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Ana Maria Cardoso PDF

236 Pages·2007·1.29 MB·Portuguese
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LITERATURAS BRASILEIRA, PORTUGUESA E LUSO- AFRICANA Sonho e transgressão em Caio Fernando Abreu: o entrelugar de cartas e contos Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Campos Ana Maria Cardoso Tese de Doutorado em Literaturas Brasileira, Portuguesa e Luso-Africana apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 2007 2 Escancarar portas e janelas Para sair nu pelas varandas Desvairado e nu Profeta, louco, infante. Sair para o vento O sol, as tempestades, as neves, As quedas de estrelas e Bastilhas, Os cheiros de jasmins Entontecendo os quintais. Caio Fernando Abreu O estrangeiro torna-se a figura na qual se delega o espírito perspicaz e irônico do filósofo, o seu duplo, a sua máscara. Ele é a metáfora da distância que deveríamos tomar em relação a nós mesmos, para relançar a dinâmica da transformação ideológica e social. Julia Kristeva Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai se ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto. Caio Fernando Abreu 3 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO(CIP) BIBLIOTECÁRIO RESPONSÁVEL: Leonardo Ferreira Scaglioni CRB-10/1635 C268S Cardoso, Ana Maria Sonho e transgressão em Caio Fernando Abreu : o entrelugar de cartas e contos / Ana Maria Cardoso. – Porto Alegre, 2007. 236 f. Tese (Doutorado em Letras) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre, BR- RS, 2007. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Campos. 1. Literatura brasileira; 2. Literatura sul- riograndense; 3. Abreu, Caio Fernando, 1949- 1996 : Critica e interpretação; 4. Contos; 5. Cartas; 6. Literatura e história. I. Título. CDD B869.37 4 Resumo Este trabalho visa a analisar e interpretar O ovo apunhalado, coletânea de contos de Caio Fernando Abreu, publicada em 1975, em sintonia com as cartas do escritor, a fim de investigar em que medida — e tendo em vista o conjunto da obra — se estabelecem diálogos com as diferentes representações sócio-culturais do seu tempo, em especial dos anos 70, fase assinalada pela conquista da notoriedade do ficcionista sul-riograndense no cenário da literatura brasileira. Os distintos modos de composição utilizados em O ovo apunhalado assinalam a postura de permanente contravenção à realidade objetiva e subjetiva, resultado de um jogo dialético com as vicissitudes históricas. Para tanto, os fundamentos teóricos de Theodor Adorno, Walter Benjamin, Georg Simmel, entre outros, contribuem para elucidar que as rupturas com a forma literária efetuam-se por uma não conformidade aos fenômenos histórico-sociais. As cartas, por sua vez, reiteram a contundência literária, diretamente relacionada à irreverência do escritor enquanto sujeito social. Evidencia-se que a estranheza da escritura de Caio Fernando Abreu em relação a padrões da literatura sul-rio-grandense e da literatura brasileira é concomitante à estranheza do sujeito social, o que se funda, sobretudo, numa postura anticonvencional originária de um sonho: o de que a realidade pudesse ser outra. Palavras-chave: Caio Fernando Abreu, Literatura Brasileira, Literatura sul-riograndense, ficção contemporânea, O ovo apunhalado, contos, cartas, História do Brasil: década de 70, Indústria cultural, Contracultura 5 Sumário 1 Caio Fernando Abreu e o contexto dos anos 70.........................................................07 2 O olhar da crítica........................................................................................................13 3 Estranhos territórios 3.1 O cenário histórico-social........................................................................................36 3.2 Contravenções, trânsitos e inserções.......................................................................45 4 Cartas: o fluir das estações 4.1 Vida e obra..............................................................................................................84 4.2 O lugar das cartas....................................................................................................88 5 O ovo apunhalado nos anos 70 5.1 Insólitas experimentações.....................................................................................131 5.2 O ascendente consumo......................................................................................... 