Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 Alguns argumentos sobre o internacionalismo liberal norte- americano Gabriel Romero Lyra Trigueiro* A política externa dos EUA: algumas perspectivas metodológicas Estudar o debate sobre a política externa norte-americana é entrar, a um só tempo, em terreno ambíguo e complexo. Frequentemente observamos análises, na imprensa e na academia, que se referem a ele, mas que não procuram dar conta da miríade de variáveis presentes no processo de tomada de decisão dos EUA no sistema internacional. Com justiça, é preciso notar que, sobretudo se levarmos em consideração a natureza plural do país em questão, é possível obter uma infinidade de leituras da política externa norte-americana, segundo os mais variados ângulos e perspectivas. As mais diversas abordagens e hipóteses de trabalho podem ser testadas. É possível que o analista opte por focar na importância, no papel e na correlação de forças existente entre as instituições governamentais que estão diretamente envolvidas na política externa dos EUA – penso agora, por exemplo, em um estudo comparativo entre o papel exercido pelo Congresso e pela Presidência da República, em um dado mandato presidencial. Contrastar a ação simultânea das duas instituições serviria como um interessante estudo de caso do funcionamento, nos EUA, daquilo que Locke chamou de “freios e contrapesos”. Uma via interessante de estudo, é a busca da compreensão do papel exercido por think tanks na formulação da política externa norte-americana1. Na verdade, mais do que simplesmente atentar para a influência exercida (ou, por outra, para a influência que se deseja exercer) é imperativo descortinar o processo recíproco no qual o centro do poder (isto é, a burocracia federal em 1 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 Washington) e os mais variados grupos de pressão pautam e são pautados – eis aí parte significativa deste quebra-cabeça. É evidente que as hipóteses de estudo não se esgotam nos poucos exemplos dados acima. Ainda é possível enumerar as mais diversas abordagens da política externa norte-americana. Por exemplo, a análise das interseções entre política doméstica e externa é um campo complexo e ainda pouco explorado. Neste momento, a perspectiva que adoto é a busca da compreensão do papel que algumas ideias e tradições políticas tiveram/têm no debate público norte-americano relativo à política externa. Dado o seu local de destaque na retórica política dos EUA, analisarei a seguir a chamada tradição liberal internacionalista. A tradição liberal de acordo com Ikenberry: uma interpretação sobre três estágios De acordo com John Ikenberry2, a tradição liberal, ainda que possua traços distintivos em sua longa duração, está sempre sofrendo adaptações ao contexto político e histórico de turno. Isto é, Ikenberry destaca o caráter contingente do internacionalismo liberal. De todo modo, é possível enumerar alguns de seus principais traços constitutivos: a crença na importância do livre comércio como fator de integração; a ênfase na primazia das instituições internacionais na solução de impasses e conflitos; a ideia de que a soberania não é um valor absoluto; a noção de que o direito internacional deve sempre ser respeitado e a expectativa de que o estabelecimento de regimes democráticos é uma iniciativa positiva para o sistema internacional. Segundo Ikenberry, há três modelos principais de internacionalismo liberal: a versão 1.0, a 2.0 e a 3.0. A primeira versão diria respeito às ideias que Woodrow Wilson e os liberais anglo-americanos trouxeram à baila no pós- Primeira Guerra. A versão 2.0 estaria associada ao internacionalismo liberal da Guerra Fria. A versão 3.0, ainda não posta em prática, seria aquilo que Ikenberry chamou de “internacionalismo liberal pós-hegemônico” – sob certos aspectos, um modelo que iria diferir acentuadamente da versão liberal do início 2 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 do século XX. Enquanto esta se baseava na interdependência dos Estados e na criação de uma ordem legal internacional que reforçasse as normas de soberania e não-intervenção, aquela se basearia em modos complexos de cooperação internacional que relativizariam a soberania dos Estados e transfeririam parte significativa da autoridade