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anatomia de um afecto PDF

87 Pages·2017·14.11 MB·Portuguese
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES ANATOMIA DE UM AFECTO outra experiência do corpo Daniel Alves Moutinho Trabalho de Projeto Mestrado em Arte Multimédia Especialização em Audiovisuais Trabalho de Projeto orientado pela Prof.ª Doutora Susana de Sousa Dias 2017 ANATOMIA DE UM AFECTO     DECLARAÇÃO DE AUTORIA Eu Daniel Alves Moutinho declaro que o presente trabalho de projeto de mestrado intitulada “Anatomia de um afecto” é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas. O Candidato Lisboa,   2 ANATOMIA DE UM AFECTO     RESUMO O fio condutor deste trabalho de projecto é a investigação do afecto e as suas implicações na construção do corpo, na minha performance Outra Lição de Anatomia. Examinando diferentes trabalhos artísticos a partir de lições de anatomia, como a Lição de Anatomia de Dr. Tulp, de Rembrandt e em particular a Lição de Anatomia segundo Rembrandt de Tadeusz Kantor, tal como a vida e obra do encenador polaco, penso as diferentes racionalidades que inferem na construção do corpo. Com destaque para a importância que o conceito de emballage, processo cunhado por Tadeusz Kantor assume no meu próprio trabalho artístico, na medida em que é ele que permite um questionamento do corpo, e a criação das ligações afectivas num processo de tensão entre ocultação e visibilidade. A partir do pensamento filosófico de José Bragança de Miranda e da proposição de amador de Bernard Stiegler, problematizo o afecto enquanto elemento que revela e desconstrói, simultaneamente, o corpo, procurando analisar as teias de construções políticas, económicas e sociais que o enformam. Ao longo da minha investigação, aferi de que modo em Outra Lição de Anatomia, especificamente, se inventam as ligações afectivas do corpo, considerando como os vários elementos constituintes desta performance, desde a biografia, à experiência, aos factores políticos e sociais, agenciam essa possibilidade da criação de um corpo, entendido aqui como invenção sobre a carne. Confronto ainda a minha criação audiovisual patente neste trabalho com as práticas documentais de eventos performativos, a partir das teorias de Philip Auslander e de Hito Steyerl sobre a documentação. Por fim, evidencio como a minha criação audiovisual se constitui enquanto performance em si mesma, autónoma, engajada no pensamento sobre o afecto. Palavras-Chave: afecto; corpo; emballage; devir-construção; ligações   3 ANATOMIA DE UM AFECTO     ABSTRACT The guiding thread of this work project is the investigation of affect and its implications in the construction of the body, in my performance Outra Lição de Anatomia. By examining different anatomy lessons in artistic practice such as Rembrandt's Anatomy Lesson from Dr. Tulp and in particular the Anatomy Lesson according to Rembrandt by Tadeusz Kantor, such as the life and work of the Polish director, I ponder on the different rationalities which infer in the construction of the body. I emphasize on the importance that the concept of emballage, a process coined by Tadeusz Kantor assumes in my own artistic work, and the extent to which it allows a questioning of the body, and the creation of affective connections in a stressed process between concealment and visibility. Starting from the philosophical thought of José Bragança de Miranda and the proposition of amateur by Bernard Stiegler, I problematize affect as an element that simultaneously reveals and deconstructs the body, trying to analyze the webs of political, economic and social constructions that shape it. Throughout my research, I applied how in Outra Lição de Anatomia ,specifically, the affective connections of the body are invented, considering how the various constituents of this performance, from biography, experience, political and social factors, enable the creation of a body, here understood as an invention over the flesh. I also confront my audiovisual creation that I submit with this work with the documentary practices of