146 5.3 Violência e contestação.........................................................................................166 5.4 O amor transgride regras.......................................................................................189 6 Caminhos inusitados................................................................................................215 7 Referências Bibliográficas.......................................................................................225 6 Abstract The present paper aims at analyzing and interpreting O ovo apunhalado, which is a collection of short stories by Caio Fernando Abreu, published in 1975, in synchrony with the writer’s letters, in order to investigate in what measure – and in view of his entire work - dialogues are established with the different social-cultural representation of his time, especially in the 1970’s, a phase which was designated for the conquest of the notoriety of this fictionist from Rio Grande do Sul in the Brazilian literature scene. The distinct ways used to compose O ovo apunhalado designate the posture of permanent contravention of the objective and subjective reality, result of a dialectic game with the historical vicissitudes. For in such a way, the theoretical beddings of Theodor Adorno, Walter Benjamin, Georg Simmel, among others, contribute to elucidate that the ruptures with the literary form are added by a non-conformity to the historical-social phenomena. The letters, in their turn, reiterate the literary force, directly related to the writer’s irreverence as a social subject. It is evident that the queerness of Caio Fernando Abreu’s writing in relation to the standards of Brazilian literature and the literature from Rio Grande do Sul is concomitant to the queerness of the social citizen, the one who relates, over all, to an anti-conventional posture which was originated from a dream: that the reality could be another one. Keywords: Caio Fernando Abreu, Brazilian Literature, Literature from Rio Grande do Sul, contemporary fiction, O ovo apunhalado, short stories, letters, History of Brazil: 1970’s, cultural industry, Counterculture. 7 1 Caio Fernando Abreu e o contexto dos anos 70 uma flor nasceu na rua!/ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego./Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto/ Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ garanto que uma flor nasceu. Carlos Drummond de Andrade A prosa de ficção dos anos 60 e 70 se tornou uma das mais fecundas ao longo da produção literária brasileira. Aqui, há uma retomada dos processos experimentais e renovadores do modernismo de Mário e Oswald de Andrade. Na fase de transição entre os dois movimentos histórico-sociais, o romance de 30 dá permanência ao anticonvencionalismo e ao inconformismo no âmbito da linguagem e forma literária, mas mantém a crítica social contundente que marca, sobretudo, o que se conceituou definir “romance do Nordeste”. Ainda que mostrassem soluções antiacadêmicas, esses autores acabaram se tornando mais conscientes de sua contribuição ideológica do que de suas experimentações formais. A atual narrativa1 brasileira recupera o ideário transgressor da década de 20, naturalmente que atenta ao período da modernização autoritária imposta pelo regime ditatorial de 1964. Nestas condições, os escritores enfrentam condições extremamente prejudiciais para a sua expressão literária, por conta do fechamento político, em especial, com a implementação da censura pelo AI-5 em 1968. Ocorre que, conforme assinala Antonio Candido, houve uma imediata reação de oposição e negação do sistema discricionário por parte dos artistas. Ademais, a era desenvolvimentista promoveu a expansão do jornalismo, do veículo televisivo, da publicidade, técnicas até então recentes no contexto brasileiro, o que incita o uso de uma linguagem cada vez mais voltada ao padrão, ao linear, à objetividade. Por conta disso, os escritores tendem a experimentar novas formas de atuação literária que representam, em seu imanentismo, o enfrentamento ao regime político-social vigente. Daí a postura de negação e invenção marcar o perfil destas novas representações narrativas. 1 CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: A educação pela noite e outros ensaios. 3 ed. São Paulo: Ática, 2000. 