UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS A FUNÇÃO SOCIAL DOS VERNISSAGES NO CAMPO DA ARTE Alexandre Dias Ramos Porto Alegre 2012 Alexandre Dias Ramos A FUNÇÃO SOCIAL DOS VERNISSAGES NO CAMPO DA ARTE Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para obtenção do título de Doutor em História, Teoria e Crítica da Arte. Banca examinadora: Orientador: Prof. Dr. José Augusto Avancini PPG Artes Visuais – UFRGS Profa. Dra. Ana Maria Albani de Carvalho PPG Artes Visuais – UFRGS Prof. Dr. Caleb Faria Alves IFCH – PPG Antropologia – UFRGS Prof. Dr. Charles Monteiro PPG História – PUC-RS Profa. Dra. Icleia Borsa Cattani PPG Artes Visuais - UFRGS 2 Resumo O objetivo geral desta pesquisa é estudar os dispositivos de atuação dos agentes no campo das artes através dos vernissages, estes eventos sociais aglutinadores que servem não apenas para inaugurar uma determinada exposição, mas também como palco para a construção de capital simbólico e social, necessários para o funcionamento do próprio campo. Pretendemos analisar a atuação dos convidados no espaço expositivo e os conceitos associados à experiência pessoal de cada agente do campo artístico, a partir de entrevistas; por fim, pretendemos mostrar a importância dos vernissages para o mundo da arte. Por que o vernissage é importante? Sua existência traz, de antemão, um poderoso instrumento de divulgação e de coesão social – o convite privado e público que faz a seu público: um chamamento. Desta forma, pretendo apresentar um estudo relevante para uma melhor compreensão sobre o funcionamento do campo artístico, dos papéis dos diversos agentes nesse campo, mostrando que os vernissages podem ser, em boa medida, um importante instrumento para a própria construção do público de arte. Palavras-chave: etiqueta – gosto – público – museologia – sociologia da arte – vernissage 3 Abstract The general aim of this study is to investigate the mechanisms of the action of agents in the art world through vernissages (art openings), social events that bring people together, not just to open a particular exhibition, but also as the stage for the construction of symbolic and social capital necessary for the operation of the art world itself. It aims to analyse the behaviour of guests in the exhibition space and the concepts associated with the personal experience of each agent on the art scene conducted through interviews; and finally it aims to show the importance of these vernissages for the art world. Why is the vernissage important? Its existence is a powerful anticipatory instrument for publicising and for social cohesion – the private and public invitation that is created for its audience: a convocation. I intend to present a study that is relevant for a better understand of the running of the artistic field, and of the roles of the various players in the field, showing that vernissages may be, in large measure, an important instrument for the actual construction of art public. Key words: etiquette – taste – public – museology – sociology of art – art openings 4 à Nat e à Nayá, amores da minha vida. 5 Sumário 1. Inauguração 7 2. O verniz sobre o público 14 2.1. A civilidade como berço dos critérios de distinção social 15 2.2. Apreciação... não necessariamente da obra de arte 40 3. Disposição da exposição 46 3.1. A teoria institucional da arte 46 3.2. A institucionalização teórica da arte 62 3.3. A pesquisa de campo 99 3.4. O vernissage para seus atores 116 4. Encerramento 168 5. Referências 172 6. Anexos: entrevistas 176 6.1. Bernardo José de Souza 176 6.2. Paula Braga 185 6.3. Marga Pasquali 189 6.4. Mariana Alvares Bertolucci 199 6.5. Dulce Helfer 213 6.6. Tatata Pimentel 217 6.7. Milton Machado 232 6.8. Telmo Rodriguez Freire 246 6.9. Rogério Livi 270 6.10. Marcelo Monteiro 281 6.11. Tadeu Chiarelli 286 6.12. Cesar Giobbi 293 6.13. Nivaldo Narã 294 6.14. Amauri Jr. 296 7. Índice de imagens 299 6 1. Inauguração Parabéns pelos trabalhos, muito bonitos! Ah, obrigado, que bom que você gostou! Nos conhecemos na exposição do Museu Municipal no ano passado, lembra? Ah, sim, agora me lembro! Estava muito boa aquela exposição! Sim, obrigado; na verdade, esta é um desdobramento daquela. Muito interessante! Deixa eu te apresentar: essa aqui é Carmitta de Tal, coordenadora do núcleo de altos estudos do oeste do Morro do Leste, uma admiradora de seu trabalho! Prazer! Prazer! Parabéns pelos trabalhos... Com licença... Claro, claro! Há muitos estudos acerca da apreciação da obra de arte e sua rede de significados ante um espectador, mas, apesar da sua absoluta importância, o elemento menos conhecido da arte tem sido o próprio espectador. Tão importante quanto as mudanças que transformaram substancialmente a obra de arte ao longo da história (principalmente no séc. XX) são as mudanças operadas no próprio público de exposições de arte; no entanto, os trabalhos que analisam seus aspectos sociais e comportamentais são escassos. Há poucas publicações direcionadas especificamente para as “estruturas estruturantes” – para utilizar um termo do sociólogo Pierre Bourdieu – que