performative events, from the theories of Philip Auslander and Hito Steyerl on documentation. Lastly, I show how my audiovisual creation constitutes itself as a performance, autonomous, engaged in the reflection about affect. Keywords: affect; body; emballage; becoming-construction; connections   4 ANATOMIA DE UM AFECTO     dedico este trabalho de projecto à minha mãe   5 ANATOMIA DE UM AFECTO     agradecimentos à Catarina, à Daniela, à minha tia Virgínia, e a todos os que possibilitaram as performances em Évora, São Paulo e Salerno   6 ANATOMIA DE UM AFECTO     ÍNDICE INTRODUÇÃO 9 1. ANATOMIAS 1.1. Lição de Anatomia de Dr. Tulp e os Teatros Anatómicos 13 1.2. Lição de Anatomia Segundo Rembrandt 15 1.3. Outra Lição de Anatomia 26 2. AFECTO Uma definição pessoal de afecto 37 A tensão entre experiência vivida e informação: um problema existencial 43 A imanência da matéria na criação de uma experiência afectiva 47 3. CORPO A morte enquanto potência da vida 56 A construção do corpo e as suas ligações no/ao mundo 59 Biografia e memória: uma invenção da vida para colar ao corpo 63 4. ANATOMIA DE UM AFECTO As práticas documentais na performance 71 Anatomia de um afecto: Criação audiovisual 73 CONCLUSÃO 79 BIBLIOGRAFIA 81   7 ANATOMIA DE UM AFECTO     ÍNDICE DE IMAGENS Imagem 1: Rembrandt, Lição de Anatomia de Dr. Tulp, 1632; tinta a óleo; 1,7 m x 2,16 m   13   Imagem  2:  Teatro  Anatómico  de  Leiden  circa  1610   14   Imagem  3:  Kossakowski,  Eustachy;  Lição  de  Anatomia  segundo  Rembrandt,   Galeria  Foksal,  24  de  Janeiro  1969   18   Imagem  4:  Kantor,  Tadeusz,  Wielepole,  Wielepole,  1983   20   Imagem 5: frame de Umarla Klasa, documentário de Andrejz Wajda, 1977, a partir do espectáculo homónimo de Tadeusz Kantor   25   Imagem 6: Outra Lição de Anatomia, Máquina Tadeusz Kantor, SESC Consolação, São Paulo, Brasil, 2015   30   Imagem 7: os bonecos em Outra Lição de Anatomia, Máquina Tadeusz Kantor, SESC Consolação, São Paulo, Brasil, 2015   32   Imagem  8:  emballage  na  peça  Je  Ne  Reviendrai  Jamais,  1988   34   Imagem 9: Emballage na performance Outra Lição de Anatomia, Máquina Tadeusz Kantor, SESC Consolação, São Paulo, 2015   36   Imagem 10: Dali, Salvador; Gala com duas costeletas de carneiro em equílibrio sobre o seu ombro, 1933   41   Imagem 11: Boltanski, Christian, Personnes, Monumenta 2010   64   Imagem 12: O primeiro abraço do meu tio-avô e do meu avô, após longos anos de separação. Durante a performance ficcionalizava esse  número de anos para me permitir a falar da ditadura portuguesa.   66   Imagem 13: Wajda, Andrezj, Umarla Klasa, 1977   74   Imagem 14: Kren, Kurt, Leda Mit Dem Schwan (aktion otto muehl), 1964   77   Imagem 16: Michals, Duane, This Photograph is My Proof, 1967-74   78     8 ANATOMIA DE UM AFECTO     INTRODUÇÃO Tomando como ponto de partida o meu trabalho Outra Lição de Anatomia, em que invento um corpo estabelecendo as suas ligações ao mundo, inscrevendo-as na carne, proponho-me neste trabalho de projecto a investigar e aprofundar a problemática do afecto. O que procuro descobrir no decorrer desta reflexão, articulada e fundamentada no trabalho artístico, é por um lado, como se manifesta o afecto na minha performance, de que forma ela potencializa a invenção do corpo, se e como se estabelecem essas ligações do corpo ao e no mundo. O que procuro demonstrar é que entendendo o afecto, definido por uma circulação de intensidades de energia libidinal, como uma questão que emerge do corpo, ele é transmissível entre matérias, (humanas e não humanas, orgânicas e inorgânicas) e que estabelece junto à carne as suas ligações exteriores, evidenciando dessa forma a figuração do corpo ou corpos em si (com tudo o que essa figuração acarreta política e socialmente). O que tento verificar é como o afecto devém potência para enaltecer as possibilidades e o valor da vida humana. Dividi o meu trabalho de projecto em quatro partes, cujos títulos remetem para questões temáticas gerais, que atravessam e encapsulam toda a criação: Anatomias, Afecto, Corpo, sendo a última das partes, Anatomia de