8 Se, por um lado, o Estado emperra a produção cultural brasileira por conta do cerceamento político, por outro, alia-se ao sistema econômico, a fim de fortalecer a produção artística enquanto indústria cultural2. Diante disso, os debates e análises intelectuais se consolidam sob um clima de intensa perplexidade o que motiva, em alguns casos, a definir o período através de conceitos como vazio cultural, desorientação, pobreza cultural, desorganização3. O que se verifica, no entanto, é que, naquelas circunstâncias, eclode o maior número de bons livros do que em qualquer outro período da ficção brasileira4. Assim, é preciso considerar em que medida os fenômenos sócio-culturais, aparentemente dicotômicos, incidem nas inovações e experimentações da arte literária da década e como a expressão dessas motivações e experiências individuais, enquanto categorias estéticas, adquirem participação no universal. Segundo Theodor Adorno a expressão lírica envolve de per si o protesto contra uma situação social5, experimentada por cada um em particular como hostil, estranha, fria, opressora, a qual se encontra impregnada na própria forma da arte. No momento que o escritor nega a estrutura da obra, ele “expressa o sonho de que a situação seria outra” e, concomitantemente, procura reagir “à coisificação do mundo, à dominação das mercadorias sobre os homens que se alastra desde o início da idade moderna e que desde a Revolução Industrial se desenvolveu como poder dominante da vida”. No Brasil, a modernização se efetiva sobretudo nesses anos ditatoriais, embora já tivesse se iniciado no governo de Juscelino Kubitschek. Avaliar criticamente as distintas condições histórico-sociais em vigor exigiu maioridade intelectual, emancipação e afirmação de liberdade por parte dos escritores e artistas brasileiros. A transgressão às normas usuais da literatura firma-se como a tônica do período a partir de um abandono da convenção realista, baseada nos ideais da verossimilhança e lógica da narrativa, a qual assinala, em última instância, uma oposição à ordem social em vigor. Concomitante a isso, reivindica-se a incorporação de vozes antes ausentes na literatura brasileira como a das mulheres, as da livre expressão sexual e as dos “marginalizados” de forma geral. Acrescenta-se ainda um interesse em considerar os saberes não ocidentais ou perifericamente ocidentais, sem maiores receios, a fim de incorporá-los ao texto literário. 2 O conceito de indústria cultural aqui adotado fundamenta-se na concepção de Theodor Adorno, em especial no artigo A indústria cultural In: Sociologia. São Paulo: Ática, 1986. 3 Cf. PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. Poesia marginal : Literatura e cultura nos anos 70. In: Retrato de época: poesia marginal anos 70. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981. 4 CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: A educação pela noite e outros ensaios. 3 ed. São Paulo: Ática, 2000, p.205. 5 ADORNO, Theodor. Conferência sobre lírica e sociedade. In: Textos escolhidos: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 9 Conforme o escritor Silviano Santiago esta é uma das relevantes características da geração dos anos 706. A literatura de Caio Fernando Abreu tem um papel fundamental frente a esse conjunto de obras em que se distinguem, sobretudo, as narrativas de Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Os diferenciados modos de composição literária associados às temáticas notadamente marginais definem a sua literatura, em especial o conto, gênero a que dedica maior atenção ao longo dos seus anos de ofício. No âmbito dos anos setenta, o romance Limite branco (1970) e a antologia de contos de Inventário do irremediável (1970) assinalam a sua fase inaugural, na qual ainda há resquícios de uma prosa de caráter mais documental. No entanto, é a partir das inusitadas experimentações de O ovo apunhalado (1975) que o escritor conquista notoriedade junto à literatura brasileira. O presente estudo dedica-se a investigar em que medida Caio Fernando Abreu dialoga com as diferentes representações sócio-culturais do seu tempo, em especial nos anos 70, fase assinalada por um distinto modo de compor em relação às suas narrativas anteriores. Embora certas tendências críticas insistam em situá-lo como o porta-voz de uma geração, como Antonio Hohlfeldt e Heloisa Buarque de Hollanda, considera-se que há outros traços intrínsecos a sua trajetória literária merecedores de análise e interpretação. Rastreando, pois, alguns passos significativos do percurso de Caio Fernando Abreu pode-se verificar que o legado da obra do escritor não se restringe apenas à representação literária de um determinado grupo ou geração, mas tende a revelar diversas facetas da subjetividade humana, algumas de caráter talvez inédito, frente aos impactantes eventos sociais da época. Nessa perspectiva, os textos de Caio Fernando Abreu, em