BALDUINIA. n. 39, p. 19-23, ÜS-1II-2Ü 13 ANATOMIA DO LENHO DE ALLOPHYLUS GUARANITICUS (ST.-HIL.) RADLK. (SAPINDACEAE)\ ANELISE MARTA SIEGLOCH2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORI 3 SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS 4 RESUMO É anatomicamente descrita, de acordo com IAWA (1989), a madeira de Allophylus guaraniticus (St.-Hil.) Radlk., com base em material coletado nomunicípio de Barracão, Rio Grande do Sul. Amadeira apresenta: poros emcurtos múltiplos radiais, solitários eracemiformes, pequenos, muito numerosos; elementos vasculares de comprimento médio, com placas de perfuração simples; pontoações areoladas pequenas; parênquima axial paratraqueal-escasso; raios heterogêneos uniebisseriados; fibras curtas, tipicamente septadas; ecristais romboédricos em câmaras. Palavras-chave: Anatomia da madeira, Allophylus guaraniticus, Sapindaceae. ABSTRACT [Wood anatomy ofAllophylus guaraniticus (St.-Hil.) Radlk. (Sapindaceae)]. The wood anatomy of Allophylus guaraniticus is described according to IAWA (1989), based on sample collected in the municipality of Barracão, Rio Grande do Sul state (Brazil). The wood structure presents: short radial multiple pores, less commonly solitary or racemiform; medium length vascular elements, with simple perforation plates; smaIl bordered pits; scanty paratracheal parenchyma; unisseriate and bisseriate heterogeneous rays; short septate fibers; and rhombohedrical chambered crystals inthe wood. Key words: Allophylus guaraniticus, Sapindaceae, Wood Anatomy. INTRODUÇÃO Diatenopteryx, Dodonaea eMatayba (Sobral et Composta por árvores, arbustos e lianas, al.,2006). menos comumente ervas, as Sapindaceae tem De origem pantropical (Record & Hess, distribuição predominantemente tropical e 1949), o gênero Allophylus apresenta três es- subtropical, havendo poucos gêneros em regi- pécies nas formações florestais sul rio- ões temperadas (Judd et aI., 2009). Na família, grandenses: A. edulis, A. guaraniticus e A. é frequente a ocorrência de taninos, saponinas puberulus (Sobral et aI., 2008). e alcalóides (Schultz,1949; Judd et aI., 2009). Objeto do presente estudo, Allophylus A flora brasileira abrange 24 gêneros e aproxi- guaraniticus habita, sobretudo, a metade norte madamente 400 espécies (Souza & Lorenzi, do estado (Sobral et aI., 2008). Trata-se de ar- 2008), havendo, no Rio Grande do Sul, cinco busto de 2-3 m de altura, que floresce ao final gêneros arbóreos: Allophylus, Cupania, do inverno eprimavera efrutifica naprimavera everão. As folhas, compostas, trifoliadas, alter- I Recebido para publicação em 14/06/2012 eaceito para nas, com folíolo intermediário peciolado, publicação em 30/10/2012. elíptico, rômbico oulanceolado (l ,5-3emx2,5- 2 Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Florestal. Bolsista - CAPES. Universidade Federal de 7 em), apresenta margem crenada da metade Santa Maria, CEP 97105-900. Santa Maria, RS, Brasil. superior, base cuneada epequenos tricomas na [email protected] zona apical da lâmina; os folíolos laterais, me- 3 Engenheiro Florestal, Dr.Bolsista deProdutividade em Pesquisa (CNPq - Brasil). Professor Titular do Depar- nores do que ocentral, são elípticos, subsésseis tamento de Ciências Florestais, Universidade Federal ecom 4-7 pares de nervuras, apresentando mar- de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. gens inteiras ou apenas crenadas (Brussa & Biólogo, Dr. Núcleo de Estudos Botânicos Balduino 4 Grela, 2007). Rambo, UFSM. 19 Com relação àanatomia damadeira, Record dordecélulas, conforme proposto porMarchiori & Hess (1943), Metcalfe & Chalk (1972) e (1980). Aabundância de poros foi obtida apar- Baizhong et aI. (1995) citam as seguintes ca- tir de um quadrado de área conhecida, racterísticas gerais para a família: poros em superposto a fotomicrografias de seções trans- múltiplos