política para foros globais. O internacionalismo liberal 1.0 Com relação ao internacionalismo liberal 1.0, Ikenberry argumenta que ele se assentava em algumas premissas: (i) na ideia de que os Estados deveriam integrar uma rede de livre comércio e cooperação; (ii) na ênfase na autodeterminação dos povos e (iii) na crença de um sentido evolutivo (progressista) da história. Com relação ao argumento liberal de Wilson, o papel da Liga das Nações ocupava uma posição de destaque. Tratava-se de um foro destinado à segurança coletiva internacional que estaria aberto ao ingresso de todos os Estados que decidissem integrá-lo. A Liga possuiria mecanismos de resolução de disputas, e cada membro que a integrasse assumiria compromissos (por vezes difusos) com relação à segurança dos demais. Ikenberry recorda do caráter ambíguo da Liga: se por um lado ela surgia baseada na crença de Wilson de que uma ordem pacífica e estável só poderia emergir diante de Estados liberais e democráticos, por outro lado ele acreditava que a arquitetura de uma ordem liberal deveria ser aberta e plural em seu escopo e composição – admitindo Estados com regimes políticos os mais variados. Wilson reconciliava essa ambiguidade, ou contradição, com a crença de que uma vez que países não-democráticos integrassem esse sistema de segurança coletiva, gradativamente eles iriam adotar um comportamento pautado pelas normas e leis internacionais e, eventualmente, isso poderia inclusive levá-los a uma transição democrática no médio ou longo prazo. Ainda sobre a relação do argumento wilsoniano com a importância do regime democrático, Ikenberry menciona o fato de que mesmo na primeira 3 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 proposta que Wilson fez sobre a Liga das Nações, em 14 de fevereiro de 1919, em Paris, até o momento em que a versão final de seu projeto fora adotada, em 28 de abril do mesmo ano, a palavra “democracia” sequer apareceu. A principal missão da Liga estava circunscrita à promoção da paz, basicamente por meio de arbitragem e da redução de armamentos – além do uso ocasional de sanções coletivas. Ademais, é importante lembrar o caráter essencialmente westfaliano do internacionalismo liberal da Era Wilson. Em momento algum o modelo do estado-nação foi questionado. Pelo contrário. As ideias liberais e progressistas, neste momento, estavam intimamente associadas à agenda política antiimperialista. Basta recordar, por exemplo, da declaração dada por Wilson, em maio de 1916, em que ele afirmou que Estados pequenos e nações grandes e poderosas deveriam possuir igualmente o direito à soberania e à integridade territorial livre de qualquer tipo de agressão externa. No entanto, é importante destacar que, durante a Conferência de Paris, Wilson se posicionou de modo hesitante no que diz respeito à inclusão de países não-europeus em sua agenda liberal3. Ele foi cauteloso, e politicamente habilidoso, ao não confrontar o domínio britânico na Irlanda, no Egito e na Índia. Do mesmo modo, Wilson procurou não se opor ao domínio francês na Indochina. O presidente dos EUA se ocupou prioritariamente em reconhecer as nações novas que emergiam naquele momento das ruínas dos impérios russo, alemão, austro- húngaro e otomano. A própria noção de autodeterminação, esboçada por Wilson, era eivada de condescendência e de um tanto de gradualismo – isto é, determinados povos só estariam aptos a uma “autodeterminação soberana” apenas quando estivessem “maduros” e “desenvolvidos” de modo adequado. Não por outro motivo que a Liga das Nações inauguraria o seu sistema de mandatos, que viria como substituto às antigas administrações coloniais. A ideia era prover a manutenção da ordem em regiões que não fossem “maduras” e “desenvolvidas” o suficiente – de acordo com critérios externamente formulados. De acordo com Ikenberry, a noção wilsoniana de internacionalismo 4 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 liberal se baseava na igualdade de soberanias entre os Estados. Diferente do que viria a ser as Nações Unidas, a Liga das Nações não dispunha de uma arquitetura institucional que privilegiasse qualquer tipo de hierarquia formal. Seu Conselho Executivo limitava-se a iniciar investigações e a fazer recomendações aos demais membros integrantes. Também é importante