, mesmo depois de con- dências que permitem concluir que, (1) uma grande trolar o efeito do género sexual, idade e altura. parte do stressnutricional se repercute na estatura Considerando a característica da população estuda- dos sujeitos, a qual por sua vez tem uma influência da, os autores verificaram que o estatuto nutricional determinante na performance, (2) que as diferenças se associava de forma independente da capacidade de performance entre grupos nutricionais quase que de produzir força de preensão. exclusivamente se explicam pelas diferenças estatu- 378 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 Aptidão física e actividade física em populações Africanas rais e (3) que a relevância dos critérios de classifica- cial aeróbio (p<0.05) das crianças brancas (ª61 ção nutricional do ponto de vista da aptidão física ml/kg/min) em relação às mestiças (ª47 desaparece, quando as tarefas não dependem do ml/kg/min) e negras (ª53 ml/kg/min) e destas em tamanho corporal e/ou as diferenças estaturais dei- relação àquelas. Os autores encontraram grandes xam de existir. O debate sobre as vantagens e des- dificuldades para explicar os resultados consideran- vantagens de ser pequeno em torno da saúde e pro- do que a interacção do factor racial com estados dutividade mantém-se assim em aberto. sócio-económicos e culturais distintos, como sejam hábitos nutricionais e padrões da actividade física APTIDÃO FÍSICA E ESTATUTO SÓCIO-ECONÓMICO habitual, poderiam influenciar determinantemente a Em Africa, o estudo da interacção hereditariedade- prestação nos testes. ambiente na interpretação da variação observada Também na Africa do Sul, Badenhorst et al.(3)inves- num dado fenótipo, como seja a aptidão física dos tigaram 22 rapazes negros dos 9 aos 15 anos resi- indivíduos, encontra condições simultaneamente pri- dentes em zonas rurais, comparando os resultados vilegiadas, porém de acrescida complexidade. A com seus compatriotas sócio-economicamente privi- enorme variação cultural e a grande clivagem social, legiados. As variáveis em estudo incluíram peso, conjugadas com uma extrema diversidade biológica altura, pregas de adiposidade, VO máx, a actividade 2 dão origem a ambientes extremamente ricos, e por física habitual e o estatuto nutricional. Os resultados isso complexos, em factores que co-determinam as revelaram uma ingestão calórica em Quilojoules na características humanas. A potencializar, a urbaniza- ordem dos 37-41% inferior em relação à quantidade ção crescente provoca o desabrochar de grandes diária recomendada; uma ingestão satisfatória de aglomerados de populações que misturam hábitos e proteínas; baixa percentagem de gordura corporal, estágios de desenvolvimento, potencializados pelo sem que no entanto tivessem sido encontradas situa- chamado fenómeno da “globalização”. ções de “stunting” ou “wasting”. Não obstante o Esta condição tem sido explorada pelos investigado- défice em aporte nutricional, os valores de VO máx 2 res que procuram explicar a variabilidade na aptidão encontrados (9-10 anos = 49.8±3.4 ml/kg/min; 11- física através de abordagens metodológicas como 12 anos = 48.4±3.1 ml/kg/min e 13-14 anos = seja, (1) pela comparação de grupos étnicos e raciais, 50.6±3.8 ml/kg/min) eram comparáveis aos encon- (2) pela comparação entre populações urbanas e trados por outros autores para crianças da mesma rurais, (3) e pela comparação entre grupos classifica- idade. Uma capacidade adaptativa destas crianças ao dos por critérios sócio-económicos e (4) a avaliação “stress” ambiental e às condições nutricionais adver- da tendência secular. sas foi apontada pelos autores para explicar estes resultados. Comparação por grupos étnicos Goslin e Burden(29)investigaram a aptidão física de Comparação cidade-campo 222 crianças sul-africanas de ambos os sexos em Na Tanzânia, Davies et al.