BALDUINIA. n.40, p. 18-22, 15-VI-2013 ANATOMIA DO LENHO DE MIMOSA MICROPTERIS BENTH. 1 ANE CAROLINE DA SILVAPEREIRN ANELISE MARTA SIEGLOCH3 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORI4 RESUMO A anatomia da madeira de Mimosa micropteris Benth. é presentemente descrita com base em material procedente de Sengés, Paraná, ede acordo com IAWA(1989). Aestrutura da madeira apresenta: placas de perfuração simples; elementos vasculares curtos; pontoações intervasculares alternas e ornamentadas; parênquima paratraqueal; raios heterogêneos; fibras libriformes; eestrutura não estratificada. Palavras-chave: Anatomia da madeira, Mimosamicropteris,Fabaceae. ABSTRACT [Wood anatomy of Mimosa micropteris Benth.]. The wood of Mimosa micropterisis anatomically described, based on material from Sengés, Paraná state (Brazil), andaccording toIAWA(1989). The wood structure presents: simple perforation plates; short vascular elements; alternate vestured pits; paratracheal parenchyma; heterogeneous rays; libriform fibers; and non storied structure. Key words: Wood anatomy, Mimosamicropteris,Fabaceae. INTRODUÇÃO 2007), eogênero Mimosa, cerca de 500 espéci- A farm1iaFabaceae inclui cerca de 650 gê- es (Judd et aI., 2009). neros eaproximadamente 18.000 espécies, dis- Conhecida pelo nome comum de juquiri tribuídas em todas as partes do mundo (Souza (Burkart, 1979),Mimosa micropteris Benth. foi & Lorenzi, 2008), com exceção das regiões ár- descrita em 1841, no Journal of Botany, de ticas eantárticas. São muito abundantes em pa- Hooker (n. 4, p. 384), com base em tipo coleta- íses tropicais como o Brasil, onde se destacam do por Sellow (n. 5.150), conservado em Kew. na composição de matas nativas ereúnem cen- Trata-se de arbusto ou arvoreta de 1-4m de tenas deespécies produtoras demadeiras valio- altura, inerme, com folhas de 8-23-jugas, flores sas (Marchiori, 2007). em capítulos globosos reunidos em racemos, e Motivo de controvérsias, a taxonomia das legumes comprimidos de 12-18x5-6,5 mm, com Fabaceae inclui, tradicionalmente, três valvas deiscentes, papiráceas, que não sedesar- subfamílias: Papilionoideae ou Faboideae, ticulam em segmentos subquadrados (Burkart, Caesalpinioideae e Mimosoideae (Souza & 1979). Lorenzi, 2008). A subfamília Mimosoideae De acordo com Barneby (1991), a espécie comprende de 50 a 60 gêneros (Marchiori, inclui, atualmente, três táxones anteriormente reconhecidos como distintos, por Burkart (Mi- mosa micropteris senso str., M. regnelii sensu 1 Recebido para publicação em 14/02/2013 eaceito para Burkart (non Benth.), eM. regnelii varopungens publicação em 30/04/2013. Burkart). Trata-se deespécie extratropical, com 2 Acadêmica do curso de Engenheira Florestal. Bolsista de Iniciação Científica (PillIC - CNPq). Universidade larga distribuição nos "Campos Gerais" do se- Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. gundo planalto paranaense, desde a divisa de [email protected] 3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em São Paulo (curso superior do rio Itararé), até o Engenharia Florestal. Bolsista - CAPES. Universidade centro-leste de Santa Catarina (Barneby, 1991). Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. 