destacar que a visão de Wilson, acerca do direito internacional, era uma visão típica de um homem do século XIX. Isto é, ele via o direito internacional menos como uma série de mecanismos formais de comprometimento e de transferência da autoridade do Estado soberano para instituições supranacionais e mais como normas e expectativas que, aos poucos, seriam adotadas pelos Estados em questão. Outro aspecto fundamental daquilo que Ikenberry chamou de internacionalismo liberal 1.0 foi a visão restrita do conceito de “cooperação internacional”. Tal qual proposto por Wilson, o sistema de cooperação internacional adotado no início do século XX basicamente dizia respeito à segurança mútua e livre comércio. Noções que frequentemente julgamos afins à agenda liberal, tais como a promoção de princípios humanitários no sistema internacional, redes de proteção social e desenvolvimento econômico não eram familiares ao programa do internacionalismo liberal 1.0. Ikenberry o descreve como tendo sido, a um só tempo, ambicioso e limitado. A ambição se explicaria na ideia de transformar uma ordem global antiga (baseada em alianças, balança de poder, rivalidades militares e esferas de influência) em uma ordem liberal assentada no direito internacional e no Estado-nação. A limitação se justificaria a partir do argumento segundo o qual o internacionalismo liberal 1.0 teria fracassado em criar instituições capazes de transformar o status quo de então. A agenda liberal do período estava circunscrita à “opinião pública e à persuasão moral” – elementos que, sozinhos, não seriam suficientes para ocasionar uma mudança na natureza no sistema internacional. 5 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 O internacionalismo liberal 2.0 Sobre o internacionalismo liberal 2.0, Ikenberry argumenta que, durante a década de 1940, a intenção do presidente Franklin Delano Roosevelt (FDR) não era tanto alterar sua lógica básica e sim acrescer maiores doses de “realismo” na equação – sobretudo através da inserção de mecanismos que efetivassem a participação dos “grandes poderes” do sistema internacional dentro da arquitetura liberal que então estava sendo gestada (desde a administração Wilson, é certo). De acordo com a lógica básica do argumento de Ikenberry, o internacionalismo liberal possui algumas premissas básicas, no entanto, é imperativo que o compreendamos de acordo com sua historicidade. Dito de outra forma, trata-se de um conjunto de interpretações da realidade que estão, elas mesmas, sujeitas à contingência. É precisamente o que o autor argumenta que ocorrera durante a década de 1940. Um sem-número de fatos que aconteciam, mais ou menos de forma simultânea, naquele contexto histórico, contribuiu para a emergência daquele tipo particular de internacionalismo liberal. Por exemplo, Ikenberry faz menção ao processo de reconstrução da Europa, à integração da Alemanha e do Japão na ordem econômica e política do pós-guerra e, sobretudo, à contenção do comunismo soviético pelo bloco ocidental. Segundo Ikenberry, a Carta do Atlântico e o discurso das Quatro Liberdades de Roosevelt continham os principais argumentos constitutivos do internacionalismo liberal 2.0 – uma versão de liberalismo que possuiria uma “agenda mais expansiva” e um papel mais premente para os “grandes poderes”, bem como para as instituições de governança. Sobretudo se comparada à versão esboçada durante o governo Wilson. No entanto, Ikenberry demonstra que ocorreria uma consequência imprevista na criação daquele tipo específico de liberalismo. Ele acabou se tornando mais institucionalizado e ocidentalmente centrado do que fora imaginado inicialmente. Ademais, a fraqueza européia (daquele momento) somada à 6 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 “ameaça soviética” viabilizou que ocorresse uma tomada de liderança, por parte dos EUA, naquela ordem liberal ainda incipiente no pós-guerra. Logo os EUA se viram como “patrocinadores” e principais “gestores” daquela ordem – que de meramente liberal passara a “liberal hegemônica”. Cada vez mais, aspectos da política doméstica norte-americana se fundiam com a construção do internacionalismo liberal 2.0. O papel do dólar, da dinâmica econômica interna dos EUA e das alianças forjadas no contexto da Guerra Fria contribuíram para