radiais de 2-3 ou solitários, por vezes versais da madeira. empequenos agrupamentos; porosidade difusa; As medições foram realizadas em microscó- elementos vasculares de comprimento médio a pio Carl Zeiss, no Laboratório de Anatomia da curtos; placas deperfuração simples; pontoações Madeira da Universidade Federal de Santa Ma- intervasculares alternas, diminutas apequenas; ria. Nas características quantitativas, os núme- ponto ações raio-vasculares semelhantes às ros entre parênteses equivalem aos valores mí- intervasculares; parênquima paratraqueal-escas- nimos emáximos observados; ovalor que acom- so,por vezes vasicêntrico; raios unisseriados nu- panha a média é o desvio padrão. As foto- merosos, oucom 2-3células de largura etipica- micrografias foram tomadas em microscópio mente homogêneos, por vezes fracamente hete- Olympus CX40, equipado com câmera digital rogêneos; fibras com pontoações simples etipi- Olympus Camedia c3000, no Laboratório de camente septadas, decomprimento médio acur- Anatomia da Madeira da Universidade Federal tas; e cristais prismáticos em câmaras, no do Paraná. parênquima axial e/ou fibras. DESCRIÇÃO ANATÔMICA MATERIAL E MÉTODOS Anéis de crescimento: marcados, geralmen- Omaterial em estudo consiste de uma amos- te,por camada de 4fibras em espessura, radial- tra de madeira e respectivo material botânico, mente estreitas e mais espessas do que as do coletados emBarracão - RS,para osquais cons- lenho inicial, bem como por faixas concêntri- tam os seguintes registros: Allophylus gua- cas de fibras gelatinosas (Figura 1A,B). raniticus (St.-HiI.) Radlk. Marchiori, J.N.C., nO. Vasos: muito numerosos (57 ±4,5 (52 - 63) 437,20/08/86 (HDCF). poros/mm2), ocupando 13 ± 3,3 % do volume Para a confecção das lâminas histológicas da madeira. Porosidade difusa. Poros em curtos foram extraídos trêscorpos deprova (1x2x3 em) múltiplos radiais (2 a 6), solitários e race- daparte mais externa dolenho, próxima aocâm- miformes; arredondados (45 ± 8(30 - 60) 11m) bio, orientados para a obtenção de cortes nos ede paredes finas (3±0,7 (2,5- 5) 11m)(Figura planos transversal, longitudinal radial e longi- 1A,B). Elementos vasculares de comprimento tudinal tangenciaI. Outro bloquinho foi também médio (440 ± 52 (330 - 530) 11m), com placas retirado, com vistas à maceração. de perfuração simples e apêndices em uma ou Aconfecção daslâminas histológicas seguiu em ambas as extremidades. Pontoações a metodologia descrita em Burger & Richter intervasculares pequenas, arredondadas (4,6 ± (1991). No preparo de lâminas de macerado 0,5 (4,1 - 5,1) 11m), alternas, por vezes usou-se ométodo deJeffrey (Freund, 1970). Os coalescentes; abertura em fenda elíptica, inclu- cortes anatômicos foram tingidos com acridina- sa, ornamentada. Pontoações raio-vasculares vermelha, crisoidina e azul-de-astra (Dujardin, areoladas, com abertura em fenda elíptica (3,5 1964); o macerado, apenas com safranina 1%. ± 0,5 (3 - 4) 11m); por vezes alongadas e apa- Na montagem das lâminas permanentes usou- rentemente simples. Conteúdo, frequente. Es- se Entellan. trias nas paredes de vasos, presentes (Figura As descrições basearam-se nas recomenda- 1C,D). ções do IAWA Committee (1989). No caso da Parênquima axial: representando 4,8 ± 2,3 percentagem dos tecidos foram realizadas 600 % do volume da madeira e em arranjo determinações ao acaso, com auxílio de conta- paratraqueal-escasso (Figura 1A,B). Séries 20 FIGURA 1- Aspectos anatômicos da madeira deAllophylus guaraniticus (St.