(20)avaliaram e compara- idade escolar (brancas, n = 98, mestiças, n = 92; ram a composição corporal e a aptidão aeróbia, ava- negras, n = 32) pertencentes a grupos culturais e liada através de um teste de esforço submaximal e sócio-económicos distintos. Para além do peso e da maximal em cicloergómetro em 94 jovens adultos de altura, avaliaram a flexibilidade, a agilidade, a força, ambos os sexos residentes em Dar-es-Salamm. Os o equilíbrio, a potência anaeróbia e aeróbia, a resis- resultados encontrados foram comparados com tência muscular e cardiorespiratória e a composição dados provenientes de 48 homens e 7 mulheres corporal através do somatório de pregas adiposas. europeus. No plano somático, os resultados dessa As crianças brancas apresentaram melhores valores comparação indicaram que os africanos eram mais de peso e altura em relação aos demais grupos, mas leves e mais baixos que os europeus, possuíam apesar disso as crianças negras obtiveram melhores menos gordura corporal, menos massa isenta de gor- resultados ao nível da força. Os resultados da esti- dura e menor volume da perna. Em relação à potên- mativa de VO máx evidenciaram um maior poten- cia aeróbia os europeus apresentavam, em ambos os 2 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 379 Leonardo Nhantumbo, Sílvio Saranga, André Seabra, José Maia, António Prista sexos, valores absolutos de VO máx superiores aos Corlett(18)avaliou e comparou a força de preensão 2 africanos (homens = 3.48±0.46 vs2.76±0.39 L.min- em crianças do Botswana de ambos os sexos (n = 1; mulheres = 2.45±0.31 vs2.00±0.24 L.min-1). 612; idade: 7-12 anos) provenientes de dois meios Esta superioridade, ainda que atenuada, mantinha-se distintos, sendo 240 do meio urbano. A análise evi- mesmo quando o VO máx era relativizado à massa denciou, para além do comum efeito significativo da 2 isenta de gordura. idade e género sexual, que as crianças urbanas supe- Resultados divergentes foram encontrados por ravam as do meio rural em ambos os sexos, mesmo Wyndham(70)numa pesquisa em que avaliou a após o ajustamento dimensional para diferenças de influência do peso corporal, idade, género e da alti- tamanho, sendo as diferenças mais acentuadas nas tude sobre a capacidade de trabalho (VO máx) em idades mais baixas e tendentes a diminuírem ao 2 906 sujeitos Bantus, com valores médios de idade de longo da idade. Segundo este autor, os resultados da 32-40 anos, provenientes de duas províncias da Áfri- força de preensão encontrados eram meramente uma ca do Sul, nomeadamente Venda (zona rural, n = expressão funcional da vantagem anatómica resul- 241; zona urbana, n = 240) e Pedi (zona rural, n = tante das melhores condições nutricionais que as 202; zona urbana, n = 223). Os principais resulta- crianças do meio urbano têm relativamente às do dos deram conta de que os sujeitos Bantus da zona meio rural. rural apresentavam valores mais baixos de peso Ainda na Africa do Sul, Henneberg e Louw(33)inves- (Venda = 56.7 vs64.1 Kg; Pedi = 56.2 vs60.6 Kg) e tigaram os padrões de crescimento somático e da de VO máx (Venda = 39.9 vs40.5 ml/kg/min; Pedi 2 aptidão física em crianças do meio urbano e rural da = 37.6 vs41.9 ml/kg/min) em relação aos da zona cidade do Cabo e da região de Klein Karoo. Numa urbana. Os valores de VO máx de sujeitos sul-africa- 2 amostra de 3748 sujeitos de ambos os sexos dos 5 nos Bantus da zona urbana eram similares aos aos 19 anos, e utilizando testes de velocidade de encontrados em trabalhadores noruegueses da reacção e preensão manual, os autores observaram indústria e em mineiros brancos do intervalo etário superioridade das crianças e jovens de estatuto de 30-39 anos. Contudo, os valores apresentados socio-económico mais elevado, uma vez mais asso- quer pelos sujeitos Bantus da zona urbana, quer ciada a uma maior estatura, também aqui mais pro- pelos da zona rural testemunhavam uma fraca capa- nunciada nas idades mais jovens. Resultados concor- cidade de trabalho em relação aos resultados médios dantes foram encontrados por Henneberg et al.