que os EUA se vissem comprometidos, mais e mais, com a criação e gestão da nova ordem liberal do pós-guerra. Ikenberry argumenta sobre a inflexão que ocorrera no final da década de 1940. Isto é, a cooperação que se dava em torno de temas relativos à segurança, se deslocou frequentemente do Conselho de Segurança da ONU para a OTAN. A administração da economia mundial igualmente se transferia gradativamente das estruturas criadas em Bretton Woods para o sistema econômico norte- americano. No que diz respeito aos novos compromissos firmados em torno de questões de segurança, o internacionalismo liberal 2.0 restringiu os objetivos e comprometimentos acordados entre os Estados – tornou-os mais específicos e limitados. Além disso, todos esses objetivos e comprometimentos estariam baseados em uma noção de solidariedade que estaria circunscrita a uma ideia de comunidade ocidental. Outro aspecto que ganharia força a partir do internacionalismo liberal 2.0, seria a ideia de que o conceito westfaliano de soberania (tão caro a Wilson, por exemplo) seria mitigado, talvez substituído, pela ideia de interdependência entre os governos dos diversos Estados. O fato é que a excepcional afluência da economia norte-americana no pós-guerra alçou os EUA a uma condição completamente assimétrica dentro do sistema internacional. Em grande medida, foi esta condição de assimetria que viabilizou a hegemonia norte-americana na construção desta ordem política, econômica e militar. Ikenberry, no entanto, argumenta que o caráter da liderança exercida pelos EUA foi essencialmente liberal e não imperial. De acordo com ele, essa afirmação se justificaria na medida em que os EUA sempre se pautavam pela provisão de bens públicos e por ações em acordo 7 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 com as regras e instituições do sistema. Embora, é claro, Ikenberry reconheça que as relações existentes entre os EUA e os países da Europa Ocidental eram bem diferentes das relações travadas entre os EUA e os países do Sudeste Asiático, por exemplo. De todo modo, Ikenberry acredita que a posição dominante dos EUA, no globo, viabilizou o que ele chamou de “divisão dos espólios da modernização e do capitalismo” com os demais Estados participantes do sistema. De acordo com Ikenberry, o principal traço distintivo do internacionalismo liberal 2.0 foi a ideia de conciliar “compromissos” e “acomodações” entre os Estados com uma estrutura hierárquica na qual os EUA possuíam papel de destaque. O internacionalismo liberal 2.0 também originaria uma nova forma de lidar com as questões relativas à segurança no sistema internacional. Neste particular, é instrutivo notarmos que a noção de “segurança nacional” ganharia contornos mais complexos e expansivos do que aqueles adotados no argumento internacionalista liberal 1.0. Na verdade, durante meados da Primeira Guerra Mundial, a expressão “segurança nacional” sequer existia. O termo que estava então em voga era “defesa”, e basicamente se referia à proteção do território doméstico de ataques militares externos. No entanto, com o advento da Segunda Guerra Mundial, emerge a ideia de “segurança nacional”, e com ela a noção de que a segurança deveria ser buscada através de um Estado “ativista” e “permanentemente mobilizado” em diversas esferas, tais como: econômica, política e, é evidente, militar. O argumento subjacente ao conceito de “segurança nacional” era o de que os EUA deveriam sempre projetar poder, em âmbito externo, buscando adequar o sistema internacional aos seus interesses estratégicos. No entanto, alguns fatores históricos atuariam no sentido de provocar uma derrocada do internacionalismo liberal 2.0. O colapso do padrão ouro (durante a década de 1970) e a expansão das economias de diversos países (com a consequente diminuição da centralidade das economias atlânticas) foram dois fatores que geraram impactos intensos naquela ordem – que, de acordo com Ikenberry, havia sido gestada “dentro” de uma ordem global bipolar. Entretanto, assim que essa ordem global bipolar ruiu, a ordem 8 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 internacionalista liberal 2.0 se deslocou para “fora” daquela ordem na qual ela havia sido criada. Ikenberry enumera alguns motivos pelos quais o internacionalismo liberal 2.0 perdera