dizem respeito aos âmbitos da materialidade e da imaterialidade que regem o sistema das artes como objeto autônomo de pesquisa.1 1 Segundo Ester de Sá Marques (2008), “estas estruturas estruturantes possuem um certo grau de convencionabilidade que possibilita a apropriação, interpretação e produção simbólica dos sujeitos 7 O objetivo geral desta pesquisa é estudar os dispositivos de atuação dos agentes no campo das artes através dos vernissages, estes eventos sociais aglutinadores que servem não apenas para inaugurar uma determinada exposição, mas também como palco para a construção de capital simbólico e social, necessários para o funcionamento do próprio campo. Pretendemos analisar a atuação dos convidados no espaço expositivo e os conceitos associados à experiência pessoal de cada agente do campo artístico; por fim, pretendemos mostrar a importância dos vernissages para o mundo da arte. Por que o vernissage é importante? Sua existência traz, de antemão, um poderoso instrumento de divulgação e de coesão social – o convite privado e público que faz a seu público: um chamamento. Geralmente, as teses se direcionam para as questões ontológicas do objeto artístico em relação à criação ou à transcendência do batismo de um artefato em “obra de arte” – este batismo, dentro da filosofia analítica, que estabelece um estatuto aurático para tal artefato e o faz reconhecido, deste modo, como objeto “classificado”. E como, na maioria dos casos, a tentativa de levantar as questões valorativas da obra de arte nos levaria, no máximo, a uma incompleta (e infinita) conceituação do “que é arte?”, optamos por tratar, justamente, do outro lado da parede – vamos dizer assim –, dos atores sociais no campo que corroboram para a construção dos valores da obra no mundo da arte. Para fugirmos de uma análise subjetiva, optamos por separar, nesta pesquisa, os aspectos axiológicos da obra (e sua apreciação pelo público) dos aspectos estruturantes do evento, ou seja, apesar do objeto de arte sempre estar destinado a uma apreciação estética, efetivada pelo público a que se destina, o que vai nos individuais e coletivos. [...] Deste modo, é possível realizar processos de socialização com os Outros partilhando assim suas subjetivações e objetivações através de representações sociais”. 8 interessar aqui é a estrutura montada para o funcionamento dessa apreciação, desse fruir que é o convite principal que o vernissage faz a seu público, num determinado tempo e espaço. Vernissage da exposição Noites Brancas, de Julião Sarmento, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, na cidade do Porto (Portugal), em 23 de novembro de 2012. Foto: Fundação Serralves. Os vernissages servem também como legitimadores de qualidade, valor e reconhecimento (para o artista, para a obra, para o galerista e para os próprios convidados), conforme sua divulgação e produção. Há toda uma rede de relações envolvendo um conjunto de agentes sociais que vão legitimar ou ignorar o evento, dependendo de outro conjunto de valores – locais, sociais, históricos ou econômicos. A legitimidade é auferida pelos pares, que são aqueles capazes de avaliar segundo critérios reconhecidos pelo próprio meio. O que desejo construir aqui é uma ideia de vernissage a partir de seus contemporâneos, mostrando 9 parte das operações sociais desenvolvidas no campo da arte, através da atuação, nos dois sentidos do termo, dos agentes nos vernissages – compreendendo os vernissages como palcos privilegiados para a visualização dessa movimentação. Entender como isso se dá pode contribuir para uma melhor reflexão sobre o sistema das artes em nosso tempo. É muito recente a ideia de exposição de arte do modo como a conhecemos hoje, seja em relação à estrutura física, o espaço museal e as concepções curatoriais envolvidas, seja em relação à própria concepção de obra de arte, advinda principalmente do final do séc. XIX. Paralelamente a uma espécie de história das exposições de arte, vem uma história do próprio comportamento social no campo da arte: os modos de vestir, gesticular, cumprimentar, falar, ver e ser visto nos eventos ligados à alta cultura. São inúmeros os modos de distinção entre classes: a linguagem, o comportamento, o acúmulo de bens materiais, o acúmulo de conhecimento formal e uma série de vivências, experiências adquiridas ao longo do convívio social – trajetória de vida incorporada –, que vão determinar as ações de cada agente no campo. É esse sistema de disposições adquiridas que Bourdieu vai chamar de habitus: produto de toda a história individual, adquirido através da experiência durável de uma posição no mundo social (produto de condições e condicionamentos sociais). As classes e grupos sociais têm seus esquemas próprios de percepção e classificação, que podem evidentemente sofrer alterações conforme o habitus pessoal, mas que determinam estatisticamente tomadas de posições características. Dessa maneira, podemos afirmar que o habitus é uma matriz cultural que determina, desde a infância, escolhas e ações 10
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