BALDUINIA. n.ll, p. 27-31, 25-V-2üü7 ANATOMIA DA MADEIRA DE SALIX HUMBOLDTIANA WILLD. (SALICACEAE) I LUCIANO DENARDF JOSÉNEWTON CARDOSO MARCHlORP SIDINEIRODRIGUES DOSSANTOS4 RESUMO Édescrita a anatomia da madeira do caule jovem de Salix humboldtiana Willd., com vistas àutilização da espécie em Bioengenharia. Foram observados vasos de pequeno diâmetro « 851Jm)eemdistribuição semi- difusa, parênquima axial marginal, raios heterogêneos exclusivamente unisseriados e abundante fibras gelatinosas. ABSTRACT [Wood anatomy of Salix humboldtiana Willd. (Salicaceae)] The wood anatomy ofSalix humboldtiana Willd. isdescribed, based onyoung stems, used inBioengeneering. The anatomical structure shows asemi-diffuse porous wood, small diameter vessels « 85IJm),marginal axial parenchyma, heterogeneous and only uniseriate rays, and abundant gelatinous fibres. INTRODUÇÃO rência estende-se do México até aArgentina e Composta, até recentemente, apenas pelos Chile (FAO, 1980; Marchiori, 2000). Habita, gêneros Salix e Populus, as Salicaceae incor- usualmente, a margem de cursos de água, sen- poraram outros gêneros, antes incluídos na fa- do freqüente nas bacias dos rios Paraná eUru- mília Flacourtiaceae, tais como: Azara, Banara, guai, inclusive no delta do Prata (Reitz et ai., Casearia eXylosma (Souza & Lorenzi, 2005). 1988). O salseiro - como é popularmente co- De acordo com os mesmos autores, a família nhecido -, é uma das árvores mais caracte- compreende árvores ou arbustos, raramente rísticas e a de maior porte na mata ciliar, ocor- lianas, porvezes com espinhos. De distribuição rendo em praticamente todo o Rio Grande do cosmopolita, inclui, atualmente, cerca de 50gê- Sul(Marchiori, 2000). neros e 1.000 espécies. No Brasil, os gêneros Juntamente com Phyllanthus sellowianus sãoem número de1O,com cerca de 80espécies. Müll. Arg., Sebastiania schottiana (Müll. Arg.) Salix humboldtiana Willd. é árvore de por- Müll. Arg. e Salix x rubens Shrank, Salix te médio (14- 20 m)etronco reto, inclinado ou humboldtiana vem recebendo especial atenção tortuoso, deaté90cmdediâmetro, eampla copa no Rio Grande do Sul para o uso em Bioen- de ramificação ascendente. Sua área de ocor- genharia, com vistas à proteção de taludes flu- Artigo recebido em24/04/2007 eaceito para publicação em05/05/2007. I 2 Engenheiro Florestal, bolsista do CNPq-Brasil, doutorando doPrograma dePós-Graduação emEngenharia Florestal, Universidade Federal deSanta Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS). [email protected] 3 Engenheiro Florestal, Dr.,bolsista deProdutividade emPesquisa doCNPq-Brasil, Professor Titular doDepartamento deCiências Florestais, Universidade FederaldeSantaMaria, CEP 97105-900, SantaMaria(RS)[email protected] 4 Biólogo, bolsista daCAPES, mestrando doPrograma dePós-Graduação emEngenharia Florestal, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria (RS). [email protected] 27 viais(Sutili,2004;Durlo &Sutili,2005;Denardi, vermelha, crisoidina e azul-de-astra (Dujardin, 2007). 1964), desidratados em série alcoólica crescen- A estrutura anatômica da madeira de Salix teediafanizados com xilol. Em seguida, monta- humboldtiana, descrita por Wiedenbrug (1948) ram-se lâminas permanentes contendo os três eTortorelli (1956), reúne, entre outros aspectos: planos anatômicos, usando-se "Entellan" como porosidade difusa; vasos solitários ouem múlti- meio de montagem. plos de 2 - 3, pequenos (35 - 50 - 110 f.lm) e Para adissociação dotecido lenhoso, usou- numerosos (35a50/mm2); elementos vasculares se o método de Jeffrey (Burger & Richter, de 80- 430 f.lillde comprimento, com placas de 1991): solução aquosa de ácido nítrico e ácido perfuração simples, oblíquas eapêndices ocasi- crômico, ambos a 10%, na proporção 1:1, em onais; pontoações intervasculares alternas e dois banhos sucessivos. Concluída amaceração, hexagonais, com abertura lenticular inclusa; ascélulas