4 Engenheiro Florestal, Dr.Bolsista deProdutividade em Sob o ponto de vista taxonômico, Mimosa Pesquisa (CNPq - Brasil). Professor Titular do micropteris pertence à Série Myriophyllae e Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. Seção Mimosa, juntamente com Mimosa 18 balduinii, espécie endêmica da borda dos Apa- O preparo de lâminas histológicas seguiu a rados da Serra (RS), Mimosa myriophylla, M. metodologia descrita em Burger & Richter glazioui eM. altoparanensis, todas nativas em (1991). Amaceração foi realizada pelo método terras altas do Planalto Sul-Brasileiro. deJeffrey (Freund, 1970). Oscortes anatômicos A anatomia da madeira de Mimosa mi- foram tingidos com acridina-vermelha, cropteris é desconhecida, não constando na li- crisoidina e azul-de-astra (Dujardin, 1964); o teratura igualmente qualquer referência macerado, apenas com safranina (1%).Amon- anatômica sobre espécies da Série Myrio- tagem de lâminas permanentes foi feita com phyllae. Entellan. Em estudo do lenho de 11Mimosas da Ar- A descrição baseou-se nas recomendações gentina, Cozzo (1951) definiu o gênero como doIAWACommittee (Wheeleret aI., 1989). No estruturalmente heterogêneo, devido à ampla caso da percentagem dos tecidos, foram reali- variação observada. Nenhuma das espécies es- zadas 600 determinações ao acaso, com auxílio tudadas, todavia, pertence àSérie Myriophyllae. de contador de laboratório, conforme proposto Com mais de 80 espécies nativas no sul do por Marchiori (1980). A abundância de poros Brasil, são relativamente escassas as espécies foi obtida a partir de um quadrado de área co- de Mimosa para as quais foram descritos nhecida, superposto a fotomicrografias de se- caracteres microscópicos dolenho, salientando- ções transversais da madeira. se,neste aspecto: Mimosa daleoides (Marchiori, As medições foram realizadas em microscó- 1882); M. cruenta (Marchiori, 1985); M. pio Carl Zeiss, no Laboratório de Anatomia da bimucronata (Marchiori, 1980, 1993); M. Madeira da Universidade Federal de Santa Ma- eriocarpa (Carnieletto & Marchiori, 1993): M. ria. Nas características quantitativas, os núme- sparsa (Maccari & Marchiori, 1994): M. ros entre parênteses equivalem aos valores mí- scabrella (1980, 1995); M. berroi (Marchiori, nimos emáximos observados; ovalorque acom- 1996a); M. uruguensis (Marchiori (1996b); M. panha a média é o desvio padrão. As foto- incana (Marchiori, 1996c); M. trachycarpa micrografias foram tomadas em microscópio (Marchiori & Muniz, 1997a); e M. pilulifera Olympus CX40, equipado com câmera digital (Marchiori &Muniz, 1997b). Olympus Camedia c3000, no Laboratório de Anatomia da Madeira da Universidade Federal MATERIAL E MÉTODOS do Paraná. Omaterial em estudo consiste deuma amos- tra de madeira e respectivo material botânico, DESCRIÇÃO ANATÔMICA conservados no Herbário do Departamento de Madeira deporosidade difusa. Anéis decres- Ciências Florestais da Universidade Federal de cimento indistintos (Figura 1A,B). Santa Maria (HDCF) sob o número 3175. Na Vasos: numerosos (48 ± 18,4 (25 - 75) po- etiqueta de herbário, constam os seguintes da- ros/mm2), ocupando 18,5±3,3 %do volume da dos: Cerrado de Sengés, PR, Marchiori, J. N. madeira. Poros solitários em sua maioria, em C.,13-05-1987. múltiplos radiais 2-4, menos comumente Para a confecção de lâminas histológicas racerniformes, arredondados (80 ± 13,6 (51 - foram extraídos três corpos deprova (1x2x3 cm) 100) 11m)e de paredes espessas (4,6 ± 0,9 (3,1 daparte mais externa dolenho, próxima aocâm- - 6,2) 11m)(Figura 1A,B). Elementos vasculares bio, orientados para obtenção de cortes nos pla- curtos (225 ± 45 (140 - 350) 11m),com placas nos transversal, longitudinal radial elongitudi- de perfuração simples, transversais ao vaso, e nal tangencial. Outro bloquinho foi também re- apêndices curtos, geralmente em uma extremi- tirado, com vistas àmaceração. dade. Pontoações intervasculares pequenas (5,2 19 FIGURA 1- Fotomicrografias do lenho de Mimosa micropteris. A- Poros solitários e raios com conteúdo (secção transversal). B- Mesma secção, destacando poros solitários. C- Aspecto geral de raio heterogêneo, com células qua- dradas, eretas e procumbentes (secção longitudinal radial). O - Mesma secção, em maior aumento. E - Raios uni e multisseriados e elementos de vaso (secção longitudinal tangencial). F - Elementos de vaso, fibras e parte de raios multisseriados (secção longitudinal tangencial). 20 ± 0,8 (4 - 6,2) ~m), alternas, circulares, por intervasc ulares aIternas, ornamentadas; vezes coalescentes, com abertura em fenda in- parênquima paratraqueal; e fibras libriformes. clusa, ornamentada (Figura lF). Espessamentos A presença de tecido radial fracamente he- espiralados, ausentes. Conteúdo em vasos, es- terogêneo na espécie em estudo foge ao padrão casso. característico das Mimosoídeas. Baretta- Parênquima axial: representando 7,5 ± 2,1 Kuipers (1982) ressalta que a homogeneidade % do volume da madeira; em arranjo dos raios é a característica mais notável da paratraqueal-escasso (Figura lA,B). Células subfamília e uma importante tendência fusiformes de 170 ± 30 (107 - 220) flm.Séries evolutiva. Não obstante, raios heterogêneos são parenquimáticas de 233 ± 62,6 (115 - 375) ~m mencionados para diversas espécies do gênero, de altura, com 2-4 células (Figura lF). Cristais incluindo Mimosa scabrella (Marchiori, 1980, romboédricos, abundantes, em 8-14 câmaras por 1995), M. daleoides (Marchiori, 1982), M. série.. eriocarpa (Carnieletto &Marchiori, 1993), M. Raios: numerosos (11 ± 1,7 (9 - 14) raios/ incana (Marchiori, 1996) e M. pilulifera mm), com 1-5células delargura, ocupando 33,3 (Marchiori, 1997). ± 5,7 % do volume da madeira (Figura lE,F). Carnieletto & Marchiori, (1993) relaciona- Os multisseriados, de 1125 ± 539 (434 - 2460) ram apresença de raios com células quadradas ~m e 31-128 células de altura; heterocelulares, eeretas aestágios iniciais daontogenia, emplan- reúnem células quadradas e eretas, por vezes tasjovens (pedomorfia). No material estudado, procumbentes (Figura 1C,E,F). Osunisseriados, apresença demedula noscortes anatômicos cor- de 372 ± 155,7 (168 - 841) ~m e6- 34células robora esta interpretação. de altura. Raios fusionados, escassos. Raios Baretta-Kuipers (1980; 1981), por sua vez, agregados, raros. Conteúdo, abundante. Célu- ressalta aausência de estratificação como cará- las envolventes, células radiais de paredes ter indicativo da sub-família Mimosoideae. disjuntas e células perfuradas, ausentes. Fibras: com pequenas pontoações simples; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS curtas (532 ±92,5 (300- 811) ~m), com 9±2,1 (6- 14)~m de largura, eparedes finas aespes- BARETTA-KUIPERS,T. The wood structure of leguminous tribes: theirclassification byrayand sas 3,2 ± 1,4(2,5 - 5) ~m, ocupando 40,7 ± 4,5 parenchyma features. For.PradoAbstr., v.3,n.8, % do volume da madeira (Figura lB). Fibras p.1-784,1980. gelatinosas, espessamentos espiralados, fibras BARETTA-KUIPERS,T. 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