-Hil.) Radlk. A- Anéis de crescimento e porosidade difusa (seção transversal). B- Anéis de crescimento marcados por fibras radialmente estreitas, porosidade difusa evasos emcurtos múltiplos radiais, solitários eracemiformes (seção transversal). C- Elementos vasculares com placas de perfuração simples eraio heterocelular (seção longitudinal. radial). O- Seção longitudinal radial, destacando conteúdo em elemento vascular, fibras septadas e cristais romboédricos em câmaras. E - Raios uni e bisseriados, parênquima axial seriado efibras septadas (seção longitudinal radial). F- Vasoscom pontoações intervasculares alternas, raios unisseriados efibras septadas (seção longitudinal tangencial). 21 parenquimáticas de 365 ±51 (240 - 455) 11mde vasculares areoladas, pequenas e alternas; altura, compostas de 3- 5 células (Figura lE). parênquima paratraqueal-escasso; raios uni e Raios: muito numerosos (13 ± 2 (10 - 16) bisseriados; fibras curtas, tipicamente septadas; raios/mm), uni e bisseriados, ocupando 13± 2 e presença de cristais. % do volume da madeira (Figura lE,F). Os Apesar da predominância de raios homogê- unisseriados, de 381 ± 136(150 - 720) 11me6- neos nafamília, Allophylus guraniticus apresen- 34 células de altura. Os bisseriados, de 348 ± ta raios heterogêneos. Esta característica, toda- 147 (170 - 720) 11me 8- 35 células de altura, via, não constitui novidade, posto que Metcalfe com margens de 1-16 células; heterocelulares, & Chalk (1972) já a havia mencionado como compõem-se de células procumbentes, no cor- ocasional no gênero em questão. Baizhong et po central, e 1-2 fileiras de células quadradas aI.(1995) citam, igualmente, apresença de rai- ou eretas, nas margens. Conteúdo e raios os heterogêneos em Allophylus cobbe (L.) fusionados, presentes. Células radiais de pare- Raeusch.; raios parcialmente heterogêneos, por des disjuntas, células perfuradas, raios agrega- sua vez, foram registrados para Allophylus dos, cristais e células envolventes, ausentes. psilospermus Radlk. e Allophylus racemosus Fibras: septadas (1-2 septos/fibras), com Sw. (León, 2010). pontoações areoladas maiores do que 3 11me Baizhong etaI.(1995) atribuem para afamí- abertura em fenda elíptica, mais comuns nas lia a ocorrência generalizada de fibras libri- faces radiais daparede; curtas (805 ± 80 (630- formes. No presente estudo, contudo, foram 920) 11m),com 9± 2,9 (5- 16)11mde largura e observados fibrotraqueídeos na madeira, cará- de paredes finas a espessas (4,5 ± 0,6 (3,7 - ter assinalado, na literatura, apenas para outras 5,6) 11m),ocupando 69 ± 5,2 % do volume da duas espécies na família: Dilodendron madeira (Figura lA,B,D ). Fibras gelatinosas, bipinnatum Radlk. eMagonia pubescens St.-BiI. em numerosas faixas concêntricas. Cristais (Mattos et aI., 2003). romboédricos de aproximadamente 25 11m,em De valor diagnóstico, salientam-se, ainda, a até 34 câmaras por série (Figura lA,B,D). ocorrência de cristais romboédricos ede septos Espessamentos espiralados etraqueóides, ausen- em fibras. tes. Outros caracteres: variantes cambiais, tubos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS laticíferos e taniníferos, canais intercelulares, BAIZHONG,L.;WELLE,BJ.H. 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(1995) para a família temática vegetal: umenfoquefilogenético.Por- Sapindaceae: poros pequenos, muito numero- toAlegre:Artmed,2009.p.438-440. sos e em curtos múltiplos radiais, menos MARCHIORI,J.N.C.Comprovaçãodaviabilidade comumente solitários eracemiformes; elemen- da utilizaçãodasecçãolongitudinaltangencial tos vasculares de comprimento médio; placas para a determinação histométricados elemen- de perfuração simples; pontoações inter- tosaxiaisdoxilemasecundário.In:Anais doIV 22 Congresso Florestal Estadual, Nova Prata, RS, SCHULTZ, A.R.Introdução aoestudo daBotânica p. 180-184, 1980. Sistemática. Porto Alegre: Editora Globo, 1949. MATOS,PP; TEIXEIRA, L.L.; SEITZ, R.A.; SALIS, 426 p. S.M.;BOTOSSO, Pc. Anatomia demadeiras do SOUZA, v.c.; LORENZI, H.Botânica Sistemática: Pantanal Mato-Grossense (características micros- guia ilustrado para identificação dasfamílias de cópicas). 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