(34), disponíveis na literatura referentes aos atletas e ao investigarem a relação entre força muscular está- sujeitos activos do mesmo intervalo etário. tica e o ESE de crianças e jovens negros da África do Procedendo igualmente a uma comparação entre Sul de ambos os sexos dos 6 aos 18 anos (rapazes, n etnias, Austin et al.(2), compararam a capacidade de = 1704; raparigas, n = 1956). A amostra foi avaliada trabalho e a morfologia de dois grupos étnicos da na força de preensão manual, prega adiposa tricipital região ocidental do Zaire, numa amostra de 169 e velocidade de reacção. Os resultados revelaram homens e mulheres de idades compreendidas entre uma nítida vantagem na produção de força muscular os 18 e os 40 anos pertencentes às etnias Ntomba e Twa. As medidas incluíram indicadores somáticos e dos sujeitos de ESE mais elevado. Os valores médios a potência máxima aeróbia. A etnia Ntomba apre- superiores foram mais evidentes a partir da puberda- sentou médias mais elevadas de peso (homens, de, mesmo quando ajustados à área de secção trans- 58.2±7.97kg vs47.5±5.56Kg, p<0.01; mulheres, versal do músculo. 48.0±7.04 kg vs44.1±7.06Kg, p<0.05) e altura (homens, 168.46±6.16cm vs159.5±5.78cm, Comparação pela região e tipo de escola p<0.01; mulheres, 155.71±4.73cm vs A escolha da escola como critério de classificação do 153.10±4.76cm, p<0.05), enquanto que a composi- estatuto sócio-económico tem constituído um recur- ção corporal se revelou idêntica. Em termos de so alternativo à grande dificuldade de sistematizar VO máx, a etnia Ntomba apresentou valores médios este critério na realidade Africana. Utilizando este 2 absolutos mais elevados, que quando relativizados procedimento, Guesquière e Eeckles(30)pesquisaram ao peso corporal o deixavam de ser. os padrões de aptidão física em crianças do ensino 380 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 Aptidão física e actividade física em populações Africanas primário da cidade de Kinshasa, estratificadas em resultado no teste de sit-upspoderá estar associado a função ao tipo de escola frequentada. Os resultados questões culturais, já que sendo um movimento do estudo evidenciaram que a grandeza estatural dos alheio à cultura local, é tecnicamente mais vivencia- estudantes das escolas privilegiadas expressava uma do por populações que vivem em contacto com a vantagem em termos absolutos. Todavia, quando “cultura do mundo desenvolvido”. ponderados em função do peso corporal a vantagem desaparecia, e as crianças provenientes da escola Tendência secular pública, não obstante a sua pequenez estatural e As repercussões da passagem repentina de maior incidência de parasitêmias, apresentavam per- Moçambique de uma situação de guerra e de miséria formances similares e mesmo superiores em relação para uma situação de paz e de economia de mercado aos restantes. De acordo com estes autores, as condi- constituiu uma ocasião única para avaliar os efeitos ções adversas da vida no meio suburbano afecta ambientais em diferentes fenótipos. Foi neste con- menos a aptidão física do que o desenvolvimento físi- texto que Saranga et al.(59), enquadrados na investi- co e, por outro lado, o incremento de peso nos sujei- gação dos aspectos relativos à designada “tendência tos desfavorecidos processa-se através do aumento da secular”, investigaram as mudanças nos níveis de massa muscular, o que em termos relativos, se tradu- aptidão física na Cidade de Maputo, comparando ziria em vantagem na produção de trabalho. dois estudos realizados nas mesmas escolas e com A influência do estatuto sócio-económico nos valo- procedimentos idênticos, respectivamente nos anos res da aptidão física foi estudada em Moçambique de 1992 e 1999. As amostras envolveram, na totali- com o recurso a idêntico procedimento(52). Os auto- dade, 2749 rapazes e