foram reunidas emfunil com papel de parênquima apotraqueal marginal (terminal), em filtro, onde foram tingidas com solução de faixas de 1- 3células de espessura, pouco visí- safranina 1%. As etapas de desidratação, veis, mesmo aomicroscópio; raios comfreqüên- diafanização emontagem de lâminas permanen- ciade 7- 10/mm,heterogêneos eprincipalmen- tes seguiram as mesmas orientações adotadas te unisseriados (raros bisseriados), com altura no preparo de lâminas histológicas, com adife- máxima de 500 f.lm ecerca de 18f.lm de largura; rença de que as duas primeiras etapas foram fibras de seção poligonal, por vezes septadas, desenvolvidas sobre papel defiltro. de 1.000 até 1.300 f.lm de comprimento e com Adescrição microscópica baseou-se nasnor- paredes muito delgadas, providas depontoações mas do IAWACommittee (1989). Para a deter- simples. A presença de fibras gelatinosas é re- minação da fração de tecidos, seguiu-se a ferida porMarchiori (2004). metodologia proposta por Marchiori (1980). O Para os gêneros Salix e Populus, cabe registro fotográfico foi feito em microscópio agregar que olenho éconstituído principalmen- Olympus CX-40, equipado com câmara digital. te de fibras (56- 79%), vasos (20- 33%), raios eparênquima axial, sendo que estes últimos te- DESCRIÇÃO MICROSCÓPICA cidos somam entre 3 e 10% (FAO, 1980). Aspectos gerais: lenho composto princi- palmente porfibras (62%); destas, cerca de30% MATERIAL E MÉTODOS são gelatinosas. Osvasos correspondem a23%, Omaterial emestudo foi coletado na locali- os raios somam 13% e o parênquima axial, a dade de Passo do Verde (Santa Maria - RS). 2% dovolume da madeira. Anéis de crescimen- As exsicatas eaamostra de madeira foram ane- to demarcados por estreita camada de fibras xadas noHerbário eXiloteca doDepartamento achatadas radialmente, por parênquima margi- de Ciências Florestais da Universidade de San- nal e pelos poros ligeiramente maiores, no co- ta Maria (HDCF), sob o número 5590. meço do lenho inicial (Figura IA, B). Da amostra de madeira, extraída do caule Parênquima axial: marginal, disposto em de um indivíduo de 7 cm de diâmetro (à altura séries de 2- 3células, formando faixas mais ou dopeito), foram confeccionados três corpos-de- menoscontínuas nolimitedoaneldecrescimento. prova, orientados para aobtenção de cortes nos Inclusões minerais, ausentes no ma e planos transversal, longitudinal radial elongitu- Vasos: emdistribuição semi-difusa, solitári- dinal tangencial. No preparo de lâminas histo- os ou dispostos em múltiplos radiais de 2 - 3 lógicas, seguiu-se atécnica padrão: após fervura (Figura IA), com freqüência de 94 ± 32 (50 - emágua, oscorpos-de-prova foram seccionados 150)* vasos/mm2• Poros de seção poligonal, de emmicrótomo dedeslize,coloridos comacridina- 64± 10(41 - 85) f.lm de diâmetro, com paredes 28 FIGURA I- Seção transversal, destacando aporosidade semi-difusa, vasos solitários ouemmúltiplos radiais elimite de anel de crescimento (A). Fibras de paredes muito estreitas (seta), em seção transversal (B). Seção longitudinal radial, destacando pontoações raio-vasculares (seta) nas extremidades dos raios (C). Raio heterogêneo e pontoações raio- vasculares aparentemente simples (seta), emseção longitudinal radial (D). Placa deperfuração simples (seta), emseção longitudinal radial (E). Raios exclusivamente unisseriados (seta), emseção longitudinal tangencial (F). 