afinidade com uma tendência da época, procuram dar voz a diferentes agentes sociais7 e, por essa razão, atingem níveis de maior dramatização junto ao leitor. Ao ampliar a escala dos sujeitos representados, o escritor trouxe expressivas contribuições para a literatura brasileira e, concomitantemente, para a literatura sul-rio-grandense, registros que, aliás, merecem ser examinados. O abandono de uma literatura centrada nas diferenças locais ou regionais, como reiteradas por Luís Augusto Fischer e Bruno Souza Leal, pode ser considerado como um dos traços do autor. A partir de O ovo apunhalado (1975), nota-se que as personagens se encontram em territórios urbanos ou em deslocamento das pequenas cidades com destino às metrópoles, para, nas obras posteriores, como em Pedras de Calcutá (1977) e Morangos mofados (1982), fixarem-se 6 SANTIAGO, Silviano. Modernidade e tradição popular. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n. 1, mar 91. 7 Idem, p. 46. 10 predominante nos grandes centros urbanos. Aqui pode-se encontrar, no conjunto da obra, marcas mais ou menos evidentes de um processo de estranhamento em relação a certas linhas de força da literatura brasileira e, sobretudo, da literatura sul-rio-grandense. Ao trilhar seus próprios caminhos, o escritor passa ao largo de certos fundamentos da literatura brasileira no sentido do localismo, da evidência das cores, supostas razões de ser da identidade nacional. Ao atentar para os indivíduos inscritos nos territórios metropolitanos, o escritor distancia-se dos costumeiros eixos da literatura sul-rio-grandense, que centram o seu debate em torno do regional, cujo interesse firma-se no gaúcho, no peão, no coronel. Isto porque, Caio Fernando Abreu, como jovem estudante brasileiro, adere à forte ebulição político- cultural ventilada pelo Maio de 68 na França, que provocou ilimitadas transformações tanto no âmbito público quanto no privado. Afastar-se do ideário da tradição também pode ainda significar uma reação ao arbitrário regime militar, que, em larga medida, utilizou-se do ufanismo e do espírito nacional, a fim de manter o controle político e alavancar a fase desenvolvimentista. Diante destas duas linhas históricas, é possível dizer que o escritor mergulha na transitoriedade do movimento dos jovens rebeldes, que, aliás, surte efeito em diversos territórios mundiais, em contraste com o autoritário regime, que prega a tradição, o conservadorismo, a padronização através da abusiva imposição da violência. A opção pelo ideário transformador de cunho mundial se apresenta no contexto brasileiro, provavelmente, enquanto tensão histórica e exalta uma nova ficcionalidade que busca incansavelmente os resquícios da subjetividade, do sensível, do poético. No caso de Caio Fernando Abreu, a opção por uma linguagem e efeitos narrativos distintos do cânone literário também se configuram, no âmbito da forma8, como significativas rupturas do escritor. A incorporação do discurso da oralidade, o uso de gírias ou, ainda, as simbologias orientais, permitem que o escritor se aproxime do leitor, seu cúmplice, e contribuem, em larga medida, para a criação de personagens que puderam representar as complexas diferenças circunstanciais do período. Entre as múltiplas opções que se apresentavam, Caio Fernando Abreu adere aos parâmetros da Contracultura9 e, por extensão, 8 As rupturas da estrutura narrativa aqui se direcionam muitas vezes ao insólito. O conceito utilizado neste trabalho tem origem no que o filósofo Benjamin observa na expressão surrealista, já que o imaginário abre um espaço de imagens que procura revelar “o mundo em sua atualidade completa e multidimensional, na qual não há lugar para qualquer ‘sala confortável’”. Conforme artigo O surrealismo. O último instantâneo da inteligência européia. In: Magia e técnica: arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 9 A Contracultura procurou contestar o establishment; ao denunciar os males da cultura e da civilização dominantes e, diante disto, marca oposição frente a uma sociedade dominada pela economia do mercado: tecnocratizada, padronizada e consumista. O conceito aqui utilizado tem origem em Theodore Roszak na obra intitulada Para uma contracultura e em Luiz Carlos Maciel, Anos 60; as referências completas podem ser encontradas no último capítulo deste trabalho.

Description:
of Brazil: 1970's, cultural industry, Counterculture. que está fora da Universidade, porém, ainda num sistema cultural alto. Cf. BOSI, Alfredo.
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