raparigas em idade escolar. A res classificaram os grupos sócio-económicos em aptidão física foi avaliada através das provas seleccio- função de escolas e de acordo com regiões da nadas dos protocolos da AAHPERD(1)e EUROFIT(23). Cidade. Foram envolvidas um total de 593 crianças e A generalidade dos resultados do estudo permitiu jovens de ambos os sexos dos 8 aos 15 anos. As pro- constatar uma abrupta redução do valor físico da vas de aptidão física realizadas incluíram flexibilida- população escolar de 1992 para 1999, e que os auto- de, força de resistência abdominal, força de preen- res advogam se dever a uma drástica mudança de são, agilidade e resistência cardiorespiratória, tendo hábitos de actividade e nutricionais confirmadas pela os resultados sido comparados em função dos gru- aplicação, em ambos os estudos, de um questionário pos sócio-económicos. Controlando o efeito da idade de avaliação da actividade física habitual. Esta redu- e do sexo, as crianças e jovens socialmente mais des- ção de hábitos de actividade e performance física é favorecidos apresentaram prestações significativa- igualmente sugerida como responsável pelo aumento mente mais elevadas nos testes de flexibilidade e da prevalência de factores de risco de doença cardio- resistência cardiorespiratória. Apesar de uma acen- vascular observada na mesma população no mesmo tuada diminuição de estatura relativamente aos mais intervalo temporal(19). privilegiados, a força de preensão manual não foi Da investigação publicada sobre estudos em África diferente entre os grupos, ainda que a resistência que versam a influência do estatuto socio-económico abdominal tenha sido mais elevada nos grupos na aptidão física das populações, infere-se um acen- socialmente favorecidos. Utilizando a comparação da tuado défice metodológico no que respeita à classifi- actividade física habitual dos grupos em estudo, ava- cação dos sujeitos. As estratégias adoptadas, se bem liada por questionário validado para esta popula- que operativamente satisfatórias apresentam pouca ção(56), os resultados sugerem que os grupos desfa- robustez. Assumindo esta limitação, os estudos vorecidos, apesar de apresentarem sinais somáticos revistos além de escassos, apresentam resultados de sequelas nutricionais, são fisicamente mais aptos díspares que podem também advir da característica em função de um perfil de actividades de sobrevivên- dinâmica e contextual da aptidão física. Há contudo cia e jogos activos ao ar livre que lhes conferem um um primado comum que gira em torno do efeito da dispêndio energético e vivência motora consideravel- estatura corporal na performance. Com efeito, parece mente intensa. Para os autores, o contraditório ser consensual que, em determinadas tarefas, a infe- Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400 381 Leonardo Nhantumbo, Sílvio Saranga, André Seabra, José Maia, António Prista rioridade estatural constitui uma desvantagem e cardiorespiratória ao exercício em crianças de sendo esta produto de uma condição sócio-económi- Tanzânia e na capacidade produtiva em cortadores de ca desvantajosa, se poderá dizer que a aptidão é cana do Sudão, respectivamente. negativamente influenciada pela condição social. De modo particularmente interessante, Kvalsvig e Contudo, o facto destas crianças estarem expostas a Becker(36)ao pesquisarem o comportamento de um meio higiénico-nutricional desfavorável, e ainda crianças infectadas na África do Sul, constataram assim, apresentarem valores de aptidão semelhantes que eram mais sociáveis e activas nos jogos relativa- e por vezes superiores aos de outras mais favoreci- mente às crianças não infectadas, e que gostavam, das, parece efectivamente reflectir, uma plasticidade inclusivamente, de nadar e brincar em lagoas alta- adaptativa na interacção com o seu meio envolvente. mente contaminadas, apontando este facto como um Neste capítulo, a literatura reflecte inquietação e dos vectores de contaminação daquelas crianças. incerteza relativamente à polémica da capacidade de Outros estudos apresentam resultados contraditó- trabalho absoluta e relativa e sua real importância rios, levando alguns autores a considerem que a para os países Africanos. carga parasitária, i.e., a intensidade de infecção, seja determinante na detecção de efeitos negativos na INFECÇÕES PARASITÁRIAS E APTIDÃO FÍSICA performance motora. Nesta linha, Stephenson et África é um continente com uma expressiva preva- al.