29 de 2,2 ± 1(1,2 -7,8) 11mde espessura. Elemen- mento de fibras e a porosidade, mostraram-se, tos vasculares de 386 ± 100 (170 - 540) 11mde todavia, distintos do referido na literatura con- comprimento, providos de apêndices e placas sultada. Tais diferenças, podem ser atribuídas de perfuração simples (Figura lE), oblíquas. principalmente a dois fatores: a diferenças de Espessamentos helicoidais, tiloses e depósitos, ambiente, na coleta de material, posto que aana- ausentes. Pontoações intervasculares alternas, tomia da madeira costuma variar segundo as poligonais, de 6,0 - 7,7 11mde diâmetro, com condições ambientais, fato exaustivamente re- aberturas elípticas. Pontoações raio-vasculares ferido em trabalhos de anatomia ecológica (Baas, aparentemente simples e poligonais, com bor- 1973; Barajas-Morales, 1985; Lindorf, 1994; das reduzidas (Figura lD); medem 4,6 - 6,8 11m Denardi, 2004); e ao fato da amostra de madei- de diâmetro e ocorrem, sobretudo, nas extremi- ra estudada ser de lenho juvenil (tendo-se em dades dos raios (Figura 1C). vista oporte reduzido do indivíduo coletado), di- Parênquima axial: marginal, formando fai- ferentemente do utiIizado por Wiedenbrug (1948) xas mais ou menos contínuas no limite de anel eTortorelli (1956), autores que visavam, exclu- de crescimento, disposto em séries de 2- 3 cé- sivamente, à descrição anatômica da espécie. lulas. Inclusões minerais, ausentes no material A presença abundante de fibras gelatinosas estudado. no lenho de Salix humboldtiana, igualmente Raios: com freqüência de 16/mm, exclusi- constatada por Marchiori (2004), confere, ao que vamente unisseriados (Figura lF) e heterogê- tudo indica, maior flexibilidade ao caule. Este neos (Figura lD), reunindo células procumben- aspecto é particularmente importante em indiví- tes, quadradas e eretas; medem 219 ± 80 (75- duos que habitam margens de cursos d'água, 427) 11mde altura por 13 ± 2 (8 - 16) 11mde pois aumenta sua capacidade de curvar-se, sem largura. Canais intercelulares, tubos lactíferos e quebrar; esta flexibilidade éespecialmente van- inclusões minerais, ausentes. tajosa em Bioengenharia, na proteção de talu- Fibras: não-septadas, por vezes gelatino- des fluviais (Denardi, 2007). sas, de 643 ± 87 (480 - 840) 11mde comprimen- to e paredes muito estreitas (Figura lB), com BIBLIOGRAFIA pontoações simples de abertura circular. Baas, P. The wood anatomical range in Ilex (Aquifoliaceae) and its ecological and Traqueídeos vasculares, traqueídeos vasicên- phylogenetic significance. BLUMEA, v.21, p. tricos e espessamentos helicoidais, ausentes. 193-258,1973. Barajas-Morales, J. Wood structural differences * x± s(valor mínimo - valor máximo), onde: x = between trees oftwo tropical forests in Mexico. média; s= desvio padrão. IAWABull., v.6,n.4,p.355-364,1985. Burger, L. M., Richter, H. G.Anatomia da madeira. SãoPaulo: Ed.Nobel, 1991. 154p. ANÁLISE DA ESTRUTURA ANATÔMICA Denardi, L.Estudo anatômico dolenho emorfologia Com relação àcomposição do tecido lenhoso foliar de Blepharocalyx salicifolius (H.B.K.) de Salix humboldtiana, os valores encontra- Berg, em duas regiões do Rio Grande do Sul. Santa Maria: UFSM, 2004. 94f. Dissertação dos estão plenamente de acordo com oreferido, (Mestrado em Tecnologia de Produtos Flores- pela FAO (1980), para os gêneros Salix e tais) - Universidade Federal de Santa Maria. Populus. Denardi,L.Anatomia eflexibilidade docaule dequa- A presente descrição anatômica concorda, tro espécies lenhosas para omanejo biotécnico em linhas gerais, com aquela feita por de cursos de água. Santa Maria: UFSM, 2007. Wiedenbrug (1948) e Tortorelli (1956); a fre- 113p.Tese (Doutorado em Manejo Florestal)- qüência de vasos e raios, bem como o compri- Universidade Federal de Santa Maria. 30 Dujardin, E. P.Eine neue Holz-Zellulosenfaerbung. Marchiori, 1.N.C.Dendrologia dasAngiospermas: Mikrokosmos, n.53,p.94, 1964. das Bixáceas às Rosáceas. Santa Maria: Ed. Durlo, M. A., Sutili, F.J. Bioengenharia: Manejo UFSM,2000.240p. biotécnico decursos deágua. PortoAlegre: ESr, Marchiori,1.N.C.Fitogeografia doRioGrande doSul: 2005. 189p. Campos sulinos.PortoAlegre:ESr, 2004. 11Op. FAO. Los álamos y lossauces en la producción de Reitz,R,Klein,R.M.,Reis,A.Projeto madeira doRio Grande doSul.PortoAlegre:Sudesul,1988.525p. madera y la utilización de las tierras. 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