um Afecto, dedicada em exclusivo à reflexão e análise audiovisual. Ressalvo que, por se tratar de uma performance, e embora as fotografias se revelem úteis para demonstrar aspectos particulares e detalhes da mesma, não formulam uma experiência que possibilite compreender o trabalho artístico na sua inteira dimensão. É nesse sentido que constituo o meu vídeo. Não tento apresentar contudo um registo meramente factual da performance Outra Lição de Anatomia, mas um que seja passível de transmitir a sua experiência, mesmo que a sua expressão seja independente do que foi a criação artística. A esse trabalho audiovisual chamei de Anatomia de um Afecto para o distinguir, precisamente, enquanto objecto autónomo. Na primeira parte desta reflexão lanço uma historiografia do aspecto central do meu projecto artístico — uma lição de anatomia — que se constitui na senda das lições de anatomia, tanto de Rembrandt, Lição de Anatomia de Dr. Tulp como de Tadeusz Kantor, Lição de Anatomia segundo Rembrandt. Identifico nestes dois trabalhos as suas respectivas correspondências ao pensamento sobre o corpo, no primeiro com uma racionalidade cartesiana, e o advento dos teatros anatómicos e sua importância   9 ANATOMIA DE UM AFECTO     social à época, no segundo com a racionalidade desumana Nazi e a dissecação das roupas e dos objectos encontrados nos bolsos. A partir do trabalho artístico de Tadeusz Kantor e de concepções suas como objectos de menor valor possível, realidade do mais baixo nível ou emballage avanço a estrutura do meu próprio projecto e as imbricações conceptuais que o tecem, como a imanência dos objectos, da sua importância signíca e enquanto fio que liga o corpo ao real. Discorro ainda sobre como os objectos ao serem adicionados ao corpo, fixos a este, o tornam outro ou outros, num sucedâneo de figuras do corpo, um que é passível de afecto e de afectação. Golpe de asa para voar rumo à problemática do trabalho de projecto, o afecto, cujos contornos tento definir na segunda parte, numa primeira instância e assumindo a amplitude das teorias de afecto, intento uma definição pessoal do mesmo, baseando esta em relação com o texto “Amateur” de Bernard Stiegler e de onde retiro a capacidade política do afecto para a acção e a inversão das lógicas instituídas de poder, mas também a qualidade de afecto, qualificando-a enquanto “circulação de intensidades de energia libidinal” que permite o envolvimento do espectador e a sua experiência afectiva. Considerando sobre a tensão contemporânea entre experiência e informação, e da experiência enquanto viagem, enquanto algo que se atravessa e que nos afecta e é capaz de nos transformar, por oposição à informação que apenas reitera o conhecimento sem relação à vida humana, esboço a experiência afectiva como um saber da experiência, que não é senão uma compreensão do corpo, uma compreensão total. É precisamente no corpo, enquanto figura projectada sobre a carne, enquanto invenção sobre a carne, que incide a terceira parte. Partindo da morte, porque uma lição de anatomia é feita sobre um corpo morto, considero a sua condição enquanto potenciadora da vida e como esta possibilita em consonância com a noção de agora avançada por Benjamin, um devir do corpo, alicerçando esse pensamento no Teatro da Morte de Tadeusz Kantor. Tendo em conta as considerações sobre a crise do corpo e da carne, sugiro a construção dos corpos como inscrição na carne e as ligações ao mundo como sendo o elemento constitutivo da diferenciação dos corpos para avançar com a criação de uma forma-de-vida que no meu trabalho artístico se conjuga com noções de biografia e autobiografia, assim como de representação. No último capítulo examino a relação da performance com a sua documentação, da distinção entre registo e criação patentes no pensamento documental, e analiso o meu   10

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personagens velhos, num estado liminal entre existência e não existência, fantasmas, que surgem por entre o breu do teatro, não são senão os
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