(62)lograram demonstrar, num estudo realizado no lência de doenças infecto-contagiosas. As publica- Quénia, que altos índices de infecção de bilharziose ções sobre o seu efeito na aptidão funcional em prejudicavam a aptidão física, para além de causar Africa limitam-se praticamente à bilharziose perda de ferro por via urinária e, consequentemente, (Schistosomiasis haematobium). Os primeiros estudos anemia. Por outro lado, Ndamba(44)mostrou, no levados a efeito nesta vertente pareciam sustentar a Zimbabwé, que crianças não infectadas e crianças ideia de que a bilharziose não tinha nenhum efeito fortemente infectadas depois de tratamento eviden- negativo sobre a capacidade de trabalho(15, 21, 66). ciavam uma melhor resistência cardiorespiratória em Walker et al.(66) avaliaram o efeito da bilharziose relação às crianças infectadas antes de tratamento. sobre a capacidade física em 329 crianças sul-africa- Mais tarde, estes resultados foram confirmados no nas de ambos os sexos (rapazes, n=156; raparigas, Quénia, onde crianças infectadas exibiram, após o n=173) com idades compreendidas entre os 14 e os tratamento, não só melhores resultados no teste de 15 anos. A amostra compreendia dois grupos, degrau de Harvard(37), como também evidenciaram nomeadamente o grupo de infectados e o grupo de um maior apetite, melhores taxas de crescimento e não infectados. Foram usadas como variáveis o peso, revelaram-se mais activas(64). a altura, as pregas adiposas tricipital e subescapular Outros autores têm envidado esforços no sentido de e o teste de 12 minutos de marcha/corrida. Os resul- determinar o efeito do tratamento da bilharziose tados encontrados evidenciaram uma semelhança sobre a aptidão física. Nesta perspectiva, Stephenson estatística entre as médias dos dois grupos, tanto a et al.(63)aplicaram o tratamento com albendazole em nível das medidas somáticas como a nível da perfor- 33 rapazes quenianos com idades compreendidas mance de corrida. Estes autores assumiram que no entre os 6-12 anos, infectados com hookworm, contexto das crianças Bantus estudadas, a bilharzio- Trichuris trichiura e Ascaris lumbricoides, e aplicaram o se não afectava a performance de corrida, advogando teste de degrau de Harvad modificado para determi- que, outros factores como a motivação, a maior acti- nar valores do esforço submaximal de crianças. Sete vidade física habitual que caracteriza as crianças resi- semanas após o tratamento, o grupo de albendazole dentes em zona rural, assim como o baixo peso em apresentou uma redução de prevalência e de intensi- função da idade seriam possíveis agentes que expli- dade de infecção de Hookworme de A. Lumbricoidesna cavam os resultados. Mais tarde, Davies(21)e Collins ordem de 80% e 100%, contra 17% e 20% de et al.(15)também encontraram resultados que corro- aumento verificados no grupo de placebo,respectiva- boravam os do estudo anterior, ao não encontrar mente. Contudo, tanto a prevalência quanto a inten- qualquer efeito negativo da bilharziose na resposta sidade de infecção com T. trichiuranão se alterou. 382 Rev Port Cien Desp 6(3) 373–400

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dos realizados em África com indexação aptidão física e activi- dade física. Dos estudos d´Anthropologie et de Préhistorie. 94:155-76. 40. Martins
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