sua viabilidade. Em primeiro lugar, com o fim da Guerra Fria, os EUA perderiam o seu status de provedor global de segurança. Sua principal justificativa de ação era a manutenção de uma zona viável de “estabilidade” e “segurança” frente à “ameaça soviética” sempre presente. Ao mesmo tempo, a contraposição da União Soviética levava os EUA a adotarem um modus operandi pautado pela “disciplina” e “restrição”, no que diz respeito ao exercício do poder no sistema internacional. Esse tipo de arquitetura de poder, presente na ordem global bipolar, induzia os EUA a arcarem com suas responsabilidades globais, proverem bens públicos e “operarem dentro de um sistema de regras e instituições”. Essa configuração de coisas forneceu bases para que ocorressem uma série de barganhas, compromissos e incentivos que transcendessem a esfera de segurança. Em segundo lugar, Ikenberry discorre sobre um dos efeitos colaterais decorrentes da passagem de uma ordem bipolar para uma unipolar. Segundo ele, em uma ordem bipolar, Estados poderosos eram capazes de exercer um papel na liderança de coalizões contra blocos antagônicos – o que lhes permitia algum tipo de ingerência política mais ativa. Com a mudança para uma ordem unipolar, esses Estados começaram a perder gradativamente sua capacidade de influência no sistema internacional. Em terceiro lugar, Ikenberry aponta o impacto que ideais humanitários e a noção de “responsabilidade de proteger” tiveram no conceito westfaliano de soberania. Cada vez mais, pautada não apenas por critérios humanitários, mas também de segurança, a comunidade internacional passou a se interessar pela governança doméstica dos Estados que a constituem. A consequência direta foi tornar o conceito de soberania cada vez mais contingente. Para Ikenberry, essa nova lógica criou uma “licença” para que Estados poderosos obtivessem um arcabouço jurídico que viabilizasse a intervenção nos assuntos domésticos de Estados institucionalmente mais fracos. Além disso, a partir do momento em que uma 9 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 das principais premissas da política internacional é solapada (ainda que parcialmente), seriam geradas consequências imprevistas. Sobretudo porque, de acordo com Ikenberry, não surgiria qualquer doutrina que fosse consensualmente aplicável de modo genérico. Por outra, cada caso se constituiria em um contencioso particular, sem bases claras de aplicação prática em casos posteriores – gerando instabilidade no sistema internacional e pouca previsibilidade. Ademais, com os EUA sendo, na prática, a única força com capacidade de agir militarmente em diversos pontos simultâneos (diferente da ONU, por exemplo) uma crise de legitimidade iria se instaurar. Em quarto lugar, Ikenberry menciona o fato de que as fontes de instabilidade e violência, antes circunscritas aos Estados, se expandiram e chegaram às mãos de atores não-estatais. Como consequência, os maiores problemas de segurança passaram a dizer respeito à incapacidade dos Estados em “impor a lei e a ordem, dentro de suas próprias sociedades”, uma vez que a ausência desse tipo de controle poderia implicar em graves ameaças à estabilidade do sistema internacional. Em quinto lugar, a globalização e a expansão da economia internacional adicionou à equação atores não-ocidentais – tais como China e Índia, por exemplo. Tratava-se de uma mudança estrutural abrupta para uma ordem que havia sido gestada como um sistema essencialmente atlântico. Em resumo, Ikenberry argumenta que o somatório da crise do conceito de soberania, a força dos ideais humanitários e a proliferação de novas formas de violência (sobretudo a partir de atores não-estatais) criou problemas severos na arquitetura daquilo que ele chamou de ordem internacionalista liberal 2.0. Mais do que isso: com o fim da Guerra Fria, e a consequente ruína de uma ordem bipolar, uma crise de legitimidade iria se instaurar no sistema internacional. Isto é, quem estaria habilitado a pôr em prática, em âmbito externo, as novas normas de segurança – sobretudo no que diz respeito à preocupação com os direitos humanos? Embora os EUA gozassem de plena capacidade econômica e militar para ocupar este posto, não necessariamente gozavam de legitimidade 10
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